Superior Tribunal de Justiça

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1 RECURSO ESPECIAL Nº SP (2002/ ) RELATOR : MINISTRO CASTRO FILHO RECORRENTE : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO RECORRIDO : B A DE M E CÔNJUGE ADVOGADO : PAULO FERNANDO BIANCHI E OUTRO EMENTA DIREITO CIVIL. ADOÇÃO PLENA. DESTITUIÇÃO PRÉVIA DO PÁTRIO-PODER. NECESSIDADE DE PROCEDIMENTO PRÓPRIO COM ESSE FIM. OBSERVÂNCIA DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. O deferimento da adoção plena não implica, automaticamente, na destituição do pátrio-poder, que deve ser decretada em procedimento próprio autônomo, com a observância da legalidade estrita e da interpretação normativa restritiva. A cautela é imposta, não só pela gravidade da medida a ser tomada, uma vez que importa na perda do vínculo da criança com sua família natural, como também por força das relevantes repercussões em sua vida sócio-afetiva. Sem isso, serão desrespeitados, entre outros, os princípios do contraditório e do devido processo legal (artigos 24, 32, 39 a 52, destacando-se o artigo 45, e ainda, os artigos 155 a 163 do Estatuto da Criança e do Adolescente). Recurso especial provido, para julgar os autores carecedores do direito à ação, por impossibilidade jurídica processual do pedido, com a ressalva de que a situação da criança não será alterada, permanecendo ela na guarda dos ora recorridos. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da TERCEIRA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conhecer do recurso especial e dar-lhe provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Humberto Gomes de Barros, Ari Pargendler, Carlos Alberto Menezes Direito e Nancy Andrighi votaram com o Sr. Ministro Relator. Documento: Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJ: 26/03/2007 Página 1 de 11

2 Brasília, 08 de março de 2007.(Data do Julgamento) MINISTRO CASTRO FILHO Presidente e Relator Documento: Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJ: 26/03/2007 Página 2 de 11

3 RECURSO ESPECIAL Nº SP (2002/ ) RELATOR : MINISTRO CASTRO FILHO RECORRENTE : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO RECORRIDO : B A DE M E CÔNJUGE ADVOGADO : PAULO FERNANDO BIANCHI E OUTRO RELATÓRIO O EXMO. SR. MINISTRO CASTRO FILHO(Relator): Trata-se de recurso especial interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO contra acórdão do Tribunal de Justiça daquele Estado que, nos autos da ação em que BENEDITO APARECIDO DE MELLO e RAQUEL CAGALLI DE MELLO, ora recorridos, requereram a adoção de BRUNA LETÍCIA DIAS, manteve a sentença de procedência do pedido. Em seu arrazoado, fundamentado na alínea "a" do permissivo constitucional, o Parquet estadual alegou violação aos artigos 460 do Código de Processo Civil, pelo fato de o juiz sentenciante haver destituído a genitora do pátrio poder sem pedido expresso dos autores, proferindo julgamento extra petita. Por outro lado, teria o magistrado afrontado a regra contida no artigo 45 da Lei nº 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente), ao entender desnecessária a anuência dos pais da criança para a concessão da adoção, sendo certo que, à sua falta, impunha-se a instauração de procedimento contraditório, para que se provasse a presença de algum dos motivos ensejadores da destituição do pátrio poder, em consonância com os artigos 24, 155 e 169 do referido diploma legal, igualmente desrespeitados. Sem as contra-razões, o recurso foi inadmitido na origem, ascendendo os autos a esta Corte por força do provimento dado ao agravo de instrumento. Instado a manifestar-se, o parecer do Ministério Público Federal (fls. Documento: Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJ: 26/03/2007 Página 3 de 11

4 129/136) é pelo não conhecimento do recurso. É o relatório. Documento: Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJ: 26/03/2007 Página 4 de 11

5 RECURSO ESPECIAL Nº SP (2002/ ) RELATOR : MINISTRO CASTRO FILHO RECORRENTE : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO RECORRIDO : B A DE M E CÔNJUGE ADVOGADO : PAULO FERNANDO BIANCHI E OUTRO VOTO O EXMO. SR. MINISTRO CASTRO FILHO(Relator): Cinge-se a controvérsia em definir se, nas ações de adoção, é necessária a instauração de procedimento próprio, com vistas à destituição do pátrio poder, ou se, ao contrário, o pedido de destituição já estaria implícito, podendo o juiz deferi-lo incidentalmente, por ocasião da sentença. Estes os fundamentos lançados no acórdão para a solução da questão: "No que tange ao pedido de nulidade do processo formulado pelo ilustre Dr. Procurador de Justiça oficiante, tenho que o pedido não é de ser deferido. Com efeito, o pedido de adoção implica, obrigatoriamente, em destituição do pátrio poder e o MM. Juiz, ao apreciar o requerimento do ilustre Dr. Promotor de Justiça observou que a destituição pode ser decretada incidentalmente, o que, data vênia, está correto. Havendo pedido de adoção, implicitamente busca-se a destituição dos pais do pátrio poder ante a flagrante incompatibilidade. De se observar, inclusive, que, na hipótese dos autos, constou expressamente do edital a conseqüência da destituição do pátrio poder e o Dr. Curador Especial da suplicada, abordou o tema, explicitamente, quando da oferta da defesa." Embora os artigos 45 e 155 do Estatuto da Criança e do Adolescente não tenham sido expressamente mencionados no acórdão recorrido, da leitura dos excertos transcritos, infere-se que o tema foi analisado de forma abrangente, e foi solucionado na corte de origem sob o enfoque conjugado desses dispositivos, ainda que implicitamente, os quais se Documento: Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJ: 26/03/2007 Página 5 de 11

6 mostram intimamente relacionados à solução da causa, devendo, por isso, ser conhecido o especial. O pedido de adoção ora em análise funda-se na assertiva de que, à data da protocolização da inicial, os autores, ora recorridos, já conviviam com a adotanda há mais de seis meses, a qual se encontrava perfeitamente adaptada ao convívio da família, depois de lhes ser entregue pela mãe biológica, um dia após o nascimento, sob a afirmativa de que não dispunha de "condições financeiras para o seu sustento e da criança." A questão posta à discussão é semelhante à que foi enfrentada por esta colenda Terceira Turma no julgamento do REsp /SC, relator originário o ilustre Min. Gomes de Barros, e de que fui relator para o acórdão, razão pela qual permito-me transcrever - no que se aplica ao presente caso - os fundamentos lançados naquela oportunidade, os quais adoto como razão de decidir: "Com efeito, o instituto da adoção vem regulado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente em seus artigos 39 a 52, sendo que o artigo 45, reputado violado, guarda o seguinte teor: 'A adoção depende do consentimento dos pais ou do representante legal do adotando. 1º. O consentimento será dispensado em relação à criança ou adolescente cujos pais sejam desconhecidos ou tenham sido destituídos do pátrio poder. 2º. Em se tratando de adotando maior de 12 (doze) anos de idade, será também necessário o seu consentimento.' Conforme se depreende, o dispositivo em comento elenca três situações em que a adoção poderá ser deferida: mediante o consentimento dos pais ou representante legal do adotando; quando os pais forem desconhecidos, e, ainda, na hipótese de os pais terem sido destituídos do pátrio poder. Documento: Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJ: 26/03/2007 Página 6 de 11

7 Nesse último caso, o qual interessa à solução da controvérsia, a perda do pátrio poder deve ser decretada em procedimento próprio, autônomo, com a observância da legalidade estrita e da interpretação normativa restritiva, cautela essa imposta não só pela gravidade da medida a ser tomada, uma vez que importa na perda do vínculo da criança com sua família natural, como também por força das relevantes repercussões em sua vida sócio-afetiva, sob pena de serem ainda desrespeitados os princípios do contraditório e do devido processo legal. A destituição do pátrio poder - poder familiar, na linguagem do novo Código Civil - é questão muito séria. Trata-se de verdadeiro processo, com procedimento estabelecido no Estatuto da Criança e do Adolescente nos artigos 155 a 163. Já para a adoção, não; inexistem normas rígidas, uma vez que se cuida de mero procedimento de jurisdição não contenciosa. Na hipótese em análise, contudo, a Quarta Câmara Civil do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina decidiu pela procedência do pedido, à consideração de ser dispensável a instauração de procedimento autônomo de destituição do pátrio poder, porquanto estaria ele implícito no próprio pedido da adoção, como sua condicionante lógica. Ao assim proceder, tenho que a corte estadual não decidiu com seu habitual acerto. Como regra, ninguém pode adotar menor sem o consentimento de seus genitores ou representante legal. E o entendimento de que a adoção plena dispensa a destituição do pátrio poder só é válido para a hipótese do caput, ou seja, em caso de concordância de quem de direito. (...) (...) O próprio artigo 24 do mencionado diploma normativo dispõe: 'A perda e a suspensão do pátrio poder serão decretadas judicialmente em procedimento contraditório, nos casos previstos na legislação civil, bem como na hipótese de descumprimento injustificado dos deveres e obrigações a que alude o art. 22.' E, comentando este dispositivo, observa Romero de Oliveira Andrade: 'Mesmo na hipótese extrema de afetamento do pátrio poder, assegurar-se-á aos pais inestimável cautela legal, isto é, a decretação da perda ou suspensão do pátrio Documento: Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJ: 26/03/2007 Página 7 de 11

8 poder dependerá de decisão judicial, onde se assegure o procedimento contraditório, entendendo-se este, inclusive, como a possibilidade jurídica de os pais interessados se valerem do princípio da ampla defesa, sem a observância do qual faleceria o contraditório.' (Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado, São Paulo, 2002, 5ª ed., p. 99). Nesse diapasão, merecem transcritas as considerações de Vicente de Paula Ataíde Júnior, em artigo intitulado A destituição do pátrio poder como pressuposto lógico da adoção: 'É em relação ao preenchimento das exigências legais para a colocação em família substituta, medida excepcional, que deve ser observado estreitamente o teor da lei, interpretada de forma restrita, de modo a evitar a profusão de expropriações descriteriosas do pátrio poder, violando direitos individuais, e o afastamento da criança da sua família natural como meio mais fácil e econômico para a solução do problema social da exclusão e do abandono, guiado mais pelo interesse dos pretensos adotantes que pelo interesse do menor.' (Revista de Direito Privado, RT, outubro/dezembro de 2001, p. 212). (...) O próprio Estatuto reforça esse caráter de excepcionalidade da medida, ao dispor, expressamente, em seu artigo 23 que 'a falta ou a carência de recursos materiais não constitui motivo suficiente para a perda ou suspensão do pátrio poder.' Resta evidente da dicção desse dispositivo a preocupação do legislador em aplicar a destituição a situações absolutamente distintas e necessárias, como medida de garantia dos direitos fundamentais do menor. É que não se pode perder de vista as sérias implicações decorrentes da iniciativa de afastar uma criança do convívio de seus familiares e, o que é pior, com a imposição do rompimento de todos os laços do parentesco. Nem se pode olvidar, conforme observa a Procuradora de Justiça aposentada e professora titular de Direito Civil da UERJ, Drª. Heloisa Helena Barbosa, citada no acórdão hostilizado, que, em Documento: Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJ: 26/03/2007 Página 8 de 11

9 sendo um direito-função, que assume posição intermediária entre o poder propriamente dito e o direito subjetivo, 'O pátrio poder (...) atende, não só à necessidade natural de alguém que cuide do infante, mas também à relação de afeto que une, naturalmente, pais e filhos. Portanto, ainda que modernamente instituído em benefício do filho, contempla os interesses paternos/maternos.' (O consentimento na adoção de criança e de adolescente, Revista Forense, Jan/Fev/Mar/98, p. 74). (...) De outro lado, poder-se-á afirmar que, com o rótulo de adoção, o que se pretendeu, em verdade, foi a destituição do pátrio poder. Mas, além de serem diferentes, sob a ótica jurídica, aos ouvidos leigos, são palavras que soam de forma ainda mais distinta. Quando bem entendido, sabe-se que o vocábulo destituição tem efeito muito mais aterrador do que a palavra adoção. Nessa linha de raciocínio, entendo, além disso, que a prolação de decisão em detrimento do pátrio poder não poderia prescindir de pedido expresso para esse fim, valendo sublinhar que o artigo 156, III, do Estatuto exige que a petição inicial indique, além da exposição sumária do fato, o pedido, com a apresentação das razões de fato e de direito conducentes ao acolhimento da pretensão. Parece fora de dúvida, pois, que a norma jurídica em comento não se conforma com a existência de pedido implícito de destituição do pátrio poder pelo só fato de ter sido requerida a adoção, de modo que a sua ausência importaria no indeferimento da inicial por inépcia, com a conseqüente extinção do processo sem julgamento do mérito. O próprio ordenamento processual vigente rejeita, em regra, a figura do pedido implícito, ao preconizar no artigo 286 do Código de Processo Civil que o pedido deve ser certo e determinado." É de se ressaltar que, no presente caso, o pedido que se fez foi de adoção, sem qualquer referência na petição inicial à destituição do pátrio poder (leia-se poder familiar, em linguagem atual), como se vê às fls. 7/9. Documento: Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJ: 26/03/2007 Página 9 de 11

10 É bem verdade, como faz referência o douto tribunal de origem, que o edital de citação menciona à possibilidade, no silêncio da mãe, de se proceder à destituição, porém, o nome da citanda sequer consta do cabeçalho do edital (fl. 13). Ora, em assim sendo, mesmo que a mãe da criança tenha discernimento suficiente, para entender o que significa destituição do pátrio poder, muito provavelmente, com a omissão de seu nome, no alto do edital, não tenha tido notícia da existência do procedimento. Ante o exposto, conheço do recurso e lhe dou provimento, para julgar os autores carecedores do direito à ação, por impossibilidade jurídica processual do pedido, ressalvando, contudo, que a situação da criança não será alterada, por força deste julgamento, permanecendo ela na guarda dos autores. Tendo em vista a sucumbência, além das custas processuais, responderão os autores pelos honorários, que fixo em R$ 1.000,00 (mil reais), a serem pagos ao curador especial. É o voto. Documento: Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJ: 26/03/2007 Página 10 de 11

11 CERTIDÃO DE JULGAMENTO TERCEIRA TURMA Número Registro: 2002/ REsp / SP Números Origem: PAUTA: 02/05/2006 JULGADO: 08/03/2007 Relator Exmo. Sr. Ministro CASTRO FILHO Presidente da Sessão Exmo. Sr. Ministro CASTRO FILHO Subprocurador-Geral da República (AUSENTE) Secretária Bela. SOLANGE ROSA DOS SANTOS VELOSO AUTUAÇÃO RECORRENTE : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO RECORRIDO : B A DE M E CÔNJUGE ADVOGADO : PAULO FERNANDO BIANCHI E OUTRO ASSUNTO: Civil - Família - Menor - Adoção CERTIDÃO Certifico que a egrégia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão: A Turma, por unanimidade, conheceu do recurso especial e deu-lhe provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Humberto Gomes de Barros, Ari Pargendler, Carlos Alberto Menezes Direito e Nancy Andrighi votaram com o Sr. Ministro Relator. Brasília, 08 de março de 2007 SOLANGE ROSA DOS SANTOS VELOSO Secretária Documento: Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJ: 26/03/2007 Página 11 de 11