MUDANÇAS AMBIENTAIS GLOBAIS, VULNERABILIDADE E RISCO: IMPACTOS NA SUBJETIVIDADE EM CARAGUATATUBA, LITORAL NORTE PAULISTA 1



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Transcrição:

MUDANÇAS AMBIENTAIS GLOBAIS, VULNERABILIDADE E RISCO: IMPACTOS NA SUBJETIVIDADE EM CARAGUATATUBA, LITORAL NORTE PAULISTA 1 Sônia Regina da Cal Seixas 2 srcal@unicamp.br João Luiz de Moraes Hoeffel 3 - jlhoeffel@gmail.com Michelle Renk 4 - michellerenk@yahoo.com.br Simone Aparecida Vieira 5 - sivieira@unicamp.br Leonardo Freire de Mello 6 - leo.mello@gmail.com Paula V. Carnevale Vianna 7 - paulacarnevale@uol.com.br Resumo: As regiões costeiras do Brasil, recentemente, tem sido objeto de importantes mudanças ambientais e sócio-culturais, resultante de tansformações no uso da terra. Essa situação pode levar à perda de serviços ambientais que afetam a saúde física e psicológica da população, especialmente os pescadores artesanais e suas famílias, que, por suas trajetórias de vida e de trabalho são os primeiros a perceber as mudanças ambientais em suas vidas e, ao mesmo tempo possuir conhecimento que pode contribuir para a compreensão desta dinâmica e seus efeitos sobre suas subjetividades. Assim, considerando que as comunidades litorâneas do Estado de São Paulo, Brasil, ao enfrentar mudanças ambientais globais, irão passar por transformações socioambientais e culturais que afetam a maneira como os habitantes lidam com tais mudanças importantes, este trabalho apresenta resultados preliminares sobre a avaliação dos impactos sobre a subjetividade dos habitantes, relacionados à vulnerabilidade e riscos. Palavras-chave: Mudanças ambientais globais, vulnerabilidade, risco e subjetividade, Litoral Norte Paulista. GLOBAL ENVIRONMENTAL CHANGE, VULNERABILITY AND RISK: IMPACTS ON SUBJECTIVITY IN CARAGUATATUBA, NORTH COAST OS SÃO PAULO STATE Abstract: The coastal regions of Brazil have recently undergone significant environmental 1 Agradecemos a Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de São Paulo pelo suporte financeiro que possibilitou a pesquisa que originou esse artigo (FAPESP, n. 2008/58159-7 e 2010/2010/ 20811-5). A versão em inglês desse artigo foi apresentado em Session 4: Health, Environmental Risks and Well-Being, The Social Pathologies of Contemporary Civilization. International Conference, University College Cork, Ireland, September 15th and 16th 2011. 2 Professora e Pesquisadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais e do Doutorado Ambiente & Sociedade, Universidade Estadual de Campinas. Bolsista Produtividade CNPq 2 3 Professor e Pesquisador do Núcleo de Estudos em Sustentabilidade Faculdades Atibaia (NES/FAAT) 4 Mestre em Planejamento de Sistemas Energéticos, Bolsista FAPESP TT III, Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais, UNICAMP. 5 Professora e Pesquisadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais e do Doutorado Ambiente & Sociedade, Universidade Estadual de Campinas. 6 Professor e pesquisador da Universidade do Vale do Paraíba UNIVAP e do Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais, UNICAMP. 7 Professora e pesquisadora da Universidade do Vale do Paraíba UNIVAP. 1

and socio-cultural disturbances resulting from changes in land use. These situation lead to loss of environmental services that affect the physical and psychological health of the population, especially the small-scale fishermen and their families, that by their life and work trajectories are the first ones to perceive environmental changes in their daily lives and to retain special knowledge that can contribute to the understanding of this dynamic and its effects over their subjectivities. Based on the hypothesis that the seaside communities of the State of São Paulo, Brazil, when facing global environmental change, will pass through socioenvironmental and cultural transformations that will affect the way the inhabitants deal with such major changes in their daily lives, this paper presents preliminary results regarding the evaluation of the impacts over the subjectivity of the inhabitants related to the vulnerability and risks. Key-words: Global environmental change; vulnerability; risk and subjectivity; São Paulo State North Coast. 2

1. Introdução Pesquisas têm apontado que as mudanças ambientais globais, especialmente as climáticas promoverão impactos na economia, na sociedade, na política e também na saúde humana (HOGAN; TOLMASQUIM, 2001; McMICHAEL et al., 2006; PATZ et al., 2007; ALLEY et al., 2009; KOTIR, 2010; GIDDENS, 2008; MIN et al., 2011). No entanto, esses impactos, do ponto de vista da subjetividade e da saúde mental, têm sido pouco considerados na literatura acadêmica, podendo desta forma indicar falsamente sua pequena importância no cenário das pesquisas sobre a temática. No entanto, por considerarmos que os aspectos socioambientais globais, na mesma medida que as questões individuais promovem impactos e precisam ser reconhecidos com o mesmo grau de importância, pois podem contribuir para aumentar o estresse e as tensões que afetam a vida cotidiana, a subjetividade, os modos de vida e as culturas tradicionais (O CONNOR, 1994; CARAPINHEIRO, 2002; HANNIGAN, 2006), temos nos debruçado sobre essa temática há algum tempo, e continuamos a investir nessa abordagem (BARBOSA, 2003; 2004; 2006; 2006a; 2008; 2008a; SEIXAS; HOEFFEL; BIANCHI, 2010; SEIXAS; HOEFFEL et al., 2010). A literatura especializada também tem destacado que as regiões costeiras são exatamente aquelas mais sensíveis a tais impactos (CONFALONIERI, 2005; CONFALONIERI et al., 2007; CONFALONIERI, 2007; CONFALONIERI, MARINHO, 2007; HOGAN, TOLMASQUIM, 2001; PEREIRA, et al., 2009). No caso brasileiro essas regiões recentemente têm passado por significativas alterações ambientais e socioculturais decorrentes da mudança do uso da terra, das novas configurações do espaço e da utilização dos recursos naturais (RAIMUNDO, 2007; HOGAN et al., 2008; BARBOSA et al., 2009; 2010), o que nos impõe maior preocupação com seu futuro. Considerando que as comunidades de pescadores artesanais do Estado 3

de São Paulo, ao enfrentar as mudanças ambientais globais serão afetados, do ponto de vista socioambiental e cultural, que influirá na maneira como os mesmos lidam com tais mudanças em suas vidas diárias, este trabalho apresenta resultados preliminares sobre a avaliação dos impactos no cenário ambiental, e as transformações, a vulnerabilidade e os riscos que afetam o modo como a comunidade se relaciona pelo trabalho, com os recursos naturais, com sua cultura, e subjetividade (WISNER et al., 2003; GIDDENS, 2008). Desta forma, o artigo apresenta um estudo de caso, tendo como referência o município de Caraguatatuba, no Litoral Norte Paulista e um grupo potencialmente afetado por essas alterações que são os pescadores artesanais e suas famílias que vivem na região, e que pela sua vida e trajetórias de trabalho são os primeiros a perceber as mudanças ambientais no seu cotidiano, visando captar o conhecimento especial que possuem e que pode contribuir para a compreensão desta dinâmica e seus efeitos sobre suas subjetividades. Pesquisas anteriores realizadas nos quatro municípios do Litoral Norte Paulista permitem considerar, particularmente, dois aspectos importantes para a região: 1. A mesma está passando por mudanças significativas, e impondo aos moradores novas relações com o ambiente de moradia e de trabalho e 2. Identificou-se expressivos diagnósticos de depressão entre os usuários adultos do serviço de saúde pública atendidos na região, considerando que no ano de 2007, o percentual de diagnósticos foi cerca de 15% (BARBOSA, 2007). Mesmo respeitando diferentes abordagens metodológicas este número está acima da prevalência internacional, que oscila entre 3% e 11% (FLECK et al., 2003). Estudos internacionais em 14 diferentes países apontam que em pacientes atendidos em Unidades Básicas de Saúde, a média de prevalência está em torno de 10% (USTUN; SARTORIUS, 1995). Assim, buscando dar continuidade as pesquisas anteriormente realizadas, procurou-se neste artigo considerar os dados já coletados 4

(BARBOSA, 2007 e 2009), aliados as mudanças ambientais globais mais recentes (SEIXAS; HOEFFEL et al., 2010; HOGAN et al., 2008), tendo como pressuposto as seguintes estratégias metodológicas para a realização da pesquisa: a coleta e analise de dados sócio-demográficos e de saúde originados de fontes de base estaduais e federais (IBGE; DATASUS; Unidades Básicas de Saúde do município); entrevistas com 13 pescadores e maricultores, da praia da Cocanha, escolhidos especialmente para exemplificar a relação das transformações socioambientais e a subjetividade dos moradores, em função de que os pescadores desta praia foram identificados como aqueles que possuem uma organização social mais expressiva do que os residentes em outras áreas, possibilitando uma maior articulação e evidência da identificação dos problemas da região. Desta forma, o artigo conta com uma parte introdutória onde se apresentou o problema e a teoria que o embasa; a segunda parte com a caracterização da região de estudo e seus principais problemas. No terceiro item foram destacadas as mudanças ambientais globais e a subjetividade, com ênfase especial para as entrevistas realizadas com os pescadores e maricultores que nos permitiu identificar a percepção dos mesmos com relação à problemática apontada. Além disso, foram analisadas as Médias de Internações para cada 100 mil habitantes no somatório dos Transtornos Mentais e Comportamentais (Capítulo CID-10: V), com a apresentação de resultados para os quatro municípios do Litoral Norte, a média do Litoral Norte e para o Estado de São Paulo, no período 2000-2010, obtidos da base de dados do DATASUS (MS, 2011), com a função de exemplificar a região sobre esse aspecto. E por fim, as considerações que finalizam o artigo e mostram os futuros caminhos que a pesquisa pretende percorrer. 2. Considerações sobre a região do estudo: Caraguatatuba, Litoral Norte 5

Paulista O Litoral Norte do Estado de São Paulo (Figura 1) situa-se no complexo geológico e topográfico da Serra do Mar (SUGUIO; MARTIN, 1978), formado pela atividade tectônica ocorrida no Terciário e nas baixas altitudes, por alterações do nível do mar associadas com os ciclos glaciais no Quaternário (SUGUIO; MARTIN, 1978; SOUZA et al., 2005;. PIERRE-LEDRU et al., 2009). Esta região abrange tanto a zona costeira, quanto as escarpas associadas a ela, abrigando um mosaico de ecossistemas, denominado de Mata Atlântica. Originalmente, a Mata Atlântica era uma das maiores áreas de floresta tropical das Américas, cobrindo a maior parte do litoral brasileiro, com uma área de aproximadamente 1,5 milhões km² (RIBEIRO et al., 2009). No entanto, a história e a vida econômica brasileira estão fortemente relacionadas com o domínio de Mata Atlântica. Nesta área, vive 70% da população total, e a área de abrangência do bioma original produz 80% do PIB (ou seja, 80% do valor da produção industrial e de serviços do país). Assim, as atividades econômicas e a população em geral, dependem direta ou indiretamente dos recursos naturais que são produzidos ou regulados pela Mata Atlântica (DEAN, 1995). Como conseqüência, a Mata Atlântica é hoje restrita a apenas 12% de sua área original (METZER, 2009), e grande parte do remanescente que sobreviveu a ocupação européia, relativamente intactas são encontrados na região costeira do Brasil, onde seu uso está limitado para agricultura (RANTA et al., 1998; RESENDE et al., 2002; SILVA et al., 2007; RIBEIRO et al., 2009), principalmente nas montanhas do nordeste de São Paulo (mais de 80% da vegetação original preservada), um ecossistema de complexidade estrutural de grandes dimensões que abrigam alguns dos ecossistemas florestais biologicamente mais diversos e únicos na terra (MYERS, 1988; WILSON, 1992; DAVIS et al., 1997). 6

O Litoral Norte do Estado de São Paulo possui uma população de 281.778 habitantes (IBGE, 2011), distribuídos em seus quatro municípios Caraguatatuba, Ilhabela, São Sebastião e Ubatuba (Figura 2), e compreende uma área total de 1.947,70 km². A cobertura vegetal original ainda persiste em 84% da área dos municípios de Ilhabela, São Sebastião e Ubatuba (SOS Mata Atlântica; INPE, 2009), enquanto que em Caraguatatuba, com maior população entre eles, esta porcentagem cai para 74%. A partir dos anos 1950, após a construção da rodovia dos Tamoios, que liga a região costeira com o vale do Rio Paraíba do Sul e com uma ampla malha rodoviária, as cidades da região tornaram-se destinos turísticos muito populares, permitindo a sua recuperação econômica, já que a agricultura e a pesca estavam em decadência. Entretanto, mesmo com o obstáculo físico vencido, a ligação entre planalto e litoral oscilou ao longo dos ciclos econômicos, principalmente com a implantação das ferrovias conectando São Paulo a Santos e posteriormente São Paulo ao Rio de Janeiro. As condições topográficas e geológicas, o mosaico de ecossistemas e o clima da região associados ao crescimento demográfico, impulsionado pela especulação imobiliária decorrente do turismo desordenado têm ocasionado mudanças ambientais profundas com grande impacto para a qualidade de vida dos moradores dessas cidades. Hoje, um novo ciclo econômico se apresenta à região, relacionado principalmente com a exploração das reservas de petróleo conhecidas como Pré Sal. O que poderá aumentar significativamente o risco de acidentes e enchentes, em função de uma mudança expressiva no cenário atual, com aumento de número de pessoas, carros de passeio e de transporte de cargas. Ao mesmo tempo em que se constata a precariedade da rede de serviços de saúde incluindo os serviços de emergência hospitalar, que não estão preparados para atender a demanda resultante da expansão urbana que já se encontra em curso 7

(LEITE; MORAES, 2001). Figura 01: Litoral Paulista e subdivisões: Litoral Sul, Baixada Santista e Litoral Norte Fonte: Hogan et al. (2009) Figura 02: População total do Litoral Norte Paulista, Campinas e São Paulo Fonte: IBGE, 2011 Esta situação é observada especialmente no município de Caraguatatuba que se situa a 186 km da capital paulista, faz limite com Ubatuba e São 8

Sebastião, e possui 29 km de orla formada por 17 praias, que propiciam uma variedade extensa de atividades de lazer e turismo (BARBOSA, 2007). A densidade demográfica é de 183,52 hab./km², sendo uma das 15 estâncias balneárias do Estado de São Paulo, o que lhe garante o repasse, pelo governo estadual, de recursos para a promoção do turismo regional (BARBOSA, 2007; RENK, 2010). Além disso, o município abriga o Núcleo Caraguatatuba do Parque Estadual da Serra do Mar (PESM), o primeiro núcleo do Litoral Norte, instituído em 1977 pelo Governo do Estado de São Paulo, com uma área de 47 453 ha, sendo que desse total 84% fica no município de Caraguatatuba, e o 16% restantes nos demais municípios (INSTITUTO FLORESTAL, 2009). Para evidenciar a vulnerabilidade da região vale destacar que em março de 1967, ocorreu importante evento clim{tico que ficou conhecido como A Catástrofe 8, resultante de uma seqüência de deslizamentos na Serra do Mar, decorrentes, por sua vez, de uma anomalia positiva de precipitação na região no período e que provocou, segundo registros da época, a morte de 436 pessoas, além de severos danos à infraestrutura e à economia locais. Da população local residente no município na época, 33 % perdeu suas casas em função dos deslizamentos. Na área que hoje abriga o Parque Estadual da Serra do Mar, ocorreram inúmeros desabamentos provocando um lençol de lama que em dez minutos cobriu a cidade 9. Assim, pode-se afirmar que a região possui uma dinâmica natural própria e bastante característica que compõe um quadro de elevada vulnerabilidade ambiental e expõe a população da região a um complexo quadro de riscos socioambientais, que tende a se agravar, já que o município é o centro de uma série de investimentos em infraestrutura relacionada à 8 Sobre esse evento recomenda-se a leitura de SANTOS et al., 2000; CONTI, 2001 e CASTRO; FREIRE DE MELLO; SOUZA; PENNA (Work in progress), 2011. 9 Ver nota 1. 9

exploração dos recursos de petróleo e gás natural da chamada camada do Pré- Sal, como o Projeto Mexilhão da Petrobras, e infraestrutura urbana como Anel Viário Caraguatatuba São Sebastião, Aterro Sanitário Regional e Centro de Detenção Provisória (HOGAN et al., 2008; RENK, 2010; SEIXAS;RENK, 2010). A praia da Cocanha, bem como outras da região, tem sofrido forte influência do turismo e um processo crescente de ocupação do solo, que se iniciou em meados da década de 1950, a partir da abertura da Rodovia dos Tamoios (SP-099), aliada a melhorias na infra-estrutura regional provenientes da obra de ampliação do Porto de São Sebastião (SOUZA, 2009). No entanto, sua especificidade ocorre uma vez que é caracterizada como a maior produtora de mexilhões do Estado de São Paulo, com cerca de 30 toneladas/ano (MARQUES et al., 2008; BOSCARDIN, 2008). 3. Serviços ecossistêmicos e subjetividade 3.1. Pescadores, maricultores: vida e trabalho No período de 2009 a 2011, foram realizadas entrevistas com 13 pescadores e maricultores, na faixa etária de 34 a 54 anos, que nasceram e residem na praia da Cocanha. O tempo médio de atividade pesqueira entre eles é de 19,5 anos. O objetivo era que os entrevistados pudessem refletir sobre o impacto das mudanças ambientais globais na região, nas atividades que realizam e no seu modo de vida. Para Koren; Butler (2006), o ambiente construído afeta o ecossistema, os serviços ecossistêmicos, assim como a saúde humana e o bem estar. As áreas urbanas ao mesmo tempo em que oferecem atrativos e benefícios aos seus moradores, como facilidades e acesso a serviços, podem atuar negativamente sobre a qualidade de vida, principalmente em relação à sobrecarga dos recursos naturais e de infraestrutura em uma região. O uso da terra é intensamente afetado pela expansão urbana, que é geralmente responsável pela degradação 10

do ambiente, alterando a função do ecossistema e, resultando em uma consequente redução da biodiversidade (KOREN; BUTLER, 2006; CINNER; BODIN, 2010; MARENGO, 2007). Nas entrevistas pode-se confirmar esse aspecto, na medida em que os pescadores reconhecem as mudanças em seu ecossistema. No dizer de um pescador a ocorrência de inúmeras mudanças na praia da Cocanha como afastamento do mar, e o fechamento do Rio Cocanha, em décadas anteriores, para construção de um condomínio residencial, tem sido os mais expressivos problemas observados. Ao mesmo tempo o nível do mar se alterou, e com a mudança da maré, o mangue que existia na região desapareceu, estando hoje instalado um rancho dos pescadores. Essas mudanças fazem com que no período de chuvas, ocorram enchentes, que já provocou inundações nos boxes deste rancho (entrevistados 5 e 9, 2011). As falas dos pescadores nos possibilitam relacionar a função dos ecossistemas de manguezais na reprodução de diversas espécies de peixes marinhos, e evidenciam as consequências da especulação imobilíaria no local, alavancada pelo turismo na região. Os relatos apontam como principal modificação na sua atividade a diminuição dos estoques pesqueiros. Segundo os mesmos, a queda na produção pesqueira está relacionada às alterações ocorridas tanto no ambiente (praia), como na aparelhagem de pesca e no clima. Segundo Koren; Butler (2006), ambientes sensíveis são muitas vezes fragmentados ou sacrificados para a construção de estradas, moradias e parques industriais. Os autores chamam atenção para a poluição de reservatórios e águas subterrâneas com a descarga na rede de esgoto, por aglomerados urbanos, de produtos químicos e patógenos, com inúmeros efeitos adversos à saúde humana. Com relação ao saneamento ambiental (esgoto) existem duas vertentes a serem observadas, sua produção - quiosques e comércio de produtos na praia 11

e a cobertura de tratamento de esgoto encontrada no município. De acordo com técnico da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo - SABESP, a cidade possui 86% da população com abastecimento de água, ao lado de preocupantes 45% de coleta, afastamento e tratamento de esgoto (RENK, 2010). E verifica-se, com base nos relatos, a ausência de coleta e tratamento do esgoto gerado na praia. Devido à vocação turística da região aliada a expansão da indústria petrolífera no litoral, observa-se os reflexos da pressão populacional principalmente no período do verão, quando a população chega a triplicar. Em relação à qualidade da água observou-se que possuiu qualificação imprópria nas praias mais movimentadas e próximas ao centro da cidade. O indicador básico utilizado para a classificação das praias em termos sanitários é a densidade de coliformes fecais (CETESB, 2011) e assim, verifica-se que entre as 15 praias analisadas, 40% são classificadas como impróprias durante a maior parte do tempo no período de férias, principalmente de verão (CETESB, 2011; PREFEITURA DE CARAGUATATUBA, 2010). Esta preocupação surge no discurso de 86% dos pescadores e de 100% dos maricultores entrevistados. A contaminação da água, por coliformes fecais, influência diretamente a qualidade do mexilhão, já que o mesmo é um filtrador biológico. Nas entrevistas ficou evidente que, de acordo com os pescadores, um dos significativos problemas enfrentados por eles é causado pelo esgoto doméstico que é jogado diretamente no rio pelos quiosques, e como a correnteza segue em direção ao cultivo dos mexilhões, ocorre a contaminação da produção por coliformes fecais (entrevistado 6, 2011). Outra questão abordada pelos entrevistados está relacionada à utilização de técnicas de pesca que não garantem a sustentabilidade das espécies, como barcos a motor e pesca de arrasto que contribuem para a pesca de alevinos e não de peixes adultos. A pesca de camarões também contribui para que a 12

atividade fique mais predatória e pouco sustentável, pois também é feita por arrasto, e a rede possui uma malha mais fina (entrevistados 2 e 3, 2011). Além das modificações nos métodos de pesca, os entrevistados indicam a influência do clima na produtividade pesqueira, tanto na diminuição quanto na mudança da qualidade do pescado (pesca de parelha, poluição por diesel provocada pelos barcos a motor), além de representar gastos financeiros mais elevados devido a perdas com material de pesca: despesas com barcos maiores e que possibilitam uma permanência maior em alto mar, por exemplo (entrevistado 2, 2011). Na percepção dos entrevistados, no entanto, as mudanças climáticas são aquelas mais expressivas e importantes para o desenvolvimento de suas atividades, podendo ser evidenciada nas entrevistas com os maricultores que acreditam estar ocorrendo superaquecimento da água a cada ano. Alguns destacam que perderam 2 toneladas para a venda, o que significa outras duas para o plantio. Em termos econômicos o produtor destaca que perdeu o equivalente a U$ 9.500 em 2010 e que por conta do clima não tem sido possível atender aos compradores (entrevistado 5, 2011). Outro ainda aponta que isso tem representado uma diminuição de 90% nos últimos cinco anos (entrevistado 6, 2011). O mesmo entrevistado declarou que em determinados dias do ano de 2010, observou-se que a temperatura da água do mar estava em torno de 32ºC, sendo que o ideal para a atividade é de 22 a 26ºC. Essas observações evidenciam que o mundo do trabalho e da vida cotidiana desses trabalhadores, frente às mudanças ambientais globais, tem sido alterado, e promovem impactos que alteram a saúde mental dessas pessoas, na medida em que geram sofrimento e incapacidade de enfrentar essas dificuldades que ultrapassam sua rotina de vida e seus hábitos, como procuraremos evidenciar a seguir. 13

3.2. Os impactos na subjetividade Fritze et al. (2008), ressaltam que tem ocorrido uma maior sensibilização dos cientistas para a saúde mental da população, considerando a importância das condições do ambiente e o impacto das mudanças climáticas. Assim, observou-se que a mudança das atividades pesqueiras tem promovido alterações no modo de vida da comunidade. Entre os pescadores e maricultores entrevistados na praia da Cocanha a mudança mais significativa é a diminuição dos estoques pesqueiros, que representa para esses trabalhadores, o ponto inicial para as modificações em seu cotidiano, afetando aspectos da cultura dos pescadores artesanais, que se expressam através da comparação entre a fartura encontrada antigamente frente à escassez atual. Em seus depoimentos fica evidente a diminuição do pescado na atualidade frente à fartura de duas a três décadas anteriores (entrevistados 3 e 8, 2011), pois até para o consumo familiar o produto do trabalho diminuiu significativamente (entrevistado 7, 2011). Os relatos coletados remontam a situações de abundância de recursos, onde a problemática vivida na época era a falta de mercado consumidor para toda a produção. Os entrevistados utilizam à corvina, que é uma das espécies mais comum no litoral paulista (IP, 2011) para contextualizar a diminuição dos estoques. Na medida em que apontam que foi de 18 a 20 anos que começou a diminuir, já que antes desse período era comum pescarem peixes mais nobres como bonito e dourado, e que agora só conseguem pescar corvina, cação e bagre, e que hoje nem corvina pescam (entrevistado 3, 2011). Como consequência da redução dos estoques pesqueiros, pode-se observar um maior esforço por parte dos pescadores para continuar obtendo sustento com a pesca. As dificuldades encontradas envolvem o esforço físico, com a necessidade de mais viagens ao mar, e financeiro em termos de maior investimento em matéria prima para realização da atividade pesqueira. Esse 14

maior investimento humano e financeiro evidencia, na visão deles um maior desgaste na saúde. Muitos pescadores mencionam problemas na coluna vertebral, como dores e dificuldades de locomoção (entrevistado 5, 2011). Segundo Lee (2007), os efeitos das mudanças climáticas serão desproporcionalmente sentidos pelas comunidades já vulneráveis, incluindo pessoas com baixos rendimentos e as comunidades diretamente dependentes de seu ambiente local para a sobrevivência, como na região estudada. Assim, em função da diminuição do pescado foi possível observar uma recolocação da atividade pesqueira artesanal, onde esta passa de atividade primária para secundária, sendo colocada como renda complementar pelos entrevistados. O desemprego, bem como as desvantagens socioeconômicas, interfere negativamente na saúde mental, uma vez que leva à maior exposição aos fatores de risco psicossocial como auto-percepção negativa, stress, insegurança, perda da autonomia pessoal e isolamento social (PATEL et al., 1999; SHIELDS; PRICE, 2001; FRITZE et al., 2008). Atualmente, poucos estão vivendo exclusivamente da pesca artesanal, e entre os entrevistados é comum o desenvolvimento de uma segunda atividade, que muitas vezes configura sua fonte de renda principal como comércio local, prestação de serviços como caseiros e na construção civil, evidenciando a necessidade de renda complementar para quem pratica a pesca. Alguns entrevistados mencionam a prática de outras atividades laborais, como trabalho em supermercados, como caseiros ou na construção civil, durante a semana e tendo a prática da pesca como lazer ou hobby (entrevistados 2, 5 e 7, 2011). Devido às dificuldades encontradas no desenvolvimento da pesca, muitos pescadores não estimulam a manutenção da atividade para seus descendentes, sendo que muitas vezes incentivam os mesmos a migrarem para outras atividades laborais. Assim, pode-se observar uma diminuição do número de pescadores ao comparar a quantidade de associados nas 15

comunidades pesqueiras e os que trabalham efetivamente. É apontado que atualmente existem 35 associados, e destes 15 são identificados como maricultores, mas efetivamente praticando a atividade existe 1 pescador e 8 maricultores na praia da Coconha (entrevistado 6, 2011). Para Fritze et al. (2008), as mudanças climáticas possivelmente trarão impactos à saúde mental e bem-estar, através de seus prováveis embates sobre o sistema econômico, o custo de vida, e ao mesmo tempo na distribuição desigual desses impactos entre os membros de uma comunidade. Esses aspectos anteriormente apontados podem ser complementados através de dados do Sistema de Saúde Brasileiro em relação à saúde mental dos moradores dos municípios do Litoral Norte Paulista. Utilizou-se, desta forma a média de internações a cada 100 mil habitantes, para o somatório das morbidades especialmente escolhidas e sistematizadas a partir do Capítulo CID-10: V, por serem na área de saúde mental as mais sensíveis às questões socioambientais e culturais, tais como os transtornos mentais e comportamentais, devido ao uso abusivo de álcool e outras substancias psicoativas e que são reconhecidas como promotoras de problemas a saúde mental; além daquelas relacionadas aos transtornos de humor (afetivos) e neuróticos, e relacionados com stress; também esquizofrenia, transtornos esquizotípicos e delirantes e outros transtornos mentais e comportamentais. Procurou-se evidenciar o panorama dos municípios do Litoral Norte, separadamente, a média do Litoral Norte e do Estado de São Paulo, para um período de 10 anos (2000-2010) (Figura 3). A partir da Figura 3 observa-se que a situação dos municípios para esse conjunto de morbidades é expressiva, embora abaixo da média do Estado de São Paulo, como era de esperar. No entanto em todo o período os municípios de Caraguatatuba e Ilhabela foram aqueles que estiveram acima da média do Litoral Norte, com exceção de Caraguatatuba em 2010 (que esteve abaixo), e o 16

município de Ilhabela que apresentou quadro significativo em 2007, muito acima da média do Litoral Norte e do Estado de São Paulo. Figura 3: Média de Internações a cada 100mil habitantes no somatório das morbidades, municípios do Litoral Norte, média do Litoral Norte e do Estado de São Paulo, período 2000-2010 Fonte: elaboração própria, DATASUS, 2011 A partir da consolidação dos dados por 100mil habitantes foram elaborados os percentuais dos quatro municípios, como observa-se nos gráficos 1 a 4, comparativamente ao Estado de São Paulo, para o mesmo conjunto de morbidades e mesmo período (gráfico 5). E o que efetivamente chama atenção é a soma dos itens transtornos mentais e comportamentais devido ao uso de alcool e transtornos mentais e comportamentais devido ao uso de outras substâncias psicoativas que se apresentam significativamente proximos a média do Estado de São Paulo, para os quatros municípios, no período de 2000-2010. E o item esquizofrenia, transtornos esquisotípicos e delirantes que para os quatro municípios estão superiormente acima da média do Estado de São Paulo. A observação desses dados exigirá dos pesquisadores uma atenção especial, pois necessitarão ser melhor compreendidos a luz de uma observação mais sistemática da realidade socioambiental dos municípios do Litoral Norte Paulista, principalmente aliados a continuidade de entrevistas com a comunidade e também com os profissionais de saúde da rede de atenção 17

primária em saúde e das unidades especializadas em saúde mental. 18

Gráfico 1: Porcentagem de distribuição das morbidades em Caraguatatuba - 2000 a 2010. (n=1090) Gráfico 2: Porcentagem de distribuição das morbidades em Ilhabela 2000 a 2010. (n=468) Fonte: Elaboração própria a partir do Datasus, 2011. Gráfico 3: Porcentagem de distribuição das morbidades em São Sebastião -2000 to 2010 (n=685) Fonte: Elaboração própria a partir do Datasus, 2011. Gráfico 4: Porcentagem de distribuição das morbidades em Ubatuba - 2000 a 2010. (n= 621) Fonte: Elaboração própria a partir do Datasus, 2011. Fonte: Elaboração própria a partir do Datasus, 2011. 19

Grafico 5: Porcentagem de distribuição das morbidades no estado de São Paulo - 2000 to 2010. (n= 883.275) Fonte: Elaboração própria a partir do Datasus, 2011. 20