Professor Pesquisador Artista: Uma profissão ou um terrível engano? Felipe Caldas



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Transcrição:

Professor Pesquisador Artista: Uma profissão ou um terrível engano? Felipe Caldas Resumo: Este trabalho discute a importância do professor de Educação Artística habilitado em Artes Visuais de manter uma produção artística enquanto professor. E a necessidade de ter um conhecimento consistente em Artes Visuais para exercer sua profissão. Este texto sugere que o binômio professor pesquisador torne se para o professor habilitado em Artes Visuais um trinômio professor pesquisador artista. E problematiza sobre as possíveis dificuldades inerentes a este novo termo. Palavras chave: artista, artes visuais, experiência, professor, pesquisador.

Professor Pesquisador Artista: Uma profissão ou um terrível engano? Felipe Caldas O que fazemos em sonhos, fazemos acordados: Inventamos e construímos a pessoa com quem lidamos para em seguida esquecer que assim fizemos. Nietzsche Para falarmos da figura do professor de Educação Artística, especificamente o professor habilitado em Artes Visuais, é necessário reportar se às perguntas: É possível ensinar arte? E aprender arte? Note que esta pergunta não pode ser redigida sem situar o espaço temporal e geográfico. Pois se esta questão fosse feita no renascimento italiano à resposta seria obviamente sim, pois a noção de arte e de artistas eram outras. E pressupondo que arte é uma atividade em um determinado campo social e historicamente delimitado. As possíveis definições de obra de arte, arte ou artista dependem do contexto histórico geográfico político no qual se manifestam. Então as questões deveriam ser redigidas da seguinte forma: É possível ensinar arte contemporânea no Brasil especificamente nas escolas de ensino Médio e Fundamental? E aprender arte contemporânea no espaço escolar? Estas perguntas tornam-se pertinentes na atualidade, pois as tendências discursivas a respeito da noção do ensino da arte e de arte, estão ligadas a oportunizar o descobrir-se, o vivenciar e a experiência. E, afinal quem é este professor de Artes Visuais? E qual deve ser sua função no espaço escolar? Para Miriam Celeste Martins o professor de artes é: Um professor que mantém vivo a curiosidade, que gosta de estudar, investigar imagens para sua pratica em sala de aula e levar seus alunos ao encontro com a linguagem da arte sem forçar uma construção de sentido correto ou único, veste sandálias de professor pesquisador, envolvendo com a mais fina atenção sua

pele pedagógica, dando sustentação para pisar em terras ainda desconhecidas. ( Martins, 2008 p.133) Então o professor de artes é este ser que veste sandálias de professorpesquisador. E que faria como Martins aponta uma curadoria educativa, através da seleção de imagens, artistas, textos e nexos conceituais que permeariam sua prática em sala de aula. Este professor não é aquele que simplesmente transmite conhecimento, mas aquele que constrói, oportuniza, provoca seus alunos. Voltamos às questões: É possível ensinar arte contemporânea no Brasil especificamente nas escolas de Ensino Médio e Fundamental? E aprender arte contemporânea no espaço escolar? A resposta para ambas é sim. É possível ensinar e aprender arte contemporânea nas escolas básicas no Brasil. É obvio que esta resposta é superficial e desconsidera diversos fatores sociais, econômicos, geográficos e políticos. Não irei me deter nas dificuldades e especificidades do ensino da arte contemporânea na escola em função dos limites deste texto. A princípio vamos trabalhar com a noção que é possível ensinar e aprender arte contemporânea no espaço escolar. Existe método para ensinar arte, um modelo? Na atualidade não, em função do discurso da noção de arte que temos. Fazer arte não é mais um ofício, não existem mais passos, regras a serem seguidas. A arte na contemporaneidade é polissêmica e fragmentada e como coloca Lucimar Bello P. Frange: A arte na contemporaneidade, está ancorada muito mais em dúvidas do que em certezas, desafia, levanta hipóteses e antíteses em vez de confirmar teses.( Frange, 2003. p. 36)

O discurso recorrente na atualidade é que a arte estaria diretamente vinculada à experiência pessoal. Como é comumente apontado nas falas dos diversos atores do campo artístico. Como um professor oportunizaria a experiência para seus alunos? É possível ter experiência com hora e data marcada? Do tipo, Terças feiras das oito horas e vinte minutos até as dez horas da manhã a turma 112 de Ensino Médio terá uma experiência. E desta forma, aprenderá sobre arte. Como Jorge Larrosa aponta A experiência é o que nos passa, o que nos acontece, O que nos toca. A experiência estaria oposta a informação, opinião, trabalho, falta de tempo, a velocidade e a falta de silêncio. E a partir deste conceito de experiência, me parece um absurdo crer em um discurso de ensino artístico que foca a experiência, pois ela não acontece com hora e data marcada. Não é possível ensinar a noção de experiência, pois a experiência é individual e deve ser vivida e só fará sentido sendo vivida. E é utopia acreditar que o professor de arte na escola oportunizará a experiência artística para seus alunos. Não digo que isto não aconteça com um ou outro aluno, às vezes, mas em uma turma de 40 alunos afirmar que um ou dois tiveram uma experiência proveitosa é assinar sua própria incompetência como professor. Além de ser ingenuidade acreditar que arte é fruto da experiência. Arte é fruto principalmente de conhecimento especifico no campo artístico e, é claro, que a experiência esta vinculada, mas esta não é passível de ensinar. E até para transformar experiência em arte é necessário um domínio dos paradigmas atuais da arte. E isto significa domínio da especificidade da área de Artes Visuais. Pois todas as pessoas têm experiências de diversas ordens, mas perceber estas como possibilidades artísticas é fruto de conhecimento específico e automaticamente de ensinamento. Então, o professor ensina a perceber determinadas experiências como potencialidades artísticas. E não promove experiência. O professor de arte, antes de ser um provocador é alguém que oportuniza o contato da arte para seus alunos. Deve ter um conhecimento consistente sobre arte.

Como professor de arte temos de conhecer desde os conceitos fundamentais da linguagem da arte até os meandros da linguagem artística em que se trabalha. Temos de saber como ela se produz seus elementos, seu códigos - e também como foi e é sua presença na cultura humana, o que implica numa visão multicultural, na valorização da diversidade cultural. É preciso, ainda, conhecer seu modo especifico de percepção, como se estabelece um contato mais sensível, como são construídos os sentidos a partir das leituras, como aprimorar o olhar, o ouvido, o corpo. ( Martins, 2003 p. 52 ) Como percebemos na fala de Miriam Celeste Martins o professor deve ter um aparato de conhecimentos para exercer sua profissão. Será que o professor ajuda a aprimorar o olhar, o ouvido, o corpo de seus alunos como coloca Martins? Ou ele promove uma domesticação do olhar, ouvido, e do corpo através dos paradigmas e discursos atuais da arte? Acredito que Bourdieu contribui para pensarmos nestas questões. (...) O prazer estético, em sua forma erudita, pressupõe a aprendizagem e, neste caso particular, a aprendizagem pela familiaridade e pelo exercício, de modo que, o produto artificial da arte e do artifício, este prazer que se vive ou pretende ser vivenciado como natural é, na realidade, prazer culto. ( Bourdieu, 2007. p. 165 ) Quero ressaltar a idéia de aprendizagem. Quando pensamos em uma arte contemporânea no Brasil estamos falando em arte culta. Mesmo que um dos discursos atuais da arte diz romper com a divisão entre uma arte erudita e popular. A idéia de arte como algo que aprendemos e não como algo inato é um dos aspectos debatido no livro Amor pela Arte, de Bourdieu e Darbel, com sua primeira edição em 1969. Este amor pela arte é fruto de ensino - aprendizagem. Aprendemos a gostar e a valorizar determinadas coisas em detrimento de outras. Aprendemos a valorizar determinada noção de arte através da construção dos discursos que permeiam nossa realidade. Hoje, podemos valorizar em arte o conceito de experiência, pois aprendemos a valorizá-lo.

Para fazer arte e ensinar arte primeiramente é necessário ter conhecimentos específicos da área. Um ensino baseado na experiência sem aporte de transmissão de conhecimento me parece utopia ou ingenuidade. O professor transmite conhecimento e informação que são essenciais para o desenvolvimento de seus alunos e pela futura autonomia de tais. Isto significa, colocar tais alunos a par do conjunto de discursos e meios que estão inseridos no seu cotidiano, e que ele percebendo ou não faz parte. Não digo que o professor apenas transmite conhecimento, mas que uma parte de sua função é esta. Assim como, a promoção e geração de conhecimento. Transmitir conhecimento é de certa forma, moldar o aluno, domesticar seus aparatos sensíveis e lógicos. Para desta forma, inserir tal em determinada conjuntura de idéias, discursos, práticas, conceitos e assim por diante. Mesmo que este aluno venha a negar tudo isto após. Quando falo em arte estou me referindo a teoria, crítica, história e a experiência em produção artística. Antes ensinar arte para alguém deve ser artista. Não estou falando em ser bom ou mal artista de ter boa ou má produção. E sim de continuar produzindo, pensando arte, pois como alguém pode ensinar algo sem vivenciar isto? Imagine um professor de viola que não sabe tocar viola. É como um professor de artes visuais que não tem uma produção visual. Como dizer para os alunos fazerem algo e pensarem se o professor não faz? Não sabe como fazer. Não vive o fazer e o pensar artístico. A partir de minhas observações ao longo do curso de licenciatura na área de Artes Visuais esta é maior deficiência dos professores. Não são artistas e, pior que isto, não possuem um conhecimento consistente de sua área. Alguns não sabem sequer as cores primárias. Dizem que a cor primária pigmento é vermelho. Será que este não sabe realmente que é magenta? Sem contar as atrocidades a respeito da história da arte que escutei em minhas observações. Uma determinada professora de educação artística em uma escola pública me relatou que sua formação na área Artes Visuais deixava a desejar, como se isto pudesse justificar sua falta de conhecimento especifico. Será que a culpa é dela ou de sua formação? Acredito que é muito mais dela, pois a

autonomia no ensino superior é regra. Como podemos perceber na fala de Antônio Joaquim Severino. Em primeiro lugar, é preciso que o estudante se conscientize de que o doravante resultado do processo depende fundamentalmente dele mesmo. Seja pelo seu próprio desenvolvimento psíquico e intelectual, seja pela própria natureza do processo educacional deste nível, as condições de aprendizagem transformam se no sentido de exigir do estudante maior autonomia na efetivação da aprendizagem, maior independência em relação aos subsídios da estrutura do ensino e dos recursos institucionais que ainda continuam sendo oferecidos. ( Severino,2002, p. 23) Esta autonomia por parte do aluno no Ensino Superior não exime a responsabilidade Institucional sobre este profissional. Pois este exerce a sua profissão por causa da chancela desta instituição. O diploma conferido atesta que este indivíduo detém um aparato de conhecimentos para exercer determinada atividade, neste caso, o ensino de Artes Visuais. Porém, simplesmente culpar a instituição por uma formação inadequada é um terrível engano. O interesse por uma formação consistente é primordialmente de responsabilidade do aluno. Alguns profissionais dizem que escolheram atuar apenas como professores, mas será? Ou foram levados a atuarem apenas como forma de se sustentarem? Isto é uma questão crucial. Uma pessoa que exerce uma determinada atividade apenas para sobreviver, sem nenhum envolvimento além das obrigações contratuais, dificilmente será um bom profissional. Ensinar é mais que cumprir o horário, conter, entreter os alunos dentro da sala de aula. Não vejo problema em um artista escolher compartilhar seu conhecimento em artes atuando como professor mesmo que está seja fórmula que tal encontrou para sobreviver. É muito mais fácil este aprender a ter didática e uma posição de professor do que alguém virar artista para ensinar arte. E o que mais me preocupa é alguém que estuda para ser professor de artes. Como assim? Nós devemos estudar para fazer arte, entender arte e

pensar arte para assim ensinar. E desta forma ser o condutor, o maestro, provocador, o professor. Conciliar uma carreira de artista e professor é muito difícil talvez impossível para algumas pessoas. Mas para ensinar arte deve-se fazer arte, pois se aprende arte, fazendo arte. Se o professor não conseguir manter uma espécie de produção e não interessa aqui a freqüência. Ele provavelmente não será um bom professor de arte. É como um Teórico que não teoriza ou crítico que não faz crítica. Um pesquisador que não pesquisa. Não passa de um galho seco. Com que tempo este professor também será artista? Como alguém que trabalha quarenta horas semanais teria tempo de ser artista e pesquisador? Bem, ele deve ser completamente apaixonado pelo que faz. E isto significa priorizar determinadas coisas em detrimento de outras. Todas as nossas escolhas tem conseqüências. Precisamos saber se estamos dispostos a arcar com tais conseqüências ou não. A própria idéia de conseqüência neste caso deve ser questionada. A conseqüência aqui não deve ser levada como algo negativo, ela é apenas intrínseca à nossa escolha. Os diversos papéis que assumimos em nosso cotidiano dificultam tamanha entrega. Porém, seremos o amigo professor pesquisador artista, o filho professor pesquisador artista, o namorado professor - pesquisador artista e assim por diante. Pois isto tudo compõem nossa identidade e a maneira que escolhemos nos apresentar ao mundo. É claro que esta é uma visão romântica a respeito da profissão de professor e somente ela não é capaz de nos fazer felizes como profissionais. É necessário bem mais do que paixão para termos uma vida profissional plena. Talvez esta paixão não resista às intempéries da vida, da vida escolar, das políticas públicas para educação e tantas outras coisas. Aristóteles na Ética a Nicômaco no livro I traz uma reflexão sobre este caminho para uma vida feliz. E no entanto, como dissemos, ela necessita igualmente de bens exteriores; pois é impossível, ou pelo menos não é fácil, realizar atos nobres sem os devidos meios. Em muitas ações utilizamos como instrumentos amigos, a riqueza e o poder político; e há coisas cuja a

ausência empana a felicidade. Como a nobreza de nascimento, uma boa descendência, a beleza. Com efeito, o homem de muito feia aparência, ou mal nascido, ou solitário e sem filhos, não tem muitas probabilidades de ser feliz, talvez tivesse menos ainda se seus filhos ou amigos fossem visceralmente maus e se a morte lhe houvesse roubado bons filhos e bons amigos. ( Aristóteles, 1984, p.58) Considerando as devidas proporções entre o espaço temporal geográfico histórico cultural que nos separam de Aristóteles. Acredito que esta reflexão contribui para pensarmos que somente a paixão desgarrada de recursos de diversas ordens dificulta em muito, uma atuação plena e conseqüentemente uma vida profissional feliz. Aristóteles não diz, caso não tenhamos estes recursos não seremos felizes, apenas que as probabilidades serão muito poucas. Logo, somente esta paixão pela arte e por ensinar, não nos faz bons professores, mas ela é a base que sustenta a necessidade de entrega em nossa profissão. Porém, somente esta entrega apaixonada dificilmente será suficiente para sermos bons profissionais. Arte é fruto de conhecimento específico e o professor deve ter um conhecimento consistente e vivência artística para estar em sala de aula. Pois a própria valorização da experiência, do vivenciar é fruto de conhecimento. Não tenho nada contra as idéias de um ensino interdisciplinar, pelo contrário, acredito nelas, pois os diversos aspectos da vida e dos conhecimentos se permeiam, interagem em nossas realidades. Porém, esta idéia de interdisciplinaridade não exime a necessidade de conhecimento das especificidades da área de atuação. É neste ponto que eu percebo a grande falha dos professores. Em minha opinião o professor de Artes Visuais deve ter alguma produção artística. Porque isto é essencial para ensinar arte e se manter apaixonado por arte. E desta forma, não transformar a arte em arte escolarizada. O binômio professor pesquisador deve virar para o professor de educação artística um trinômio Professor - Pesquisador Artista.

Bibliografia ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. São Paulo: Abril cultural,1984. ( Os Pensadores ) BOURDIEU, Pierre; DARBEL, Alain. O Amor pela Arte na Europa e seu Público.São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo: Porto Alegre: Zouk, 2007. FRANGE. Lucimar Bello P. Arte e Seu ensino uma Questão ou Várias Questões? In: BARBOSA, Ana Mae (org.). Inquietações e Mudanças no Ensino da Arte. São Paulo: Cortez, 2003, p.35-47. LARROSA, Jorge. Notas sobre a experiência e o Saber da Experiência. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, jan/fev/mar/abr. 2002, n.19, p.20-28. NIETZSCHE, Friedrich. Além do Bem e do Mal. São Paulo: Companhia das Letras, 2005. MARTINS, Mirian Celeste. Conceitos e terminologia aquecendo uma transforma ação: Atitudes e valores no Ensino da Arte. In: BARBOSA, Ana Mãe (org.). Inquietações e Mudanças no Ensino da Arte. São Paulo: Cortez, 2003, p.49-60. MARTINS, Mirian Celeste; PICOSQUE, G. Professor: Escavador de Sentidos. In: Mediação Cultural para Professores Andarilhos da Cultura. São Paulo: Arte por Escrito Rizoma Cultural Content Stuff, 2008. v.1., p. 24-34. SEVERINO, Antonio Joaquim. Metodologia do trabalho Cientifico. São Paulo: Cortez, 2002.