SANA TORRE VASCO DA GAMA ROYAL HOTEL: SOLUÇÕES GEOTÉCNICAS SANA TORRE VASCO DA GAMA ROYAL HOTEL: GEOTECHNICAL SOLUTIONS

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Transcrição:

SANA TORRE VASCO DA GAMA ROYAL HOTEL: SOLUÇÕES GEOTÉCNICAS SANA TORRE VASCO DA GAMA ROYAL HOTEL: GEOTECHNICAL SOLUTIONS Pinto, Alexandre, JetSJ Geotecnia Lda., Lisboa, Portugal, apinto@jetsj.pt Pereira, Ana, JetSJ Geotecnia Lda., Lisboa, Portugal, apereira@jetsj.pt Cardoso, Duarte, JetSJ Geotecnia Lda., Lisboa, Portugal, dcardoso@jetsj.pt Sá, João, Tecnasol Fundações e Geotecnia S.A., Amadora, Portugal, jrbasa@tecnasol-fge.pt RESUMO No presente artigo são descritos os principais critérios de concepção e de execução adoptados nas soluções geotécnicas de escavação, cortinas periféricas, tratamento de solos e fundações, implementadas para a construção de dois pisos enterrados e das fundações do Sana Torre Vasco da Gama Royal Hotel, com 22 pisos elevados, localizado em Lisboa, junto à Torre Vasco da Gama e em pleno Rio Tejo. A escavação necessária à construção deste edifício, intersectando materiais aluvionares, com cerca de 17 m de espessura média, recobrindo o substrato Miocénico, determinou o recurso a diversas soluções geotécnicas, adaptadas aos condicionamentos geológicos e estruturais, assim como à existência no local das fundações de um edifício previamente demolido. ABSTRACT The aim of this paper is to present the main design and execution criteria related with the geotechnical solutions adopted for the construction of a building with two basement floors and 22 upper floors of the Sana Torre Vasco da Gama Royal Hotel: excavation, peripheral walls, ground improvement and foundations. The Hotel is located in Lisbon, side by side with the Vasco da Gama Tower at the Tagus River right bank, over alluvial soils, with an average thickness of about 17 m, resting over Miocene soils. This scenario demanded the use of several geotechnical solutions, adapted to the main geological and structural restraints, as well as to the foundations of an existent building, previously demolished. 1. INTRODUÇÃO A construção do Sana Torre Vasco da Gama Royal Hotel, em pleno Rio Tejo, com dois pisos enterrados, ocupando uma área de cerca de 1500 m 2, com geometria em planta de forma semi - elíptica, sensivelmente análoga à do edifício pré - existente no local, constituiu, atendendo aos condicionamentos existentes, um grande desafio do ponto de vista geotécnico. No local existia já um edifício, previamente demolido para viabilizar a construção do Hotel e cuja execução das fundações, no âmbito dos trabalhos anteriores à Expo 98, havia já trazido algumas dificuldades do ponto de vista técnico. O edifício existente e previamente demolido dispunha de três pisos elevados e era aberto abaixo do piso térreo, tendo sido fundado através de estacas, executadas ao abrigo de tubos moldadores metálicos, cravados e perdidos. De forma a garantir o confinamento da plataforma de aterro para a execução das estacas foi construído um esporão de retenção de lodos, confinado por uma cortina de estacas prancha atirantadas (Brito et al. 1997).

Figura 1 Vistas aéreas do local da obra e perspectiva do Hotel após conclusão Como já referido, o Hotel foi construído contiguamente à Torre Vasco da Gama, a qual se encontra fundada através de um maciço, constituído por uma caixa periférica executada através da tecnologia de paredes moldadas e preenchida interiormente com betão simples. De acordo com as informações recolhidas, o referido maciço encontra-se apoiado no substrato Miocénico, constituído por calcarenitos. Dispõe de cerca de 16m de altura e apresenta uma área em planta perfazendo aproximadamente 18 26 m2 (Brito et al. 1997). O projecto do Hotel previu a execução de um edifício, devidamente integrado com a Torre panorâmica existente, de forma a assegurar a singularidade do conjunto resultante e, simultaneamente, a individualização funcional e formal de ambos os edifícios. O edifício do Hotel é constituído por dois corpos principais em torno de um átrio interior perpendicular à margem do rio e no enfiamento dos elevadores de acesso à Torre, colocados sobre um embasamento com configuração semi - elíptica em planta, no interior do qual se localizam os pisos enterrados, sendo o inferior (C2) destinado a fins técnicos e o superior (C1) a fins de parqueamento. O piso relativo ao átrio monumental, piso 0, rasga o interior do hotel e aglutina todos os espaços públicos, comunicando com o piso 1, onde se encontra a zona de reuniões. Acima do piso de reuniões e do piso técnico que lhe está sobreposto, desenvolve-se a área de alojamento com 18 pisos num corpo e 19 no outro. O piso de cobertura compreende zonas técnicas e um terraço com piscina e esplanada (Figura 1). Figura 2 Vistas das fundações do edifício existente e da respectiva demolição

2. PRINCIPAIS CONDICIONAMENTOS 2.1. Condicionamentos geológicos e geotécnicos O local da intervenção situa-se na zona aluvionar do estuário do rio Tejo, junto ao muro cais da antiga zona portuária de Lisboa, numa plataforma localizada aproximadamente à cota altimétrica +3,5 (ZT referencia de todas as cotas altimétricas no presente artigo). Esta plataforma é constituída por aterros de natureza diversa, colocados no local durante a execução das obras portuárias. Parte dos aluviões lodosos situados na zona de fundação da retenção marginal existente foi substituída por um aterro hidráulico com areias e por um prisma de enrocamento, sobre os quais foi realizado um revestimento com pedra. A parte superior da plataforma, localizada à cota +3,5, é constituída por aterros heterogéneos (figuras 1 e 2). De acordo com a informação consultada e tendo por base a campanha de sondagens complementares executadas, cerca de 70% da área da intervenção, situada do lado do rio, a Nascente, localiza-se directamente sobre os solos quaternários superficiais, constituídos por aluviões, com espessura média de cerca de 17 m, assentando directamente sobre uma camada de calcarenitos, com cerca de 12m de possança, os quais deverão pertencer aos Calcários de Marvila, datados do Miocénico. Do lado de terra, a Poente, a zona da intervenção localiza-se directamente sobre as areias do aterro hidráulico, executado no âmbito dos trabalhos de construção da fundação da retenção marginal existente, as quais recobrem os aluviões que, por sua vez, assentam directamente sobre a mesma camada de calcarenitos. Ainda de acordo com a informação recolhida e confirmada durante os trabalhos de escavação e furação, os aluviões são constituídos, essencialmente, por lodos silto-argilosos, de consistência muito mole a mole. O número de pancadas N SPT varia entre 0 e 3. A resistência não drenada (cu), aferida através de ensaios de corte rotativo, varia em profundidade entre 8,5 e 22 kpa. A variação destes parâmetros em profundidade é assim pouco significativa, não existindo, à partida, diferenciações geotécnicas dignas de realce. As areias que constituem o aterro hidráulico apresentam dimensão média a grosseira, com percentagem de finos inferior a 9% e má graduação (Cu inferior a 2,5). Ainda de acordo com a mesma informação, o facto de existirem formações arenosas submersas, localizadas próximo da superfície, com grande continuidade lateral, associadas às acções sísmicas resultantes das amplificações locais, determinou a necessidade de considerar a susceptibilidade de liquefacção na concepção e dimensionamento dos elementos de fundação da Torre Vasco da Gama (Brito et al. 1997). Neste enquadramento, atendendo ao facto destas areias se localizarem sob a zona Poente do Hotel, o eventual risco de liquefacção das mesmas, com implicações mútuas para o Hotel e para a Torre, foi devidamente considerado na concepção e no dimensionamento das fundações do Hotel. Figura 3 Vista do aterro, após a demolição do edifício existente, e das soluções de fundações

2.2. Condicionamentos relativos à proximidade da Torre Vasco da Gama O facto da extremidade Poente da contenção e das fundações do Hotel se localizarem contiguamente à extremidade Nascente do maciço de fundação da Torre Vasco da Gama, determinou a necessidade de, previamente à realização dos trabalhos de escavação, prever uma solução que compensasse o desconfinamento parcial do maciço de fundação da Torre, ditado pelos referidos trabalhos de escavação. Figura 4 Planta da laje de tampão de fundo em jet grouting, sob laje de fundo em betão armado e secção transversal tipo 2.3. Condicionamentos relativos às fundações do edifício existente De acordo com a informação recolhida e confirmada no local, as fundações do edifício demolido eram constituídas por 69 estacas circulares, executadas ao abrigo de tubos moldadores metálicos perdidos 630x8mm. As estacas encontram-se protegidas e confinadas por um esporão de retenção de lodos, que se desenvolvia sob o edifício, dispondo da forma deste, sendo recuado para o seu interior. O referido esporão era constituído por uma cortina de estacas prancha atirantada e protegida por enrocamento, assente sobre uma camada de material seleccionado e sobre geotêxtil. O enrocamento ocupava o contorno da exterior da cortina e tinha também como finalidade a protecção das estacas exteriores do edifício (Brito et al. 1997). A existência dos elementos de fundação do edifício a demolir, nomeadamente vigas, maciços de encabeçamento, estacas e estacas prancha atirantadas, determinou a necessidade de proceder à sua compatibilização com as soluções propostas para as fundações, escavação e cortinas periféricas do Hotel, incluindo o respectivo faseamento construtivo (figuras 2 e 3). 2.4. Condicionamentos relativos a compatibilização com as restantes especialidades As soluções propostas foram totalmente compatibilizadas com as definidas nos projectos das restantes especialidades, em particular: Arquitectura, Estabilidade, Drenagem e RSU, nomeadamente no que se refere ao acabamento e espessura das paredes de contenção periférica definitiva e às cotas da laje da cave C2.

3. SOLUÇÕES ADOPTADAS 3.1. Cortinas periféricas e tratamento de terrenos A ensecadeira periférica provisória foi materializada por uma cortina de estacas prancha e por uma cortina de colunas de jet grouting, ambas apoiadas no substrato calcarenítico não degradado. As mesmas foram travadas, abaixo da cota de fundo da escavação, por uma laje de tampão de fundo, constituída por colunas de jet grouting, 3000 mm e 1500 mm, com 2 m de espessura mínima, e no topo por ancoragens e por uma grelha de perfis metálicos, instalados aproximadamente à cota +1,20, solidarizados através de uma viga de distribuição e apoiados verticalmente em microestacas, por sua vez, seladas no interior das colunas do tampão de fundo. Esta grelha de perfis metálicos dispunha da dupla função de atirantamento, para a plataforma de aterro executada à cota +1,70, e de escoramento para a escavação. As estacas prancha foram assim realizadas a partir da referida plataforma de aterro, executada com material granular sobre uma camada de geogrelhas biaxiais em polipropileno (20 kn/m), funcionando o conjunto como uma plataforma de transferência de carga para as fundações existentes. Nas extremidades do lado Poente, junto à Torre Vasco da Gama, incluindo a ligação às paredes moldadas de fundação da Torre, onde a composição pedregosa dos terrenos não permita a cravação de estacas prancha, a ensecadeira periférica foi materializada através de uma cortina de colunas de jet grouting 1000 mm, afastadas de 0,60 m, armadas com tubos metálicos N80 177,8x9 mm (API 5A), apoiadas no substrato calcarenítico. Como já referido, o travamento superior da cortina de colunas, na zona Poente, onde se localizava o acesso à obra, incluiu a execução de ancoragens, realizadas no interior de colunas de jet grouting, solidarizadas às microestacas integrantes da mesma cortina através de vigas de distribuição metálicas (figuras 4, 5 e 6). Conforme estipulado no Projecto de Arquitectura, as cortinas provisórias funcionaram como elemento independente da parede periférica final, incluída na estrutura interna em betão armado das caves, a construir sem restrições de juntas de betonagem e com acabamento adequado para betão à vista. Esta situação determinou a necessidade de cortar, em segunda fase, todos os elementos das cortinas periféricas localizados acima da cota -2,00. A estrutura interna é assim constituída pelas paredes periféricas finais, por pilares, por paredes interiores e pela laje de fundo, incluindo os maciços de encabeçamento das estacas e das microestacas de fundação e de pregagem, realizadas, as microestacas de fundação, no interior das colunas de jet grouting verticais. Todos os novos elementos de fundação e de tratamento dos aluviões foram realizados a partir da plataforma à cota +1,70, antes do início dos trabalhos de escavação, de forma a poderem vir a dispor da dupla função de reforço de fundação do aterro provisório e de fundação da nova estrutura, permitindo o incremento da rigidez horizontal das cortinas, na fase provisória, e do conjunto constituído pelas fundações e pela parede periférica, na fase definitiva, melhorando o respectivo comportamento global face às acções sísmicas (Figura 4). A parede periférica final é travada, na fase definitiva e após a desactivação dos escoramentos provisórios, pelas lajes dos pisos 0, C1 e C2 (laje de fundo), esta última betonada contra a laje de tampão de fundo em colunas de jet grouting e travada horizontalmente por colunas subverticais 1500 mm, armadas com tubos N80 88,9x9,5 mm (API 5A). A solução de estacas prancha escoradas / atirantadas, embora tivesse condicionado um pouco os trabalhos de escavação, devido à presença de escoramentos interiores, confirmou-se como compatível com a localização das novas estacas, colunas e microestacas de fundação e pregagem da estrutura do Hotel e sobretudo com as estacas e estacas prancha existentes no local. Para tal, foi importante que a respectiva cravação tivesse sido efectuada com recurso a uma grua com capacidade de 1000 kn, capaz de operar a partir do aterro interior, confinado pelas estacas prancha existentes (Figura 5).

A adopção desta solução e, em particular, o recurso a estacas prancha e a colunas de jet grouting como elemento de contenção e de tratamento do aterro hidráulico e dos lodos na fase provisória, apresentou ainda as seguintes vantagens na fase definitiva da obra: - Incrementou o confinamento do terreno de fundação localizado no interior das cortinas, diminuindo o risco de liquefacção das areias do aterro hidráulico e, consequentemente, de instabilização das estacas de fundação. - Permitiu compensar o desconfinamento parcial do maciço de fundação da Torre Vasco da Gama, determinado pela escavação adjacente ao mesmo. - Possibilitou a diminuição da permeabilidade média do terreno no interior do recinto de escavação facilitando, em consequência, os próprios trabalhos de escavação e de construção das novas estruturas enterradas. - Permitiu a execução da obra por meios terrestres, tirando o máximo partido das fundações da estrutura existente no local. Ainda relativamente ao fenómeno de liquefacção, assume particular importância o tratamento de consolidação do referido aterro hidráulico com colunas de jet grouting verticais e sub-verticais, na zona interior à nova cortina periférica, permitindo a diminuição do risco de liquefacção das areias e ainda a mobilização parcial da resistência passiva do terreno com vantagens mútuas para as fundações da Torre e do Hotel. A opção pelo tratamento dos terrenos por colunas de jet grouting, comparativamente com outras soluções, apresentou vantagens do ponto de vista de antecipação do carregamento, de capacidade de carga, de comportamento a médio e a longoprazo e de geometria, pois, como já referido, algumas colunas foram executadas com inclinação sub-vertical, de forma a poderem acomodar com maior eficácia as forças horizontais nas fases de construção e exploração da obra. Atendendo à agressividade do meio, em todas as colunas foi adoptado cimento do tipo CEM IV 32,5R, com dosagem mínima de cimento de 750 kg/m 3, de modo a garantir a mobilização dos parâmetros resistentes estipulados em Projecto: resistência à compressão de 3,0 MPa, na cortina periférica e nas fundações, e de 2,0 MPa, no tampão. Figura 5 Execução da cortina exterior em estacas prancha e trabalhos no seu interior 3.2. Fundações Atendendo aos condicionamentos existentes, nomeadamente os resultantes da existência das fundações do edifício a demolir, constituídas por estacas metálicas, maciços de encabeçamento e vigas de fundação em betão armado, assim como ainda pela cortina de estacas prancha atirantada, as fundações do Hotel foram materializadas por estacas de grande diâmetro em betão armado 1500mm, executadas com recurso a tubo moldador recuperável e localizadas de forma compatível com os condicionamentos descritos.

Figura 6 Ancoragens no interior de colunas de jet grouting: concepção e execução Na zona periférica, em planta, submetida a cargas de menor intensidade e por se encontrar exterior aos dois corpos principais do edifício, as fundações foram realizadas através de colunas de jet grouting 1500 mm, armadas com tubos metálicos de microestaca 177,8x9 mm (API 5A), permitindo esta solução, como já referido, aproveitar as colunas realizadas numa fase inicial da obra para fundação do aterro provisório e, sobretudo, minimizar a diferença de rigidez axial deste tipo de elemento de fundação comparativamente com as estacas de betão armado 1500 mm. As estacas e as microestacas são encabeçadas por maciços de encabeçamento em betão armado, invertidos, cuja face inferior coincide com a da laje de fundo estrutural, com 0,50 m de espessura mínima. Sobre esta laje é instalado um tapete drenante, constituído por brita, embebendo uma malha de geodrenos e condutas de RSU. Este tapete é, por sua vez, recoberto por uma laje de revestimento em betão armado, com 0,15m de espessura mínima, interrompida na zona das caleiras e localizada à cota do limpo, coincidente com a face superior dos maciços. A solução adoptada constitui uma optimização de uma solução inicial, a qual previa o recurso a um maciço global de colunas de jet grouting, apoiado no substrato calcarenítico. A solução adoptada foi desenvolvida tendo ainda por base o facto de se ter considerado o efeito do terreno localizado entre as estacas de grande diâmetro, reforçado pelas estacas metálicas e pelas estacas prancha existentes e, sobretudo, devidamente confinado pela nova cortina periférica, em colunas de jet grouting e em estacas prancha, todas elas incorporadas na solução definitiva abaixo da cota final de escavação e solidarizadas ao tampão de fundo, em colunas de jet grouting, sobre o qual, como já referido, foi betonada a laje de fundo em betão armado (figuras 3, 4 e 7). Figura 7 Vistas da execução das estacas moldadas em betão armado

Em termos de capacidade de carga vertical, as estacas penetram, no mínimo, três diâmetros no substrato calcarenítico não degradado. Esta disposição destinou-se a garantir que o encastramento das estacas se realizasse em materiais suficientemente compactos e resistentes, num comprimento suficiente para acomodar as cargas induzidas e a reduzir, ao mínimo, a influência de eventuais cavernas ou de bolsadas de materiais soltos ou pouco consistentes. O controlo de execução das estacas foi efectuado através da análise das curvas de betonagem e da realização de ensaios cross-hole. No que se refere às colunas, foram efectuadas carotagens para recolha de provetes para ensaios laboratoriais e registados, de forma contínua, todos os parâmetros de execução. Tendo por base a muito baixa capacidade de carga dos lodos, associada à espessura da laje de fundo e de encabeçamento, foi, como já referido, definido que a referida laje fosse betonada directamente contra o tampão de fundo, em colunas de jet grouting. Figura 8 Vistas dos trabalhos de escavação abaixo da cota da água no Rio Tejo 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS No presente artigo foram apresentadas as soluções adoptadas numa obra inserida num cenário geológico e geotécnico complexo e afectada por bastantes condicionamentos, como a sua localização em pleno e rio e o facto de ter existido no mesmo local um edifício, cuja execução determinou o recurso a estacas e estacas prancha (Figura 8). As soluções adoptadas, em particular as de tratamento dos terrenos aluvionares e de fundação através de colunas de jet grouting comprovaram, uma vez mais, a sua versatilidade e adequação a cenários como o da presente obra, permitindo a maximização do aproveitamento dos elementos de fundação existentes e da integração de elementos das soluções provisória nas soluções definitivas, com vantagens do ponto de vista técnico e económico. AGRADECIMENTOS Os autores agradecem ao Dono de Obra, AZITEJO Empreendimentos Turísticos S.A., a permissão para a publicação da presente comunicação. REFERÊNCIAS Brito, J. A. M.; Monteiro, R. P. M. C. F.; Ambrósio, A.; Santos, J.; Romeiro, M. J. A. R. (1997). Fundações da Torre Panorâmica da Expo 98. 6º Congresso Nacional de Geotecnia, IST. Lisboa, 859 869.