Comentários sobre os artigos 323º, 324º e 335º do CPI

Transcrição

1 Comentários sobre os artigos 323º, 324º e 335º do CPI I A terminologia do artigo 323º do vigente CPI, nas suas alíneas a), b) e c), corresponde quase na integra à da equivalente disposição do velho Código de 1940 o artigo 217º, n.ºs 1º, 2º e 3º. Eram do seguinte teor, os aludidos números daquela disposição: 1º - Os que total ou parcialmente contrafizeram, ou por qualquer meio reproduzirem ( ), uma marca registada; 2º - Os que, no todo ou em alguma das suas partes características, imitarem uma marca registada; 3º - Os que usarem as marcas contrafeitas ou imitadas; Mantém, assim, inteira atualidade o comentário de Justino Cruz sobre o alcance de cada uma das referidas normas (in Código da Propriedade Industrial anotado, 2ª edição, 1985, pág. 399), que tem aqui interesse transcrever: O Código distingue a contrafação, ou imitação, do uso da marca contrafeita ou imitada. O primeiro delito, previsto e punido pelos nºs 1 e 2º deste artigo 217º, consiste propriamente na ação de copiar ou imitar a marca alheia, na execução material da marca contrafeita ou imitada e abrange aqueles que fraudulentamente a executarem ou mandarem executar ou reproduzir. Não é assim preciso que a marca tenha sido efetivamente usada embora seja necessário que a reprodução ou imitação haja sido feita com o fim de ser utilizada como marca. O delito do uso é especialmente punido pelo nº 3 deste artigo ( ) (sublinhados nossos). Sobre os conceitos de contrafação e imitação, total e parcial de marca, à luz do CPI de 1940, escreveu aquele autor que, A reprodução ou cópia servil de uma marca denomina-se geralmente contrafação; quando uma marca é semelhante a outra de tal forma que elas se confundem, diz-se que há imitação. Refere-se o nosso Código a contrafação total e a contrafação parcial e o mesmo acontece com a imitação ( ). A contrafação será total quando a cópia abrange inteiramente a marca e parcial quando se limita a uma parte essencial e característica. ( ) Note-se, porém, que a contrafação parcial pode, afinal, considerar-se também como uma verdadeira imitação ( ) (ob. cit. pág. 203 sublinhados nossos).

2 II Relativamente ao ato de execução material da marca (fabrico de etiquetas, embalagens, etc, com marcas contrafeitas ou imitadas), haverá que atentar ainda ao disposto no artigo 335º, que prevê e pune como contra-ordenação, qualificando como Atos preparatórios, a conduta de ( ) quem, sem consentimento do titular do direito e com intenção de preparar a execução dos atos referidos nos artigos 321º a 327º deste Código, fabricar, importar, adquirir ou guardar para si, ou para outrem sinais constitutivos de marcas, nomes, insígnias, logótipos, denominações de origem ou indicações geográficas registados. Verifica-se pois, no domínio das infrações de marca (e salvo melhor opinião), uma sobreposição de disposições legais sobre os mesmos atos um concurso de normas (o artigo 323º, alíneas a) e b) e o artigo 335º), porventura involuntário, por parte do legislador. Para além da situação de concurso de normas, em si mesma, nada justificará secundarizar o ato de fabrico (ou execução material) de marcas, como sucede no vigente artigo 335º. Pelo contrário, esta conduta (fabrico de etiquetas, bordados ou outros suportes com reprodução ou imitação de marcas registadas) será uma das mais perniciosas no complexo fenómeno da contrafação (como é, precisamente, o da importação e fornecimento a terceiros desses suportes), pelo que merece seguramente o tratamento como ilícito penal. III O atual artigo 324º do CPI, por seu turno, corresponde ao nº 6 do supracitado artigo 217º do CPI de 1940, que previa a aplicação de pena de multa (aliás, a mesma estabelecida para os demais ilícitos de infração constantes do artigo) aos: ( ) que venderem ou puserem à venda ou em circulação produtos ou artigos com marca contrafeita, imitada ou fraudulentamente usada, ( ). A estas condutas, o vigente artigo 324º acrescentou, pois, o de ocultar produtos contrafeitos, ( ). Para além de que o preceito do CPI de 1940 se aplicava somente à infração de marcas, enquanto que a atual disposição é extensiva às infrações de patentes, modelos de utilidade, TPSs e Desenhos ou modelos (não obstante o uso do termo produtos contrafeitos denote a origem do preceito, por ser próprio de infração em matéria de marcas). IV Ainda no que respeita ao atual artigo 323º, a sua última alínea f) tipifica o ato de Usar, nos seus produtos ( ), uma marca registada pertencente a outrem. A redação deste preceito foi introduzida pelo CPI de 1995 artigo 264º, nº 1, alínea e) tendo a norma correspondência com a do artigo 217º, nº 4 do anterior Código de 1940, referente aos ( ) que usarem fraudulentamente nos seus produtos uma marca registada autêntica mas pertencente a outrem. Embora a redação do atual preceito não seja muito clara (era, apesar de tudo, mais percetível a do CPI de 1940) trata-se, aqui, não de uma mera situação de uso de marca alheia pois teríamos então uma outra questão de concurso de normas, esta entre as alíneas c) e f) do mesmo artigo - mas sim da utilização, no acondicionamento dos seus produtos, de embalagens (e outros suportes) originais de terceiros, em que as marcas

3 ( autênticas ) foram legitimamente apostas pelos titulares (cfr. Justino Cruz, ob. cit., pág. 204). Convirá, salvo melhor opinião, clarificar a redação deste preceito. V Na prática judicial referente à aplicação dos artigos 323º e 324º do vigente CPI, foi sentida como omissão na previsão legal dos atos tipificados como crime, em matéria de infração de marca, a importação de produtos contrafeitos. Essa omissão manifestou-se, particularmente, nos processos criminais iniciados na sequência de intervenções aduaneiras. Com a principal finalidade (segundo cremos) de se colmatar essa omissão, consta no Projeto de Proposta de Lei, versão de (adiante designado por PPL ) a inclusão de um novo nº 2 a aditar ao artigo 323º, estabelecendo a mesma pena de prisão ou de multa para quem ( ) praticar os atos previstos no nº2 do artigo 258º. Esse nº2 do artigo 258º é também um novo preceito incluído no PPL, referente aos Direitos conferidos pelo registo, e resultante de uma norma (de transposição facultativa) da Diretiva de Marcas o nº 3 do artigo 10º, com a epígrafe Direitos conferidos pela marca. Poderá dizer-se que esse preceito não estabelece propriamente direitos diferentes ou mais amplos dos direitos de exclusivo geralmente consagrados já no existente artigo 258º do CPI (nºs 1 e 3 do artigo 10º da Diretiva de Marcas) antes concretizando, e a título exemplificativo, manifestações desse exclusivo. São os seguintes, os atos referidos no nº2 do artigo 258º do PPL, proibidos a terceiros: a) apor o sinal em produtos ou embalagens; b) oferecer para venda, colocar no mercado ou armazenar para esse fim produtos, bem como oferecer ou fornecer serviços, com o sinal; c) importar ou exportar produtos com o sinal; d) usar o sinal como firma ou denominação social; e) usar o sinal em documentos comerciais e na publicidade; e f) usar o sinal em publicidade comparativa ilícita. VI Do exposto supra, em I a V, poderão retirar-se as seguintes conclusões, com relevância para o conteúdo dos artigos 323º, 324ºe 335º do CPI : a) Os termos contrafizer e reproduzir, constantes da alínea a) do artigo 323º, são usados nesta disposição com o mesmo significado e alcance nada parecendo justificar, pois, a utilização simultânea de ambos, naquela norma.

4 b) Nesse sentido, poderia usar-se naquela alínea apenas o termo reproduzir, mantendo-se contudo o termo contrafação na epígrafe do artigo e contrafizer nas demais alíneas. c) Não se estabelece nas alíneas a) e b) do artigo 323º qualquer diferença nomeadamente, a nível da cominação legal entre os atos de reprodução (contrafação) e de imitação de marca. d) As duas alíneas a) e b) estão aliás redigidas em moldes idênticos somente com a diferença meramente semântica entre as expressões total ou parcialmente e no todo ou em alguma das suas partes características, bem como na referência a por qualquer meio na alínea a), que deveria igualmente constar da alínea b). e) Seria até dispensável especificar, na disposição, a prática de reprodução ou de imitação total ou parcial, uma vez que a reprodução parcial, se relevante, será afinal uma forma de imitação, e a imitação de alguma parte característica da marca só será relevante se for suficiente para induzir em erro ou confusão. f) Haverá pois vantagem em prever numa única alínea a reprodução e a imitação de marca, uniformizando a terminologia e eliminando repetições desnecessárias. g) A redação dessa alínea devrá ainda ser aperfeiçoada, em moldes similares ao do existente artigo 335º. h) Haverá, também, que clarificar o alcance e a redação da atual alínea f) do artigo 323º. i) Em relação ao novo nº2 do artigo 323º, será salvo melhor opinião indesejável a criação de um tipo legal de crime por remissão para outra disposição do CPI (o artigo 258º, nº 2). j) Acresce que vários dos atos elencados no nº 2 do artigo 258º estão já qualificados como crimes, nos artigos 323º e 324º, pelo que, com essa remissão, ocorreria uma sobreposição de normas, com as inerentes dificuldades de interpretação e aplicação. k) Para além de que, no caso particular do ato previsto no nº 2 alínea f) do artigo 258º (o uso de marca alheia em publicidade comparativa ilícita) será mesmo inadequada a sua previsão como crime por sobreposição também com outras normas, do CPI (vg. o nº 1, alínea c) do artigo 317º) e do Código da Publicidade. l) No que toca, portanto, à criminalização de novos atos, por referência ao nº 2 do artigo 258º, deverão estes ser expressamente descritos na redação do artigo 323º.

5 m) A Aplicação do artigo 324º ficaria limitada aos atos de venda de produtos infringindo direitos de Propriedade Industrial. n) Convirá clarificar a redação do artigo 335º se não mesmo, eliminar o preceito. VI Proposta de redação para os artigos 323º, 324º e 335º do CPI: Artigo 323º Contrafação, imitação e uso ilegal de marca É punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa até 360 dias quem, sem consentimento do titular do direito: a) Fabricar, importar, adquirir ou guardar, para si ou para outrem, com qualquer das finalidades referidas nas alíneas seguintes, quaisquer suportes que reproduzam ou imitem uma marca registada, no todo ou em alguma das suas partes características; b) Usar, nos seus produtos ou respetivas embalagens, marcas contrafeitas ou imitadas; c) Oferecer ou prestar serviços sob marcas contrafeitas ou imitadas; d) Importar, exportar, distribuir, colocar no mercado ou armazenar com essas finalidades, produtos com marcas contrafeitas ou imitadas; e) Usar reprodução ou imitação de marca registada como firma ou denominação social; f) Usar, no exercício das atividades referidas nas alíneas b) a e), marcas contrafeitas ou imitadas em documentos comerciais ou em publicidade; g) [ igual à atual alínea d) ] h) [ igual à atual alínea e) ] i) Usar, nos seus produtos, serviços, estabelecimento ou empresa, embalagens, dísticos ou quaisquer outros suportes com marcas registadas legitimamente apostas. Artigo 324º Venda, circulação ou ocultação de produtos ou artigos É punido com pena de ( ) quem vender, puser em circulação ou ocultar para esse fim produtos contrafeitos, por qualquer dos modos e que estejam nas condições referidas nos artigos 321º a 323º. Artigo 335º Atos preparatórios É punido com coima de (euro) 3000 a (euro) , caso se trate de pessoa coletiva, e de euro (750) a (euro) 7500, caso se trate de pessoa singular, quem, sem consentimento do titular do direito e com intenção de preparar a execução dos atos referidos nos artigos 324º-A e 325º deste Código, fabricar, importar, adquirir ou guardar para si, ou para outrem

6 sinais constitutivos de marcas, nomes, insígnias, logótipos e denominações de origem ou indicações geográficas registados.