Relatório de Pesquisa 4.4.1
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- Lucca Tuschinski Coelho
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1 Relatório de Pesquisa REQUISIÇÃO DE PRONTUÁRIO MÉDICO. SIGILO PROFISSIONAL. RELATIVIDADE. REQUISIÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. ORDEM JUDICIAL. O dever de sigilo não é absoluto, conforme as exceções legais previstas no Código de Ética Médica. O médico deve fornecer prontuário médico quando o interesse público se sobrepõe ao particular. Ordem judicial que não deve ser descumprida, tendo em vista se tratar, aquela, de justa causa por excelência. Recusa no fornecimento da documentação enseja providência de busca e apreensão, sem prejuízo de responsabilização criminal. 1. Questionamento: Estamos com um expediente policial onde o Delegado de Polícia requer seja determinado judicialmente o fornecimento de prontuário de atendimento médico relativo à uma gestante, cujo feto veio a falecer, em seguida ao parto, em decorrêcia de lesão cerebral por uso do forceps. Tal documento se faz necessário para dar continuidade à investigação de homicídio culposo em andamento. O Hospital se nega a fornecer tal documento, informando que está seguindo orientação do CREMERS, que impede o envio de cópia do prontuário médico de pacientes, visando sigilo e proteção. Todavia, o hospital coloca toda a documentação necessária à disposição de perito a ser nomeado pelo juiz para a análise, dentro da instituição nosocomial. Pergunto: devemos opinar pela nomeação de perito? Caso afirmativo, devemos fornecer quesitos? Quais?
2 2. Fundamentação: Consoante dispõe o art. 1º da Resolução n.º 1.638/2002 do Conselho Federal de Medicina, prontuário médico é o documento único constituído de um conjunto de informações, sinais e imagens registradas, geradas a partir de fatos, acontecimentos e situações sobre a saúde do paciente e a assistência a ele prestada, de caráter legal, sigiloso e científico, que possibilita a comunicação entre membros da equipe multiprofissional e a continuidade da assistência prestada ao indivíduo. E, acerca na norma legal prevista no artigo 69 da Lei n.º 3.268/57 (Código de Ética Médico), é obrigatório e individual. Portanto, pode-se dizer que as anotações constantes no prontuário médico dividem-se em extrínsecas e intrínsecas. Aquelas dizem respeito às informações que não firam a privacidade do paciente e que não adentrem nos procedimentos específicos do médico, podendo ser informadas sem que ocorra a quebra do sigilo profissional decorrente da prestação do serviço. Devem, com isso, ser fornecidas ao requisitante quando solicitadas: ADMINISTRATIVO. SIGILO PROFISSIONAL. É dever do profissional preservar a intimidade do seu cliente, silenciando quanto a informações que lhe chegaram por força da profissão. O sigilo profissional sofre exceções, como as previstas para o profissional médico, no código de ética médica (art. 102). Hipóteses dos autos em que o pedido da justiça não enseja quebra de sigilo profissional, porque pedido o prontuário para saber da internação de um paciente e do período. Recurso ordinário improvido. (RMS 14134/CE, DJ ,Rel. Min. Eliana Calmon).
3 Estas (as anotações intrínsecas) são as anotações referentes à doença propriamente dita, suas eventuais complicações e as medidas adotadas pelo profissional na recuperação do paciente, as quais compreendem, salvo exceções, segredo profissional, disciplinado pelo artigo 102 do Código de Ética Médica, que assim dispõe: Art É vedado ao médico revelar fato de que tenha conhecimento em virtude do exercício de sua profissão, salvo por justa causa, dever legal ou autorização expressa do paciente. (sem grifo no original). O sigilo é a regra, vez que tem base em razões jurídicas, morais e sociais. Todavia, não se configura em uma regra absoluta, pois comporta exceções (ainda que excepcionalíssimas), situações em que se pode revelar o conteúdo do prontuário médico. São portanto, as exceções: a) justa causa; b) dever legal c) autorização expressa do paciente. Dever legal são as obrigações decorrentes daquilo previsto e regulado em lei, cujo não cumprimento acarreta em crime. Autorização expressa do paciente dispensa maiores comentários pela clareza do item. Justa causa merece maiores elucidações. Esta possui um universo muito amplo, tornando-se difícil estabelecer limites em seu conceito, mas a revelação deve ocorrer quando se tornar necessária para salvaguardar interesses manifestamente superiores 1. 1 Coleção dos pareceres da Procuradoria-Geral da República, Segredo médico, autor desconhecido, Portugal,
4 Como já foi dito, não há dúvida de que o conteúdo intrínseco do prontuário médico pertence ao paciente e em respeito a sua privacidade é que impõe o sigilo dessas informações. Todavia, essa reserva de informação é relativa, pois o que se protege não é uma vontade caprichosa e exclusiva de cada um isoladamente, mas a tutela do bem comum, os interesses de ordem pública e a harmonia social. E o que se proíbe é a revelação ilegal que tenha como motivação a má-fé, a leviandade ou o baixo interesse. 2. Nesse passo, ao se negar a prestar as informações contidas em prontuário médico sob a alegação de ausência de justa causa, esse profissional (o médico) estará conceituando, sob sua ótica, o que é justa causa. Num primeiro momento até pode competir-lhe tal análise, mas a sua recusa deverá ser fundamentada e o atendimento à solicitação deverá ser atendida se a negativa não restar aceita pelo Judiciário, órgão competente a dirimir eventual divergência entre o requisitante e o médico. Entretanto, aqui cabe fazer duas distinções acerca daquilo que pode ser considerado como conteúdo intrínseco e objeto da investigação: a) a declaração referente ao paciente propriamente dito e b) o procedimento adotado pelo profissional no tratamento realizado no paciente. Aquele não poderá ser divulgado pelo médico, tendo em vista a garantia constitucional assegurada ao cidadão de que este não está obrigado a produzir prova contra si mesmo. Neste caso, a análise de ausência de justa causa feita pelo médico e sua conseqüente negativa, é justificável. Todavia, a segunda hipótese não. Nesses termos foi a seguinte decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça nos autos do Recurso Ordinário n.º SP: RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO E CRIMINAL. REQUISIÇÃO DE PRONTUÁRIO. ATENDIMENTO A COTA MINISTERIAL. 2 Ob. Cit.
5 INVESTIGAÇÃO DE QUEDA ACIDENTAL. ARTS. 11, 102 E 105 DO CÓDIGO DE ÉTICA. QUEBRA DE SIGILO PROFISSIONAL. NÃO VERIFICAÇÃO. O sigilo profissional não é absoluto, contém exceções, conforme depreende-se da leitura dos respectivos dispositivos do código de ética. a hipótese dos autos abrange as exceções, considerando que a requisição do prontuário médico foi feita pelo juízo, em atendimento à cota ministerial, visando apurar possível prática de crime contra a vida. Precedentes análogos. recurso desprovido. ROMS 11453/SP. Recurso ordinário em mandado de segurança 1999/ fonte DJ data:25/08/2003 pg:00324 Relator Min. José Arnaldo da Fonseca (1106). Data da decisão 17/06/2003 Órgão julgador T5 - Quinta Turma. A investigação civil ou criminal instaurada para apurar fatos ilícitos ou o processo criminal são justa causa por excelência, cabendo ao médico opor-se a isso de forma fundamentada. Em outras palavras, abstendo-se o médico de prestar informações acerca de seu paciente sob a justificativa de ausência de justa causa está agindo de uma forma muito particular e subjetiva, protegendo o interesse de uma única pessoa (ou interesse corporativo quando o objetivo é esconder o (mau) serviço médico prestado). E é mais do que sabido que o interesse público, via de regra, se sobrepõe ao do particular, ainda mais quando se tratar de apuração de um fato ilícito. Nesse sentido, expôs Kátia Christina Lemos, em seu artigo O limite para a aplicação do sigilo profissional 3. (...) Portanto, por meio de estudos e jurisprudência pode-se considerar como justa causa toda vez que existir interesse público e social sobreponde-se ao interesse individual de 3 Promotora de Justiça da Promotoria de Justiça de Defesa da Saúde PROSUS, Pós-graduada em direito latu sensu pela Fundação Escola Superior do MPDFT, artigo publicado no site
6 manter segredo, motivo pelo qual se diz que o direito ao segredo não é absoluto, pois há deveres jurídico-sociais com prevalência sobre o dever do sigilo. No caso do profissional médico, saliente-se que o dever do sigilo profissional se prende exclusivamente à necessidade da preservação da intimidade do paciente. Porém, não pode este, alegando pretenso sigilo, ocultar informações referentes a conduta profissional do agente, criando barreiras aos procedimentos investigatórios que pretendem apurar a existência de crime praticado por estes profissionais, como é o caso do chamado erro médico. Trago a lição do eminente jurista Nelson Hungria em seu livro Comentários ao Código Penal, Vol. VI, 4ª ed. Forense, 1958, págs. 256/257: (...) o dever do sigilo profissional não é absoluto. Depara toda uma série de exceções declaradas na lei, explícita ou implicitamente, ou imposta pela necessidade de defesa ou salvaguarda de interesses mais relevantes. Há deveres jurídicos que superam o dever de sigilo, do mesmo modo que há interesses jurídicos ou de alta importância moral com primazia sobre o direito ao segredo. em tais casos a violação destes funda-se em justa causa, excluída a ilicitude penal. Desta feita, ao contemplar a exceção legal denominada de justa causa não houve, por parte do legislador, discriminação dos casos que assim seriam considerados. Trata-se, portanto, de um conceito jurídico indeterminado, cujo interesse público e social prevalecerá de acordo com o fato concreto. Mas não se pode esquecer que as informações requisitadas pelo Ministério Público ou Poder Judiciário, que manifestam os interesses do Estado, detentor do jus puniendi, visam ao cumprimento do princípio da verdade real na
7 verificação de fatos que podem dar ensejo à tipificação de crime. E, nesse caso, estar-se-á perante um interesse público que, conforme supramencionado, deve se sobrepor ao interesse do particular. Caso o médico entenda que a requisição feita pelo Ministério Público não demonstre razões suficientes para justificar a quebra do sigilo profissional, deverá fundamentar sua negativa. Essa questão deverá ser dirimida pelo juiz que no exercício de sua competência e atribuição decidirá se é ou não hipótese de justa causa. E, entendendo o magistrado que a requisição do Ministério Público é uma causa configuradora da exceção legal, autorizará e determinará a juntada do prontuário médico sob pena de, aí sim, acarretar em crime de desobediência. Sendo a requisição feita no expediente do Ministério Público, no exercício de seu poder investigatório, incidirá a regra contida no art. 26, II e 2º da Lei nº /93 (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público), que dispõe: Art. 26. No exercício de suas funções, o Ministério Público poderá: II - requisitar informações e documentos a entidades privadas, para instruir procedimentos ou processo em que oficie; 2º. O membro do Ministério Público será responsável pelo uso indevido das informações e documentos que requisitar, inclusive nas hipóteses legais de sigilo. Nesse sentido, a seguinte decisão: Sigilo médico/profissional. Requisição de prontuários de pacientes pelo ministério público. Ato que tem amparo na LF-8625 de 1993 art. 26 inc. II pár. 2º, e na circunstância de que o sigilo objetiva o resguardo de interesses individuais, não podendo, todavia sobrepor-se a outros, de maior
8 magnitude. Segurança denegada. Mandado de Segurança nº , Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: José Vellinho de Lacerda, julgado em 07/02/1996. De outro lado, por conter, o prontuário médico, informações que registram a intimidade física, emocional, mental e outras particularidades, demonstrando, com isso, o potencial de ferir a privacidade do paciente, direito garantido constitucionalmente, seria prudente que o processo corresse em segredo de justiça, cuja requisição poderá ser feita pelo representante do Ministério Público, cabendo ao juiz o deferimento do pedido. Tal procedimento acarretaria em afastar a sugestão feita por alguns profissionais da saúde no tocante à nomeação de um médico-perito para ter acesso ao prontuário na instituição e dele retirar informações necessárias para o atendimento à solicitação judicial. E, ainda que não seja decretado o segredo de justiça a fim de que somente as partes e seus procuradores tenham acesso aos autos, a nomeação de um médico-perito, ainda que uma solução inteligente à espécie, torna o processo mais oneroso e demorado, o que vai de encontro com os objetivos processuais hoje vigentes. Com efeito, o segredo profissional médico possui como fundamento a privacidade do paciente e o interesse geral de sigilo, mas o dever de revelar os fatos constantes em decorrência do exercício da medicina se sobrepõe sempre que haja dever legal, autorização expressa do paciente e justa causa que se configura quando a revelação se torna necessária para a salvaguarda de interesses sociais superiores ao individual.
9 III. CONCLUSÃO Diante do questionamento apresentado e da fundamentação supra, tem-se que o Ministério Público deve requerer a busca e apreensão dos documentos, promovendo, ainda, se assim entender, a persecução penal do responsável pela negativa. Porto Alegre, 08 de fevereiro de DAVID MEDINA DA SILVA, Promotor de Justiça, Coordenador do Centro de Apoio Operacional Criminal
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