PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO ACÓRDÃO

Transcrição

1 Registro: ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento nº , da Comarca de São Paulo, em que é agravante YAHOO! DO BRASIL INTERNET LTDA (YAHOO BRASIL), é agravado IGREJA CRISTÃ MARANATA. ACORDAM, em sessão permanente e virtual da 6ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: Deram provimento em parte ao recurso. V. U., de conformidade com o voto do relator, que integra este acórdão. O julgamento teve a participação dos Desembargadores VITO GUGLIELMI (Presidente sem voto), EDUARDO SÁ PINTO SANDEVILLE E JOSÉ ROBERTO FURQUIM CABELLA. São Paulo, 26 de julho de Rodolfo Pellizari Relator Assinatura Eletrônica

2 Agravo de Instrumento - Digital Processo nº Comarca: São Paulo (29ª Vara Central Cível) Agravante: Yahoo! do Brasil Internet Ltda. Agravada: Igreja Cristã Maranata Voto nº Ementa Agravo de Instrumento - Ação de obrigação de fazer Determinação do juízo a quo de remoção de blog com supostas ofensas à agravada, bem como o fornecimento de dados cadastrais, entre outros, dos últimos 12 meses armazenados pela provedora de hospedagem. Decisão que se reforma para: (i) restringir o fornecimento de dados e registros a 6 meses, nos termos do Marco Civil da Internet; (ii) levantamento da suspensão do conteúdo do blog, sob pena de censura proibida pela Constituição Federal. Recurso a que se dá parcial provimento. Trata-se de agravo de instrumento contra r. decisão interlocutória de fls. 170/171, que em ação de obrigação de fazer, relativa à remoção de conteúdo ofensivo em blog anônimo contra a Igreja Cristã Maranata, concedeu tutela de urgência para determinar, dentre outras coisas, à agravante Yahoo! que suspenda o fórum eletrônico disponível na URL bem como forneça todos os dados de cadastro disponíveis do usuário, bem como os registros eletrônicos (tais como, endereços de IP de origem, com datas e horários GMT) referentes à criação, modificação, acessos, upload de conteúdo e publicações, principalmente relacionados aos últimos 12 (doze) meses. A ré agravou da decisão sustentando, em síntese, Agravo de Instrumento nº Voto nº

3 impossibilidade de dar cumprimento ao determinado pelo juízo a quo, uma vez que o site, cuja remoção se pretende, pertence à empresa norteamericana Tumblr Inc., sobre a qual a Yahoo! Brasil não exerce nenhum tipo de ingerência. De acordo com a agravante A Yahoo Brasil é empresa brasileira que põe à disposição do público, por meio de seu portal ' uma grande variedade de serviços e aplicações de Internet (fls. 206/209). Não se incluem entre os serviços e aplicações oferecidos pela YAHOO BRASIL a criação e hospedagem de blogs, ou qualquer outra atividade relacionada ao site Tumblr. A empresa proprietária e responsável pelo site Tumblr Inc. (...) a Yahoo Brasil não é sócia, acionista nem representante da empresa Tumblr Inc. (fl. 6). Aduz a agravante que não seria o provedor responsável pela guarda de registros de conexão e aplicações da internet nos termos do artigo 10 da Lei nº /2014, sendo que a decisão a quo teria desbordado os limites de seu serviço. Ademais, aduz que o conteúdo veiculado por meio do blog nada teria de ilícito, traduzindo exercício regular, por usuário da internet, das liberdades de manifestação do pensamento e informação, asseguradas pelos artigos 220, caput e 5º, incisos IV, IX e XIV da Constituição Federal. O efeito suspensivo foi concedido (fl. 205) para afastar as obrigações impostas à agravante, em razão da necessária instrução probatória. Recurso regulamente processado e respondido. É o Relatório O recurso comporta provimento parcial. Agravo de Instrumento nº Voto nº

4 Inicialmente, não há que se falar em ilegitimidade passiva da YAHOO BRASIL! Conforme a certidão emitida pela JUCESP apresentada pela agravada (fl. 219), a empresa tem como sócia a empresa YAHOO Inc. a qual, por sua vez, adquiriu a Tumblr, conforme amplamente noticiado pela mídia. A plataforma Tumblr apresenta-se ao consumidor brasileiro na Internet como sendo da Yahoo Brasil!, sendo portanto, responsável pelo fornecimento de dados, quando requisitada judicialmente para tanto. Isso porque a Yahoo! Brasil e a Yahoo Inc. respondem solidariamente pelas obrigações que lhe são impostas de acordo com o Código de Defesa do Consumidor. Isso porque, em se tratando de relação de consumo, a responsabilidade civil é de natureza objetiva e solidária dos que integram a cadeia de consumo ou grupo econômico, nos termos do artigo 7º parágrafo único do Código de Defesa do Consumidor: Art. 7 Os direitos previstos neste código não excluem outros decorrentes de tratados ou convenções internacionais de que o Brasil seja signatário, da legislação interna ordinária, de regulamentos expedidos pelas autoridades administrativas competentes, bem como dos que derivem dos princípios gerais do direito, analogia, costumes e eqüidade. Parágrafo único. Tendo mais de um autor a ofensa, todos responderão solidariamente pela reparação dos danos previstos nas normas de consumo. (grifei) Dessa forma, a responsabilidade das prestadoras de serviço que integram o mesmo grupo econômico é solidária. Quanto ao fornecimento de dados de cadastro disponíveis do usuário, bem como os registros eletrônicos (tais como, endereços de IP de origem, com datas e horários GMT) referentes à criação, modificação e acessos, a determinação deve ser cumprida, todavia, limitando-se, Agravo de Instrumento nº Voto nº

5 contudo, aos últimos 6 meses, de acordo com o art. 15 do Marco Civil da Internet: Art. 15. O provedor de aplicações de internet constituído na forma de pessoa jurídica e que exerça essa atividade de forma organizada, profissionalmente e com fins econômicos deverá manter os respectivos registros de acesso a aplicações de internet, sob sigilo, em ambiente controlado e de segurança, pelo prazo de 6 (seis) meses, nos termos do regulamento. quanto ao anonimato. Trata-se de medida necessária à proteção da agravada Em caso semelhante, já decidiu o Superior Tribunal de Justiça determinando a necessidade de se manter sistema de identificação de usuários por parte do provedor de hospedagem: Na hipótese em que tenham sido publicadas, em um blog, ofensas à honra de alguém, incumbe ao ofendido que pleiteia judicialmente a identificação e rastreamento dos autores das referidas ofensas e não ao provedor de hospedagem do blog a indicação específica dos URLs das páginas onde se encontram as mensagens. Os blogs são páginas na internet cuja estrutura possibilita a rápida e constante atualização mediante acréscimo dos denominados posts (comentários, artigos). Essas páginas são hospedadas por provedores, que não exercem controle sobre os conteúdos das páginas criadas e operadas pelos usuários. A esses provedores de hospedagem compete garantir o sigilo, a segurança e a inviolabilidade dos dados cadastrais dos usuários, bem como o funcionamento e manutenção das páginas na internet que contenham os blogs desses usuários. Não cabe ao provedor de hospedagem localizar os artigos ofensivos à honra do ofendido, fazer juízo prévio para fornecer-lhe os dados requeridos, tais como IPs e outros. Cabe ao interessado informar o respectivo URL (Universal Resource Locator, isto é, localizador universal de recursos) em que se encontram os artigos/posts cujo conteúdo se considera lesivo. Sem essa individualização, a providência do provedor se assemelharia a um rastreamento, ficando ao seu arbítrio o apontamento de interesses exclusivos do ofendido, podendo, inclusive, envolver terceiras pessoas com quem não tem relação alguma ou que não sejam responsáveis pelo que pretende o ofendido. É certo que a Constituição Federal, ao assegurar o direito à liberdade de manifestação do pensamento (art. 5º, IV), vedou o anonimato. Em razão disso, deve o provedor manter dados indispensáveis à identificação dos usuários. Isso decorre, inclusive, das Agravo de Instrumento nº Voto nº

6 disposições do art. 6º, III, do CDC, que instituiu o dever de informação nas relações de consumo. Observe-se, porém, que isso se aplica aos usuários que contrataram os serviços do provedor. Dessa forma, já que a CF veda o anonimato, os provedores de hospedagem de blogs têm de manter um sistema de identificação de usuários; todavia, não estão obrigados a exercer controle do conteúdo dos posts inseridos nos blogs. Deve o ofendido, portanto, realizar a indicação específica dos URLs das páginas onde se encontra a mensagem considerada ofensiva, sem os quais não é possível ao provedor de hospedagem de blogs localizar, com segurança, determinada mensagem considerada ofensiva. REsp RS, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 19/3/2015, DJe 26/3/2015. No mais, determinar que o blog seja retirado do ar, seria indevida ingerência do Poder Judiciário sobre o caro princípio da liberdade de expressão e da livre manifestação do pensamento, podendo caracterizar odiosa censura. Na decisão acima transcrita, observa-se, aliás, que o provedor de hospedagem não tem obrigação de controle sobre as publicações postadas pelos usuários. Ainda será apurado, em sede de instrução probatória, se se tratam efetivamente de ofensas ou de informações verídicas veiculadas pelo blog em questão, não sendo, possível, dessa forma, de antemão, restringir o livre exercício da liberdade de expressão e da manifestação do pensamento (art. 5º, IV), sob pena de se caracterizar a censura, como mencionado. É preciso lembrar ainda, que a Constituição Federal assegura o direito de resposta, proporcional ao agravo, além de indenização por dano material, moral ou à imagem (art. 5º, V), sendo essa a resposta adequada a possíveis ofensas veiculadas por canais de comunicação, e não a vedação prévia de conteúdo. Destaca-se ainda, que a Constituição Federal de 1988 Agravo de Instrumento nº Voto nº

7 consagrou capítulo inteiro à Comunicação Social, consagrando que: Art A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição. 1º Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV. 2º É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística. Não há, assim, respaldo constitucional ou probatório para a censura do blog. Dessa forma, conforme exposto, dou parcial provimento ao agravo, levantando-se a censura imposta ao blog e restringindo a colheita de informações acima mencionadas ao prazo legal de 6 meses. RODOLFO PELLIZARI Relator Agravo de Instrumento nº Voto nº