Cenários e desafios da práxis psicológica no sistema prisional: ética e compromisso social Pedro J. Pacheco
O que é a Psicologia? Georges Canguilhem (1904 1995) O que é a Psicologia? Muito vulgarmente que a filosofia coloca para a psicologia a questão: dizei- me em que direção tendes, para que eu saiba o que sois? Mas o filósofo pode também se dirigir ao psicólogo sob a forma de um conselho de orientação, e dizer: quando se sai da Sorbonne pela rua Saint-Jacques, pode-se subir ou descer; se se sobe, aproxima-se do Pantheon, que é o Conservatório de alguns grandes homens, mas se se desce dirige-se certamente para a Chefatura de Polícia. Canguilhen, G. O que é a Psicologia? In: Epistemologia. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, n. 30/31, jul./dez., 1972.
Como a Psicologia foi se constituindo como ciência e profissão? Questão epistemológica: em que se funda a pretensão científica da prática psicológica? Nos entre-lugares da ciência. A ciência do próprio sujeito que conhece pretensão de formular uma verdade sobre o sujeito cognocente psicologia experimental e objetiva. Questão metodológica: método das ciências físico-naturais (experimental), buscando desvelar (revelar) a subjetividade, a interioridade humana.
Verdades sobre o sujeito? Onde está? Ciências psi: sempre prometeram algo que não puderam dar: a objetividade do que é da ordem da incerteza humana e da fluidez do mundo. A Psicologia não conseguiu realmente explicar aquilo que não é explicável, que não é matematizável, que não é natural. sujeito humano é temporal, discursivo, relacional, incompleto, plural, diverso e disperso, paradoxal, contraditório e líquido. O
Psicologia e Sistema Penal Psicologia e Criminologia: ideal de ordenação positivista e racionalização cartesiana, buscando explicar e compreender os desvios (crime) através da criação de métodos quantitativos de aferição do interno humano (Lombroso e testes psicológicos). Sujeito jurídico e psicológico se encontram na razão cartesiana com fins positivistas; Personalidade criminosa: ininputabilidade, periculosidade, predisposição hereditária, biografia, meio social ou constituição física.
Avaliações psicológicas com pretensões objetivas que sustentariam verdades internas produzidas a fim de subsidiar decisões judiciais. Psicologia e Justiça: tradicionalmente uma relação de subserviência enquanto objeto de estudo, causando uma judicialização da psicologia.
Práticas discursivas do psicólogo na execução penal Exclusivamente avaliativa, diagnóstica e classificatória CTC. Avaliação do sujeito e não da subjetividade. Desconsideração das questões macrossociais, culturais, históricas e institucionais. Questão ética: postura de julgamento e moralista (juízes secundários), inviabilizando o princípio da ampla defesa, da privacidade e da contraditoriedade. Distanciamento dos direitos humanos e das singularidades humanas.
Questões atuais: - Criminalização penal; da pobreza e seletividade - Política de eliminação dos jovens, dos pobres, dos desviantes da ordem; vidas nuas de direitos; direito penal do inimigo; - Sociedade maniqueísta; - Fracasso da prisão.
Possíveis direcionamentos: Onde que a psicologia pode contribuir para a promoção da vida? Não neste lugar que sempre ocupou. Problematizando o secular sistema jurídico e especialmente a lógica penal contemporânea. Fim das concepções binárias: interno-externo externo; sujeito-objeto; indivíduo-coletivo coletivo.
Dando mais atenção às políticas de atendimento, de escuta, de acolhimento (não compulsórias). Clínica da resistência criando espaços para a livre expressão da diversidade humana, principalmente através da fala, potencializando a autonomia do sujeito. Aproximação com as políticas públicas, especialmente com a saúde, saúde mental (movimento anti-manicomial) e assistência social. Se posicionando contra a manutenção do encarceramento humano e se problematizando constantemente.
a Psicologia Jurídica surgiu de um chamamento ao ingresso do psicólogo em áreas originalmente destinadas às práticas jurídicas. Essa demanda coloca exigências específicas, ditadas pelo Direito, mas é mister admitir que o ingresso da Psicologia no mundo jurídico precisa encontrar seu motor próprio, já que sua impulsão advém de um compromisso com o sujeito que é, por excelência, de outra ordem. Ester Arantes in: Brandão, E. P. & Gonçalves, H. S. (orgs.) Psicologia Jurídica no Brasil. Rio de Janeiro: NAU Ed. 2004