A Teoria da Argumentação de Chaïm Perelman



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A Teoria da Argumentação de Chaïm Perelman AUTOR Carlos Augusto Lima Vaz 1 ORIENTAÇÂO Dra. Cláudia Toledo 2 Resumo: Exposição acerca do filósofo belga Chaïm Perelman, demonstrando em que medida suas idéias e concepções influenciaram a argumentação jurídica atual, traçando um paralelo principal com as idéias de Robert Alexy e sua teoria da argumentação jurídica como procedimento que busca racionalizar o discurso jurídico. Trabalhando os conceitos de orador, auditório, discurso, persuasão e convencimento, busca-se esclarecer a linha existente entre o pensamento destes autores. Desse modo, tem-se primeiramente uma visão panorâmica da teoria da argumentação de Perelman, com a apresentação de conceitos importantes para o entendimento da nova retórica. Posteriormente, partindo-se para o conceito perelmaniano de Auditório Universal, analisa-se sua importância como parâmetro para desenvolvimento da argumentação, bem como para a definição das estratégias argumentativas de persuadir e convencer. Por último, discorrendo acerca da inovação do filósofo belga, apresenta-se a ligação existente entre sua idéia de auditório universal e a Teoria da Argumentação Jurídica de Robert Alexy, especificamente, à concepção da situação ideal de fala por ele promovida, a partir do pensamento habermasiano. PALAVRAS-CHAVE: Argumentação Jurídica Chaïm Perelman Auditório Universal Persuasão Convencimento Universalidade Abstract: Presentation on the Belgian philosopher Chaïm Perelman, demonstrating the extent to which ideas and concepts influenced the legal arguments today, drawing a parallel with the main ideas of Robert Alexy and his theory of legal reasoning as a procedure that seeks to streamline the legal discourse. Working concepts of speaker, 1 Graduando em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). 2 Professora adjunta da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Doutora em Filosofia do Direito e Teoria do Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Pós-doutora em Filosofia do Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

audience, speech, persuasion and conviction, we seek to clarify the line between the thinking of these authors. Thus, it has been primarily an overview of the theory of Perelman's argument, with the presentation of important concepts for understanding the new rhetoric. Subsequently, starting from the "perelmanian" concept of Universal Auditorium analyzes its importance as a parameter for development of the argument, as well as to the definition of argumentative strategies to persuade and convince. Finally, talking about innovation in the Belgian philosopher, shows the link between his idea of a universal audience and the Theory of Legal Argumentation of Robert Alexy, specifically the concept of ideal speech situation for him promoted from the Habermasian thought. KEYWORDS: Legal Arguments Chaïm Perelman Universal Auditorium Persuasion Conviction Universality

Introdução A prática do Direito se torna bem realizada à medida que se tem em mãos, o poderoso instrumento da argumentação. Nosso cotidiano é repleto de situações que confirmam essa hipótese. Daqueles que expõem os seus pedidos judicialmente, por escrito ou oralmente, da defesa ou acusação nos tribunais do júri, da atuação do magistrado ao fundamentar sua decisão, observa-se que a argumentação está em constante uso, sendo por isso, impossível discordar de Atienza, quando define que a prática do Direito consiste em argumentar (ATIENZA, 2006:17). Atualmente, as maiores discussões sobre o tema recaem em autores como Robert Alexy 3 e Neil MacCormick 4, deixando-se outros de lado, como Chaïm Perelman, Stephen Toulmin e Theodor Viehweg, precursores dessa discussão, ainda na década de 50. Desse modo, contrariando a sistemática atual que cuida da matéria, a proposta se insere em um resgate da Teoria da Argumentação de Perelman, posta em segundo plano devido á constante evolução das idéias em questão. Resgate esse, fundado na importante contribuição desse autor para o patamar da discussão atual. Chaïm Perelman foi um filósofo do Direito que apesar de nascido na Polônia, viveu grande parte de sua vida na Bélgica, tendo estudado Direito e Filosofia na Universidade de Bruxelas. Sua obra principal é o Traité de l'argumentation - la nouvelle rhétorique 5 (1958), escrita juntamente com Lucie Olbrechts-Tyteca, obra base de sua Teoria da Argumentação. Importantes contribuições no campo filosófico o qualificam como um dos mais importantes teóricos da Retórica do século passado. O estudo da argumentação em seu Traité de l'argumentation foi sistematizado em três grandes partes: os pressupostos, os pontos de partida da argumentação e as técnicas argumentativas, essas últimas, por exigirem um tratamento mais profundo do tema, não são indicadas para uma abordagem que se propõe inicial. Por esse motivo, considerando a proposta apresentada, trabalharemos basicamente com os pressupostos da argumentação. A sua idéia de redefinição da retórica centra-se no conceito de auditório, ou seja, os destinatários de um discurso. Trabalhando com a premissa de contato de espíritos, 3 Teoria da Argumentação Jurídica. Editora Landy. 2005. 4 Argumentação Jurídica e Teoria do Direito. Editora Martins Fontes. 2006 5 PERELMAN, Chaïm e OLBRECHTS-TYTECA, Lucie. Tratado da Argumentação A Nova Retórica. Editora Martins Fontes. 1996. São Paulo.

Perelman defende a argumentação como meio de promover uma adesão de espíritos por intermédio da não-coação. Pensamento de grande valia, uma vez que se alcança a adesão do destinatário, mediante suas próprias convicções. Desse modo, destaca o discurso como um importante elemento da argumentação, sendo o fator que efetuaria a interação entre orador e auditório, entre emissor e destinatário. Assim, para um completo tratamento do tema, torna-se importante apresentar os elementos da argumentação, visualizados nos conceitos de orador, discurso e auditório, que são pressupostos para o entendimento da nova retórica. Partindo posteriormente para o conceito perelmaniano de auditório universal, imprescindível destacar sua importância como parâmetro ideal para o desenvolvimento da argumentação, bem como para a definição das estratégias argumentativas pautadas na persuasão e no convencimento. Estas estratégias, em virtude de sua importância, também serão objeto de uma breve discussão, tendo em vista a ligação intrínseca que possuem com os auditórios a que são direcionadas. Finalmente, com a intenção de resgatar parte do pensamento do filósofo belga, cabe apresentar a ligação existente entre seu conceito de auditório universal e a concepção da situação ideal de fala, trabalhada por Habermas e Alexy, demonstrando em que medida tais idéias atuam na busca pela universalidade e racionalidade do discurso jurídico. Os Elementos da Argumentação A discussão proposta não está relacionada a um estudo da oratória, entretanto, sendo a Teoria da Argumentação de Perelman uma retomada da antiga arte retórica concebida por Aristóteles, o estudo do pensamento perelmaniano, poderia parecer em um primeiro momento, uma simples reedição dos antigos ensinamentos do filósofo grego. Todavia, o próprio Perelman afirmou que seu trabalho se tratava de uma nova visão acerca da antiga retórica, mantendo com relação a esta, basicamente a idéia de auditório (PERELMAN, 1996:7). Em seus estudos, o filósofo belga destaca alguns pontos de suma importância para o entendimento desta nova retórica. O discurso é compreendido como argumentação. Orador e auditório são, respectivamente, aquele que apresenta o discurso e aqueles a quem o discurso é dirigido (PERELMAN, 1996:7). Assim, Perelman promove interessante construção ao estabelecer discurso, auditório e orador como elementos da

argumentação, entendida aqui em sentido amplo, como método para provocar ou aumentar a adesão dos espíritos às teses que lhes são apresentadas (PERELMAN, 1996:4). Tal ponto de vista é bem fundado na idéia de que auditório e orador são elementos em profunda e constante ligação. O auditório determina o modo de proceder do orador 6, enquanto o orador deve se adaptar às características do auditório, de modo a alcançar melhores resultados em sua empreitada. Dessa maneira, não há como afastar a idéia de que a argumentação se desenvolve para o auditório. Acerca do orador, Perelman destaca a importância da constante adaptação do discurso aos destinatários, afirmando que cabe ao auditório o papel principal para determinar a qualidade da argumentação e o comportamento dos oradores (PERELMAN, 1996:27). O auditório, entendido, a priori, como o conjunto daqueles que o orador quer influenciar com sua argumentação, pode ser concebido de três formas distintas. A partir de sua extensão, Perelman e Olbrechts-Tyteca nos apresentam três modelos: o primeiro é o auditório universal, constituído por toda humanidade, ou pelo menos, por todos os homens adultos e normais. O segundo formado apenas pelo interlocutor a quem se dirige, entendido como um diálogo. O terceiro auditório abrange o próprio sujeito, quando delibera consigo próprio, hipótese em que coincidem os elementos auditório e orador (PERELMAN, 1996:33-34). Tal extensão não pode ser compreendida simplesmente como a visualização física dos destinatários do discurso. Essa dimensão física é facilmente visualizada em um discurso verbal, todavia, não é bem estabelecida em um discurso escrito. O exemplo clássico é o do escritor que publica um livro, mas não sabe ao certo, no momento da confecção ou publicação, quem é o seu auditório. Desse modo, um dos grandes problemas colocados à frente do orador é descobrir quem de fato são os seus destinatários, os quais são imprescindíveis para o processo de adaptação e construção. Essa construção do auditório, à luz dos destinatários, não se trata de inovação dos nossos tempos, já sendo visualizada em Aristóteles, Cícero e Quintiliano, demonstrando estes autores que o conhecimento daqueles a quem se dirige a argumentação é uma condição prévia para o desenvolvimento de uma argumentação eficaz (PERELMAN, 1996:23). 6 cf. tópico Persuadir e Convencer.

Essa extensão dos auditórios, a princípio, sem muita utilidade prática, acaba por se tornar essencial na definição de uma estratégia argumentativa pautada na convicção ou persuasão. Apesar das críticas sobre a imprecisão destes conceitos, oportuna lição nos ensina Atienza, ao demonstrar a distinção entre persuadir e convencer sob o viés do pensamento perelmaniano. Com vistas ao auditório que se pretende argumentar, considera o jusfilósofo espanhol que uma argumentação persuasiva, para Perelman, é aquela que só vale para um auditório particular, ao passo que uma argumentação convincente é a que se pretende válida para todo ser dotado de razão (ATIENZA, 2006:63). Nesse sentido, quando ocorre uma argumentação perante um único ouvinte, encarado como auditório particular, deve-se optar por uma estratégia argumentativa persuasiva, todavia, se o destinatário é encarado como auditório universal, deve-se optar por uma estratégia pautada no convencimento. Acredita-se que o interesse maior do estudo da argumentação, seja a descoberta de técnicas argumentativas passíveis de se impor a todos os auditórios. Tal objetivo seria possível mediante um discurso pautado na objetividade, alcançando um modelo ideal de argumentação que se imporia a auditórios compostos por homens competentes ou racionais (PERELMAN, 1996:29). O Auditório Universal Tendo em vista que a própria concepção de auditório utilizada por Perelman deriva da definição tradicional de Aristóteles, especificamente, nessa parte, o filósofo belga inova em uma noção basilar de seu pensamento, ao estabelecer o conceito de auditório universal (Auditoire Universel). Mediante a idéia de que é a partir dos destinatários que toda argumentação se desenvolve, ele destaca o auditório universal como um auditório constituído por toda humanidade, ou pelo menos, por todos os homens adultos e normais (PERELMAN, 1996:33-34). A partir disso, busca-se elucidar a objetividade desse conceito, citando Perelman, destaca-se que este auditório é constituído por cada qual a partir do que sabe de seus semelhantes, de modo a transcender as poucas oposições de que tem consciência (PERELMAN, 1996:37).

Assim, para ele, o auditório universal é tido como um limite a ser atingido. Todavia, apesar dessa importância, ele não nega a imprecisão do conceito, uma vez que cada cultura ou cada indivíduo poderão ter sua concepção acerca do auditório universal (PERELMAN, 1996:37). Essa idéia desempenha importante papel como objeto de discussão aqui proposto, pois além de promover o parâmetro ideal de visualização do destinatário, permite ainda ao orador, em seu exercício de adaptação com relação àquele, escolher entre duas estratégias argumentativas: persuadir ou convencer (ATIEZA, 2006:63), as quais por também serem fonte de imprecisões, são igualmente objeto de forte crítica por parte de outros autores 7. A consideração do caráter ideal, atribuído ao conceito de auditório universal, permite uma aproximação deste com a situação ideal de fala, descrita por Habermas e utilizada por Alexy em sua Teoria da Argumentação Jurídica. Atienza ao também analisar o conceito perelmaniano, enxerga aspectos positivos e negativos. Sob o aspecto positivo, o pensador espanhol concorda com Alexy e sua atribuição ideal ao conceito de auditório universal, situado como parâmetro de racionalidade e objetividade (ATIENZA, 2006:81), concordando com o papel central exercido pelo auditório universal. Já sob o aspecto negativo, destaca a noção obscura desenvolvida, apontando para tanto, as críticas de Aulis Aarnio e Letizia Gianformaggio (ATIENZA, 2006:81) ao conceito em comento Alexy contempla importante papel à Teoria da Argumentação de Perelman no campo normativo, uma vez que os destinatários, considerados sob a forma de auditório universal, somente se convencem mediante argumentos racionais. Nota-se que, a aproximação entre auditório universal, convencimento e racionalidade é novamente alvo de deliberação (ALEXY, 2005:168). Assim, de uma forma mais lúcida, acerca dessa ligação, assevera o mestre alemão que esse estado (o auditório universal) corresponde à situação ideal de fala Habermasiana. O que em Perelman é o acordo do auditório universal, é em Habermas o consenso alcançado sob condições ideais (ALEXY, 2005:170). Acerca da racionalidade na argumentação, citando Alexy, observa-se estreita relação com a busca pela universalidade, o apelo a uma universalidade, visando à realização do ideal de comunidade universal é a característica da argumentação racional (ALEXY, 2005:140). 7 cf. tópico Persuadir e Convencer.

Finalizando, ainda nos dizeres do jusfilósofo alemão, este conceito de Perelman (auditório universal) não é uno, mas contempla duas visões: a primeira formando um auditório que os indivíduos ou uma sociedade representam para si próprios, e a segunda como a totalidade de seres humanos participantes do discurso. Sendo assim, será a concordância alcançada por parte do auditório universal, o critério de racionalidade e objetividade da argumentação, uma vez que o auditório universal só é convencido mediante argumentos racionais. Neste ponto, reside o caráter objetivo, alcançando-se uma validade para todo ser racional, consequentemente empreende-se uma argumentação racional, ao considerar que cada homem crê num conjunto de fatos, de verdades, que todo homem normal deve, segundo ele, aceitar, porque são válidos para todo ser racional (PERELMAN, 1996:31). Persuadir e Convencer Em seu Tratado da Argumentação Chaïm Perelman e Olbrechts-Tyteca diferenciariam os procedimentos argumentativos, com base nos objetivos do orador, afirmando que se o objetivo deste está em obter um resultado, persuadir é mais do que convencer, entretanto, se a preocupação do orador reside no caráter racional da adesão, convencer é mais que persuadir (PERELMAN, 1996:30). Assim, visualiza-se que a argumentação pode ser desenvolvida mediante um processo de persuasão ou de convencimento, a opção por um processo ou outro, como já dito, deriva da concepção que o orador faz do auditório e de suas extensões. Nesse sentido, para uma melhor visualização, as extensões já concebidas são divididas em dois modelos: o auditório particular e o auditório universal. O primeiro compreende a argumentação realizada perante um indivíduo, bem como aquela realizada pelo orador consigo próprio. O segundo compreende o auditório sob aspectos ideais, formado por todos os seres humanos racionais. Com isso, busca o filósofo belga ligar uma estratégia argumentativa a um auditório específico, ao propor chamar persuasiva a uma argumentação que pretende valer só para um auditório particular e chamar convincente àquela que deveria obter a adesão de todo ser racional (PERELMAN, 1996:31). Ao presente trabalho não cabe discorrer acerca da ligação entre auditório particular e as técnicas de persuasão, concentrando-se na análise de uma argumentação pautada na convicção e realizada

perante o auditório universal, que está relacionada com o caráter de universalidade e racionalidade. Assim, observando as diferentes formas que assumem as argumentações perante auditórios diversos, é nítido que a adaptação do orador ao seu auditório, não se refere somente à escolha dos argumentos a serem utilizados, mas também às estratégias de argumentação que devem variar de acordo com o auditório a que se destina. Por fim, é certa a visão de Perelman, ao estabelecer que do ponto de vista racional, convencer é mais que persuadir, tornando uma argumentação formulada sob os ditames do convencimento, mais próxima do ideal de objetividade e racionalidade, ligada ao auditório universal. Por isso há uma convergência entre as concepções de auditório universal e situação ideal de fala, como parâmetros ideais de objetividade e racionalidade. A situação ideal de fala A Teoria da Argumentação Jurídica de Alexy apóia seu caráter de universalidade na situação ideal de fala, idéia já concebida por Habermas. Trata-se de uma situação ideal em que todos os oradores têm direitos iguais e que não existe coerção, havendo uma relação simétrica entre os indivíduos (HABERMAS apud ATIENZA, 1996:163). Essas condições ideais de Habermas são utilizadas por Alexy em sua Teoria da Argumentação Jurídica e apresentadas sob a forma de regras, assim definidas como: regras fundamentais, de razão, de carga da argumentação, de fundamentação e de transição (ALEXY, 2005:283-286). Muitas críticas pairam sobre as Teorias da Argumentação quando se discute acerca das possibilidades de sua realização, questionam os críticos, se este estabelecimento de regras abstratas, não tornaria a realização completa dos procedimentos, algo impossível de se obter na prática. Alexy frisa que é possível uma realização aproximada da situação ideal de fala (ALEXY, 2005:136). Além disso, importante destacar que a elaboração e cumprimento dessas regras, proporcionam a racionalidade do discurso, e é precisamente a racionalidade o que confere universalidade às conclusões obtidas consensualmente (TOLEDO, 2006:615). Assim, o estabelecimento desses critérios a serem observados na prática do discurso, especificamente no discurso jurídico, não tem como condição sine qua non a exigibilidade de cumprimento de modo absoluto e em todas as situações a que são

submetidos. Somente não se pode afastar o entendimento de que é mediante eles que devem ocorrer a fundamentação e orientação do discurso. Ainda nesse entendimento, a própria racionalidade do discurso, não pode ser inferida somente mediante o cumprimento de todas as regras apresentadas, uma vez que se trata de uma situação ideal, e que devido a este aspecto não é real (TOLEDO, 2006:616). Entretanto, quando respeitados, alcançam padrões de racionalidade e universalidade, que proporcionam no âmbito do discurso jurídico a legitimidade da legislação e a controlabilidade das decisões judiciais, importantes bases para a consolidação da democracia e do próprio Estado de Direito (TOLEDO, 2006:619), fatores indissociáveis dos objetivos perseguidos pelo atual Estado brasileiro. A busca pela universalidade O próprio Alexy destacou a proximidade existente entre a situação ideal de fala Habermasiana, concepção utilizada em sua teoria, e o conceito de auditório universal perelmaniano (ALEXY, 2005:179). A proposta de resgatar o trabalho de Chaïm Perelman, demonstrando ainda seu caráter atual, foi aqui trabalhada evidenciando o seu conceito de auditório universal e a situação ideal de fala de Habermas, utilizada por Alexy, em teoria mais recente, como meio de se alcançar a racionalidade e universalidade do discurso jurídico. Desse modo, buscou-se uma ligação entre o conceito perelmaniano e conceitos mais recentes da atual discussão que cerca as Teorias da Argumentação Jurídica. Perelman promove uma composição ideal do auditório universal, ao estabelecer sua formação por toda humanidade, ou pelo menos por todos os homens adultos e normais (PERELMAN, 1996:33-34). Considerando que o acordo para estes casos seria alcançado mediante o convencimento, estratégia argumentativa relacionada com os métodos racionais, tem-se o auditório universal como um limite a ser atingido, uma vez que a composição alcançada neste limiar é o critério de racionalidade e objetividade da argumentação. Habermas estabelece a situação ideal de fala como um parâmetro, sendo considerada aquela em que todos os oradores têm direitos iguais e que não existe coerção, havendo uma relação simétrica entre os indivíduos (HABERMAS apud ATIENZA, 2006:163). Assim, o acordo é obtido mediante a igual participação entre os falantes,

Nessa situação ideal, a elaboração e cumprimento de regras proporcionam a racionalidade, sendo ela o que confere a universalidade ao discurso. Por fim, torna-se evidente que o resultado buscado pelos idealizadores de tais parâmetros é a busca pelo caráter universal da argumentação, aproximando-se do aspecto racional. Como se vê, seja mediante a situação ideal de fala, seja mediante o auditório universal, esse objetivo é alcançado.

Referências ALEXY, Robert. Teoria da Argumentação Jurídica A Teoria do discurso racional como teoria da fundamentação jurídica. 02 ed.. São Paulo: Editora Landy, 2005. ATIENZA, Manuel. As razões do Direito Teorias da Argumentação Jurídica. 03 ed. São Paulo: Editora Landy, 2006. PERELMAN, Chaïm e OLBRECHTS-TYTECA, Lucie. Tratado da Argumentação A Nova Retórica. São Paulo: Editora Martins Fontes, 1996. TOLEDO, Cláudia. Teoria da Argumentação Jurídica. Revista Forense. São Paulo, vol. 395, p. 613-625, jan./fev., 2008.