UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALFENAS MG PRISCILA SAMPAIO JACQUES



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Transcrição:

1 UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALFENAS MG PRISCILA SAMPAIO JACQUES CELSO FURTADO: DISTRIBUIÇÃO DE RENDA E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO VARGINHA/MG 2014

2 PRISCILA SAMPAIO JACQUES CELSO FURTADO: DISTRIBUIÇÃO DE RENDA E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO Trabalho de Conclusão do Curso apresentado ao Instituto de Ciências Sociais Aplicadas da Universidade Federal de Alfenas - campus Varginha, como parte dos requisitos para obtenção do título de Bacharel em Ciências Econômicas com Ênfase em Controladoria. Orientador: Thiago Fontelas Rosado Gambi. VARGINHA/MG 2014

3 PRISCILA SAMPAIO JACQUES CELSO FURTADO: DISTRIBUIÇÃO DE RENDA E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO A banca examinadora abaixo-assinada, aprova o Trabalho de Conclusão do Curso apresentado como parte dos requisitos para obtenção do título de Bacharel em Ciências Econômicas com Ênfase em Controladoria pelo Instituto de Ciências Sociais Aplicadas da Universidade Federal de Alfenas - campus Varginha. Aprovada em: Varginha, 11 de fevereiro de 2014. Prof. Thiago Fontelas Rosado Gambi Prof. Daniel do Val Cosentino Prof. Michel Deliberali Marson

4 Resumo Este trabalho discute a relação entre distribuição de renda e desenvolvimento econômico no pensamento de Celso Furtado. Suas ideias sobre o desenvolvimento econômico são mundialmente conhecidas e respeitadas. Furtado sempre se preocupou com o desenvolvimento e superação do subdesenvolvimento por parte dos países da periferia do capitalismo. Durante um primeiro momento da sua obra, compartilhando das referências da Cepal, acreditou que a industrialização seria a grande responsável pela superação do subdesenvolvimento. A partir de 1960, ao sistematizar suas ideias a respeito do tema e conviver com a crise, a inflação e a estagnação da economia brasileira, percebe a centralidade de um problema estrutural da realidade das economias latino-americanas: a histórica má distribuição de renda e o fato de a industrialização por substituição de importações ter agravado o problema ao invés de solucioná-lo. Assim, passa a estabelecer a distribuição primária da renda como um elemento central da sua teoria do desenvolvimento econômico e da superação do subdesenvolvimento. Palavras-Chave: Distribuição de renda. Desenvolvimento econômico. Subdesenvolvimento. Problema estrutural. Industrialização.

5 SUMÁRIO 1. Introdução...06 2. Celso Furtado: Um painel geral de suas obras...08 2.1.Desenvolvimento e subdesenvolvimento...08 2.2.Crescimento e Desenvolvimento Econômico...12 2.3.Formação Econômica do Brasil: A questão do problema estrutural e a Distribuição de renda...14 3. Desenvolvimento e distribuição de renda pré-1960...18 3.1. A industrialização como superação do subdesenvolvimento...18 3.2.A crise dos anos 1960...22 4. Desenvolvimento e distribuição de renda pós-1960...32 4.1.A continuidade do subdesenvolvimento...32 4.2.A distribuição de renda como alternativa...38 5. Considerações Finais...45 Referências Bibliográficas...48

6 1. Introdução Por que Celso Furtado ocupa lugar tão importante no imaginário de grande parte dos economistas brasileiros? À primeira vista, a resposta mais simples seria dizer que a importância e a qualidade teórica dos seus escritos justificariam a sua importância. Mas não é só isso. Furtado foi um intelectual ativo e engajado politicamente. Não se restringiu a pensar os problemas e as soluções teóricas para eles, pôs-se à prática e participou intensamente da vida política brasileira até o golpe de 1964. Celso Monteiro Furtado participou de episódios importantes de nossa história e organismos fundamentais em sua época. No período de 1949 a 1957 foi diretor da Divisão de Desenvolvimento da Cepal (Comissão Econômica para a América Latina), quando retornou ao Brasil em 1950, presidiu o Grupo Misto CEPAL-BNDES. Esse foi um período importante em sua vida, pois essa experiência o ajudou a elaborar o esboço de um programa de desenvolvimento para a economia brasileira de 1955 a 1960, que serviu de base para o Plano de Metas. Em 1953 assumiu a diretoria do BNDE (Banco Nacional do Desenvolvimento) e em 1959, a pedidos do presidente Juscelino Kubitschek, criou a SUDENE (Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste). Já no governo de João Goulart, em 1962, foi nomeado o primeiro Ministro do Planejamento do Brasil, efetuando o Plano Trienal. O Plano Trienal foi uma importante experiência de Furtado no governo, que de certa forma vai manifestar a sua preocupação com a crise no início dos anos 60. Mais pra frente analisaremos melhor as metas desse Plano e seus resultados. Suas ideias foram se aperfeiçoando com o tempo, tendo se formado na década de 1950, com a sua participação na Cepal e com o ambiente desenvolvimentista brasileiro no momento. Ademais sua obra e pensamento sobreviveram e se adaptaram às transformações e problemas da economia mundial e brasileira ao longo dos anos 60, 70, 80 e 90. Na essência, suas ideias são de grande originalidade para se pensar os dilemas do nosso tempo. Nunca fugiu ao debate acadêmico ou se restringiu a pensar em questões globais. Seu pensamento sempre teve um compromisso com o Brasil e a América Latina, as causas do seu atraso e os instrumentos para seu desenvolvimento. Além disso, sempre dedicou uma atenção especial ao Nordeste e ao desenvolvimento regional. Seu pensamento social sempre percebeu nas desigualdades sociais e regionais um dos grandes impeditivos ao desenvolvimento brasileiro. Por isso, Furtado sempre ocupou e sempre ocupará um lugar especial entre os pensadores brasileiros. Foi um dos primeiros a pensar no Brasil e a buscar soluções para seus

7 problemas, em tempos que os economistas se preocupavam mais com o crescimento econômico do que com as pessoas. O desenvolvimento econômico sempre foi um tema de destaque em suas obras. A relação que Furtado estabelece entre o processo de desenvolvimento e a distribuição da renda é inovadora a partir de seus escritos nos anos de 1960. Sendo assim vamos analisar as principais obras e o pensamento de Celso Furtado, pretendendo abordá-la do ponto de vista do pensamento econômico brasileiro. A relação entre a distribuição de renda e o desenvolvimento econômico é um tema essencial para compreensão da realidade das economias subdesenvolvidas. Para o Brasil essa questão é fundamental. Furtado sempre se preocupou com o desenvolvimento e superação do subdesenvolvimento por parte dos países da periferia do capitalismo. Durante um primeiro momento, Furtado, compartilhando das referências da Cepal, acreditou que a industrialização seria a grande responsável pela superação do subdesenvolvimento. Duas importantes obras que expressam essa ideia do autor é o clássico Formação Econômica do Brasil (1959) e também o Desenvolvimento e subdesenvolvimento (1961). Em Formação Econômica do Brasil ele vai analisar os diversos ciclos da economia brasileira e seu processo de industrialização. Já em Desenvolvimento e subdesenvolvimento, Furtado vai afirmar que o subdesenvolvimento não é uma fase histórica comum a todos os países, e sim uma condição específica de uma parte do sistema capitalista. A principal discussão é o fato de que a formação de economias industriais no centro do sistema e de economias subdesenvolvidas na periferia serem aspectos de um mesmo processo. A partir de 1960, ao sistematizar suas ideias a respeito do tema e conviver com a crise, a inflação e a estagnação da economia brasileira, percebe a centralidade de um problema estrutural da realidade das economias latino-americanas: a histórica má distribuição de renda e o fato de a industrialização por substituição de importações ter agravado o problema ao invés de solucioná-lo. Estas questões começam a ser abordadas por Furtado em Subdesenvolvimento e Estagnação na América Latina (1968). Assim, passa a estabelecer a distribuição primária da renda como um elemento central da sua teoria do desenvolvimento econômico e da superação do subdesenvolvimento, esse pensamento podemos encontrar em Brasil: a construção interrompida (1992).

8 2. Celso Furtado: um painel geral de suas obras 2.1. Desenvolvimento e subdesenvolvimento Celso Furtado foi um dos primeiros a perceber que o problema da desigualdade da distribuição de renda no Brasil acabava inibindo o crescimento econômico e, consequentemente, o desenvolvimento do país, e tentou solucionar tal obstáculo. Tendo em vista que essa ideia é bem complexa e seria inviável analisar todas as obras de Furtado, vamos então selecionar apenas seus principais trabalhos que abordam tal assunto e obras de outros autores que trabalharam essa ideia de distribuição de renda e desenvolvimento econômico, em cima dos conceitos apresentados por Furtado. Furtado foi um dos responsáveis por enfrentar o desafio de oferecer uma nova interpretação da economia internacional e de alterar as estruturas do Brasil. Com novas ideias formuladas de que o subdesenvolvimento não era uma fase histórica comum a todos os países, mas sim uma condição específica de uma parte do sistema capitalista, e vendo que a formação de economias industriais no centro do sistema e de economias subdesenvolvidas na periferia eram aspectos de um mesmo processo, que Furtado escreveu Desenvolvimento e subdesenvolvimento (1961). Neste capítulo nos aprofundaremos em duas importantes obras de Furtado, Formação Econômica do Brasil (1959) e Desenvolvimento e subdesenvolvimento (1961). Em 1959 ao escrever Formação Econômica do Brasil, Furtado vai analisar os diversos ciclos da economia brasileira e seu processo de industrialização. Vamos primeiro entender o processo de desenvolvimento e de subdesenvolvimento, e depois em Formação Econômica do Brasil (1959), analisar a economia brasileira e compreender qual foi o problema estrutural que impediu o país de se desenvolver. Em Desenvolvimento e subdesenvolvimento (1961), temos uma teoria do desenvolvimento na ciência econômica na visão dos clássicos, marxistas e neoclássicos. Furtado apresenta a teoria do desenvolvimento econômico, explicando as causas e o aumento contínuo da produtividade do fator trabalho e suas repercussões na organização da produção e também na forma de como é distribuído e utilizado o produto social. Há um problema metodológico fundamental que é apresentado ao economista, a saber, definir o nível de generalidade em que é válida uma relação qualquer de valor explicativo. Ou seja, até que ponto podemos eliminar suposições simplificadoras que são incompatíveis com a realidade histórica sem invalidar a sua eficácia explicativa. Esse problema tem muita

9 importância para entendermos a teoria do desenvolvimento porque: a) não é possível eliminar o fator tempo e nem deixar de ter conhecimento à irreversibilidade dos processos econômicos históricos; b) não podemos ignorar as diferenças de estrutura entre as economias de diferentes graus de desenvolvimento. A economia aparece como uma ciência abstrata pois seu objetivo se limitou ao estudo da repartição do produto social, o qual começou a partir de David Ricardo. Quando se analisa o processo econômico do ponto de vista da distribuição do fluxo da renda social, são identificadas categorias que, por sua generalidade, permitem a análise em um nível elevado de abstração. E essa generalidade faz com que o analista crie coragem para tornar suas teorias formuladas com validade universal, e foi isso que Ricardo fez na sua teoria ricardiana da renda da terra. Adam Smith é outro economista que se preocupou com os problemas relacionados com o processo produtivo, mas que depois tal problema some das cogitações dos clássicos ingleses: por que cresce o produto social? Tal fenômeno tem como causa a divisão do trabalho. J.B. Say classifica os elementos da produção em três grupos: terra, trabalho e capital. Já os economistas da primeira metade do século XIX, Malthus e J.S.Mill, concluíram que no processo da acumulação de capital não existe a teoria do crescimento, mas sim o fato de que o desenvolvimento é um fenômeno transitório. No plano econômico, Karl Marx se esforça para identificar as relações de produção fundamentais do regime capitalista e para determinar fatores que atuam no sentido do desenvolvimento das forças produtivas, ou seja, os fatores que levam a superação desse regime. Já nos neoclássicos, temos Cassel afirmando que o estudo da origem dos bens materiais existentes e das forças que intervêm em sua criação nada tem a ver com a economia: é do domínio da história (apud FURTADO, 2009:59). Os economistas clássicos, em geral, concluíram que o fruto do trabalho de um grupo de pessoas é muito mais do que aquilo que necessitam para poderem sobreviver, e acaba sendo por este motivo que em qualquer sociedade a tendência é criar um excedente de produto social. Porém os clássicos viviam em uma época em que havia substituição de mão de obra por capital e a classe assalariada não tinha nenhuma possibilidade de usufruir desse excedente, pois ele era revertido para os empresários e proprietários de terra. Aproveitando

10 das ideias de Marx, surgiram os neoclássicos, com a ideia de inverter os termos desse problema ignorando a existência do excedente e tentaram demonstrar que cada fator receberá sua parte do produto. O processo de desenvolvimento pode ser realizado através de novas combinações dos fatores que existem num nível de técnica conhecida ou então através da introdução de novas técnicas. São desenvolvidas então, aquelas regiões em que, não havendo desocupação dos fatores, apenas é possível aumentar a produtividade a produção real per capita quando se introduz novas técnicas. Então, são subdesenvolvidas as regiões que a produtividade aumenta ou aumentaria se houvesse implantação das técnicas já conhecidas. Quando uma economia desenvolvida cresce é um problema de acumulação de novos conhecimentos científicos e de progressos na aplicação de tais. E quando uma economia subdesenvolvida cresce é um processo de assimilação da técnica que predomina na época. Em uma região cuja economia é subdesenvolvida existe uma deficiência na utilização dos fatores de produção, mas tal deficiência não é resultado de uma má combinação dos fatores existentes, o fato é a escassez do fator capital. Isso ocorre porque o fator mão de obra é desperdiçado devido ao fator capital ser insuficiente. Consequentemente, a produtividade média de um conjunto de fatores numa economia subdesenvolvida é menor do que numa economia desenvolvida. Isso acontece em razão da relação fixa dos coeficientes técnicos e também em razão do fato de que as tecnologias estão se desenvolvendo em função da disponibilidade de fatores e recursos dos países que lideram o processo de industrialização. Diante disso se o fato dos países subdesenvolvidos crescerem pela simples assimilação de técnicas já conhecidas for verdade, então a transplantação dessas técnicas traz implícito um subemprego estrutural de fatores. Então esses países terão que contornar essa dificuldade fazendo o máximo de esforço para poder adaptar-se às tecnologias, pois eles carecem de indústrias próprias de equipamentos. O autor conclui então que nesse desajustamento básico entre oferta virtual de fatores e orientação da tecnologia reside, possivelmente, o maior problema que enfrentam atualmente os países subdesenvolvidos (FURTADO, 2009:86). Conforme Celso Furtado disse, o desenvolvimento econômico consiste na introdução de novas combinações de fatores de produção que tendem a aumentar a produtividade do trabalho. Sempre quando a produtividade cresce, a renda real social também aumenta, ou seja, a quantidade de bens e serviços à disposição da população aumenta. Enquanto o aumento das remunerações que são resultantes da elevação da renda real, acabam provocando nos

11 consumidores, reações que vão acabar tendendo a modificar a estrutura da procura. Resumindo, o aumento de produtividade vai fazer a renda real crescer, consequência disso será o aumento da procura que fará com que as estruturas da produção se modicarão. Para podermos estudar e entender melhor o desenvolvimento econômico de um país, precisamos conhecer o mecanismo do aumento da produtividade e a forma de como é a reação da procura à elevação do nível de renda real. Em uma economia cuja produtividade é muito baixa, a satisfação das necessidades fundamentais da população absorve uma grande proporção da capacidade produtiva. Em economias que são consideradas atrasadas, muito mais da metade de sua população ativa vai trabalhar para satisfazer a necessidade de subsistência da coletividade, fazendo com que o excedente disponível para satisfazer diferentes formas de consumo seja praticamente nulo. Sendo assim é quase impossível acreditar que tenha origem por uma ação endógena, um processo de acumulação de capital. Mesmo em comunidades que possuem a mais baixa produtividade, e a renda estando desigualmente distribuída, existem aquela minoria de privilegiados que têm uma procura de bens não agrícolas e de serviços, que vão absorver a capacidade produtiva não utilizada para poderem atender às necessidades de subsistência do conjunto da comunidade. Em razão da elevação da renda disponível para aumentar diversificação do consumo, a concentração de renda em comunidade de baixa produtividade não leva a um processo cumulativo de crescimento, mas acaba levando a uma situação estática de desigualdade entre padrões de consumo dos grupos sociais. Furtado cita um exemplo de uma comunidade que possui um nível baixíssimo de produtividade, em que 80% da sua capacidade produtiva estão voltados para atender à subsistência da população. E que também 5% da população têm em suas mãos 30% do produto social, cuja metade é absorvida com alimentos e a outra metade com outras formas de consumo. Sendo assim, os 95% restantes da população vão dedicar 93% da sua renda para cobrir os gastos com alimentação. Todo esse processo fará com que a combinação de um baixo nível de produtividade com um certo grau de concentração de renda implique que quase uma totalidade da população permaneça fora da economia de troca. As maiores dificuldades do desenvolvimento são encontradas nas regiões onde o nível de produtividade é muito baixo. No caso de uma região primitiva, ela tenderá a ficar estagnada, pois com seus próprios meios, dificilmente se dará um início a um processo de

12 desenvolvimento. Historicamente, o impulso inicial que vai permitir superar essas dificuldades veio de fora da comunidade. A acumulação de capital e a assimilação de novas técnicas fazem com que produtividade física média cresça, fazendo com que a renda real da coletividade aumente. Ou seja, o aumento de produtividade se traduz em um crescimento do fluxo de renda. Quando um processo de desenvolvimento é iniciado por impulso de fatores externos, o aumento do fluxo da renda se transforma quase totalmente em lucros e faz com que haja acúmulo de capital para fazer reinvestimentos. Se o processo de crescimento se firmar e a procura de mão de obra aumentar, consequentemente os salários reais irão subir. A demanda dos consumidores vai aumentar e fará com que haja uma pressão sobre os preços em determinados setores, atraindo para eles novos investimentos. A nova poupança que surgirá vai ser absorvida tanto em investimentos apoiados na procura externa quanto em investimentos no mercado interno. Esses novos investimentos que surgiram, vão aumentar a produtividade em outros setores diferentes e a reação anterior acontecerá novamente. Fazendo um esquema do processo de desenvolvimento em comunidades préindustriais temos: a) os fatores exógenos que provocam a criação ocasional ou permanente (aquele que acompanhava o sistema de escravidão) de um excedente de produção; b) a apropriação desse excedente por grupos minoritários, a qual faz com que seus níveis de consumo subam e se diversificam; c) os padrões mais altos do consumo dos grupos minoritários que fazem com que abra a possibilidade e crie a necessidade de intercâmbio com outras comunidades; d) o intercâmbio acaba possibilitando a especialização geográfica e uma divisão de trabalho maior, consequentemente um aumento de produtividade nas comunidades que dele participam; e) o intercâmbio possibilita a concentração de riqueza; f) o surgimento da possibilidade de incorporar ao processo produtivo os recursos acumulados pelos comerciantes, porque é assim o meio pelo qual os intermediários podem aumentar a corrente de comércio, aumentando suas rendas. Ao se transformar o excedente de produção em fonte de renda, o processo acumulativo vai tender a se automatizar. 2.2. Crescimento e Desenvolvimento Econômico As teorias desenvolvimentistas têm como princípio distinguir a ideia de que a definição de desenvolvimento econômico é vista como crescimento econômico, ou seja, é apenas um acúmulo de capital ou aumento do produto global bruto. O crescimento de um país

13 é um ótimo instrumento para analisar o desenvolvimento econômico, porém quando é avaliado sozinho ele acaba passando uma ideia condensada do verdadeiro grau de desenvolvimento que um país pode ter. Quando se utiliza o índice de crescimento econômico atrelado com o conceito de desenvolvimento econômico tem se a ideia de que a riqueza crescente é automaticamente distribuída entre a população, ou seja, ela traz uma melhora de qualidade de vida total para toda a população. Em outras palavras, se houvesse acúmulo de capital toda a população iria poder desfrutar dessa riqueza. Porém, sabemos que, mesmo quando a economia de um país cresce em taxas altas, surgem outros problemas econômicos que não estão associados com o aumento de riqueza, como por exemplo, a transferência de excedente de riqueza, um aumento de concentração de renda, ou seja, problemas que acabam implicando uma diminuição do consumo e mercado interno, um atraso no desenvolvimento tecnológico, isto é, várias outras consequências. Seria muito audacioso aceitar a ideia de que quando um país em subdesenvolvimento obtém um crescimento global bruto ele automaticamente se tornará um país desenvolvido economicamente. É por esse motivo que a noção de desenvolvimento econômico precisa ser traçada de uma forma global e extensa e não apenas ser idealizada sob o conceito de aumento do produto global bruto. A noção do desenvolvimento deve ir bem além disso, levando em conta diversos fatores como a distribuição de renda, o desenvolvimento tecnológico e industrial, a ocupação de terras produtivas, o crescimento do mercado interno e não apenas a exportação, etc. Resumindo, o conceito de desenvolvimento econômico deve absorver a ideia de crescimento econômico e superá-la. Para um país subdesenvolvido sair dessa condição e se desenvolver economicamente, ele precisa entender que suas estruturas sociais, políticas e econômicas são extremamente atrasadas. Fazendo transformações em tais estruturas surgirá a possibilidade de que haja aumento de produtividade, acúmulo de riquezas e uma melhora de qualidade de vida da população. E quando realmente o país subdesenvolvido compreende a ideia de que para alcançar o desenvolvimento com o sentido de uma transformação de suas estruturas, ele percebe que precisa romper com suas raízes históricas que estão lhe impedindo de progredir. Segundo Furtado (1974: 93):

14 As modificações de estrutura são transformações nas relações e proporções internas do sistema econômico, as quais têm como causa básica modificações a forma de distribuição e utilização de renda. O aumento da produtividade física com respeito ao conjunto da força de trabalho de um sistema econômico somente é possível mediante a introdução de formas mais eficazes da utilização de recursos, as quais implicam seja acumulação de capital, seja inovações tecnológicas, ou mais correntemente a ação conjugada destes fatores. Por outro lado, a realocação de recursos que acompanha o aumento do fluxo de renda é condicionada pela composição da procura, que é a expressão do sistema de valores da coletividade. Desta forma, o desenvolvimento é ao mesmo tempo um problema de acumulação e progresso técnico, e um problema de expressão dos valores de uma comunidade. 2.3. Formação Econômica do Brasil: A questão do problema estrutural e a Distribuição de renda Celso Furtado ao escrever Formação Econômica do Brasil (1959) não tinha a intenção de fazer apenas uma análise histórica do Brasil discutindo e defendendo determinados acontecimentos, mas sim a partir de dados históricos, analisá-los avançando para uma análise econômica de fatos e pressupostos históricos. Ou seja, é um livro que examina diversos acontecimentos históricos sob uma perspectiva macroeconômica. Segundo Guido Mantega, foi a obra que definiu a passagem do pensamento econômico brasileiro da pré-história para a história. O autor divide o livro em cinco partes sendo que a primeira, segunda e terceira partes ele analisa o período colonial, focando mais na fase da economia do açúcar e da mineração. Na quarta parte ele descreve a economia do café analisando todo seu desenvolvimento. Na quinta e última parte, é analisado o desenvolvimento do mercado interno no país e o setor industrial que estava surgindo. Na época da colonização Portugal incentivou seus colonos produtores de açúcar a desenvolver suas produções. Porém, eles se depararam com o problema da escassez de mão de obra que logo após foi solucionado com o trabalho escravo. Outro problema encontrado na economia açucareira foi o fato que, mesmo sua renda gerada fosse extremamente alta, tornando a colônia cada vez mais rica, quase toda ela estava concentrada nas mãos dos senhores de engenho. Essa riqueza não era transferida para o crescimento que a economia açucareira possibilitava e nem para o consumo interno da colônia. Ou seja, o modelo da economia do açúcar não permitiu que o fluxo de renda do Brasil fosse formado. A queda do preço do açúcar, a concorrência com as Antilhas, o encarecimento da mão de obra escrava, etc. todos esses fatores fizeram com que a economia açucareira entrasse em crise. Com isso, a população que habitava nos litorais por conta do açúcar acabou migrando

15 para o interior do país em busca de desenvolver a atividade pecuária. Segundo Gelcer (2012: 55): Quanto mais entrava em crise a economia açucareira mais pessoas migravam pra a atividade criatória, e, com isso, a população nordestina cada vez crescia mais, concentrando mais as suas atividades em um setor de subsistência, de rudimentar divisão de trabalho, ficando com a sua economia cada vez mais atrasada. Diante de toda essa perspectiva, Furtado demonstra como a economia açucareira acabou levando o país a um atraso estrutural em relação às demais economias mundiais. Quando Portugal percebeu que a economia açucareira não era mais rentável e já tinha entrado em decadência, começaram então a voltar sua atenção para a mineração na colônia. Diferente da economia açucareira, a economia mineira possibilitava que outras atividades e regiões do país se desenvolvessem. Mesmo a renda da economia mineira sendo inferior que da economia açucareira, sua potencialidade era bem maior. Porém, Portugal não desenvolvia o setor manufatureiro, por conta do acordo feito com a Inglaterra, e com isso não podia passar para o Brasil tal informação. Sendo assim toda a riqueza gerada pelo ouro no país era passada para a Inglaterra. Consequência disso foi a decadência do ouro e a economia entrou em um dos maiores colapsos econômicos. No começo do século XIX, a condição básica para a economia do Brasil se desenvolver era a expansão da exportação, fonte da acumulação do capital que seria desviado para outras atividades e que, de fato, seria muito importante para a industrialização. Como o capital e mão de obra eram fatores escassos, a produção do café foi a solução encontrada pelos brasileiros, já que a produção não exigia investimentos altos e permitia a utilização da mão de obra disponível da economia açucareira e mineira. Já na metade do século XIX a economia do café conseguiu atingir uma taxa relativamente alta de crescimento econômico. Após a abolição da escravidão e o começo de uma economia baseada no trabalho assalariado, o Brasil se deparou com a possibilidade de desenvolver uma economia de mercado interno. Isso foi possível devido à renda dos proprietários de terras ser revertida, uma parte em investimentos e a outra em consumo, e a renda dos trabalhadores ser revertida em consumo. Sendo assim o crescimento das exportações serviu como fator que fez com que o aumento da acumulação de capital se revertesse para a economia interna. A política econômica adotada pelo governo brasileiro nessa época seguia um movimento determinado. Quando o café estava valorizado, o seu lucro era praticamente todo

16 transferido para os proprietários de terra, e quando o café era desvalorizado os prejuízos eram revertidos, por meio das taxas cambiais, para toda a população. Como o preço do café era sempre estável, os investimentos na economia cafeeira aumentavam cada vez mais, fazendo com que sua oferta também aumentasse. Furtado até propôs que a política de manutenção dos preços do café fosse mantida, porém deveria ser complementada com uma política que desestimulasse o investimento no café e estimulasse a política em outro setor econômico (mercado interno, manufatureiro, etc.), mas essa politica não foi possível pelo fato dos grandes cafeicultores que dominavam o cenário político do Brasil. Se caso essa política fosse executada, provavelmente a renda seria melhor distribuída e a crise que teve que ser suportada por todos não teria impactos tão grandes como teve. Com a crise de 1929, o preço do café não conseguiu se manter, os estoques aumentaram, e para equilibrar a oferta e demanda a um nível de preço alto, decidiu-se destruir os estoques por meio do financiamento da expansão do crédito para socializar as perdas. Essa política foi bem sucedida e fez com que a renda monetária não se contraísse na mesma proporção que a do café, ou seja, o valor do produto que foi destruído foi bem menor que o montante da renda que estava sendo criada. Tal política fez com que a moeda se desvalorizasse, o que automaticamente fez com que os preços dos produtos importados ficassem extremamente altos. Consequência disso foi que o capital que seria gasto com produtos importados foi utilizado com produtos do mercado interno. Então o mercado interno começou a oferecer melhores oportunidades de investimento que o mercado externo e, assim, a partir daí a industrialização no país se fortalece. O centro dinâmico passou a se localizar no investimento na indústria manufatureira voltada ao mercado interno, em outras palavras, a indústria passou ser o motor da economia brasileira. Assim, o nível de produto, de renda, de emprego e a taxa de investimento começaram a depender fundamentalmente de variáveis endógenas, e não mais da demanda externa. A obra Formação Econômica do Brasil (1959) é uma referência entre os estudos de Celso Furtado em que ele deseja construir uma interpretação das economias periféricas. O principal argumento do livro se concentra na ideia de entender os elementos que levaram à industrialização dos países latino-americanos. O autor também descreve detalhadamente o processo de industrialização por substituição de importações, apontando alguns efeitos do modelo que não eram desejáveis, como por exemplo, os estrangulamentos na balança de

17 pagamentos. Porém, é a partir da obra Desenvolvimento e subdesenvolvimento (1961) que o autor apresenta a possibilidade de estagnação nas economias subdesenvolvidas. Ao escrever essas duas obras podemos perceber que o autor usa um método históricoestrutural, método também utilizado pelos analistas clássicos da Cepal, para analisar a sociedade brasileira e sul-americana em uma dimensão social, econômica e política, e assim determinar a dinâmica econômica brasileira.

18 3. Desenvolvimento e distribuição de renda pré-1960 3.1. A industrialização como superação do subdesenvolvimento A passagem de Furtado pela Cepal, órgão vinculado à ONU e criado em 1948, foi essencial para as suas reflexões a respeito da teoria do subdesenvolvimento e a estratégia heterodoxa de desenvolvimento para a América Latina. Suas análises sempre tiveram o objetivo de conhecer a realidade econômica da América Latina e encontrar saídas para os seus problemas. Um dos principais responsáveis pela apresentação das ideias projetadas na Cepal foi Raúl Prebisch, economista argentino responsável pela criação do Banco Central da Argentina em 1935. Prebisch difundiu a ideia da relação centro-periferia e criticou de forma incisiva a Teoria das Vantagens Comparativas. 1 Para Prebisch, essa teoria só poderia ter validade para a avaliação de países com o mesmo grau de desenvolvimento e a mesma capacidade competitiva. A Teoria das Vantagens Comparativas só trazia desvantagens para os países que eram subdesenvolvidos. O autor verificou uma deterioração secular dos preços dos produtos primários no mercado mundial diante dos produtos manufaturados. Isso resultava na condenação das nações que eram agroexportadoras à miséria e ao subdesenvolvimento. Confirmada pelas pesquisas da Cepal, havia sim uma deterioração dos termos de intercâmbio da periferia e Prebisch sugeriu uma solução para esse problema: uma industrialização dirigida pelo governo. A industrialização iria reter os frutos do progresso técnico, aumentar a produtividade e o nível de renda, levando assim benefícios para a população do Estado. Ensaiava-se, assim, uma nova abordagem da dinâmica do sistema centro-periferia, sob a ótica dos interesses da periferia, que ao mesmo tempo, continha um plano de ação, ainda em estado embrionário, para superar o subdesenvolvimento. Em que pese o caráter precário e a insegurança das novas proposições, estava dado o primeiro passo em direção a uma teoria do subdesenvolvimento, ou seja, uma teoria gestada pelos teóricos periféricos, voltada para os interesses dos países periféricos e buscando uma saída para superar o subdesenvolvimento. (MANTEGA, 1989: 32) As análises de Furtado da realidade brasileira e latino-americana, a partir da teoria de Prebisch, se voltaram à ação e compreensão da necessidade da industrialização em meados do século passado no período do pós-guerra. No plano teórico, uma das preocupações do autor 1 Foi David Ricardo que desenvolveu a teoria das Vantagens Comparativas, segundo a qual as trocas internacionais sempre seriam vantajosas. Para ele, o comércio internacional, sob uma situação de livre concorrência, faria com que diversos países se especializassem na produção de bens com menor custo de oportunidade. (ver Ricardo, 1983)

19 foi explicar as raízes da formação histórica brasileira e assim encontrar meios para impulsionar a industrialização e superar o subdesenvolvimento. Entre seus livros publicados está um dos mais importantes, o Desenvolvimento e Subdesenvolvimento (1961), que se trata da posição do autor diante da problemática teórica do desenvolvimento e apresenta a perspectiva teórica estruturalista. O ponto principal desta obra é a constatação de que o subdesenvolvimento não é correspondido por um processo histórico comum em todos os países, mas sim pela condição do país ser periferia dentro do sistema capitalista, resultado este de um processo histórico de evolução da economia mundial desde a Revolução Industrial. Os trabalhos de Furtado fizeram com que ele se aprimorasse na divulgação e aplicação do pensamento estruturalista 2 e também fortalecesse o entendimento homogêneo do problema do subdesenvolvimento brasileiro. Sua obra contém três características que fazem com que o conteúdo político do pensamento econômico da corrente estruturalista se tornasse mais específico do que as demais correntes desenvolvimentistas. A primeira característica é que contém uma defesa da liderança do Estado na promoção do desenvolvimento, através de investimentos em setores estratégicos e, sobretudo, do planejamento econômico (BIELSCHOWSKY, 1996:134). Ou seja, para Furtado a contribuição do capital estrangeiro era importante desde que fosse restrito a setores não estratégicos e fosse submetido a controles. Esta ideia se originou da questão de que apenas através da decisão do Estado seria viável a emancipação econômica nacional. A segunda característica é que Furtado defendeu a subordinação da política monetária e cambial à política de desenvolvimento. Já a última característica seria a defesa de reformas de cunho social, entre elas a tributação progressiva, o projeto de desconcentração regional da renda e o apoio à reforma agrária. Celso Furtado era considerado um estruturalista e também um keynesiano atípico, pois não teria como aplicar identicamente as teorias macroeconômicas de Keynes em uma economia como a do Brasil. Porém, sua famosa análise de recuperação brasileira do início dos anos 30 pode ser considerada, nesse sentido, uma exceção. As ideias de Furtado eram 2 O pensamento estruturalista foi criado pelo economista Raúl Prebish, que adotou a ideia de uma estrutura internacional dividida entre um centro industrial predominante e uma periferia agrária dependente que acabavam determinando a existência de um processo de desenvolvimento desigual originário. Segundo Bielschowsky, tal abordagem poderia ser dividida em quatro componentes analíticos: a abordagem histórica, baseada na oposição binária centro-periferia; uma análise da inserção internacional da América Latina; o estudo dos determinantes domésticos do crescimento e do progresso tecnológico; e uma avaliação dos argumentos favoráveis ou contrários à intervenção estatal. A partir dos trabalhos de Prebisch e Furtado, a ênfase nas estruturas acabam se tornando nítidas, sejam elas econômicas, políticas ou sociais.

20 mais centradas no seu pensamento estruturalista sobre história econômica brasileira e economia brasileira que o mercado interno constitui um elemento essencial de dinamização da produção e da renda (BIELSCHOWSKY, 1996:135). Partindo deste princípio, poderíamos dividir a análise de Furtado em duas partes: a) a expansão da renda da economia exportadora era limitada por uma combinação de elementos que faziam com que os impulsos externos acabassem dentro do próprio setor de exportação; b) o princípio do trabalho assalariado na economia do café representou a base para que o impulso externo colocasse em vigor a acumulação da expansão da renda e da produção, ou seja, a economia dos países periféricos crescia com a pressão da demanda. O planejamento, na perspectiva keynesiana, destina-se a reconduzir o sistema econômico à situação de pleno emprego e aí preservá-lo. No estruturalismo destinase a coordenar os esforços de industrialização, de forma a reunir condições para superar os obstáculos estruturais que dificultam o desenvolvimento. O subdesenvolvimento, na acepção dos textos pioneiros de Prebisch e da Cepal, corresponde à existência de uma estrutura econômica heterogênea na periferia. Por força de sua relação com as economias desenvolvidas, coexistem nos países periféricos setores modernos, dedicados essencialmente a atividades de exportação, e um extenso setor de subsistência que opera em níveis de produtividade muito inferiores aos observados nos primeiros. (BIELSCHOWSKY, 1996:136-137) Como o subdesenvolvimento na periferia seria resultado de uma economia de estrutura heterogênea, então o desenvolvimento dos países periféricos seria resultado de uma homogeneização dos níveis de produtividade dos seus sistemas econômicos; sendo que essa homogeneização só seria alcançada apenas com um processo de industrialização, tendo em vista uma expansão insuficiente dos mercados de exportação. Para Furtado existem elementos do tipo clássicos, necessários para um país se desenvolver industrialmente, e esses elementos fizeram com que o autor confrontasse o efeito do desenvolvimento do capitalismo europeu sobre estruturas econômicas atrasadas, resultando na formação de países com uma estrutura econômica diferente dos outros. Nesse desenvolvimento clássico, a evolução da tecnologia fez com que o sistema produtivo se tornasse um pouco mais homogêneo, e foi consequência da escassez relativa da mão-de-obra e da transição do capitalismo comercial para o capitalismo industrial. Partindo deste ponto o autor fez uma caracterização do subdesenvolvimento da periferia correspondente a um aperfeiçoamento do conceito de estruturalismo original. O advento de um núcleo industrial, na Europa do século XVIII, provocou uma ruptura na economia mundial da época e passou a condicionar o desenvolvimento econômico subsequente em quase todas as regiões da Terra. A ação desse poderoso núcleo dinâmico passou a exercer-se em três direções distintas. (FURTADO apud BIELSCHOWSKY, 1996:138).

21 A primeira direção consistiu no próprio desenvolvimento industrial dos países da Europa. A segunda correspondeu ao deslocamento das fronteiras de atividade econômica desses países a terras que estavam desocupadas. E a terceira direção se deu pela formação de estruturas econômicas subdesenvolvidas. O subdesenvolvimento é, portanto, um processo histórico autônomo, e não uma etapa pela qual tenham, necessariamente, passado as economias que já alcançaram grau superior de desenvolvimento. (FURTADO, 1992:47) Como a industrialização dos países da periferia, tendeu a copiar o padrão tecnológico da indústria desenvolvida, havia dificuldades de modificar a estrutura ocupacional, pois o espaço nacional era formado por indústrias nacionais e produtores externos. Em relação aos países desenvolvidos, os países subdesenvolvidos possuíam mercados internos pequenos e um crescimento lento, dificultando assim o seu processo de industrialização e pressionando seus balanços de pagamentos. Furtado estava mais preocupado em entender a dinâmica do processo de industrialização, do que dizer que a industrialização é a única solução para os países latinoamericanos superarem o subdesenvolvimento. Devido a uma disparidade das taxas de crescimento da renda e da capacidade de importar, houve um desequilíbrio externo. Para poder impedir esse desequilíbrio e garantir o acréscimo nas importações de determinados bens, o Brasil foi praticamente obrigado a se industrializar, substituindo outros bens importados por bens similares de produção interna. Um dos determinantes do crescimento dessa nova fase foi a redução do coeficiente de importações das classes médias e altas rendas; e a impossibilidade de continuarem no mesmo ritmo as inversões no setor de economia colonial. O choque causado pela crise externa deu, assim, à economia brasileira oportunidade de desenvolver seu mercado interno (BIELSCHOWSKY, 1996:141). A industrialização se deu com o processo de homogeneização dos níveis de produtividade de estruturas econômicas duais que foram formadas durante o período de especialização em atividades de exportação. A industrialização periférica já se originava presa a um moderno padrão de demanda, a qual obtinha uma estrutura produtiva pouco diversificada e com escassa integração vertical e horizontal, acabava se impondo na industrialização dos países periféricos. Esse fato gerava

22 uma necessidade de transformar a estrutura produtiva através de grandes investimentos na importação de equipamentos e matérias-primas. Nessas condições, a industrialização substitutiva, potencialmente dinâmica por natureza, ficava obstaculizada pelos reduzidos níveis de poupança e por insuficiência da capacidade de importar. Esta insuficiência resultava, em primeiro lugar, da lenta expansão da demanda internacional pelos bens de exportação da periferia e, em segundo lugar da deterioração dos termos de intercâmbio, que afetava também a capacidade de poupança. (BIELSCHOWSKY, 1996:142) Nos países de economias subdesenvolvidas havia uma divergência entre oferta rígida e procura dinâmica, e isso causava um desequilíbrio monetário. Era preciso então uma política desenvolvimentista que tornasse a oferta do país mais flexível. A dinâmica da industrialização periférica fez com que gerasse resultados como exigência de importações, que deu a existência de balanço de pagamentos desequilibradas, principalmente quando as exportações tendem a estagnar ou declinar por causa da escassez de demanda internacional. que: A visão de Celso Furtado sobre questões monetárias e de balança de pagamentos era Em suma, sua posição fundamental era a de que as preocupações com estabilidade, embora importantes, devem ficar subordinadas ao objetivo maior, isto é, ao desenvolvimento econômico. Dado o caráter estrutural da inflação, a fórmula para obter-se alguma estabilidade sem prejuízo do desenvolvimento seria, segundo o autor, uma cuidadosa programação (BIELSCHOWSKY, 1996:148). 3.2. A crise dos anos 1960 No início dos anos 60, mesmo Furtado desconhecendo que a economia estava entrando em uma fase recessiva, elaborou o Plano Trienal, o qual deveria conciliar a estabilização monetária, a continuidade dos investimentos e do crescimento, e as reformas institucionais. O Plano visava combater a inflação e fazer o Brasil crescer a uma taxa de 7% ao ano, e também iniciar uma política de distribuição de renda. Como o Plano deveria realizar uma estabilização dos preços, ele acabou prevendo uma queda de inflação de 25% no ano de 1963, através da contenção do déficit público e contenção do crédito, incluindo um corte nos dispêndios públicos. A contenção de crédito e de despesas públicas era cheia de restrições, visto que a redução da pressão inflacionária estava planejada, de certo modo, para que não comprometesse o crescimento da economia. Os resultados do Plano Trienal foram:

23 Em meados de janeiro de 1963 o governo anunciou aumentos do trigo e de derivados de petróleo de 70% e 100%, resultantes da abolição de subsídios, bem como o reajuste de tarifas de transportes urbanos. Além dos cortes de gastos públicos foram estabelecidos limites nominais de expansão de créditos ao setor privado de 35%, quando a taxa inflacionaria anual equivalente era de 60%, e aumentando o depósito compulsório dos bancos comerciais nas Autoridades Monetárias de 24% para 28% dos depósitos à vista. Goulart solicitou que o Fundo Monetário Internacional enviasse missão ao Brasil, que foi recebida no final de janeiro por Furtado. (ABREU, 1990:207) O Plano Trienal e as negociações internacionais consequentes do Plano foram duramente criticados pelos setores de esquerda que denunciavam o caráter recessivo da política econômica e a submissão dos interesses nacionais aos dos EUA. Algumas interpretações que destacam a relação causal entre o Plano Trienal e o início da crise contrapõem-se às de natureza estrutural a respeito das tendências de longo prazo da industrialização brasileira. Estas tendências destacam a perda de dinamismo do processo de substituição de importações, com um aumento significativo da relação marginal capitalproduto conforme este afetava os novos gêneros industriais, e as flutuações de investimentos que eram associadas à instalação de plantas com escalas de produção que eram além do tamanho de mercados, isso durante o Plano de Metas. Outra importante interpretação evidencia o fato da incompatibilidade entre a demanda associada a perfis específicos de distribuição de renda e a oferta dos gêneros industriais mais recentemente instalados. A década de 1960 é marcada pela crise econômica, pela estagnação e pela inflação. Para Celso Furtado, essencialmente, a industrialização brasileira não foi capaz de resolver um dos problemas estruturais mais básicos da nação, a má distribuição de renda. Pelo contrário, a industrialização por substituição de importações agravou o problema e tendeu a concentrar ainda mais a apropriação da renda nacional. Estas questões começam a ser abordadas por Furtado em Subdesenvolvimento e Estagnação na América Latina. Enquanto o desenvolvimento, na modalidade do capitalismo clássico, criou condições de estabilidade social e abriu as portas ao reformismo, a situação dos países latino-americanos é fundamentalmente diversa: a própria penetração da técnica engendra a instabilidade social e agrava os antagonismos naturais de uma sociedade estratificada em classes. Desta forma, a via do aperfeiçoamento gradual das instituições políticas resulta ser extremamente difícil. (FURTADO, 1968:13) Nesta obra, o autor busca esquematizar uma ideologia do desenvolvimento. Novamente, o problema do subdesenvolvimento é visto como uma realidade histórica que acabou surgindo da propagação da técnica moderna no processo de formação de uma economia de escala mundial e da revolução industrial. Ou seja, o subdesenvolvimento de um

24 país não pode ser visto como uma fase do processo do desenvolvimento, e sim como um fenômeno da história moderna, contemporâneo do desenvolvimento. Como subdesenvolvimento e desenvolvimento são processos da mesma época das economias desenvolvidas, resultado do processo de formação de um sistema econômico de base mundial, os países subdesenvolvidos não deveriam repetir as experiências dos países desenvolvidos, uma vez que eram estruturalmente bem diferentes. Na análise que se segue, trataremos de captar o problema do subdesenvolvimento como uma realidade histórica, decorrente da propagação da técnica moderna no processo de constituição de uma economia de escala mundial. O subdesenvolvimento deve ser compreendido como um fenômeno da história moderna, coetâneo do desenvolvimento, como um dos aspectos da propagação da revolução industrial. (FURTADO, 1968:3) Pelo fato mesmo de que são coetâneos das economias desenvolvidas, isto é, das economias que provocaram e lideraram o processo de formação de um sistema econômico de base mundial, os atuais países subdesenvolvidos não podem repetir a experiência dessas economias. É em confronto com o desenvolvimento que teremos de captar o que é específico ao subdesenvolvimento. Somente assim poderemos saber onde a experiência dos países desenvolvidos deixa de apresentar validez para os países cujo avanço pelos caminhos do desenvolvimento passa a depender de sua própria capacidade para criar-se uma história (FURTADO, 1968:4). O progresso tecnológico em uma economia capitalista altamente desenvolvida constitui o fator básico do crescimento e o elemento fundamental da estabilidade social. A acumulação de capital é relativa à disponibilidade de mão de obra e tende a se realizar com grande rapidez. O esquema de distribuição de renda e o elevado nível de produtividade acabam determinando a formação de um fluxo considerável de poupança, que deverá ser transformada em capital reprodutivo por meio do investimento. Desse processo acaba resultando o crescimento do estoque de capital incorporado ao sistema produtivo, que cresce mais que a força de trabalho. Porém os investimentos feitos nos trabalhadores têm um crescimento ainda maior. No resultado total desse processo temos uma melhoria na posição daqueles que estão no mercado de trabalho, dando a eles um acesso aos frutos do desenvolvimento, ou pela elevação dos salários reais ou pela redução do número de horas na jornada de trabalho. Poderia haver uma estagnação econômica se houvesse uma pressão para elevar os salários reais e tal elevação não encontrasse uma barreira, porque ocasionaria uma distribuição de renda em favor dos assalariados, que acarretaria em uma redução na taxa de poupança e investimento. Mas tal situação não aconteceu graças à classe capitalista que tem em suas mãos o controle do progresso tecnológico. Nas economias capitalistas que já são desenvolvidas existe uma forte conexão entre a orientação do progresso tecnológico, a disponibilidade relativa de fatores de produção e o fato