R~ iane Maria Lira-da-Silva 1



Documentos relacionados
- Tem importância nos mecanismos de evolução e Seleção Natural dos seres vivos; - Mantém o equilíbrio ecológico e alimentar de um habitat;

RELAÇÃO ENTRE ECOMORFOLOGIA E LOCOMOÇÃO DE SERPENTES

FERTILIDADE DE CAPRINOS MOCHOS. Prof. Adelmo Ferreira de Santana Caprinocultura e Ovinocultura

Esse raciocínio é correto e não serve apenas para a espécie humana. Todas as espécies de seres vivos realizam a reprodução para a continuação da vida.

Chave para os gêneros:

MANEJO E MANUTENÇÃO DE NOVA ESPÉCIE DE DENDROBATIDAE (AMPHIBIA: ANURA) NO ZOOPARQUE ITATIBA: UM MODELO PARA CONSERVAÇÃO EX- SITU

SERPENTES PEÇONHENTAS Família Elapidae Micrurus corallinus - Cobra-coral* Micrurus frontalis - Cobra-coral

7ª série / 8º ano 2º bimestre U. E. 10

Série Didática Número 5

ASPECTOS DA REPRODUÇÃO DA COBRA BICUDA OXYBELIS FULGIDUS (SERPENTES: COLUBRIDAE)

Porto Alegre, 19 de agosto de 2015

Figura 18. Distâncias das estações em relação ao Inmet e Mapa hipsmétrico

Analfabetismo no Brasil

ANIMAL: PORQUINHO DA ÍNDIA. LAURA E ANA BEATRIZ 2º ano H

Os casos onde dois ou mais genes influenciam uma só característica são denominados de Interações Genéticas. RREE, RrEE, RrEe, RREe

Reprodução de Pomacea bridgesii

ALVES 1,1, Paulo Roberto Rodrigues BATISTA 1,2, Jacinto de Luna SOUZA 1,3, Mileny dos Santos

RANKING PARANAENSE DE CRIADORES DE OVINOS CAPÍTULO I DOS OBJETIVOS Art 1º - O Ranking paranaense de criadores de ovinos tem como objetivo:

DIFERENTES DIETAS ALIMENTARES E SUAS RELAÇÕES COM O DESENVOLVIMENTO.

Jornal de Piracicaba, Piracicaba/SP, em 4 de Junho de 1993, página 22. Animais de companhia: O verme do coração do cão

SERPENTES RESPONSÁVEIS POR ENVENENAMENTOS NO BRASIL

BIOLOGIA - 2 o ANO MÓDULO 20 ECOLOGIA

Número 24. Carga horária de trabalho: evolução e principais mudanças no Brasil

Matemática Financeira. Aula 03 Taxa Real de Juros

Saúde. reprodutiva: gravidez, assistência. pré-natal, parto. e baixo peso. ao nascer

Sistema COC de Educação Unidade Portugal

PNAD - Segurança Alimentar Insegurança alimentar diminui, mas ainda atinge 30,2% dos domicílios brasileiros

Aspectos epidemiológicos dos acidentes ofídicos ocorridos no Estado de Roraima, Brasil, entre 1992 e 1998

Prevenção e conscientização é a solução. Ciências e Biologia

INFLUÊNCIA DE FASES EXTREMAS DA OSCILAÇÃO SUL SOBRE A INTENSIDADE E FREQUÊNCIA DAS CHUVAS NO SUL DO BRASIL

Torezani1, E.; Baptistotte1, C.; Coelho1, B. B.; Santos2, M.R.D.; Bussotti2, U.G.; Fadini2, L.S.; Thomé1, J.C.A.; Almeida1, A.P.

Ecologia Geral (ECG33AM) Estrutura populacional (crescimento e dinâmica populacional)

Cesta básica tem alta moderada na maioria das capitais

PLANEJAMENTO ANUAL DE CIÊNCIAS

A importância do continente europeu reside no fato de este ter

SEQUÊNCIA DIDÁTICA PODCAST ÁREA CIÊNCIAS CN

truta - sapos - rãs - tartaruga - serpente - garça - andorinha - morcego - macaco

Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária Embrapa Amazônia Oriental Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento

EDITAL DE SELEÇÃO 2016 PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS FARMACÊUTICAS

2012 3ª PROVA PARCIAL (QUESTÕES FECHADAS) DE CIÊNCIAS E GEOGRAFIA

3ºano. 4º período 1.3 CIÊNCIAS. 5 de dezembro de Leia o texto abaixo. Em seguida, faça o que lhe é solicitado. Que bicho é esse?

Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais

Doutorado: 12. a) ser ou ter sido bolsista de iniciação científica; As inscrições deverão ser realizadas on-line através do site

ELABORAÇÃO DE INDICADORES SOCIAIS

DIVERSIDADE DE CLIMAS = DIVERSIDADE DE VEGETAÇÕES

VARIABILIDADE CLIMÁTICA DA BAIXA UMIDADE DO AR EM ALGUMAS LOCALIDADES: Centro e Sudeste do Brasil.

Bloco de Recuperação Paralela DISCIPLINA: Ciências

DISTRIBUIÇÃO DO CAPITAL SOCIAL NO BRASIL: UMA ANÁLISE DOS PADRÕES RECENTES

UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ECONOMIA, ADMINISTRAÇÃO E CONTABILIDADE

Que peninha! Introdução. Materiais Necessários

Répteis. Classe Reptilia

UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL UNISC CURSO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS

Por que devemos cuidar dos dentes dos nossos cães?

RELATÓRIO DE ANÁLISE DO COMPORTAMENTO

REPRODUÇÃO MECANISMO DE PERPETUAÇÃO DAS ESPÉCIES

COBRAS PEÇONHENTAS E NÃO PEÇONHENTAS Prof. Evandro Marques

SAÍDA DO MERCADO DE TRABALHO: QUAL É A IDADE?

Melhorar A Eclodibilidade De Ovos Armazenados

Biologia Geral e Experimental

Monitoramento do comportamento territorialista e reprodutivo de capivaras: evitando eventos de superpopulações

Descrição de desenvolvimento em cativeiro de uma nova espécie do gênero Thamnodynastes (WAGLER, 1830) (SERPENTE: COLUBRIDAE) da caatinga Paraibana

NOTA TÉCNICA MANUTENÇÃO DA PRODUÇÃO DO SISTEMA CANTAREIRA PARA A POPULAÇÃO DA RMSP

Assustadores e Venenosos

Pesquisa Mensal de Emprego - PME

CURSOS Agronomia, Ciências Habilitação em Biologia, Educação Física, Farmácia, Fisioterapia e Zootecnia

CURSO DE MEDICINA VETRINÁRIA

FUVEST /01/2002 Biologia

DESEMPENHO REPRODUTIVO DE UM REBANHO OVINO DA RAÇA TEXEL NA REGIÃO DO ALTO URUGUAI CATARINENSE

Disciplina: Ciências. Período: I. Professor(a): Gislene das Graças Portes Ferreira Liliane Cristina de Oliveira Vieira

EDITAL DESAFIO. Conferência Mapa Educação

Diagnóstico CCJE - Análise de outras Universidades

PALAVRAS-CHAVE: Mortalidade Infantil. Epidemiologia dos Serviços de Saúde. Causas de Morte.

Educação baseada em evidências

SOCIEDADE PAULISTA DE ZOOLÓGICOS

Análises estatísticas da incidência de AIDS no Município de Rio Claro. 1 Resumo. 2 Abstract

A POSIÇÃO DO MUNICÍPIO DE SÃO JOSÉ DOS CAMPOS (SP) EM RELAÇÃO AO ÍNDICE DE DESENVOLVIMENTO HUMANO (IDH) E AO ÍNDICE DE GINI

2 Caracterização climática da região Amazônica 2.1. Caracterização da chuva em climas tropicais e equatoriais

Curso de Capacitação em Biossegurança de OGMs Células-tronco Legislação de Biossegurança

Um estudante de 23 anos, doador de sangue tipo universal, é moreno, tem estatura mediana e pesa 85 kg. Todas as alternativas apresentam

APLICATIVO MOBILE CATÁLOGO DE PÁSSAROS - PLATAFORMA ANDROID/MYSQL/WEBSERVICE

Exercícios de Evidências da Evolução

CAPÍTULO 13 OS CLIMAS DO E DO MUNDOBRASIL

Aula Os conquistadores do ambiente terrestre

CONTRIBUIÇÕES PARA UMA ALFABETIZAÇÃO CIENTÍFICA: ANALISANDO ABORDAGENS DA PRIMEIRA LEI DE NEWTON EM LIVROS DIDÁTICOS DE FÍSICA

Climas do Brasil GEOGRAFIA DAVI PAULINO

Brasil é 2º em ranking de redução de mortalidade infantil 3

ÓRBITA ILUMINADA HU F 152/ NT4091

Novo Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil

RESOLUÇÃO. Santa Rosa, RS, 05 de março de 2013.

RETRATOS DA SOCIEDADE BRASILEIRA

MUSEU NACIONAL DE HISTÓRIA NATURAL E DA CIÊNCIA

RELATÓRIO DA GERÊNCIA DE MONITORAMENTO PANORAMA DO COOPERATIVISMO BRASILEIRO - ANO 2011

SEQUÊNCIA DIDÁTICA PODCAST CIÊNCIAS HUMANAS

A IAESTE (International Association for the Exchange of Students for. Technical Experience) é uma organização internacional, apolítica e não -

ESTRUTURA FITOSSOCIOLÓGICA DO COMPONENTE ÁRBOREO DE UMA FLORESTA OMBRÓFILA EM PORTO VELHO, RONDÔNIA

Transcrição:

CONTRIBUiÇÃO À BIOLOGIA DE SERPENTES DA BAHIA, BRASIL. I. VivíPARAS R~ iane Maria Lira-da-Silva 1 Luciana Lyra Casais-e-Silva 1 IIka Biondi de Queiroz 2. Tania Brazil Nune.<; 1 ABSTRACT. CONTRIHUTION TO REPROlll lct IVE BIOLOGY 01" SNAKFS ln BMIIA. BRAZIL. I. VIVIPARO US. Greal part of the avaiable data about snakes reprodution rders to spccies coming from subtropical and temperatc regions. ln Brazil, the data is rather rare and ca n be found in various works where infonnation is restricted. Resu lts from studies dcveloped with five viviparous snakes - Crntallls dll/issiis cascavel/a (Wagler. 1824). Bo/hrnps e/y/hrnmelas (Amaral, 1923), B. lellcli/7/s (WagIer. 1824), Helicops leopardintll' (Schlegel. 1873) and Thamnodynasces sctigilis (Thunhcrg. 1787) - which come from the Northeast of Brazil (Bahia) ar" dcscribed. Data about pregnancy and hi.1h. numbcr. sex ratio. length and wcight of neonates is given and discussed. KEY WORDS. Reproduction. sna kes. viviparous Na prática tem sido utilizados três tipos para designar os modelos reprodutivos em vertebrados tetrápodos: oviparidade, ovoviviparidade e viviparidade (ALB IERI ef ai. 1989; POUGH ef ai. 1993). Atualmente, existe uma certa di scordância quanto a ovoviviparidade porque não há uma simples retenção do ovo. Estudos do "útero" mostram que parte do epitélio maternal degenera-se permitindo uma comunicação entre a mãe e o embrião (HOFFMAN 1970). Uma visão mais abrangente e aceita pelos autores deste trabalho. admite dois tipos de reprodução: a oviparidade para aquelas espécies que põem ovos e a viviparidade, com graduação entre um estado em que a mãe faz um pouco mais que agir como uma incubadora móvel para um estágio onde, no "útero", o epitélio maternal degenera-se permitindo a difusão do t1uxo sangüíneo entre mãe e embrião (ALBIERI ef ai. 1989). A maioria dos dados di sponiveis sobre reprodução de serpentes refere-se às regiões temperadas e subtropicais do globo, e no Brasil. os dados são escassos e estão espalhados em trabalhos abrangentes onde as informações sobre reprodução estão restritas a apenas algumas notas (AMARAL 1977; V ANZOLINI et ai. 1980). I) Lahoratório de Animais Peçonhentos. Departamento d" Zoologia. Universidade Federal da Bahia. Campus Universit;írio de Ondina. 40170-210 Salvador. Bahia, Brasil. 2) Laboratório de Animais Peçonhentos. Departamento de Ci~ncias Biológi..:as. Uniwrsidade Estadual de Feira de Santana. Campus Universitário. BR 116 Km 3.44100-000 Feira de Samana. Bahia. Brasil. Revta bras. Zoo!. 11 (2) : 187-193. 1994

188 LlRA-DA-SILVA et ai. Especificamente sobre as comunidades de serpentes do nordeste do Brasil apenas os trabalhos de Vrrr (1980), Vrrr & VANGILDER (1983) e de VANZOLlNI et ai. (1980) indicam principalmente os períodos, número e dados merísticos dos filhotes e aspectos ecológicos de espécies da caatinga. O presente trabalho tem como o~jetivo contribuir para o conhecimento dos aspectos reprodutivos de algumas serpentes vivíparas da Bahia, Brasil. Contribuições subseqüentes serão publicadas em relação às serpentes ovíparas desta região. MATERIAL E MÉTODOS Os dados foram obtidos através de partos de serpentes (à temperatura de 25 o a 33 C) e de ninhadas depositadas em coleções científicas (de nascimentos anteriores ou de fêmeas dissecadas) dos Laboratórios de Animais Peçonhentos da Universidade Federal da Bahia (LAP-UFBA) e da Universidade Estadual de Feira de Santana (LAP-UEFS). Para cada ninhada procurou-se registrar a data de nascimento, o período mínimo de gestação, número e proporção sexual dos neonatos, comprimento e peso dos filhotes (média e extremos). Os filhotes foram medidos com régua plástica milimetrada (6oomm) e pesados em balança semi-analítica Bosch (prato externo) e Mettler PL 1200 (sensibilidade de O,Olg). Para Bothrops leucurus (Wagler, 1824) (Viperidae) registrou-se também a relação entre a cor da ponta da cauda e o sexo da serpente. Nos registros analisados através do material depositado em coleção científica, omitiu-se os dados de peso. Todas as serpentes (jovens e adultas) encontram-se depositadas nas coleções científicas dos referidos laboratórios, ou estão sendo mantidas em seus biotérios. RESULTADOS Foram analisados 137 filhotes de nove ninhadas de Crotalus durissus cascavella (Wagler, 18240 (Viperidae) provenientes da micro região de Feira de Santana, Bahia, com número médio de 15 filhotes por ninhada e uma proporção sexual de seis machos/quatro temeas (62/38%). Os filhotes nasceram em média 155 dias (44 a J87 dias) após a chegada das temeas ao LAP-UEFS, com o tamanho médio de 40, 17±2,9Icm (32,9 a 49,3cm) e pesando em média 23,85±2,9Ig (17,5 a 31,9g). Foi observado partos de seis fêmeas de Bothrops leucurus (Viperidae) procedentes de diversas regiões da Bahia, com um total de oito ninhadas; dentre elas, uma fêmea foi dissecada, e outra pariu duas vezes. O período mínimo de gestação para B. leucurus foi em média de 96 dias (52 a 147 dias), com um número médio de 12 (5 a 20) filhotes por ninhada, excetuando-se uma temea (150cm de comprimento e pesando IOlg) que pariu 47 filhotes. Apresentaram comprimento médio de 26,88±2,71cm (14,0 a 32,5cm) e peso médio de 6,96±D,39g (5,95 a Revta bras. Zool. 11 (2): 187-193, 1994

Contribuição à biologia reprodutiva de serpentes... 189 8,63g); a proporção sexual foi 62 % de machos, que apresentaram a ponta da cauda amarela para 38 % de fê meas, que apresentaram a ponta da cauda cinza claro. Uma fêmea de BOlhrops erythromelas (Amaral, 1923) (Viperidae) procedente da Usina Hidrelétrica de Itaparica (Paulo Afonso) pariu (dados de coleção) II filhotes com tamanho m ~ dio de 19,25±O,25cm (16,80 a 19,20cm), com um período mínimo de gestação de 123 dias. Uma fêmea prenhe de Helicops leopardinus (Schlegel, 1873) (Colubridae) proveni ente da mesma região, pariu 10 filhotes. Dentre eles, dois machos e seis fêmeas; em dois exemplares não foi possível fazer a determinação do sexo. O comprimento m~di o fo i de 18,65±O,6Oc m (17,5 a 19,7cm). Os filhotes apresentaram padrão de coloração diferente da fêmea, com o dorso mais escuro, sendo difícil a distinção das manchas características do adulto, e presença de cor avermelhada no ventre. Em 14-VIII-1988, uma fê mea proveniente da mesma localidade foi dessecada, e observou-se 15 embriões em um estágio já avançado de desenvolvimento. Uma fêmea de lhamnodynal"fes strigilis (Thunberg, 1787) (Colubridae) procedente da área urbana de Feira de Santana, pariu sete filhotes (quatro machos e três fêmeas) que mediam 21,0I±O,9Icm (20, 10 a 21,92cm) e pesavam 3,30± 0,07g (3,23 a 3,36g). O tempo mínimo de gestação foi 36 dias. Os machos apresentavam padrão de coloração diferente da fêmea adulta, com pigmentação marrom escura nas escamas frontais, prefrontais e parietais. Todos os resultados encontram-se resumidos na tabela I. Tabda I. Dados r~produ ti vos de algumas s.:rpentes vivíparas da Bahia, Brasil. Número Período mínimo Mês de Número Táxon de mães de gestação nascimento médio de Dados relativos aos filhotes!d18si '1Ihotes -------------- Comprimento Massa Proporção sexual (%) (cm) (gl Macho Fêmea C. durissus cascavel/a 9 156144 a 1871 Dez. a Fev. 15 40,IH2.1623.86±2.91 62 38 B. leucurus 96152 a 1471 Jan. a Abr. 15 26.88±2,71 6,96i O.39 62 38 B. erythromelas 123 Jan. 11 19.26i O.26 H. leopardinus 10 18.66±0.69 25 76 T. strigilis 36 Nov. 21.0aO,91 3,30±O,07 67 43 DISCUSSÃO Segundo KLAUBER (1972) algumas espécies de Crotalus têm ciclos reprodutivos anuais, outras bianuais, que podem estar relacionados com as variações climáticas; em áreas frias e de altas altitudes prevalece o ciclo bianual. Quando ocorrem os dois tipos de ciclo reprodutivo em uma mesma área, as fê meas pequenas reproduzem-se em intervalos de dois anos e as grandes a cada ano. Observações feitas por LANGLADA (1972) permitiram afirmar que no Brasil, o ciclo reprodutivo das cascav~is ~ bianual. Os registros de nascimentos e ninhadas de C. durissus cascavel/a nos meses Revta bras. Zool. 11 (2): 187-193, 1994

190 lira-da-silva et ai. de dezembro a fevereiro, notadamente em.ianeiro (cinco ninhadas), indicam para esta subcsptscie na Bahia o período preferencial no verão, reforçando as observações de V ANZOLINI ('r ai. (1980) e de CORDEIRO er ai. (1981). O período mínimo de gestação sugere que o desenvolvimento embrionário de C. durissus cascavel/a dura no míimo 187 dias. A variação deste período pode resultar da estocagem de esperma, da existência de ninhadas anuais ou bianuais, ou ser influenciado pela temperatura, tlutuações estacionais e seus efeitos, sendo portanto difícil de determinar (KLAUBER 1972). Embora não s~ja possível explicar a maior porcentagem de machos (62 %) em relação às fêmeas (38 %), existem trabalhos que sugerem que a proporção Sexual destes animais, pode ser controlada por fatores intrínsecos (fisiológicos e "ritmos internos") e extrínsecos (ambientais) (SEIGEL & FORD 1987; CASAIS-E SILVA 1990). A variação no comprimento dos filhotes foi relativamente maior (32,9 a 49,3cm) do que os encontrados por CORDEIRO er ai. (1981) (34,0 e 34,5cm), sugerindo que existe uma relação inversamente proporcional entre o tamanho da prole e o número de filhotes por ninhada. Existem poucos estudos relacionados com a biologia reprodutiva do gênero Bothrops, apesar de sua importância mtsdica pelo grande número de acidentes que provoca anualmente no Brasil. Neste trabalho são apresentados pela primeira VeZ dados reprodutivos de B. leucurus e B. e/yrhromelas, confirmando a viviparidade nestas esptscies. LELOUP (1975) refere o período entre a cópula e o parto em pouco mais de 200 dias para B. fiioojeni (Hoge, 1966); o período de gestação de B. aspa (Garman, 1823) ts de 180 a 240 dias (SOLÓRZANO & CERDAS 1989). Para B. leucurus e B. e/yrhrolllelll\" o período mínimo de gestação (147 e 123 dias respectivamente) deve-se provavelmente ao hlto de que as fêmeas já haviam chegado prenhes ao Laboratório. AltSm disso, pode-se considerar a variação de temperatura (24 a 33 C) como um filtor condicionante ao curto período observado. O período de nascimento de B. leucurus (janeiro a março) e B. eryrhromelas (janeiro) foi semelhante ao observado em B. liioojeni (novembro a dezembro) (LELOUP 1975), sugerindo o verão como a tspoca preferencial. MELGARElO (1977) acompanhou o nascimento de cinco filhotes de B. neuwiedi pubescem (Cope, 1870); CUNHA & NASCIMENTO (1981) reportam a observação de duas fêmeas de B. atrox (Linnaeus, 1758) que pariram oito e onze filhotes respectivamente, e SOLÓRZANO & CERDAS (1989) referem que as populações de B. asper do Pacífico parem em média 18,6 neonatos e do Atlântico, 41,1 neonatos. Embora o número de filhotes por ninhada de B. leucurus (12) e B. eryrhromelm (II) pareça ohedecer a um padrão, o nascimento de 47 filhotes de uma fêmea de 150cm (B. leucurus), vem corrohorar a opinião de KLAUBER (1972), que afirma existir uma relação direta entre o comprimento das fêmeas e o número de ninhadas e de filhotes; apesar disso, não descarta a possibilidade de que fatores internos (fisiológicos) e amhientais possam interferir no número de filhotes e na Revta bras. Zool. 11 121: 187-193. 1994

Contribuição à biologia reprodutiva de serpentes... 191 taxa de fertilidade. Os dados de comprimento de B. leucurus (26,88+?,71 cm) e B. e/y/hroll/elas (19,25±O,25cm) diferem pouco dos encontrados na hihliografia para outras espécies de Borhrops. HOGE & FEDERSONI (1976) e CUNHA & NASCIMENTO (1981) registraram valores médios de 28,54cm e 25, 7cm respectivamente para B. a/rox, enquanto que SOLÓRZANO & CERDAS (1989) registraram 23,5cm para B. mper. No entanto, MELGAREJO (1977) ohservou um comprimento médio significativamente menor (7.5cm) para B. I/euwiedi pubescei/s. Os dados de peso para B. leucuru.l' (6,96±O,39g) diferiram sobre maneira dos registrados para B. asper (57,6g) e para B. I/euwiedi pubescel/s (3,Og). Apesar disso, foi similar ao observado para B. a/rox (8,Og) por HOGE & FEDERSONI (1976). Trabalhos sohre a biologia reprodutiva de Heliops leopardil/u.\ são escassos, apesar de sua ampla distrihuição desde as Guianas até o norte da Argentina. CUNHA & NASCIMENTO (1981) verificaram a viviparidade em H. /rivillalus (Gray, 1849) e H. polylepis (Gray, 1849) e fizeram uma análise de H. {ll/gulm/j.\ (Linnaeus, 1758) e H. hagll/al/i (Roux, 1970) concluindo que estas espécies são ovíparas. Pode-se confirmar, com este trahalho, a viviparidade em H. leopardinu.l' e estimar o número de filhotes por ninhada que variou de 10 a 15 com comprimento médio em 18,65±O,69cm. Ressalta-se a diferença no padrão de coloração entre a fêmea e os filhotes. Registros sohre a viviparidade em 771l111/I/odynas/es são confusos e têm sido mencionados por diversos autores. Foi SERIÉ (1916) quem fez o primeiro registro de que as espécies deste gênero são vivíparas, fazendo referência a T. s/rigilis, a partir de uma fêmea que pariu quatro filhotes vivos. NEILL (1964) observou a viviparidade em T. pallidus (Linnaeus, 1758). Finalmente, GUDYNAS (lq81) confirmou a viviparidade de T. s/rigilis, a partir da observação de três fêmeas prenhes, e no mesmo ano, CUNHA & NASCIMENTO (1981) concluíram que a viviparidade em T. pallidus é tão desenvolvida ao ponto de ocorrer inclusive relações feto-maternais acentuadas. Apesar disso, LEITÃO DE ARAÚJO (1978) refere oviparidade para T. s/riga/ui' (Günther, 1858). O período mínimo de gestação observado (36 dias) e o nascimento de sete filhotes, aproxima-se dos observados por SERIÉ (1916) onde o desenvolvimento embrionário de T. s/ri{:ilis foi de 47 a 126 dias com uma média de oito filhotes por ninhada. GUDYNAS (1981) observou três fêmeas da mesma espécie que pariram cinco, dez e treze filhotes e CUNHA & NASCIMENTO (1981) referiram um total de sete filhotes de uma ninhada de T. pallidu.l'. No entanto, há tatos que indicam não haver correlação entre o número de filhotes e o tamanho da fêmea pois observou-se uma fêmea de 54cm que pariu sete filhotes, enquanto que GUDYNAS (1981) referiu 13 filhotes de uma fêmea de 42cm. O mesmo autor registrou valores menores de comprimento dos filhotes (12,5cm) do que os observados neste trabalho (21,Ol± 0,9Icm). AGKAllECIMENTOS. As autoras agradecem O apoio financ~iro da Fundação Banco do Brasil. Revta bras. Zool. 11 (21: 187-193.1994

192 LlRA-DA-SILVA et si. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALBIERI, A.B.; A.C. MORAES; M.L.M.P. BRUNDO & S.A. FACURE. 1989. Desenvolvimento emhriomírio de cohras e lagartos. São Paulo, Ponti fícia Universidade Católica de Campinas. AMARAL, A. DO. 1977. Serpentes do Brasil. Iconografia colorida. São Paulo, Edições Melhoramentos, Editora da Universidade de São Paulo. 2" ed., 246p. CORDEIRO, C.L.S.; A.R. HOGE & P. SAWAYA. 1981. Criação de serpentes em cativeiro (Breeding of snakes in captivity). Rev. Bioterius I: 25-30. CUNHA, O.R. & F.P. NAscrMENTO. 1978. Ofídios da Amazônia. X - As cohras da região leste do Pará. Puh!. Avuls Mus. Par. Emílio Goeldi 31, 218p. - --o 1981. Ofídios da Amazônia. XII- Ohservações sohre a viviparidade em ofídios do Pará e Maranhão (Ophidia, Aniliidae, Boidae, Coluhridae e Viperidae). BoI. Mus. Par. Emílio Goeldi, Zoologia, 109: 1-20. GIBBONS, J.W. 1972. Reprodution, growth and sexual dimorphism in the Canebrake rattlesnake (Crora/u.\" hurridus arricnudmus). Copeia 2: 222-226. GUDYNAS, E. 1981. Confirmation de la viviparidad em la "culebra sepia" Thmllllodyllnl"res.\ rrigilis (Serpentes: Coluhridae). C.E.D. Oriene Conto Biol., Montevideo, 5: 1-7. HOFFMAN, L. H. 1970. Placentation in garter snake 77wlllllophis sirralis. J. Morphol. 131: 57-87. HOGE, A.R. & P.A. FEDERSONI-JÚNIOR. 197611977. Observações sohre uma ninhada de Borhrops {/r/"ox (Linnaeus, 1758) I Serpentes: Viperidae: Crotalinael. Mem. Inst. Butantm140/41: 19-36. KLAUBER, L.M. 1972. Rattlcsnakc.'I. University of califomia Press, 2 nd ed., 1004p. LANGLADA, F.G. 1972. Ciclo sexual bienal de serpentes Croralus do Brasil - Comprovação. Mem. Inst. Butantan 36: 67-72. LEITÃO DE ARAÚJO, M. 1978. Notas sobre ovos de serpentes (Boidae, Colubridae. Elapidae e Viperidae). Ihringia, Zoologia, 51: 9-37. LELOUP, P. 1975. Observations sur la reproduction de Borhrops liioojelli Hoge em captivité. Acta Zool. ct Patho!. Antverplemia 62: 173-20 I. MELGAREJO, A.R. 1977. Observaciones sobre nascimiento em el lahoratório de Borhrops lieuwiedi puhescells (Cope, 1870) (Ophidia: Crotalinae). Rev. Bio!. Uruguay 5 (I): 35-41. NEILL, W.T. 1964. Viviparity in snakes: some ecological and zoogeographical consideratios. Am. Nat. 98 (898): 35-55. POUGH, F.H.; 1.B. HEISER & W.N. MACFARLAND. 1993. A vida dos vertehrados. São Paulo, Atheneu Editora, 839p. SEIGEL. R.A. & N. B. FORD. 1987. Reproductiveecology, p. 210-251./11: SEIGEL, R.A.; J.T. COLLINS & S.N. NOVAK. 1987. Snakes. Ecology and evolutionary hiology. New York, MacMillan Publishing Company. SERIÉ, P. 1916. Ovoviviparidad de una culebra opi'stógli ta, 771i1111I1odYf1(L\'I(!s II{/{{ereri (Mikan) Gthr. Physis, Buenos Aires, 2 (12): 425. Revta bras. Zool. 11 (21 : 187-193. 1994

Contribuição à biologia reprodutiva de serpentes... 193 SOLÓRZANO, A. & L. CERDAS. 1989. Reproductive biology and distribution of the Terciopelo BOlhrops ruper Garman (Serpentes: Viperidae) in Costa Rica. Herpetologica 45 (4): 444-450. TINKLE, O.W. 1962. Reproductive potential and cycles in ti!male Crolalus atrox from Northwestern Texas. Copeia 2: 306-313. VANZOLINI, P.E.; A.M.M. RAMOS-COSTA & L.J. VITT. 1980. Répteis das caatingas. Rio de Janeiro, Academia Brasileira de Ciências, 161 p. VITT, L.J. 1980. Ecological observation on sympatric Philodryas (Colubridae) in northeastem Brazil. Papo Avuls Zool., São Paulo, 34 (5): 87-98. VITT, L.J. & L.D. VANGILDER. 1983. Eco10gy of a snake community in northeastem Brazil. Amphihia-Reptilia 4 : 273-296. Recebido em 20.IV. 1993: aceito em 20.IV. 1994. Revta bras. Zool. 11 {2} : 187-193. 1994