MENÇÃO HONROSA - REGULAÇÃO ECONÔMICA AUTOR: BRUNO RIBEIRO ALVARENGA BRASÍLIA-DF



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Transcrição:

MENÇÃO HONROSA - REGULAÇÃO ECONÔMICA AUTOR: BRUNO RIBEIRO ALVARENGA BRASÍLIA-DF A REGULAÇÃO DO MERCADO DE CARTÕES DE CRÉDITO NO BRASIL: UMA ANÁLISE À LUZ DA TEORIA DOS JOGOS.

Resumo A regulação do mercado de cartões de crédito no Brasil: uma análise à luz da Teoria dos Jogos. Tema. Regulação Econômica. O mercado brasileiro de cartões de crédito, seguindo tendência mundial, vem apresentando crescimento contínuo, tanto nos índices de faturamento como na quantidade e no valor médio das transações envolvendo cartões de crédito. Segundo a Credicard, entre janeiro de 001 e maio de 004 o faturamento do setor cresceu 70,1%, o número de transações com cartão cresceu 45,71% e a transação média passou de R$ 68,00 para R$ 78,00, enquanto o número de cheques compensados teve uma queda de 44% entre 1994 e 003. Paralelamente ao crescimento desse mercado, expandiram-se as preocupações relacionadas à eficiência e à defesa da concorrência na indústria de cartões de crédito. No Brasil esse mercado entrou em evidência em 004, com uma guerra de preços entre postos de gasolina localizados em Brasília, quando uma firma se instalou em uma área nobre de Brasília e adotou uma promoção de inauguração, provocando uma guerra de preços que se alastrou por toda a cidade. Os postos, então, passaram a praticar preços mais baixos do que os até então prevalecentes, mas aceitando exclusivamente meios à vista de pagamento. Para os pagamentos realizados via cartão de crédito era cobrada uma taxa adicional. A questão tornou-se polêmica, e os órgãos de Defesa do Consumidor de Brasília ficaram abarrotados de reclamações acerca da conduta. Os consumidores, se por um lado se manifestaram contentes com a guerra de preços, por outro protestavam contra a discriminação de preços entre cartão de crédito e meios de

pagamento à vista. A Justiça Brasileira deu então início a uma regulação do setor, posicionando-se, segundo a mesma, a favor dos consumidores ao proibir as discriminações de preços. O presente trabalho se propõe a estudar, à luz da Teoria dos Jogos e da Organização Industrial, essa regulação do mercado de cartão de crédito que vem sendo exercida no Brasil. Após uma análise inicial da Teoria de Mercados de Dois Lados, em que se insere o mercado de cartões de crédito, um modelo formal de comportamento estratégico é cuidadosamente construído e analisado. O principal resultado encontrado sugere que a regra de preço uniforme induz um subsídio cruzado do consumidor de baixa renda, que, por restrição orçamentária, não tem acesso ao cartão de crédito, para o de alta renda, que possui e utiliza o cartão. Isso acontece porque o estabelecimento comercial, ao praticar um preço único independente do modo de pagamento, repassa parte dos custos do cartão para todos os consumidores, e não só para aqueles que geram tais custos. Portanto, o estudo sugere que a regulação atual beneficia os consumidores de alta renda em detrimento daqueles de baixa renda, além de aumentar o lucro da indústria de cartões de crédito. Por fim, são analisadas algumas experiências internacionais, sugerindo que, se a possibilidade de diferenciação pode ser pouco relevante em países em que uma grande proporção de consumidores tem acesso aos cartões de crédito, ela pode se tornar muito importante em países como o Brasil em que existe vasto contingente de consumidores mais pobres e sem acesso a esse meio de pagamento. Palavras-chaves: Cartão de crédito. Mercado de Dois Lados. Taxa de Intercâmbio. Discriminação de preços.

Lista de Figuras FIGURA 1 FLUXO OPERACIONAL EM UMA CADEIA FECHADA... 1 FIGURA FLUXO OPERACIONAL EM UMA CADEIA ABERTA... 1 FIGURA 3 FLUXO DE TAXAS EM UMA CADEIA FECHADA... 13 FIGURA 4 FLUXO DE TAXAS EM UMA CADEIA ABERTA... 13 FIGURA 5 CURVA DE DEMANDA INVERSA DO CONSUMIDOR DE BAIXA DEMANDA... 3 FIGURA 6 JOGO NA FORMA EXTENSIVA... 5 FIGURA 7 REPRESENTAÇÃO GRÁFICA DA FUNÇÃO DE LUCRO DA ADQUIRENTE... 9 FIGURA 8 IMPACTO DAS VARIAÇÕES MARGINAIS DE T NO LUCRO DO VENDEDOR... 35 FIGURA 9 RESTRIÇÃO DE PARTICIPAÇÃO DO VENDEDOR SEM DISCRIMINAÇÃO DE PREÇOS... 37

Sumário 1 INTRODUÇÃO... 1 ESTRUTURA DO MERCADO... 5.1 PORTADOR... 5. ESTABELECIMENTO COMERCIAL... 6.3 CREDENCIADORA (OU ADQUIRENTE)... 7.4 ADMINISTRADORA (OU EMISSORA)... 8.5 BANDEIRA... 9.6 O PROCESSO TÍPICO DE UM PAGAMENTO... 10 3 TEORIA DOS MERCADOS DE DOIS LADOS... 14 4 A REGRA DE NÃO DISCRIMINAÇÃO DE PREÇOS... 1 4.1 MODELAGEM... 4.1.1 Agentes... 4.1. Interação estratégica... 4 4. SOLUÇÃO... 6 4..1 Solução com diferenciação de preços... 6 4..1.1 Informação completa...6 4..1.1.1 Caso 1 Restrição de participação inativa...30 4..1.1. Caso Restrição de participação ativa...30 4..1. Informação incompleta...31 4..1..1 Caso 1 Restrição de participação inativa...3 4..1.. Caso Restrição de participação ativa...33 4.. Solução com restrição à discriminação de preços... 33 4...1 Caso 1 Restrição de participação ativa...38 4... Caso Restrição de participação inativa...39 4.3 CONCLUSÃO... 40 4.4 A DISCRIMINAÇÃO DE PREÇOS E A NEUTRALIDADE DA TAXA DE INTERCÂMBIO... 40 5 EXPRERIÊNCIAS INTERNACIONAIS... 43 6 CONCLUSÃO... 48 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS... 51

1 1 INTRODUÇÃO Um instrumento antes visto como inviável por agentes financeiros, assume, hoje, grandeza considerável no mercado mundial. Os cartões de crédito tornaram-se um meio de pagamento bastante popular graças aos benefícios únicos oferecidos a consumidores e firmas e às oportunidades de lucro pelos bancos. O mercado brasileiro de cartões de crédito, assim como o mundial, vem apresentando um crescimento contínuo, tanto nos índices de faturamento do setor como na quantidade de transações envolvendo cartões de crédito e no valor médio das transações realizadas. Segundo a Credicard 1, o faturamento do setor cresceu 70,1% entre janeiro de 001 e maio de 004. No mesmo período, o número de transações com cartão de crédito cresceu 45,71% e a transação média passou de R$ 68,00 para R$ 78,00 (crescimento de 14,70%). Segundo a mesma, as altas taxas de crescimento desse mercado, superiores ao PIB, são resultado direto de uma substituição de meios de pagamento mais tradicionais pelo cartão de crédito. Tal substituição afetou principalmente o número de cheques compensados que, entre 1994 e 003, teve uma queda de 44% no número de transações, enquanto subia 397% no de cartões de crédito. Paralelamente ao crescimento desse mercado, expandiram-se as preocupações relacionadas à eficiência e à defesa da concorrência na indústria de cartões de crédito. Questionamentos por autoridades antitruste e órgãos de defesa da concorrência e do consumidor do mundo todo a respeito de algumas práticas comerciais adotadas, como a venda casada, as regras não-discriminatórias, as taxas 1 Informações disponíveis no site da Credicard: http://www1.credicard.com.br/sobre/mercadobr/pg01.htm. Acessado em: 7/05/005. Valores nominais.

de intercâmbio e a forma de competição entre as operadoras desse mercado crescem exponencialmente. Alguns países, como a Austrália, México, Holanda e Suécia já deram início ao processo de regulação desse mercado. No Brasil esse mercado entra em evidência, no que diz respeito à defesa da concorrência e à regulação, em 004, com uma guerra de preços entre postos de gasolina localizados em Brasília. Até então, a cidade era caracterizada por um mercado de postos bastante oligopolizado e, consequentemente, sem muita concorrência entre as empresas. A entrada de uma firma independente no mercado, que se instalou em uma área nobre de Brasília, alterou a concorrência do setor. A nova firma, tentando se estabelecer, adotou uma promoção de inauguração, provocando uma guerra de preços que se alastrou por toda a cidade. Os postos, então, passaram a praticar preços mais baixos do que os até então prevalecentes, mas aceitando exclusivamente meios à vista de pagamento. Para os pagamentos realizados via cartão de crédito era cobrada uma taxa adicional. A questão tornou-se polêmica, e os órgãos de Defesa do Consumidor de Brasília ficaram abarrotados de reclamações acerca da conduta. Os consumidores, se por um lado se manifestaram contentes com a guerra de preços, por outro protestavam contra a discriminação de preços entre cartão de crédito e meios de pagamento à vista. Sem atentar quanto aos custos referentes a diferentes meios de pagamentos, esses reclamavam por uma uniformização dos preços cobrados. Na verdade o desejado era pagar o menor preço utilizando o cartão de crédito. A Justiça Brasileira dá então início a uma regulação do setor, posicionandose, segundo a mesma, a favor dos consumidores. Foram proibidas as discriminações de preços e declarada a vitória do consumidor. O cartão de crédito Para mais informações sobre práticas anticoncorrenciais e o tratamento a ser dado nesses casos ver Emch e Thompson (006) e Evans e Schmalensee (005b).

3 [é considerado] como moeda, equivalente ao pagamento à vista. Eles [os estabelecimentos] dizem que pagam taxas, recebem apenas após 30 dias, mas o consumidor não tem nada a ver com essa história, afirmou a diretora do Procon- DF 3. A notoriedade do setor não parou por aí. Recentemente, a Secretaria de Acompanhamento Econômico SEAE e a Secretaria de Direito Econômico SDE celebraram convênio de cooperação técnica com o Banco Central do Brasil para elaborar análises e estudos sobre a indústria de cartões de pagamento, com o objetivo de tornar o setor mais eficiente. A iniciativa, como reconhece a própria SEAE 4, segue o exemplo dos principais países desenvolvidos, que já estudam ou já iniciaram a regulação do setor. Este trabalho se propõe a contribuir para a discussão atual sobre a melhor forma de se regular a indústria de cartões de crédito, avaliando a primeira forma de regulação surgida nesse mercado no Brasil, qual seja a proibição da discriminação de preços entre meios de pagamento. Para tanto, é necessário conhecer as particularidades desse setor. O mercado de cartões de crédito é, em si, bastante complexo, devido ao grande número de agentes envolvidos e às várias relações entre esses. O capítulo desta monografia apresenta os principais agentes do mercado e as relações existentes entre eles. Além do grande número de agentes envolvidos, as características da industria de cartões de crédito permitem enquadrá-la na teoria de mercados de dois lados, recentemente desenvolvida, que é discutida no terceiro capítulo. Essa teoria 3 Jornal do Brasil, 04/05/004 e Jornal de Brasília, 04/05/004. 4 Notícia divulgada no site da SEAE em 17/07/006. Link: <http://www.seae.fazenda.gov.br/noticias/seae-bc-e-sde-e-assinam-convenio-para-diagnosticarindustria-de-cartoes-eletronicos> Acessado em: 17/09/006.

4 modifica bastante os marcos teóricos até então estabelecidos para mercados tradicionais, e isso deve ser levado em consideração, principalmente em análises antitrustes para averiguação de possíveis prejuízos à concorrência e ao consumidor. O quarto capítulo analisa a regra de não discriminação de preços utilizando, para tanto, a teoria dos jogos aliada à moderna teoria da organização industrial. A análise desenvolvida sugere que a decisão de preço uniforme da Justiça Brasileira tem o efeito não desejado de favorecer o consumidor de mais alto poder aquisitivo, que pode portar um cartão de crédito e com ele realizar compras, em detrimento da maioria da população brasileira, que é de baixa renda e não tem acesso a tal instrumento. Essa é a principal contribuição do presente trabalho para o debate sobre a regulação ótima na indústria de cartões de crédito e chama a atenção para o fato da legislação atual, que exige uniformidade de preços, ser uma vitória não dos consumidores em geral, conforme defendido na mídia, mas sim dos consumidores de alto poder aquisitivo, em prejuízo dos consumidores de baixo poder aquisitivo. O capítulo subseqüente apresenta experiências internacionais sobre o assunto. Por fim, o capítulo 6 conclui a monografia.

5 ESTRUTURA DO MERCADO Uma operação típica com cartão de crédito envolve cinco agentes: portador, estabelecimento comercial, credenciadora, administradora e bandeira. Este capítulo explora brevemente cada um desses agentes, indicando, também, as relações entre eles..1 Portador O portador, como o próprio nome já diz, é o consumidor que possui e utiliza o cartão de crédito. Este instrumento habilita-o a efetuar transações comerciais junto a estabelecimentos afiliados de forma segura e conveniente, descasando o momento da compra e do pagamento, ou seja, financiando seu consumo. O portador possui um limite de crédito, estipulado pela administradora do cartão de crédito, podendo efetuar compras até esse limite. Em data mensal pré-determinada, o valor total de suas compras é saldado sem juros. Há também a opção de pagamento de um valor mínimo e financiamento do saldo restante (crédito rotativo) incorrendo em taxa de juros. O consumidor que adota tal prática é conhecido no mercado de cartões de crédito como revólver, e o outro, que não aproveita tal opção, é conhecido como usuário de conveniência. Segundo Chakravorti (003), os usuários de conveniência representam de 30 a 40 por cento de todo mercado norteamericano. De acordo com Chakravorti e To (003), portadores norte-americanos raramente são tarifados, seja por cobranças anuais de associação ou por transação. Não obstante, recebem ainda vários tipos de benefícios, como o financiamento livre

6 de juros, mencionado anteriormente, prêmios por uso (milhas em companhias aéreas e pontuação que pode ser trocada por produtos diversos) e vários outros. No Brasil, a cobrança de taxas anuais por associação é comum, mas não geral. As taxas por transações não são freqüentes.. Estabelecimento comercial O estabelecimento comercial é a pessoa jurídica que se filia à rede da credenciadora, tornando-se apto a aceitar cartão de crédito. Entre os vários benefícios desfrutados por esses, destaca-se a possibilidade de venda para clientes ilíquidos ou para aqueles com rendas futuras. A aceitação de cartões de crédito por estes estabelecimentos advém também do receio de perder clientes caso declinem o meio de pagamento. Isso sugere que a decisão do consumidor de onde comprar leva em consideração a aceitação ou não do seu cartão de crédito, o que força o estabelecimento a aceitá-lo e incorrer nos seus altos custos, como será mostrado adiante (Rochet e Tirole, 006; Simon, 005). Em contrapartida a tais benefícios, os estabelecimentos pagam para suas credenciadoras uma porcentagem do valor da compra feita por meio do cartão de crédito. Ao repassar o valor da transação ao estabelecimento, a credenciadora já desconta as tarifas e taxas cobradas 5. Em uma compra de R$ 100,00, por exemplo, o estabelecimento recebe da sua credenciadora um montante inferior ao valor da compra. Esse abatimento é chamado taxa de desconto (merchant discount). A porcentagem cobrada é negociada junto a cada estabelecimento, variando, no mercado americano, de um a três por cento do valor total da transação. Segundo Chakravorti (003), transações com cartões de crédito custam, para o 5 Além da porcentagem sobre a venda, o estabelecimento arca ainda com o aluguel do terminal eletrônico.

7 estabelecimento, o dobro de transações realizadas com cheques e mais de seis vezes com dinheiro e cartão de débito (dados referentes à Austrália). Nos Estados Unidos, o custo da transação com cartão de crédito é o dobro do que com dinheiro, cheque ou cartão de débito. A maior parte desse custo é proveniente da taxa de desconto mencionada. De acordo com Chakravorti (003), no mercado americano os estabelecimentos geralmente são pagos dentro de dois dias após a apresentação da operação junto à credenciadora. Já segundo parecer técnico exarado pela Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda (SEAE, 003) em um ato de concentração econômica entre empresas do setor, essa transferência, no Brasil, leva em torno de 30 dias..3 Credenciadora (ou adquirente) A adquirente é responsável pelo credenciamento e gerenciamento dos estabelecimentos comerciais filiados, além de estabelecer as condições comerciais e os preços cobrados dos comerciantes, processar e liquidar as transações realizadas com os cartões de sua responsabilidade, desenvolver novas tecnologias e locar os terminais eletrônicos para efetuação de tais transações. As credenciadoras também são chamadas de bancos dos estabelecimentos comerciais (merchants banks). Segundo a SEAE (004), no Brasil esse agente sofreu certas reestruturações nas últimas décadas. Inicialmente cada banco membro era um credenciador, ou seja, cada banco filiava seus próprios estabelecimentos comerciais, os quais se tornavam aptos a processar todos os cartões emitidos pelo mesmo banco, independentemente da bandeira do cartão. Dessa forma, cada banco membro, operando como credenciador e emissor, criava sua própria rede de

8 aceitação. Diante da ineficácia de tal modelo, devido à multiplicidade de custos (cada estabelecimento comercial deveria possuir vários terminais eletrônicos e cada banco sua central de autorização), esse sistema foi modificado por iniciativa dos próprios bancos. Assim surgiram a Redecard e a Visanet, ambas constituídas pela associação de diversos bancos, cujo objetivo era centralizar as operações antes realizadas individualmente por cada membro, simplificando o relacionamento entre os estabelecimentos comerciais e o sistema de cartões de crédito. Hoje essas empresas são responsáveis pelo credenciamento dos estabelecimentos afiliados a uma determinada bandeira, sendo essas a Mastercard e a Visa respectivamente. Como mencionado em tópico anterior, as credenciadoras têm suas receitas a partir da porcentagem cobrada sobre o valor total de cada transação, a taxa de desconto, além da receita provinda do aluguel dos terminais eletrônicos e de uma taxa cobrada pela antecipação de recebimentos para os comerciantes, caso esses desejem. Como contrapartida pagam uma taxa conhecida como taxa de intercâmbio (interchange fee) às administradoras. Ou seja, do total que o estabelecimento deve receber, R$ 100,00, por exemplo, a credenciadora recebe R$ 95,00 da administradora e repassa somente R$ 90,00 ao estabelecimento. A primeira taxa é a de intercâmbio e a segunda de desconto. A credenciadora fica com um benefício líquido de R$ 5,00..4 Administradora (ou emissora) As administradoras (ou emissoras) são as instituições que emitem e administram os cartões de crédito. Segundo a SEAE (003), entre as atividades de administração dos cartões estão: análise das propostas de adesão, determinação do limite de crédito, crédito rotativo, concessão de autorizações de compra,

9 acompanhamento da utilização correta do cartão (roubos, fraudes, etc), lançamento das transações nas faturas, envio das faturas etc. A maioria dessas instituições são financeiras (geralmente o logotipo da instituição está estampado na frente do cartão de crédito ou mencionado em seu verso. Segundo a Visa do Brasil, há 50 administradoras no Brasil 6, entre elas: Banco do Brasil, Banco Real, Banco Bradesco, Caixa Econômica Federal e Losango 7 ), permitindo-lhes a concessão de crédito direto a seus clientes, cobrando os juros do financiamento. Banco dos portadores (consumers bank) é outra denominação comum para as administradoras. As administradoras têm nos portadores e nas credenciadoras suas fontes de receitas. Sobre os portadores pode ser cobrada anuidade, taxas por transação (porcentagem do valor transacionado), juros, tarifas sobre saques e serviços e juros de mora por atraso no pagamento de tarifas. Como mencionado no tópico anterior, a administradora recebe ainda uma taxa de intercâmbio das credenciadoras. Essa taxa é uma forma de incentivar a ampliação da base de portadores e compensar o custo dessa atração. Essa forma de incentivo será detalhada adiante. A estratégia competitiva entre as administradoras, segundo Chakravorti (003), está baseada em várias dimensões como taxas, prêmios por uso freqüente (frequent usage awards), cobranças financeiras e outras características..5 Bandeira Por fim, a bandeira é a detentora da marca estampada nos cartões. É importante distinguir os dois tipos existentes dessas instituições: as fechadas e as 6 http://www.visanet.com.br 7 http://www.visa.com.br/conteudo/bancos/default.asp. Para Emissores da Rede Mastercard ver: http://www.redecard.com.br/emissores_mastercard.asp.

10 abertas. Nas cadeias fechadas (proprietary networks), como a American Express 8, a Discover e o Hipercard, há verticalização das atividades, ou seja, a bandeira opera como administradora e credenciadora. Nesse modelo de mercado todas as taxas são determinadas pela própria bandeira. Já as cadeias abertas (open networks), representadas pela Mastercard e pela Visa, são formadas por diversas instituições financeiras, as quais operam como administradoras e/ou credenciadoras. Nessas cadeias, a principal função da bandeira é a organização da estrutura estabelecendo normas, fixando a taxa de intercâmbio, fornecendo infra-estrutura básica, pesquisa e desenvolvimento para o aperfeiçoamento do sistema (Chakravorti, 003). A associação à administradora é feita via contrato de franquia que concede licença para uso da marca e da sua rede. Por outro lado, o contrato estabelecido com a credenciadora exige desta o cumprimento das regras estabelecidas e coloca à sua disposição o sistema de pagamentos. As bandeiras têm como fontes a tarifa trimestral por cartão ativo (variável conforme o tipo de cartão), a licença pelo uso da marca, ambas cobradas das instituições emissoras, o percentual sobre o volume financeiro de transações (conforme tipo do produto), cobrado das credenciadoras, e outras taxas referentes ao uso de serviços específicos. Essas taxas não terão relevância na análise do modelo..6 O processo típico de um pagamento Agora que todos os agentes desse mercado são conhecidos, é possível explicar todo o processo de um pagamento realizado por meio de um cartão de 8 A American Express é considerada uma cadeia fechada na maioria dos países. No Brasil, segundo a SEAE (004), o cartão desta empresa passou a ser emitido por bancos comerciais.

11 crédito e a complexa cadeia de relações entre os agentes envolvidos. O fluxo apresentado se refere a uma cadeia aberta, cujo processo é mais complexo, e está baseado em parecer técnico da SEAE 9 (003). Como mencionado, as relações com a bandeira são irrelevantes (exceto na cadeia fechada), motivo pelo qual não está evidenciada nos fluxos. De forma a evitar uma poluição de informações, estão omitidas também as taxas desnecessárias para o entendimento do sistema. O processo referente a uma cadeia fechada é mostrado pelas figuras 1 e 3. A primeira etapa do processo é a compra do portador em um estabelecimento credenciado utilizando cartão de crédito, como observado na figura 1 e. Seu cartão é passado em um terminal eletrônico abrindo uma consulta junto à credenciadora, a qual é redirecionada pelo sistema para a administradora. Essa responde aprovando ou reprovando a transação. O movimento é, então, fechado e o estabelecimento envia a informação de compra para a credenciadora que repassa para a administradora para que esta registre a despesa na conta do cliente. Após aproximadamente 7 dias da data de transação, independente do pagamento da fatura pelo cliente, a administradora efetua o pagamento do valor à credenciadora. Observe que esse pagamento é em valor líquido, ou seja, já descontado a taxa de intercâmbio, como evidenciado nas figuras 3 e 4. São necessários mais três dias para que esta repasse o valor da transação ao estabelecimento, descontando as tarifas e taxas cobradas. 9 Uma representação simples é apresentada em: http://www.mastercard.com/br/general/about/industry.html

1 Emissão da fatura Portador Pagamento da fatura Realiza compra através de cartão de crédito Compra autorizada ou negada Estabelecimento Comercial Consulta e resposta Pagamento Bandeira Figura 1 Fluxo operacional em uma cadeia fechada Emissão da fatura Portador Pagamento da fatura Emissora (administradora) Realiza compra através de cartão de crédito Compra autorizada ou negada Consulta e Resposta Pagamento em 7 dias Estabelecimento Comercial Consulta e resposta Credenciadora Pagamento em 3 dias Figura Fluxo operacional em uma cadeia aberta

13 Portador x + taxa anual Realiza compra no valor de x através de cartão de crédito Estabelecimento Comercial x td (td = taxa de desconto) Bandeira Figura 3 Fluxo de taxas em uma cadeia fechada x + taxa anual Portador Realiza compra no valor de x através de cartão de crédito Estabelecimento Comercial (x-ti) td (td = taxa de desconto) Emissor x ti (ti = taxa de intercâmbio) Credenciadora Figura 4 Fluxo de taxas em uma cadeia aberta

14 3 TEORIA DOS MERCADOS DE DOIS LADOS Para uma análise minuciosa do mercado em questão faz-se necessário conhecer suas principais características. Uma das especialidades mais importantes dessa indústria é a presença de externalidades de rede e a duplicidade de lados (mercado de dois lados). Este capítulo busca ressaltar a importância de se considerar essas duas características ao proceder a qualquer análise econômica desse setor. Antes de se chegar à definição mais específica de externalidade de rede, é necessário tomar conhecimento do conceito mais amplo de externalidade. Essa ocorre quando a produção ou consumo de um bem por um agente influencia o bem estar de outro que não está envolvido nessa ação. Além disso, é necessário que não haja mercado para esse bem (Varian, 000). As externalidades podem ser negativas ou positivas. Exemplos clássicos de externalidades são: poluição (externalidade negativa, produção por uma das partes impõem custos sobre outra) e educação (externalidade positiva, consumo por alguém beneficia o resto da população). Não há mercado para a poluição nem para o benefício gerado a terceiros pela educação e isso impede que sejam feitas alocações eficientes, já que as externalidades não são refletidas via preços. Dessa forma, é necessário proceder à internalização das externalidades através de uma tentativa de imitação do mecanismo do mercado. O teorema de Coase diz que é possível a internalização das externalidades por meio de uma negociação entre as partes envolvidas desde que algumas condições sejam observadas. É necessário que poucos agentes estejam envolvidos (quanto mais pessoas mais difícil um consenso), que os direitos de propriedade

15 estejam bem estabelecidos e que os custos de transação sejam desprezíveis (Coase, 1960). O conceito mais restrito, a externalidade de rede, é configurado quando o valor de um bem para uma pessoa depende diretamente da quantidade de pessoas que adotam o mesmo bem, como é o caso, por exemplo, do aparelho celular. O aparelho é inútil e não tem valor quando esse consumidor é o único a possuir tal instrumento, já que sua função, que é permitir a comunicação com outras pessoas, fica completamente limitada. Por outro lado, quanto maior a quantidade de usuários desse instrumento mais útil e mais valioso é o aparelho, que agora permite a comunicação com um amplo número de agentes. Esse é um tipo de externalidade direta. A indústria de cartões de crédito provê um exemplo do efeito indireto: não há razão para que um estabelecimento comercial adote esse sistema de pagamento em um mercado onde ninguém possui cartão de crédito. Por outro lado, não há motivo para possuir um cartão de crédito se nenhum estabelecimento comercial aceitá-lo. Assim, a demanda de cartões de crédito depende do número de estabelecimentos que o aceitam que, por sua vez, dependem do número de portadores desse instrumento. O número de portadores de cartão de crédito também depende do número de estabelecimentos comerciais que adotam essa forma de pagamento, configurando o efeito de rede (Tirole, 1990 e Varian, 000). Segundo Rochet e Tirole (004) e Evans (003a), a maioria dos mercados que apresentam externalidades de rede são caracterizados pela presença de dois lados distintos que gozam de benefícios ao interagirem através de uma plataforma comum, a qual internaliza as externalidades. Isso é fácil de ser visualizado no setor aqui discutido. Os lados desse mercado são: os consumidores que utilizam cartão de crédito para realizarem suas compras de bens e serviços e os estabelecimentos

16 comerciais que aceitam tais cartões. Como já mencionado, não há razão para existência de um desses lados dada a inexistência do lado oposto. Outros mercados podem ser apresentados para exemplificação: vídeo-games, como Atari e Play Station, que precisam atrair jogadores para incentivar a criação de jogos adequados às suas respectivas tecnologias, e da mesma forma precisam de jogos para que jogadores escolham seus consoles; sistemas operacionais, que precisam ao mesmo tempo, dos desenvolvedores de aplicativos e dos usuários; operadoras de TV por assinatura, que trabalham para usuários e provedores de conteúdo; agências de empregos, que fornecem para empregados e empregadoras, etc. A teoria de mercado de dois lados deve ser bem formalizada a fim de se evitarem generalizações. A apresentação até aqui exposta permite uma boa caracterização, mas não é suficientemente restritiva. A teoria de mercado de dois lados está relacionada com a teoria de externalidade de rede e de precificação de múltiplos-produtos. Daquela toma o princípio de que há externalidades não internalizadas entre os agentes (esses não internalizam o impacto do seu uso do bem ou serviço sobre o bem estar de outros consumidores) e desta toma emprestado a noção da estrutura de precificação. Um mercado é considerado de um lado quando o volume de transações é função apenas do nível agregado de preços (price level). Em outras palavras, se t A é a taxa cobrada do lado A do mercado, e t B é a taxa incorrida pelo lado B, o volume (V) de transações depende apenas do nível agregado de taxas: T = t A + t B ou seja, o volume de transações é insensível à re-alocação do preço total entre os consumidores. De forma contrária, se o volume é em função do preço relativo entre os agentes, isto é, da estrutura de preços (price structure), o mercado é de dois

17 lados. De outra forma, V varia quando t A e t B variam enquanto T permanece constante (Rochet e Tirole, 004). Outra condição necessária, mas não suficiente, para que o mercado seja considerado de dois lados é que o Teorema de Coase não se aplique ao mercado em análise, ou seja, a negociação direta entre os agentes não tem eficácia na internalização das externalidades. Segundo Varian (000), os problemas práticos com externalidades geralmente surgem devido à má definição dos direitos de propriedade, e é exatamente o que ocorre aqui. Mais precisamente, ambas as partes, consumidores e vendedores, avaliam de forma diferente os ganhos provenientes da transação. A presença de informação imperfeita impede, então, o sucesso da negociação entre as partes. Com o mercado de cartões de crédito bem caracterizado, é possível analisálo de acordo com a teoria exposta. Segundo Rochet e Tirole (003a, 003b), a estrutura de precificação é a chave para o sucesso de uma plataforma atuante em um mercado de dois lados e por isso merece especial atenção. A indispensável atração de ambos os tipos de consumidores torna necessário um sistema de incentivos. De forma a melhor explicitar a importância de tal sistema, utilizar-se-á as abordagens de Wright (004) e Evans e Schmalensee (005b), que exemplificam com um tipo de indústria muito simples, a de danceterias, que buscam atrair homens e mulheres, que por sua vez desejam interagir. Até um certo limite, homens preferem danceterias freqüentadas por mais mulheres e vice-versa, ficando, então, configurada a presença de externalidades de rede. Para atrair clientes, as danceterias precisam atrair ambos os sexos. Para isso, é comum um sistema de pagamentos no qual são cobradas diferentes taxas para cada sexo onde, geralmente, são beneficiadas as mulheres que, quando são

18 cobradas, pagam uma taxa bem inferior a dos homens. Dessa forma, a danceteria consegue atrair um maior número de clientes, talvez devido à maior preocupação dos homens com o número de mulheres do que o contrário. Pelo exposto, fica claro que o sistema de taxação de tais mercados não necessariamente é reflexo de sua estrutura de custos. O custo de servir a um homem ou mulher adicional é praticamente igual. A taxação, então, não deve levar em consideração apenas os custos relativos, mas também o excedente gerado para o homem quando mais uma mulher é atraída para a danceteria e vice-versa. Sendo o excedente obtido pelo homem quando mais uma mulher é atraída maior do que a situação inversa, é natural que uma estrutura eficiente de preços subsidie a entrada da mulher a partir de uma maior cobrança para homens. Rochet e Tirole (003a) se referem aos agentes como centro de lucro, que no caso é o homem, e centro de perda (ou, no máximo, financeiramente neutro), a mulher. Outros determinantes da estrutura de preços, segundo Rochet e Tirole (003a, 003b, 004), são as elasticidades-preço da demanda de ambos os lados, o poder de mercado das empresas intermediárias (no caso do presente estudo, as administradoras e credenciadoras) e a competição no mercado (a presença de multi-homing, por exemplo). Como a decisão de taxação da danceteria, deve também a bandeira determinar o quanto cobrar de portadores e de estabelecimentos comerciais autorizados. Essa decisão é simples para o caso de cadeias fechadas (como a American Express), que lida diretamente com os dois lados do mercado. A bandeira estabelece ambas as taxas conforme toda explanação feita de precificação, de forma a maximizar a receita com o volume de transações realizadas. Segundo Evans (003a e 003b), a maior parte da receita de tais cadeias é proveniente dos

19 estabelecimentos comerciais, mais especificamente, através da porcentagem cobrada sobre cada transação, configurando um centro de lucros. Já os consumidores nem sempre arcam com taxas e freqüentemente recebem bônus, como uma forma de incentivo ao ingresso no sistema, sendo, pois, o centro de perdas. A determinação da estrutura ótima de cobrança das cadeias abertas é mais complicada, já que essa não lida diretamente com seus consumidores finais, não determinando as taxações a esses. As instituições responsáveis por isso são as credenciadoras e as administradoras. Como forma, portanto, de estabelecer um sistema ótimo, a bandeira estabelece a taxa de intercâmbio. Essa é uma transferência da credenciadora para a administradora que ocorre sempre que o portador realiza uma compra com o cartão de crédito. A taxa de intercâmbio é um custo para as credenciadoras e uma receita para as administradoras. Um aumento dessa taxa, então, aumenta o custo das credenciadoras, as quais repassam esse aumento para os estabelecimentos, cobrando uma maior porcentagem por transação. No caso das administradoras ocorre o inverso, o aumento é respondido com uma diminuição das taxas cobradas aos portadores, incentivando o uso de cartões de crédito e aumentando o montante recebido por esta. Pode-se concluir, por fim, que a taxa de intercâmbio é o instrumento da bandeira para estabelecer um sistema ótimo de preços para portadores e estabelecimentos. Se a bandeira deseja que seja praticada uma alta taxa para o estabelecimento e uma baixa para o portador, deverá manter uma alta taxa de intercâmbio. Se o desejo é o inverso, alta taxa para o portador e baixa para o estabelecimento, determinará uma baixa taxa de intercâmbio. A taxa de intercâmbio

0 é o instrumento da bandeira para determinar o volume ótimo de transações e maximizar sua receita. Existe uma ampla discussão no mundo todo a respeito da regulação das taxas de intercâmbio 10. Esse debate é promovido pelos lobbies de vendedores, os quais acreditam que essas estão muito altas e deveriam ser reduzidas, diminuindo assim a taxa de desconto dos vendedores. Por outro lado, estudos teóricos argumentam que essa queda causaria um aumento das taxas cobradas dos consumidores, reduzindo os incentivos para a utilização de cartões de crédito por estes (Rochet e Tirole, 004; Simon, 005). Essa situação evidencia o problema de informação anteriormente mencionado e a impossibilidade de negociação direta entre as partes para a internalização das externalidades. 10 Ver mais em Evans e Schmalensee (005a).

1 4 A REGRA DE NÃO DISCRIMINAÇÃO DE PREÇOS Um assunto muito debatido no mundo todo, tanto em órgãos de defesa da concorrência como do consumidor, é a legalidade da cobrança diferenciada para compras pagas com cartão de crédito. A jurisprudência brasileira, frente a várias reclamações acerca de cobranças diferenciadas, afirma ser tal conduta ilegal, argumentando lesão ao consumidor, ou seja, a posição dessa é favorável à homogeneização dos preços, à não discriminação de preços. Porém, essa percepção é contrária à tendência dos países desenvolvidos, que agem no sentido de proibir as cláusulas dos contratos entre credenciadoras e estabelecimentos comerciais que vedam a diferenciação de preços entre formas de pagamento 11. O objetivo desse capítulo é comparar a situação da adquirente, que impõe tal regra, e dos consumidores, com e sem a discriminação de preços. Para isso, utilizar-se-á um modelo de teoria dos jogos, que permitirá inferir sobre o malefício ou benefício de tal regra, principalmente sobre os consumidores, o lado mais fraco na cadeia, e a quem a justiça se propõe a defender. É possível, a princípio, deduzir algumas conseqüências da regra de não discriminação. Sabe-se que a decisão de precificação dos comerciantes é feita de tal forma que cubra todos os seus custos e ainda lhe assegure uma margem de retorno. Um dos custos embutido nos preços dos bens e serviços é o do meio de pagamento que, como mencionado antes, é muito superior no caso de cartões de crédito se comparado ao de outros meios, como cheque, dinheiro ou cartão de débito. Esse 11 Tais contratos proíbem que os estabelecimentos cobrem mais de um consumidor que deseja pagar com cartão de crédito do que cobrariam para qualquer outro meio de pagamento. Porém não são proibidos descontos para pagamentos realizados com dinheiro, o que parece ser o caso da guerra de preços entre os postos de gasolina de Brasília.

custo, assim, é repassado para todos consumidores na forma de preços mais altos. Fica evidente, dessa forma, o problema quando a discriminação de preços é proibida: todos os consumidores, não só aqueles que utilizam cartão de crédito, arcam com tais custos, de modo que esse é rateado entre todos eles, caracterizando um subsídio cruzado do consumidor que não utiliza cartão de crédito para aquele que o faz (Gans e King, 003; Simon, 005; Chang, Evans e Swartz, 005). Para um melhor embasamento, faz-se mister a utilização de um modelo mais formal. A seção seguinte se propõe a modelar o jogo, ou seja, traduzir o jogo da forma real para a linguagem da lógica formal. Concluída essa etapa, passa-se a discutir a solução do jogo. 4.1 Modelagem 4.1.1 Agentes O jogo desenvolvido evidencia a interação estratégica entre três tipos de agentes: a adquirente (ou credenciadora), o vendedor e o consumidor. A adquirente, que, por hipótese simplificadora, é considerada monopolista, define a taxa de desconto cobrada dos vendedores e decide pela possibilidade ou não de discriminação de preço. Essa decisão pode ser por vontade própria ou por imposição legal. O vendedor, também considerado monopolista em seu mercado, decide se aceita ou não o cartão e estabelece os preços de venda, conforme a possibilidade de discriminação de preços e sua decisão de aceitar ou não pagamentos com cartão de crédito. O vendedor incorre em um custo unitário por produto (preço de compra) e também no custo do meio de pagamento (o custo do dinheiro é considerado nulo ou, de outra maneira, o custo do cartão de crédito é relativo ao do dinheiro,

3 representado, assim, apenas o adicional). Esse incide apenas sobre compras realizadas com cartão de crédito. Os consumidores, por fim, decidem o quanto comprar ao preço estabelecido. Os consumidores se dividem em dois tipos. O primeiro tipo não possui cartão de crédito por motivo de restrição orçamentária. Sua função de demanda é: d( p) = a p É representada graficamente pela seguinte reta: P a p x = a-p a Q Figura 5 Curva de demanda inversa do consumidor de baixa demanda Sua utilidade é representada pelo seu excedente, que como facilmente observado no gráfico, toma a forma: ( a p) EXC = O segundo tipo de consumidor é portador de cartão de crédito e pode optar por sua utilização. Se comprar em dinheiro tem a mesma demanda e utilidade do consumidor do tipo 1. Já com o cartão de crédito, desfruta da vantagem de financiamento livre de taxas de juros até a data de pagamento da fatura do cartão. Essa facilidade implica em que sua demanda aumente para: D( p) = A p, em que A> a.

4 Sua representação gráfica é similar à curva de demanda inversa mostrada na figura 5, porém com um deslocamento para a direita. Os interceptos vertical e horizontal passam a ser A. Sendo assim, sua utilidade é o novo excedente do consumidor: ( A p) EXC = 4.1. Interação estratégica O jogo se inicia no nó de decisão rotulado t 1, como observado na figura 6, onde a adquirente (Ad) opta por uma taxa de desconto (t) a ser cobrada do vendedor (V). Note que a existência de curvas pontilhadas na seta de decisão da adquirente representa a existência de uma infinidade de escolhas possíveis para t. Dada essa escolha, o vendedor, no nó t, decide se aceita (s) ou não (n) o cartão de crédito. Se decidir não aceitar o cartão, o vendedor escolhe um preço ( p%) e só trabalha com consumidores de baixa demanda d( p) = a p. Esses, observando o preço cobrado, decidem o quanto consumir (d). O outro caminho a ser seguido é fruto da decisão de aceitação do cartão de crédito por parte do vendedor. Sendo assim, no nó t 3, o mesmo escolhe os preços p para venda em dinheiro e p para pagamentos com de cartão de crédito. Observe que caso a regra de não discriminação de preços esteja ativa, p deve ser igual a p. No nó t 5 ocorre um evento aleatório. Nessa modelagem costuma-se dizer que a natureza (N) representa um fenômeno estocástico, portanto, não estratégico. Com probabilidade π o vendedor se depara com um consumidor de alta demanda, o qual escolherá utilizar dinheiro ou cartão de crédito. Com probabilidade (1 π ) o consumidor é do tipo 1, de baixa demanda.

5 t 1 Ad t V s t n N V ( p, p ) t 3 t 4 t 5 t 6 V p% C C A a { π } {1 π} t 7 t 8 C d D d d πtd ( p c t) D EXC( p, D) 0 ( p cd ) EXC( p, d) 0 ( p cd ) EXC( p, d) 0 ( p% cd ) EXC( p, d) % Figura 6 Jogo na forma extensiva As conseqüências do jogo, denominadas pay-off nessa modelagem, dependem da combinação de decisões de cada agente. O pay-off da adquirente vai depender da aceitação e utilização do seu cartão de crédito. Se o cartão for aceito pelo vendedor e usado pelo consumidor, seu lucro será de t multiplicado pela demanda final com cartão de crédito. Caso contrário, seu cartão não será utilizado e sua receita será nula. A vontade, portanto, desse agente é maximizar essa função de lucro. O resultado de interesse para o vendedor será seu lucro, definido pelo

6 mark-up (preço menos custos) multiplicado pela demanda. Por fim, o pay-off para o consumidor é representado pelo seu excedente, conforme já visto. 4. Solução O processo de solução adotado é o de indução retroativa e será dividido em dois casos. O primeiro caso parte da suposição de que a diferenciação de preços é permitida, ou seja, não há a regra de não-discriminação de preços. Essa regra estará ativa no segundo caso. 4..1 Solução com diferenciação de preços Esse caso será separado em dois subcasos. O primeiro considera um ambiente de informação completa, ou seja, o vendedor consegue diferenciar totalmente seus clientes, distinguindo portadores de cartão de crédito de não portadores. Sendo assim, o vendedor decide por um preço p para que o consumidor possuidor de cartão utilize-o, aproveitando, portanto, sua alta demanda. Dessa forma não existirá a aresta d do nó t 7. O segundo subcaso supõe um ambiente de informação incompleta, onde o vendedor não consegue diferenciar seus clientes. 4..1.1 Informação completa Em t 8 o consumidor de baixa demanda escolhe o quanto consumir. Sua decisão é dependente do preço p estipulado pelo vendedor e dada por: Seu pay-off será: d = a p. (1) ( a p) EXC1( p, a p) =. ()

7 demanda) de: O vendedor terá lucro (l, representando o lucro com o consumidor de baixa l = (1 π )( p c) d = (1 π )( p c)( a p). (3) Em t 7 o consumidor de alta demanda escolhe, de forma análoga ao caso anterior, o seguinte consumo: tendo como pay-off : D= A p, (4) ( A p) EXC( p, A p) =. (5) O vendedor realiza lucro de: L= π ( p c t) D= π ( p c t)( A p) (6) Em t 3 o vendedor escolhe p e p de forma a maximizar seu lucro. Seu problema, então, é: max (1 π )( p c)( a p) + π ( p c t)( A p). pp, Observe que na verdade têm-se dois problemas de maximização distintos, já que as variáveis p e p são independentes. A aplicação da condição de primeira ordem gera o seguinte resultado: A + c+ t p = (7) a+ c p = (8) Substituímos os resultados em (3) e (6) para encontrar o lucro esperado do vendedor: A + c + t A + c + t L l c t A (1 ) a + π π c c a a + c + = + A c t π (1 π) a c = + Em t 6 o consumidor do tipo 1 consome: (9)

8 d = a p, % (10) seu excedente será de: ( a p% ) EXC( p%, a p% ) =, (11) gerando lucro para o vendedor de: l % = ( p % c)( a p % ). (1) Em t 4 o vendedor maximiza seu lucro dado que todo seu mercado será composto de consumidores de baixa demanda. Seu problema, então, é: max ( p% c)( a p% ), p% Esse problema é solúvel pela aplicação da condição de primeira ordem: a+ c p% =. (13) Aplicando o resultado na função de lucro (1): a c a c a c l % + + = c a = (14) Em t o vendedor deve decidir, baseado em seus lucros esperados, se aceita ou não o cartão de crédito. Se (9), o lucro dado que o vendedor aceita cartão de crédito, for maior que (14), lucro com rejeição ao cartão, então a decisão será pela aceitação. Comparando os termos tem-se: A c t (1 ) a c π π a c + > t < A a. Portanto, o vendedor escolherá: s se t A a (15) n se t > A a Por fim, em t 1 a adquirente escolhe a taxa de desconto a ser cobrada do vendedor. Se esse escolher s em t o lucro da adquirente será: Ad L = πtd( p) = πt( A p). (16) Substituindo (7) em (16):

9 Ad A+ c+ t A c t π A c L = πt A = πt = t + π t. Claramente, seu lucro L Ad, função da própria taxa cobrada t, se comporta como uma parábola com concavidade voltada para baixo, como mostrado na figura 7. A condição de primeira ordem define o ponto máximo da função, que se dá quando: A c t =. (18) A função está definida no intervalo [0, A c], as raízes do problema. Sendo assim, uma taxa t menor que zero ou maior que A c geraria lucros negativos. Entretanto, existe uma restrição de participação por parte do vendedor, como visto em (15). É necessário então verificar se o t escolhido satisfaz essa condição: A c A a A a c. (19) A análise, então, novamente se subdivide em casos. O caso 1 continua partindo do pressuposto de que a desigualdade é satisfeita. O caso analisa a situação inversa. (17) L Ad A-c A-c t Figura 7 Representação gráfica da função de lucro da adquirente

30 4..1.1.1 Caso 1 Restrição de participação inativa Nesse caso o argumento que maximiza a função de lucro da adquirente é menor do que a restrição de participação do vendedor, ou seja, a condição (19) é satisfeita. A interpretação dessa condição é que a demanda do consumidor do tipo é fortemente aumentada pelo uso do cartão. Sendo assim, a restrição de participação do vendedor é inativa, de forma que a adquirente escolhe a taxa definida em (18). Tem-se, assim, por (15), que o vendedor escolhe aceitar o cartão de crédito. O preço final para o consumidor de alta demanda pode ser definido substituindo (18) em (7). O resultado é: 3A+ c p =. (0) 4 Todos os pay-offs podem agora ser definidos substituindo (0) em (5), e (18) em (9) e (17). Os resultados são: 1 a c EXC1 = EXC 1 A c = 8 A c L l π (1 π) a c + = + 4 Ad π A c L = (1) () (3) (4) 4..1.1. Caso Restrição de participação ativa Esse é o caso oposto ao anterior, onde a restrição de participação do vendedor não é satisfeita com a taxa t definida em (18) (A desigualdade (19) não é satisfeita). Isso significa que a demanda do consumidor de tipo não é tão

31 fortemente aumentada pelo uso do cartão de crédito. Sendo assim, como é sempre melhor para a adquirente estabelecer uma taxa aceitável para o vendedor (caso contrário seu lucro é zero) 1, a mesma escolherá a maior taxa aceitável possível, caso em que a restrição de participação do vendedor é ativa. Então t é definido como: t = A a (5) Observe que, Como se supõe que A< a c, o valor acima está dentro do intervalo definido para t. Substituindo (5) em (7), tem-se que o preço para o consumidor de tipo é: a c p = A (6) A partir desse resultado podemos encontrar todas as conseqüências relevantes para a análise. Basta substituir (6) em (5), e (5) em (9) e (17), como mostrado a seguir: 1 a c EXC1 = EXC 1 a c = (7) (8) a c L+ l = (9) Ad π L = ( A a)( a c) (30) 4..1. Informação incompleta A presença de informação incompleta no modelo implica em uma incapacidade de o vendedor identificar se seus clientes possuem ou não cartão. Dessa forma o comprador do tipo pode escolher entre usar cartão ou dinheiro no 1 Nos limites do intervalo definido para o mesmo.

3 momento da compra. O modelo é alterado com a reintrodução da aresta d no nó t 7 do jogo. Nessa aresta, no entanto, a solução é idêntica à do nó t 8, já que os pay-offs resultantes são iguais. Basta, então, descobrir qual meio de pagamento esse consumidor escolherá, ou seja, qual oferecerá uma maior utilidade para esse agente. Essa análise será feita comparando os excedentes dos consumidores, cuja solução também permitirá concluir se existe problema de seleção adversa, ou seja, se algum tipo de consumidor, se possível, terá incentivo a se passar pelo outro. É necessário, então, considerar os dois casos analisados. 4..1..1 Caso 1 Restrição de participação inativa Nesse caso a comparação é feita entre (1) e (): 1 A c 1 a c A a c, 8 o que é sempre verdade nesse caso. Isso significa que o excedente do consumidor do tipo é maior do que o do consumidor do tipo 1. Isso é simples de ser interpretado. O cartão de crédito permite um financiamento sem custo. Como mencionado antes, não são cobrados juros sobre o capital financiado por um pequeno período (geralmente um mês). Assim, em vez de gastar dinheiro, o consumidor pode poupar o montante e receber juros sobre ele até o momento da liquidação da fatura. Porém não há problema de seleção adversa, já que o consumidor do tipo 1 quer, mas não consegue se passar pelo de tipo.