Uso de Tecnologias do Cuidar na Promoção da Saúde do Adolescente Cícera Patrícia Mendes de Sousa¹,³ Felice Teles Lira dos Santos¹, Lucas Dias Soares Machado¹, Patrícia Kelly Lopes Angelim¹, Gláucia Margarida Bezerra Bispo². ¹ Acadêmicos do Curso de Enfermagem da Universidade Regional do Cariri URCA; Integrantes do Grupo de Pesquisa de Saúde Coletiva GRUPESC. ² Professora Mestre da Universidade Regional do Cariri ³ e-mail: patxmendx@hotmail.com CRATO, CE 2012
Introdução A adolescência é considerada uma fase complexa do desenvolvimento humano, onde o ser humano está dividido entre os limites da dependência infantil e da autonomia do adulto. Envolve desde a evolução do desenvolvimento cognitivo até o florescimento pleno das faculdades mentais e engloba as transformações da sexualidade e suas vicissitudes até a sua maturidade¹. Engloba os indivíduos na segunda década de vida, dos 10 aos 19 anos, de acordo com a Organização Mundial da Saúde, e dos 12 aos 18 anos, de acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente Lei nº 8.069. A atenção integral, compreendendo a promoção da saúde, na adolescência se faz extremamente necessária, haja vista todas as mudanças biopsicossociais por que passam os adolescentes e seus familiares, trazendo necessidade de intervenções que vão além das questões biológicas e pontuais. Essas mudanças são vivenciadas de maneira diversa nos diferentes contextos e os fragilizam, tornando-os vulneráveis a muitas situações e agravos¹. Nesse contexto, ergue-se a promoção da saúde, definida na carta de Ottawa, documento originado a partir da I Conferência Internacional sobre promoção da saúde, em 1986, como o processo de capacitação da comunidade para atuar na melhoria da sua qualidade de vida e saúde, incluindo uma maior participação no controle desse processo². Consiste em um modo de pensar e operar articulado às demais políticas e tecnologias desenvolvidas no sistema de saúde brasileiro, contribuindo na construção de ações que possibilitam responder as necessidades sociais em saúde³. A promoção da saúde aponta determinantes e condicionantes da saúde, considerando sua influência sobre o bem estar pessoal e afirmando positivamente que os indivíduos e os grupos devem saber identificar aspirações, satisfazer necessidades e modificar positivamente o meio-ambiente, a fim de alcançar um completo bem-estar biológico, psíquico, social e espiritual. Para efetividade e eficácia da promoção da saúde, diversos setores sociais devem estar empenhados e mobilizados, tendo os profissionais e grupos sociais, assim como o pessoal de saúde, uma maior responsabilidade na mediação entre os diferentes, em
relação à saúde, existentes na sociedade³. Assim sendo, o/a profissional enfermeiro/a, é dotado de papel fundamental para efetivação da mesma, tendo intrínseco a sua profissão e desenvolvimento científico fatores que o faz essencial e demonstram sua relevância para realização deste intermédio. Podem ser considerados fatores favoráveis para a atuação do/a enfermeiro/a na promoção da saúde: capacidade de liderança; contato direto, convívio e criação de vínculo com a população bem como reconhecimento de suas necessidades e uso de tecnologias para qualificação da prática. Entende-se como tecnologia a habilidade em geral, o método, a maneira, o modo de fazer, e não apenas o produto material, complexo e inovador, como máquinas e ferramentas físicas, que nos é remetido ao primeiro contato com a terminologia. A palavra tecnologia deriva do substantivo grego τέχνη (téchne) que significa arte e habilidade. Essa derivação nos diz que a tecnologia é uma atividade essencialmente prática, tendo o objetivo de alterar mais do que compreender o mundo 4. No âmbito do cuidar, as tecnologias buscam contribuir para um atendimento aperfeiçoado, planejado e eficaz. Aplicando-se a promoção da saúde, as tecnologias do cuidar buscam envolver o individuo, tornando-o centro das ações e assistência, afirmando sua autonomia e demonstrando os esforços do serviço em ofertá-lo tudo o que lhe é direito, de acordo com a tríade que rege nosso sistema de saúde: universalidade, todos tem direito ao acesso à saúde; integralidade, o indivíduo deve ser atendido como um todo, abrangendo todas as suas necessidades; e equidade, que garante que o indivíduo será atendido de acordo com sua necessidade, tendo as ações a ele direcionadas, moldadas conforme vossa premência. As tecnologias do cuidar podem ser então, divididas em: leves, que são as tecnologias de relações do tipo produção de vínculo, autonomização, acolhimento, gestão como uma forma de governar processos de trabalho; leve-duras, como no caso dos saberes bem estruturados que operam no trabalho em saúde, como a clínica médica, a psicanalítica, a epidemiológica, o taylorismo e, duras, como no caso de equipamentos tecnológicos do tipo máquinas, normas, estruturas organizacionais 4. As tecnologias leves merecem destaque no cuidado de enfermagem, baseado na relação com o individuo, família e coletividade, sendo utilizadas constantemente no acolhimento personalizado, na empatia durante a assistência, na formação de vínculos, na capacitação e autonomização, princípio da promoção da saúde. O uso adequado das tecnologias leves é responsável pelo elo resistente de ligação entre os serviços e
profissionais de saúde e a população, visto que é necessário convocar, animar e mobilizar um grande compromisso social para assumir a vontade política de fazer da saúde uma prioridade. Considerando os aspectos mencionados, o presente estudo objetivou realizar uma revisão integrativa da literatura brasileira sobre os tipos de tecnologias que o enfermeiro tem desenvolvido ou que o mesmo poderia utilizar para a promoção da saúde do adolescente. Metodologia Foi adotado para alicerçar o estudo, o método de pesquisa da revisão integrativa. A revisão integrativa inclui a análise de pesquisas relevantes que dão suporte para a tomada de decisão e a melhoria da prática clínica, possibilitando a síntese do estado do conhecimento de um determinado assunto, além de apontar lacunas do conhecimento que precisam ser preenchidas com a realização de novos estudos 5. Difere-se de outros métodos de revisão, pois busca superar possíveis vieses em cada uma das etapas, seguindo um método rigoroso de busca e seleção de pesquisas; avaliação de relevância e validade dos estudos encontrados; coleta, síntese e interpretação dos dados oriundos de pesquisa 6. A revisão integrativa é o resultado de um processo sistematizado que consiste nas seguintes etapas: (1) identificação do tema e seleção da hipótese ou questão de pesquisa para elaboração da revisão integrativa; (2) estabelecimento de critérios para inclusão e exclusão de estudos/amostragem ou busca na literatura; (3) definição das informações a serem extraídas dos estudos selecionados/categorização dos estudos; (4) avaliação dos estudos incluídos na revisão integrativa; (5) interpretação dos resultados e (6) apresentação da revisão/síntese do conhecimento. Foi estabelecida a seguinte pergunta norteadora: Que tecnologias o/a enfermeiro/a tem desenvolvido ou mesmo poderia utilizar para realizar a promoção da saúde do adolescente?. Os critérios de inclusão adotados pelo presente estudo foram: possuir como temática a promoção da saúde do adolescente, ter o desenvolvimento ou uso de alguma tecnologia para promoção da saúde do adolescente em seu objeto de estudo, estar disponível gratuitamente na íntegra eletrônica e gratuitamente, publicações completas com resumos disponíveis em português na base de dados eletrônica Scielo, e ter a
publicação acontecido no período de 2003 a 2012 (últimos dez anos). Foram excluídos estudos duplicados e que não abordavam a temática. A busca dos artigos que iriam compor o estudo se deu através do uso dos seguintes descritores: promoção da saúde do adolescente, tecnologias em saúde adolescente e tecnologias em enfermagem adolescente. A busca foi realizada em maio de 2012, sendo encontrado um total de 148 artigos, dos quais 4 atendiam aos critérios de inclusão e exclusão do estudo (Tabela 1). Tabela 1 - Seleção dos artigos encontrados na base de dados Scielo. Crato, CE,2012. Descritores Artigos encontrados Artigos que atendiam os critérios de inclusão Tecnologias em Saúde - 4 1 Adolescente Tecnologias em 0 0 enfermagem - Adolescente Promoção da Saúde - 144 3 Adolescente Total 148 4 Os artigos selecionados foram selecionados após realização de leitura exaustiva de cada título e resumo confirmando se eles contemplavam a pesquisa norteadora do estudo. Resultados e Discussão Após o percurso metodológico descrito, os cinco artigos selecionados foram organizados em uma quadro (Quadro 1) de acordo com o ano de publicação, autor, periódico em que foi publicado, área de atuação dos autores e tipo de estudo adotado.
Ano Autor Periódico Área de Atuação dos Autores Tipo de Estudo 2011 Vânia de Souza 7 Revista da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo Enfermagem Qualitativo Intervenção e Investigação 2011 Beserra EP et al. 8 Ciência e Saúde Coletiva Enfermagem Qualitativo - Exploratório 2010 Harada et al. 9 Acta Paulista de Enfermagem Enfermagem / Medicina Relato de Experiência 2004 Edir Nei Teixeira Revista Brasileira de Enfermagem Qualitativo Mandú 10 Enfermagem Quadro 1. Distribuição das referências incluídas na revisão integrativa. Crato, CE, 2012. Verificou-se, em dois artigos, a presença de mais de um tipo de tecnologia, demonstrando a interligação entre os tipos de tecnologia em sua aplicação prática. Sabese que a recepção e acolhimento adequado estão relacionados ao compromisso com outro, entendendo o como um ser que busca seu completo bem-estar, sendo essa a engrenagem necessária para a execução de todo o processo seguinte, possibilitando a integração, inteiração e participação social, envolvendo-os como sujeitos ativos em sua saúde. A participação é entendida como um processo consciente, crítico, em que a mudança de comportamento para cuidar da saúde se dá pela aprendizagem sobre saúde, pelas habilidades aprendidas, pelo entendimento das condições de saúde articuladas ao
estilo de vida e como os serviços de saúde operam.¹¹ Assim, a acolhida projeta-se como primeiro passo para a participação e consequentemente adoção da promoção da saúde. Foram trabalhados seis tipos diferentes de intervenção, prevalecendo a tecnologia dura (66,6%), seguida pela tecnologia leve (33,3%), como demonstrado no Quadro 2, que distribui as referências utilizadas na revisão de acordo com o título do artigo, de acordo com a intervenção/tecnologia produzida pelo/a enfermeiro/a ou que pode ser utilizada por este e classificação da intervenção/tecnologia. Título do Artigo Intervenção/ Tecnologia Tipo de Tecnologia Adolescentes em cena: uma proposta educativa no campo da saúde sexual e reprodutiva 7 Teatro, jogos e outras atividades lúdicas Dura Pedagogia freiriana como método de prevenção de doenças 8 Acolhimento, fichas de cultura e círculo de cultura Leve e Dura O teatro como estratégia para a construção da paz 9 Vínculo e teatro Leve e Dura Consulta de Enfermagem na produção da saúde Acolhimento Leve sexual 10 Quadro 2. Distribuição das referências incluídas na revisão de literatura. Crato, CE, 2012. A atenção integral a saúde, compreendendo a promoção, prevenção, proteção e recuperação da saúde, está prevista legalmente na legislação do Sistema Único de Saúde SUS, estando inclusa a saúde do adolescente.¹² A criação da Estratégia de Saúde da Família consiste na reformulação da atenção básica, criando uma equipe multiprofissional responsável por uma quantidade mínima de indivíduos, garantindo a acessibilidade aos serviços de saúde, a equidade, integralidade e permitindo a participação social. As falhas nessa reformulação ainda são
evidentes, quando relacionadas a atenção integral ao adolescente, observando-se que estes ainda buscam a Unidade Básica de Saúde com intuitos apenas curativitas. A busca dos adolescentes pelo serviço de saúde ainda tem sido movida pela doença e seus fatores associados, fato que ressalta que o modelo médico assistencialista ainda se encontra como obstáculo à consolidação da atenção integral proposta pela Estratégia Saúde da Família.¹³ O uso de tecnologias para captação, acolhimento e criação de vínculo são estratégias favoráveis para a equipe de saúde envolver o adolescente garantir sua participação na produção da saúde. O uso de tecnologias leves esteve presente em 3 dos artigos estudados, sendo o acolhimento a principal escolha, favorecendo o bem-estar e a reflexão. O vínculo também foi utilizado, permitindo-se a discussão do cotidiano e a responsabilidade de cada um. Quanto ao uso de tecnologias duras, que também esteve presente em três estudos, foram utilizadas o teatro, fichas de cultura, círculo de cultura, jogos e outras atividades lúdicas. O uso de jogos e outras atividades lúdicas, possibilitaram a abordagem de temas previamente concebidos: conhecimento do corpo; tabus e mitos quanto ao sexo e à sexualidade; iniciação sexual; sexo seguro; e relações de gênero 7. O uso das fichas de cultura sugere um debate com suporte em figuras de situações da realidade do grupo, estimulando os educandos a pensar no seu mundo real e criticá-lo pelo diálogo 8. O mesmo estudo que fez uso das fichas de cultura utilizou ainda o círculo de cultura, que foi empregado para promover educação em saúde, pois se trata de uma metodologia que permite aos adolescentes dialogar abertamente sobre sua vida. O círculo de cultura favorece o aprendizado rápido, contextualizado à realidade dos educandos, existindo uma inter-relação que proporciona liberdade e crítica acerca do assunto abordado, resultando em um grupo mais participativo nos debates, diálogos e trabalhos, como também é utilizado como um itinerário de pesquisa 7. O teatro também foi utilizado em dois dos trabalhos analisados. A representação artística é uma ferramenta para transformação. Assim, as pessoas, ao usarem o teatro, têm acesso a um meio de experimentar, atuar e efetuar mudanças, tomando-se outros sem deixar de serem si mesmos, mudanças essas que ocorrem não só com os atores, mas também com o público 7.
A escolha da arte justifica-se pelo seu potencial na formação de novos tipos de subjetividade. O teatro, especificamente, aponta para experiências de formação nas quais os adolescentes estruturam sua subjetividade de forma autônoma e distante das definições pré-concebidas 9. O uso de tecnologias mostra-se efetivo no processo de empoderamento dos adolescentes, tornando-os capazes de cuidar da própria saúde e dos que estão ao seu redor. Considerações Finais Constatou-se que o uso de tecnologias para promover a saúde do adolescente vem sendo pouco estudada/publicada. Visto a necessidade de atualizações para a realização de práticas adequadas e para captação e atenção apropriada ao adolescente é relevante a pesquisa de novos métodos e desenvolvimento dos já existentes, aperfeiçoando assim a assistência. Embora não tenham sido citadas, entende-se que as tecnologias leve-duras estavam presentes, e deviam estar, na totalidade de artigos selecionados, visto que o conhecimento técnico-científico é necessário para guiar adequadamente as ações de saúde efetivando sua promoção. Deve-se ainda considerar a singularidade dos sujeitos, únicos em seu jeito de ser e existir, adaptando-se cada tecnologia as peculiaridades apresentadas. Referências ¹ RIBEIRO, Paulo César Pinho; CORDELLINI, Júlia Valéria Ferreira. Saúde na Escola. Guia para uma Adolescência Saudável. Disponível em: <http://www.saude.mg.gov.br/publicacoes/comunicacao-e-educacao-em- saude/cartilhas-de-educacao-em-saude/saude-na-escola/seg-05-0393- FOL%201.pdf> Acesso em 19/03/2012. ² OPAS. Carta de Ottawa. 1986. Disponível em < http://www.opas.org.br/promocao/uploadarq/ottawa.pdf> Acesso em 10/03/2012.
³ BRASIL. Política Nacional de Promoção da Saúde. Ministério da Saúde.3. ed. Brasília : Ministério da Saúde, 2010. 4 KOERICH, M.S.; BACKES, D.S.; SCORTEGAGNA, H.M.; WALL, M.L.; VERONESE, A.M.; ZEFERINO, M.T., et al. Tecnologias de cuidado em saúde e enfermagem e suas perspectivas filosóficas. Texto Contexto Enfermagem. Ed. 15. Florianópolis, 2006. 5 MENDES, K.D.S.; SILVEIRA, R.C.C.P.; GALVÃO, C.M. Revisão integrativa: método de pesquisa para a incorporação de evidências na saúde e na enfermagem. Texto Contexto Enfermagem. Ed. 17. Florianópolis, 2008. 6 SOUZA, M.T.; SILVA, M.D.; CARVALHO, R. Revisão integrativa: como é e como fazer. Einstein. Ed.8, 2010. 7 SOUZA, V. Adolescentes em cena: uma proposta educativa no campo da saúde sexual e reprodutiva. Revista da Escola de Enfermagem da USP. Ed. 45, 2011. 8 BESERRA, E.P.; TORRES, C.A.; PINHEIRO, P.N.C.; ALVES, M.D.S.; BARROSO, M.G.T. Pedagogia freiriana como método de prevenção de doenças.ciências e Saúde Coletiva. Ed. 16, 2011. 9 HARADA, M.J.C.S.; PEDROSO, G.C.; PEREIRA, S.R. O teatro como estratégia para a construção da paz. Acta Paulista de Enfermagem. Ed. 23, 2010. 10 MANDÚ, E.N.T.; Consulta de Enfermagem na Promoção da Saúde Sexual. Revista Brasileira de Enfermagem. Ed. 57. Brasília, 2004. ¹¹ MACHADO, Maria de Fátima Antero Sousa; VIEIRA, Neiva Francenely Cunha; SILVA, Raimunda Magalhães da. Compreensão das mudanças comportamentais do usuário no Programa Saúde da Família por meio da
participação habilitadora. Ciênc. saúde coletiva, Rio de Janeiro, v. 15, n. 4, jul. 2010. ¹² BRASIL. Lei nº 8.080 de 19 de setembro de 1990. Dispõe sobre as condições para a promoção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências. Casa Civil da Presidência da República do Brasil. Brasília, DF, 19 nov. 1990a. [online]. Acesso em 26 de outubro de 2010. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8080.htm >. Acesso em 19/03/2012. ¹³ VIEIRA, R.P.; MACHADO, M.F.A.S.; BEZERRA, I.M.P.; MACHADO, C.A. Assistência à saúde e demanda dos serviços na estratégia saúde da família: a visão dos adolescentes. Cogitare Enfermagem. Ed. 16, 2011.