A TERCEIRA IDADE DA VIDA, A TERCEIRA MARGEM DO RIO, O TERCEIRO OLHAR DA ARTE: Des (re) construindo imagens através dos jogos do Teatro do Oprimido



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Transcrição:

A TERCEIRA IDADE DA VIDA, A TERCEIRA MARGEM DO RIO, O TERCEIRO OLHAR DA ARTE: Des (re) construindo imagens através dos jogos do Teatro do Oprimido Clóvis Domingos dos Santos 1 Ricardo Carvalho de Figueiredo 2 Universidade Federal de Ouro Preto Como educador preciso de ir lendo cada vez melhor a leitura do mundo que os grupos populares com quem trabalho fazem de seu contexto imediato e do maior de que o seu é parte. O que quero dizer é o seguinte: não posso de maneira alguma, nas minhas relações político-pedagógicas com os grupos populares, desconsiderar seu saber de experiência feito. Sua explicação do mundo de que faz parte a compreensão de sua própria presença no mundo. E isso tudo vem explicitado ou sugerido ou escondido no que chamo leitura do mundo que precede sempre a leitura da palavra. Paulo FREIRE (1996) INTRODUÇÃO Nos últimos anos têm crescido significativamente o número de eventos e seminários que discutem o teatro como instrumento de transformação social 3. Acredita-se numa possibilidade de mudança de cena tanto no palco como na vida. Nas escolas, sindicatos, salões comunitários, igrejas, prisões e nas periferias das cidades, grupos de crianças, estudantes, mulheres, detentos, idosos, etc., têm experienciado o fazer teatral numa proposta considerada humanizadora (lê-se aqui a formação integral do Homem: sujeito político, estético, social, etc.). Inúmeros projetos educativos e culturais acreditam que pela vivência da arte o indivíduo descobre novas formas de leitura do mundo. Augusto BOAL (1983), criador do Teatro do Oprimido afirma que: O ser torna-se humano quando inventa o teatro. Na aventura e desafio do jogo teatral 4 : os movimentos 1 Discente do curso de Artes Cênicas Bacharelado em Direção Teatral da UFOP e bolsista do Projeto de Extensão: 3ª Idade: vivências lúdicas do CEDUFOP. 2 Docente do Departamento de Artes DEART/IFAC/UFOP e coordenador do referido Projeto. 3 Um exemplo desse fato foi o Seminário Mudança de Cena realizado no Rio de Janeiro em junho de 1999, que reuniu representantes de 14 estados brasileiros, palestrantes internacionais, artistas, professores, produtores, psicólogos, etc. 4 Os jogos teatrais são atividades pedagógicas para aquisição, leitura, domínio e fluência da comunicação por meio do teatro, através de uma perspectiva improvisacional. Os jogos constituem desafios (problemas cênicos de atuação) apresentados aos jogadores (participantes), na forma de jogos com regras (SPOLIN: 2003). Dentre as estruturas dos jogos teatrais destacamos a INTRUÇÃO (enunciados que o orientador pode utilizar durante o jogo para que os jogadores mantenham o FOCO e participem do mesmo), o FOCO (objetivo e problema a ser resolvido durante o jogo) e a AVALIAÇÃO (após cada jogo, o grupo que observou platéia

corporais, gestos, desenhos, formas, conceitos, palavras, conflitos, valores tudo isso revela aquilo que muitas vezes encontra-se escondido e guardado dentro do indivíduo. A sua leitura do mundo então se concretiza nos signos estéticos e nas metáforas poéticas que emergem no espaço da cena. Espaço de liberdade, imaginação e reflexão do Homem. Espaço sagrado porque no exercício da criação teatral o atuante reinventa sua presença no mundo. E o que é estar presente no mundo? Segundo FREIRE (1996): Mais do que um ser no mundo, o ser humano se tornou uma presença no mundo, com o mundo e com os outros. Presença que, reconhecendo a outra presença como um não-eu se reconhece como si própria. Presença que pensa a si mesma, que se sabe presença, que intervém, que transforma, que fala do que faz mas também do que sonha, que constata, compara, avalia, valora, que decide, que rompe. (Grifos nossos) Então podemos ler melhor o mundo tornando nossa presença decisiva para a transformação do mesmo e isso pode se dar pelo exercício de nossa criatividade e ludicidade. Daí a proposta que se segue abaixo. A TERCEIRA IDADE DA VIDA Grupos de Terceira Idade têm também reafirmado sua presença no mundo através de atividades teatrais. O Projeto do qual participamos: 3ª Idade: vivências lúdicas, parte do Programa: 3ª Idade: vitalidade e cidadania é desenvolvido desde 2003 pelo CEDUFOP. É interessante buscar na trajetória do grupo de idosos, que esses fazem parte de projetos de extensão universitária desde 1993, assistidos pelo Departamento de Educação Física DEEFI (hoje Centro Desportivo da UFOP - CEDUFOP). O referido projeto comporta cerca de 150 idosos e a estes são oferecidas atividades lúdicas no âmbito do lazer, tais como: dança de salão, ginástica, oficinas recreativas, passeios ecológicos, palestras sobre temas voltados ao interesse destes, teatro, etc. Estar presente no mundo como sujeito atuante tem sido o maior desafio enfrentado pelos idosos e estas são situações do cotidiano deste grupo. Eles têm pouco espaço numa sociedade competitiva e consumista, sendo condenados, muitas vezes, ao abandono e à falta de oportunidades. De acordo com AZAMBUJA (1995) no final da vida os idosos vêem-se condenados ao isolamento social e cultural pela fragmentação da família, aposentadoria e por uma política insatisfatória de atendimento às suas necessidades. Então exercitar a criatividade pode representar um poderoso instrumento à realização pessoal do idoso e a reconquista de um lugar na comunidade. Através do fazer artístico, o idoso adquire novas formas de percepção e ação que podem provocar importantes mudanças no seu estilo de ser e viver. Pode reinventar a sua avalia o grupo que jogou palco de forma objetiva, mantendo a discussão afastada de julgamentos pessoais bom ou mau e presente ao FOCO do problema a ser solucionado no jogo). Esse procedimento assegura que todos os membros do grupo possam se revezar nos papéis de jogadores e observadores (platéia), exercitando-se no fazer teatral improvisado (quando atuantes na área de jogo), na apreciação estética (ao observar outros na área de jogo) e na contextualização da comunicação teatral (atribuindo significação ao fazer teatral e à apreciação estética dos companheiros).

presença no mundo. Pode expressar a sua leitura do mundo. Pode ter reconhecida a sua subjetividade. Pode se afirmar como agente social. Pode comunicar seus sonhos, desejos, interesses, frustrações, questionamentos, etc. Os preconceitos sociais muitas vezes levam o idoso a buscar a terceira margem do rio. Não se sentem mais integrados ao fluxo da vida e acabam sucumbindo à solidão, à angústia e à depressão. Não conseguem reinventar sua presença no mundo, pois o futuro não lhes é permitido e só lhes restam o passado como refúgio. O presente mostra-se muitas vezes sombrio e desinteressante. Nesse projeto, o que temos observado, é que vários idosos buscam apenas um espaço para se encontrarem, lidando com as diferenças e ao mesmo tempo com as semelhanças entre um e outro. Um abraço, uma troca de sorrisos, muitas vezes faz com que aquele idoso que não se dava oportunidade de comunicar-se com novas pessoas, passe a freqüentar o projeto e a trazer novos amigos para a comunhão da cidadania. Muitos estudiosos argumentam que juventude e velhice não são concepções absolutas, mas interpretações sobre o percurso da existência. Por outro lado, essas concepções se modificam ao longo da História. A arte também pode colocar tais concepções em cheque, em discussão, pode suspeitar delas. Questionar conceitos e preconceitos. Tal perigo nos é alertado por BIRMAN (1995), quando este afirma que (...) a cristalização dos conceitos funda num campo de valores, implicando então numa ética, uma política e uma estética da existência. A modernidade ocidental reservou ao idoso apenas o lugar da memória coletiva. Não produzindo mais economicamente, o idoso passou a ser um indivíduo sem função. E como lidar com o tempo livre? Como saboreá-lo da melhor forma possível? Como engravidá-lo de significação? AZAMBUJA (1995) propõe que o tempo livre se apresente não como um tempo para passar, e sim um tempo para aproveitar, compartilhar, aprender e criar. Quais imagens têm sido construídas socialmente sobre a velhice? Como elas atingem a população jovem e idosa? Quais valores têm sido implicitamente impostos? Descobrir suas potencialidades, expressar seus conteúdos de vida, transmitir sua história e ampliar sua leitura da realidade ajuda o idoso a vencer os preconceitos. Porque, como diz FREIRE (2000:67): (...) qualquer discriminação é imoral e lutar contra ela é um dever por mais que se reconheça a força dos condicionamentos a enfrentar. A boniteza de ser gente se acha, entre outras coisas, nessa possibilidade e nesse dever de brigar. O TEATRO DO OPRIMIDO Todo mundo atua, age, interpreta. Somos todos atores. Até mesmo os atores! Teatro é algo que existe dentro de cada ser humano, e pode ser praticado na solidão de um elevador, em frente a um espelho, no Maracanã ou em praça pública para milhares de espectadores. Em qualquer lugar... até mesmo dentro dos teatros Augusto BOAL. O Teatro do Oprimido trata-se de um conjunto de jogos, exercícios e técnicas teatrais, idealizado pelo teatrólogo Augusto BOAL, que tem por objetivo resgatar, desenvolver e redimensionar o teatro, tornando-o um instrumento eficaz na compreensão e na busca de alternativas para problemas sociais e interpessoais.

Suas vertentes: pedagógica, social, cultural, política e terapêutica se propõem a transformar o espectador (platéia) em protagonista da ação dramática (sujeito criador e transformador), estimulando-o a refletir sobre o passado, transformar a realidade no presente e inventar o futuro. No jogo dramático, o oprimido ensaia uma transformação de suas atitudes e ressignifica as informações essenciais para a vida. Pensa sua prática, sua atuação no mundo. Temos nos inspirado e pesquisado nosso trabalho no Teatro-Imagem que é uma das técnicas desenvolvidas pelo Teatro do Oprimido. No Teatro-Imagem as questões, problemas e sentimentos se transformam em imagens concretas. Através da linguagem das imagens, busca-se então a compreensão dos fatos e uma possibilidade de releitura dos mesmos. Dessa forma, o Teatro caminha com a Educação quando propõe que o homem se perceba com mais profundidade, se transforme pelo contato com o outro, se aprimore pelo exercício artístico e assim derrube todas as correntes que insistem em aprisioná-lo à formas, rótulos e conceitos. Os alunos do referido projeto têm desenvolvido novas formas de ver através dos jogos teatrais 5. O aprendizado pelo olhar estético amplia pontos de vista e coloca-os sobre outras perspectivas a fim de entender o que está em jogo por trás de decisões, discursos e escolhas. Na maior parte das vezes isto não está claro mesmo para aqueles que realizam determinadas ações ou tomam certas atitudes. Assim, o sistema de jogos teatrais permite reivindicar o teatro como conteúdo relevante em si. Permite também que os alunos experimentem o fazer teatral (quando jogam), desenvolvam a apreciação e a compreensão estéticas da linguagem cênica (quando assistem a outros jogarem) e contextualizem historicamente seus enunciados estéticos (durante a avaliação coletiva e quando também se auto-avaliam). Sobre o fazer, a apreciação e a contextualização da comunicação teatral no sistema de jogos teatrais: contextualizar, como explica Ana Mae BARBOSA (1998) é estabelecer relações. Portanto, a contextualização pode ser de natureza histórica, social, psicológica, etc. A articulação entre o fazer artístico e a apreciação estética ou a leitura da linguagem artística só é possível por meio da contextualização. E o teatro é o lugar privilegiado para esta transparência uma vez que ele amplia o foco sobre as imagens que construímos como o nosso trabalho artístico. Ler o mundo com mais criticidade. NOVOS NASCIMENTOS Os idosos têm nos surpreendido a cada encontro pelo avanço, pela entrega total às atividades, pelo entusiasmo com o teatro, pela rede de solidariedade estabelecida e acima de tudo, pelo desejo intenso de produzirem novas e originais imagens e criações. É o que CHAUÍ (2001) chama de passagem do instituído ao instituinte: a transfiguração do existente numa outra realidade que o faz renascer sob a forma de uma obra. Obra que desvenda nosso mundo interno e busca dialogar com o outro. Obra que expressa nossa presença no mundo. 5 O jogo teatral que surge de uma imagem sugere outras imagens a serem entendidas e sentidas. O jogo que favorece o encontro, o prazer, o conflito e o diálogo entre os atuantes, entre imagens impostas e imagens livres, entre alienação e conscientização.

Por isso nos pede BOAL (2000): Cantemos com a nossa voz, bailemos com o nosso corpo, digamos a nossa palavra. O teatro é uma representação da realidade, não é a realidade; em si mesma, porém, essa representação é real. A imagem do real é real enquanto imagem. Devemos fazer, em nosso teatro, as nossas próprias representações da realidade e não apenas reproduzir as realidades que vemos na televisão e nas telas, porque estas representações são as que foram preparadas contra nós pelos canibais. A arte de cada grupo popular deve, ao contrario, ser única: deve ser a arte desse grupo! Sua identidade! Essa deve ser a arte dos humanistas, daqueles que negam a robotização e afirmam as diferenças. A arte está cada vez mais querendo tornar-se conhecimento. E conhecer significa nascer com : o homem está querendo ter novos nascimentos, está ele próprio querendo nascer com aquilo que vai aprendendo, ele próprio simbolizando e criando imagens que expressem sua visão de mundo. Utilizando dos protocolos 6 produzidos pelos alunos, um em especial ressalta o que acabamos de descrever e deixa como parte de sua produção a seguinte frase: ANTIGAMENTE NÃO TINHA VISAO DE VIDA! A partir de hoje vou ter! 6 Protocolo é uma forma de registro, utilizado no Brasil por Ingrid Dormien KOUDELA com base em estudos dos procedimentos sinalizados por Bertold Brecht. Em nossa apropriação ao grupo da 3ª Idade, esse registro não obedece a uma rigidez formal de uma ata ou de um relatório. Como um registro distenso, o protocolo aceita a forma que lhe quiser imprimir seu autor, permitindo que este seja construído através de desenhos, em forma de poesia, prosa, relatando o todo ou uma parte da aula que mais o interessou ou que teve questionamentos, etc. Os protocolos servem também como uma forma de memória do grupo, pois é interessante que sejam lidos ou discutidos a cada início da nova aula, para que possam ser sanadas ou mesmo revisitadas, práticas da aula anterior.

REFERECIAL BIBLIOGRÁFIO ALMEIDA, Vera Lúcia Valsecchi. Imagens da Velhice: O olhar Antropológico. Revista A Terceira Idade, Ano X, nº 15, Dezembro de 1998, SESC-SP. AZAMBUJA, Thaís. Expressão e Criatividade na Terceira Idade. IN: Terceira Idade. Um envelhecimento digno para o cidadão do futuro. Renato Veras (et al). Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1995. BARBOSA, Ana Mae. Tópicos utópicos. Belo Horizonte: C/Arte, 1998. BIRMAN, Joel. Futuro de todos nós: temporalidade, memória e terceira idade na psicanálise. BOAL, Augusto. Jogos para atores e não atores. 14ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1998.. O Arco-Íris do Desejo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1996.. Teatro do Oprimido e outras poéticas políticas. 4ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1983. CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. 12ª ed. São Paulo: Ática, 2001. FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996. FERRIGNO, José Carlos. O Trabalho Artístico na Terceira Idade: O canto, a dança, as artes plásticas e o teatro. Revista A Terceira Idade, Ano X, nº 15, Dezembro de 1998, SESC SP. GUIMARÃES ROSA, João. Primeiras Estórias. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1988. HERITAGE, Paul. Mudança de cena o uso do teatro no desenvolvimento social. Rio de Janeiro: The British Council, 2000. KOUDELA, Ingrid Dormien. Jogos Teatrais. 4ª ed. São Paulo: Perspectiva, 2002. MAY, Rollo. A coragem de criar. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1975. OSTROWER, Fayga. Criatividade e Processos de Criação. Petrópolis: Vozes, 1978. SPOLIN, Viola. Improvisação para o teatro. 4ª ed. São Paulo: Perspectiva, 2003.