Associação Nacional de História ANPUH XXIV SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA - 2007



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Associação Nacional de História ANPUH XXIV SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA - 2007 Desenvolvimento econômico na América Latina: uma análise sob a perspectiva histórica Jacqueline A. H. Haffner 1 Resumo Este artigo apresenta uma análise teórica do pensamento estruturalista e de suas influências na economia latino-americana sob uma perspectiva histórica. Ressaltam-se, também, as características regionais desse pensamento nas relações entre os países periféricos e os países centrais. Por último são apresentados alguns resultados do longo processo de industrialização vivido pela América Latina e da aplicabilidade da teoria apresentada neste artigo à realidade latino-americana. Palavras-chave: pensamento estruturalista, sistema centro-periferia, CEPAL. Abstract This article presents a theoretical analysis of the Structuralist Thought and it s your influence in the Latin American economy, inside of a historical perspective. They are arisen also the regional characteristics that this Thought detected in the relations between the peripheral countries and the central countries. Key words: Structuralist Thought, peripheral and central countries, ECLAC. 1 Introdução O período posterior à segunda guerra mundial caracteriza-se por uma conjuntura complexa, cuja especificidade e riqueza exige uma análise profunda e detalhada. Foram anos significativos em que se despertou para necessidade de um amplo debate sobre as questões relacionadas, principalmente, à política econômica dos países em desenvolvimento. A grande discussão mundial da época apontava para os efeitos negativos que produzia o livre comércio nos países periféricos. Este ataque às economias primárias ou desenvolvidas - já que elas comandavam este processo -, supunha um posicionamento por parte dos governos dos países em desenvolvimento, em particular sobre planejamento e o protecionismo, que eram vistos como meios de se alcançar a industrialização rápida e eficiente e, conseqüentemente, de se alterar o curso da história da forma como vinha acontecendo. Isto significava modificar as estruturas dominantes a fim de diminuir a dependência externa destes países via industrialização, o que se constituía no grande argumento preconizado pela Comissão Econômica para América Latina e o Caribe (CEPAL) para atingir o desenvolvimento. 1 Economista, Doutora em História pela Pontifícia Universidade Católica do Rio grande do Sul - PUCRS, Professora do Curso de Ciências Econômicas ULBRA Canoas. jacqueline_haffner@hotmail.com

2 Desta forma no fim da década de quarenta, os principais problemas econômicos da região eram apontados pela CEPAL, que basicamente eram definidos como: o ressurgimento do endividamento externo, as dificuldades de manter o crescimento econômico, a queda dos preços das exportações frente aos preços das importações relativamente constantes e o aumento da população. Procurava-se dar entendimento a estes problemas vividos pela América latina, pela teoria do comércio internacional, que tem em seu fundamento teórico as vantagens da divisão social do trabalho que cria uma especialização na mão de obra, produzindo melhoria na produção. Esta teoria propõe utilizar mais cabalmente os recursos naturais, propiciando uma elevação da produtividade dos países que participam do intercâmbio. Este permite maximizar as economias de escala (que diminui o custo da produção para grandes quantidades), acelera o progresso técnico, bem como traz mais investimentos e incentivo a competição. A CEPAL examinou, a partir de uma perspectiva histórica, a realidade Latinoamericana e entendeu que as transformações necessárias à industrialização correspondiam a mudanças fundamentais nas estruturas produtivas dos países em desenvolvimento e que esta questão era inevitável. Isto porque tanto as técnicas produtivas como os benefícios de sua maior produtividade precisavam ser absorvidos por esta região, que se movia em sentido contrário às imprescindíveis alterações, mostrando-se atrasada em relação àquelas que já haviam se industrializado o que equivale a dizer que os resultados da produção eram transferidos para o exterior, não conseguindo, portanto, manter os benefícios dentro do país que os produzia. Sendo assim, as transformações necessárias a América latina possibilitaria a obtenção de grandes benefícios econômicos, constituindo-se como os de maior importância: a criação de infra-estrutura, a expansão de um parque industrial, a distribuição de renda e o aumento do emprego; demonstrando, assim, que todas estas medidas visavam uma elevação das condições e níveis de vida da população. 2 Uma breve revisão da Teoria Clássica do Comércio A teoria clássica, formulada por David Ricardo em 1817, é um modelo que considera ambientes de concorrência perfeita tanto em relação aos produtos como no que concerne aos fatores de produção. Uma característica importante desse modelo é a inexistência de mobilidade internacional do trabalho.

3 Essa teoria é hoje a base do modelo clássico de comércio internacional constitui forte argumento em favor da liberalização do comércio internacional e contra medidas protecionistas, dado que aponta para os benefícios desse comércio. Por outro lado, tal modelo, também fornece uma explicação para o padrão do comércio internacional, padrão esse estabelecido com base no lado da oferta dos países. Os países exportarão e se especializarão na produção dos bens cujo custo for comparativamente melhor (menor) em relação aos demais países. A teoria clássica das vantagens comparativas possui pressupostos considerados bastante restritivos e sofreu algumas críticas, uma delas em função de não fazer maiores considerações sobre a demanda e a estrutura de preferências dos agentes. Além disso, segundo alguns críticos, esse modelo resume-se a considerações estáticas, não dando atenção à evolução das estruturas de oferta e de demanda, bem como da relação de preço entre os produtos negociados no mercado internacional. Nesse sentido, existe uma crítica à teoria das vantagens comparativas feita por autores da chamada corrente estruturalista. Segundo autores como Raúl Prebisch, a teoria das vantagens comparativas não leva em consideração a evolução da demanda à medida que as economias se desenvolvem e seu nível de renda cresce. David Ricardo, ao elaborar sua teoria, usou dois países Inglaterra, produzindo tecido, e Portugal, produzindo vinho para fazer as suas comparações e provar sua teoria das vantagens comparativas. Utilizando o exemplo apresentado, argumenta-se que, à medida que a renda dos países cresce, a demanda por vinho, cresce menos que proporcionalmente a esse crescimento de renda, e de maneira fortemente inferior ao crescimento da demanda por tecido. Assim, em longo prazo existe tendência de deterioração dos termos de troca (da relação entre os preços dos produtos exportados e os preços dos produtos importados) do país produtor de vinho, pois a demanda por esse produto não cresce tanto quanto a demanda por tecidos. Essa tendência de diminuição do preço do vinho em relação ao preço do tecido retira, à medida que o tempo passa, os ganhos do comércio internacional de Portugal. Portanto, para esses críticos, a adoção de uma política de livre mercado por parte dos países que deveriam, segundo a teoria das vantagens comparativas, especializar-se e exportar produtos primários é prejudicial em longo prazo. 3 O Estruturalismo A moderna teoria do desenvolvimento econômico remonta ao fim da Segunda Guerra Mundial, momento em que o mundo tenta reconstruir-se. È neste contexto que surgem

4 mudanças nos conceitos de crescimento e desenvolvimento. O primeiro estaria relacionado com os resultados econômicos das contas do governo, e o segundo, com os benefícios do crescimento econômico no bem-estar da população. Dessa forma, surge um novo ramo dentro da economia, que discute as questões do fenômeno do subdesenvolvimento. Sendo assim, pode-se definir o desenvolvimento econômico como sendo um processo histórico caracterizado por mudanças estruturais de longo prazo no sistema produtivo, tendo ainda um significativo e sustentado aumento de produto e renda per capita, conjunto este de mudanças que permitem chegar a um novo patamar institucional, cultural e tecnológico na sociedade. A noção de desenvolvimento econômico, inicialmente, envolve a idéia de um país como um todo, porém é possível desenvolver a análise de forma conveniente a um grupo de países da mesma região geográfica, como, por exemplo, a América Latina. Assim, quando se discute desenvolvimento econômico, não há como ignorar as teorias do subdesenvolvimento. No caso em questão, este artigo destaca o pensamento estruturalista, o qual tem a Raúl Prebisch como principal expoente, além de outras contribuições importantes de pensadores latino americanos. Segundo Bielschowsky o ponto de partida para entender a teoria da CEPAL é que se trata de um núcleo teórico específico aplicável a uma situação histórica especifica da economia da América Latina (BIELSCHOWSKY, 1988). A metodologia utilizada pelo pensamento da CEPAL faz com que a análise seja feita dentro de uma perspectiva histórica e, desta forma, as avaliações da realidade sejam modificadas de acordo com as mudanças que vão acontecendo na história real, que é o próprio objeto de análise. Essas mudanças obrigam a renovação das interpretações da América latina, a fim de se adaptar novos contextos históricos. Entende-se por estruturalismo uma corrente teórica latino-americana que teve por origem, como dito anteriormente, nos trabalhos de Raúl Prebisch, realizados na CEPAL. Prebisch procurava identificar as raízes do subdesenvolvimento dos países latino-americanos e a forma de sua superação. Segundo essa concepção, o subdesenvolvimento é decorrente da forma como se estruturaram historicamente as economias desses países. Atenta-se especialmente para o tipo de inserção internacional dessas economias, baseadas no princípio das vantagens comparativas, o que as levou à especialização na produção e exportação de alguns poucos produtos primários. A superação desse problema ocorreria por meio da

5 industrialização, a qual não se daria de forma espontânea, mas mediante forte participação do Estado atuando em todos os setores da economia do país. O pensamento estruturalista tem no conceito centro-periferia a justificativa para um desenvolvimento desigual, entendendo o subdesenvolvimento como um fenômeno relacionado às estruturas produtivas da periferia com técnicas diferenciadas do centro, o qual implanta primeiro os modelos capitalistas de produção, com fortes elementos dualistas, e uma tendência ao desequilíbrio externo. Esse início temporal diferenciado de novas técnicas de produção geraria a existência não só de regiões distintas, mas também de grupos sociais diferenciados, quanto a condições de renda e produtividade. Dentro deste contexto, entende-se que ao longo da história econômica da América Latina as diferentes inovações tecnológicas chegam a novas áreas do continente. Essas novas tecnologias passam a integrar o sistema produtivo, provocando diferenças não só regionais como também entre grupos da sociedade, sob o aspecto de produtividade e renda, dando início a um processo de desigualdades, idéia essa que sustenta o principio do sistema centroperiferia. Esse fato acontece porque diferentes setores produtivos passam a conviver com setores modernos e atrasados de produção o que cria uma desigualdade na periferia. A deterioração dos termos de troca é outro dos aspectos que o pensamento estruturalista aponta como problemático no processo de industrialização dos países periféricos. Resumidamente, e como já foi dito, existe um desequilíbrio entre o centro e a periferia, no que diz respeito ao processo de desenvolvimento. Por longo prazo, as economias periféricas têm de continuar a depender de suas exportações de produtos primários. A tendência ao consumo destes bens é lenta, o que, associado à permanente queda de preços dos mesmos leva à deterioração dos termos de troca. Explicando melhor este termo, pode-se entender que a deterioração faz com que a capacidade de comprar bens de origem industrial se reduzida com o passar do tempo em função da queda lenta e permanente dos preços dos produtos produzidos pelos países periféricos. Isso demonstra claramente que a tendência das exportações de produtos primários é de diminuição ao longo do tempo.tal diminuição ocorre não só em quantidades, mas também em valores. Ainda hoje, é freqüente encontrarem-se divergências a respeito das causas que determinam o fenômeno da deterioração das relações de troca. No entanto, é imprescindível

6 salientar que o principal fundamento está no aspecto relacionado com a disparidade entre as elasticidades-renda da periferia e do centro, isto é, a análise de relação entre as variações de preços e de rendas é válida para adequar a deterioração dos termos de troca entre centro e periferia. Isso pode ser explicado de maneira mais clara partindo-se do pressuposto segundo o qual a produtividade aumenta num ritmo mais acelerado no centro do que na periferia. Assim se explicam as variações de tal produtividade. Também se pode levar em consideração outro modo de agir das economias centrais, qual seja uma prática de política econômica cujo objetivo é de impedir a queda de salários e, se possível, até incrementá-los, sendo isso seguramente uma forma de proteção que os países centrais criam para o seu próprio segmento econômico e que tem reflexos nas economias periféricas. Pode-se ainda comentar, que a deterioração tem uma vinculação direta ao fato de que as economias de países periféricos estão ligadas à exportação de produtos primários e, sendo o seu principal mercado a exportação, não tem o controle sobre o nível de crescimento e seu preço. Assim fica claro que os países centrais, em decorrência de suas estruturas e processos históricos de acumulação de capital e desenvolvimento, têm capacidade de incentivar ganhos de produtividade e incentivar o desenvolvimento tecnológico em velocidade e níveis maiores que a periferia. Dessa forma, exploram a capacidade de produzir bens cuja demanda seja sempre crescente, com elasticidade renda favorável, ao contrário de produtos primários. Conseguem ainda ter uma sociedade organizada empresarialmente e em níveis sindicais, a ponto de proteger e elevar renda, com retenção de ganhos decorrentes de seu desenvolvimento. Outro aspecto importante que deve ser observado é que há uma forte tendência ao desequilíbrio externo nas economias de países periféricos. Isso resulta do fato de existir uma indispensável necessidade de importação de bens industrializados, principalmente destinados a investimentos para substituição de importações, em contrapartida à exportação de bens primários, cujos preços se caracterizam por serem inelásticos nos seus mercados de destino. Para evitar esse desequilíbrio externo, segundo Rodriguez, é indispensável ir transformando a composição das importações e desenvolvendo a produção substitutiva interna para que outras importações possam crescer intensamente (RODRIGUEZ, 1981).

7 Pode-se, então, entender que a industrialização, via substituição de importações, pode ser compreendida como uma possibilidade de mudança estrutural na economia periférica: no sistema produtivo, e no perfil das importações. A simultaneidade dessas mudanças, bem como o equilíbrio, é condição para um crescimento impulsionado pela industrialização. Assim, a produção interna de bens anteriormente importados não soluciona o problema, porque o processo resultante no final foi apenas uma mudança no perfil, e não no volume, das importações. Nos documentos da CEPAL do início da década de 1950, dá-se o nome de reajustes das importações a esse fato. Isso indica que não havia um mecanismo econômico assegurando que o reajuste gradual das importações fosse realizado ao longo de um tempo necessário a fim de adequar as necessidades de importação e a capacidade de realizá-las. O resultado antes citado pode ser revertido no longo prazo por meio de uma política de substituição de importações, obtendo-se, assim, que produção e renda cresçam em ritmos superiores ao das importações. Isso mostra que essa política de desenvolvimento traz embutida em si uma baixa nos coeficientes de importação. 4. Resultados e aplicações Teóricas Passados mais de cinqüenta anos desde foi divulgado o pensamento estruturalista" e os motivos que impediam o desenvolvimento da América latina, pode-se constatar que, mesmo com as previsões pessimistas, o crescimento da região foi grande a partir da década de 50. Se tomarmos como indicativo alguns índices, poderemos verificar que a produção de ferro se multiplicou quinze vezes; a de cimento, seis vezes; a eletricidade, oito, e a produção de veículos que antes era inexistente-passou de milhões de unidades. Estes dados apontam que houve um avanço nos anos posteriores à criação da CEPAL, e que alguns setores têm-se tornado auto-suficientes; que no setor de maquinarias e equipamentos, têm-se obtido uma produção que abastece as três quartas partes do mercado interno e que em muitas partes da América Latina os bens duráveis já são auto-suficientes. Outro aspecto que pode ser apontado é a abertura da região para o exterior, o que ultimamente a CEPAL tem chamado de internacionalização da economia latino-americana. Esse fato fez com que a economia se diversificasse, e houvesse um avanço na capacidade exportadora, situação que não se podia prever há cinqüenta anos atrás.

8 Outro aspecto relevante é que a América latina iniciou nesses anos uma inserção financeira nos mercados internacionais captando recursos e associando-se a grandes correntes financeiras, o que mostra a mudança de paradigma da região, uma vez que houve uma nova vinculação ao mercado internacional. Dessa forma, os países latino-americanos começaram a ser vistos com outros olhos pelos países industrializados, já que passaram a inserir-se em setores específicos da nova dinâmica industrial do mundo. Certamente, todas essas mudanças positivas que estamos apontando, não tem sido suficientes para alterar o quadro geral da América Latina, uma vez que, continuam a existir os desequilíbrios sociais, isto é, disparidade na distribuição da renda, na persistência da pobreza e desequilíbrios regionais. De qualquer forma, pode-se dizer que quantitativamente temos na atualidade uma estrutura totalmente diferente a da década de 50, com uma população maior, com outro nível de educação e de urbanização. Em termos burocráticos, existem novas burocracias nacionais, compostas pelo novo empresariado nacional, o que leva a um novo manejo das políticas econômicas, tanto na monetária como na cambial, o que faz que o manejo dos assuntos internos seja tratado de outra forma mais efetiva e dinâmica que na metade da década do século passado. Como vimos ao longo deste artigo as diferentes etapas do desenvolvimento latinoamericano foram marcadas pelo contexto internacional e pelas mudanças ocorridas a partir de 1950. Nesse sentido, o que se observa é que a teoria Cepalina também foi sendo adequada a estas mudanças. De acordo Bielschowsky, as idéias da CEPAL estão perfeitamente amarradas dentro do método histórico-estruturalista e pelas idéias que acompanham cada período estudado. Assim, o referencial teórico utilizado ao longo de todos os anos da instituição foi sendo alterado a partir da profunda observação das mudanças ocorridas após 1950 e de toda a evolução da economia e política internacionais. Na tabela 1 a seguir podem ser observados os principais elementos analíticos que nortearam o pensamento da CEPAL desde a sua criação. A análise foi feita de acordo com os diferentes períodos que a América latina atravessou, com seus problemas e suas medidas econômicas e políticas adotadas. Cabe destacar também que a análise começa com o levantamento dos problemas da industrialização retardatária e termina com a transformação produtiva com eqüidade posposta pela instituição para a década de 1990.

9 Elementos permanentes Períodos e temas 1948-1960 (industrialização) 1960 (reformas) 1970 (estilos de crescimento) 1980 (dívida) 1990-1998 (transformação produtiva com eqüidade). Inserção internacional (centro-periferia e vulnerabilidade externa). Deterioração dos termos do intercâmbio; desequilíbrio estrutural da balança de pagamentos; integração regional. Dependência; política internacional de redução da vulnerabilidade na periferia. Dependência, endividamento perigoso. Insuficiência exportadora. Asfixia financeira. Especialização exportadora ineficaz e vulnerabilidade na movimentação de capitais Análises histórico-estructuralistas Condições estruturais internas (econômicas e sociais) do crescimento técnico e do emprego do ingresso. Processo de industrialização substitutiva; tendências perversas causadas pela especialização, e heterogeneidade estrutural e desemprego. Reforma agrária e distribuição do ingresso como requisito para redinamizar a economia; heterogeneidade estrutural; dependência. Estilos de crescimento, estrutura produtiva e distributiva e estruturas de poder; industrialização que combina o mercado interno e o esforço exportador. Ajuste com crescimento; oposição aos choques do ajuste, necessidade de políticas de ingresso e eventual conveniência de choques estabilizadores; custo social do ajuste. Dificuldades para uma transformação produtiva social eficaz. Ação estatal. Conduzir deliberadamente a industrialização. Reformar para viabilizar o desenvolvimento. Viabilizar o estilo que leve à homogeneidade social; fortalecer as exportações industriais. Renegociar a dívida para ajustar o crescimento. Executar políticas para fortalecer a transformação produtiva com eqüidade. Tabela 1: Síntese dos elementos analíticos que compõem o pensamento da CEPAL. Fonte: Revista de la CEPAL, Nro. Extraordinario, Ricardo Bielschowsky, Santiago de Chile, octubre de 1998. Texto traduzido pela autora. 4 Conclusão Ao longo deste artigo, foram apresentados argumentos de que existe correlação entre os fatores limitadores de um processo de desenvolvimento de economias subdesenvolvidas. Assim, não é de se estranhar o pensamento estruturalista da CEPAL, pois este foi sendo construído tendo por base a observação dos aspectos mais relevantes na formação da estrutura econômica da América Latina, isto é, a análise da instituição é realizada dentro de uma

10 perspectiva histórica. Por esse motivo, segundo a instituição, seria necessário elaborar técnicas especiais como as de planejamento centralizado. Dessa forma, para evitar que ocorra na economia um processo espontâneo e sem planificação, propõe-se a mudança no gerenciamento do processo de industrialização, em que o Estado deve agir para racionalizar a política deliberada e racional de desenvolvimento de longo prazo. Pode-se entender que essa é a forma mais adequada de otimizar os escassos recursos e as deficiências estruturais que um país subdesenvolvido dispõe para poder implantar um programa de industrialização que permita à sociedade chegar a um estágio de desenvolvimento maior. Entende-se, nesse sentido, que a fundamentação teórica apresentada, baseada nos aspectos estruturais da economia, explica de uma forma eficiente os aspectos históricos que limitavam o caminho para o desenvolvimento dos países latino-americanos, limitação essa que estava e está, diretamente relacionada com a formação econômica inicial desses países e da sua própria colonização e história. Referências bibliográficas BACHA, Edmar. L. Reflexões pós-cepalinas sobre inflação e crise externa. In: Sessão Especial Anpec/Cepal Sobre Vulnerabilidade Externa da América Latina no XXX ENCONTRO NACIONAL DA ANPEC, Anpec, 10-13, dezembro 2002. Disponível em: http://iepecdg.com. Acesso em: 15 de setembro 2004. BIELSCHOWSKY, Ricardo. Pensamento Econômico Brasileiro. Rio de Janeiro: Contraponto, 2000.. Evolución de las Ideas de la CEPAL. Santiago de Chile: CEPAL, 1998. CARDOSO DE MELLO, João M. O Capitalismo Tardio contribuição à revisão crítica da formação e do desenvolvimento da economia brasileira. São Paulo: Brasiliense, 1987. FURTADO, Celso. Formação Econômica da América Latina. Rio de Janeiro: Lia, 1970. HAFFNER, Jacqueline. A. H. CEPAL Uma perspectiva sobre o desenvolvimento latinoamericano. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1996.

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