INTERSECÇÃO DO RACISMO E DO SEXISMO NO ÂMBITO DA SAÚDE SEXUAL E REPRODUTIVA

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Transcrição:

INTERSECÇÃO DO RACISMO E DO SEXISMO NO ÂMBITO DA SAÚDE SEXUAL E REPRODUTIVA Emanuelle Freitas Goes 1 Enilda Rosendo do Nascimento 2 Introdução A garantia dos direitos sexuais e dos direitos reprodutivos está diretamente associada à acessibilidade nos serviços de saúde que muitas vezes são violados por multifatores, que como eixos estruturantes, funcionam de forma articulada, como o racismo, o sexismo, as condições socioeconômicas e culturais. A saúde sexual e reprodutiva e os direitos que lhe são inerentes devem ser compreendidos não só com a possibilidade de homens e mulheres garantiram uma vida sexual satisfatória e segura, e em condições de reproduzirem, porém também com a possibilidade de decidir de fazer ou não, no período e na freqüência desejada, além de englobar principalmente, o acesso a serviços apropriados de atenção a saúde (SOUZA; TYRRELL, 2007). As iniqüidades em saúde das mulheres negras são heranças das desigualdades postas pelas relações sociais e políticas pautadas nas discriminações de origem racial e sexista violando direitos, impossibilitando as ações de políticas públicas assim como dificultando o acesso à ascensão social e a um serviço de saúde qualidade, igualitário e que respeite a diversidade racial (SANTOS; GUIMARÃES; ARAÚJO, 2007). Pesquisas realizadas no Estado do Rio de Janeiro revelam dados incisivos sobre discriminação racial na assistência quando constataram que hospitais, públicos e particulares, tratam diferentemente as gestantes brancas e as negras, revelando que o número de grávidas negras que não foram examinadas de maneira adequada durante o exame pré-natal foi maior, se comparado com as brancas (PETRY, 2002). Questoes relacionada à saúde reprodutiva e ao tipo e a qualidade dos direitos sobre essa saúde é fortemente influenciada pela origem etnica e de gênero, tendo a classe como mediadora. Pois raça, gênero e sexualidade estão relacionados. Porém, a forma pela qual esta conexão funciona 1 Enfermeira Sanitarista, Mestranda em Escola de Enfermagem/GEM/UFBA. Email: emanuellegoes@yahoo.com.br 2 Professora Doutora da Escola de Enfermagem /GEM/UFBA.

no cotidiano continua, é inexplorada, além de pouquissimas intervenções se concentram nesta interconectividade (SANSONE, 2004) Estado da arte da saúde sexual e saúde reprodutiva, gênero e raça e suas intercafes O experimento da saúde sexual e reprodutiva na sua integralidade para as mulheres está diretamente influenciado pelas condições de vida e diferentes formas de inserção social. As questões de gênero, raça e geração conformam assimetrias e vulnerabilidades sobre as mulheres restringindo os direitos, liberdades de escolha e opções. Pois a definição de saúde sexual e saúde reprodutiva traz o seguinte (CORRÊA; ALVES; JANNUZZI, 2006 p. 43 e 45)3 que: Saude sexual é a habilidade de mulheres e homens para desfrutar e expressar sua sexualidade, sem risco de doenças sexualmente transmissiveis, gestações não desejadas, coerção, violencia e discriminação, Possibilitando experimentar uma vida sexual informada, agradavel e segura, baseada na auto-estima, que implica numa abordagem positiva da sexualidade humana e no respeito mutuo nas relações sexuais. Saude reprodutiva é um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não de mera ausencia de doença ou enfermidade, em todos os aspectos relacionados ao sistema reprodutivo, suas funções e processos. Implica, por seguitne, que a pessoa possa ter uma vida sexual seguara e sastifatoria, tendo a capacidade de reproduzir e a liberdade de decidir sobre quando e quantas vezes deve faze-lo. Contudo para Ventura (2005) a atual concepção dos direitos sexuais e dos direitos reprodutivos, não se limita o direito a saúde sexual e saúde reprodutiva, porém tem um sentido mais amplo contemplando os direitos humanos, individuais e sociais como, direito a liberdade, autonomia e autodeterminação reprodutiva, direito à informação, educação, desenvolvimento da capacidade para a tomada de decisão. Entretanto o Programa de Atenção Integral à Saúde da Mulher (PAISM) regulamentado em 1986, de inspiração feminista, contribuiu para a mudança de postura do setor da saúde, ao preconizar um elenco de ações com vistas à garantia do atendimento integral à saúde da mulher, agora na condição de sujeito político coletivo, o programa retira de cena somente a atenção materno-infantil e amplia a assistência à mulher em todo ciclo de vida através de ações educativas, preventivas, de diagnostico, tratamento e recuperação, alem da garantia das especificidades identificadas a partir do perfil populacional das mulheres (COSTA; GUIMARÃES, 2002); (BRASIL, 2004). 3 SONIA, Corrêa. ALVES, Jose E. Diniz. JANNUZZI, Paulo de Martino. Direitos e saude sexual e reprodutiva: marco teorico-conceitual e sistema de inicadores. CAVENAGHI, Suzana (org). Inicadores municipais de saude sexual e reprodutiva. Rio de Janeiro: ABEP, Brasilia: UNFPA, 2006.

De acordo os objetivos expressos na plataforma de ação mundial / Beijing 95, as mulheres deverão ter acesso aos serviços de saúde, em todos os ciclos de sua vida, além de informações e serviços integrados de atendimento sendo adequados e com qualidade, garantindo os direitos à saúde sexual e saúde reprodutiva (ARTICULAÇÃO DE MULHERES BRASILEIRAS, 2000). Porem, anterior a Beijing no Cairo em 1994, um novo paradigma internacional foi introduzido no debate sobre população e desenvolvimento, contemplando a preocupação relacionado as violações dos direitos humanos cometido no campo da reprodução, que, historicamente, tem se centrado no controle do corpo das mulheres, ao invés de reconhecer a liberdade de homens e mulheres para um planejamento democrático (VENTURA, 2005). Ao se definir sobre a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher (PNAISM) em 2004 pressupõe que os direitos sexuais e os direitos reprodutivos sejam compreendidos como direitos humanos, tendo como relevância a diversidade e as necessidades específicas da população feminina. Portanto, são necessárias que em qualquer planejamento de ações de saúde da mulher, além do enfoque de gênero, sejam incorporadas também as questões relativas à raça/etnia, ou seja, o quesito cor na saúde, visando a que todos os indicadores de saúde considerem esta variavel, com o propósito de garantir a equidade em saude para a redução das desigualdades raciais (BRASIL, 2005). Pois, a garantia dos direitos sexuais e dos direitos reprodutivos está diretamente associada à acessibilidade nos serviços de saúde que muitas vezes são violados por multifatores que agem de forma articulada, como racismo, o sexismo, condições socioeconômicas e culturais, que agem de forma estruturante na acessibilidade aos serviços de saúde determinando a condição de saúde e doença da população atingida (LOPES, 2004). Porém Barbosa (2001), o racismo é um fator gerador de doenças e/ou de agravamento de situações patogênicas preexistentes, bem como fator de incidência sobre as taxas de mortalidade da população, ou seja, o racismo torna a população negra mais vulnerável em todo o ciclo da vida. Cruz (2002) corrobora quando descreve sobre as condições de escravização, colonização, patriarcado e exclusão moldaram uma realidade e cristalizaram estruturas como legitimas e impuseram às mulheres negras, em relação a sua saúde, fatores extra-biológicos. E de acordo com Werneck (2001) em seu artigo AIDS: a vulnerabilidade das mulheres negras, as iniqüidades em saúde das mulheres negras são heranças das desigualdades postas pelas relações sociais e políticas pautadas nas discriminações de origem racial e sexista violando direitos,

impossibilitando as ações de políticas publicas assim como dificultando o acesso à ascensão social e a um serviço de saúde qualidade, igualitário e que respeite a diversidade racial. Crenshaw (2002) corrobora quando descreve sobre inteseccionalidade como uma associação de sistemas multiplos de subordinação sendo descrito de varias formas como discriminação composta, cargas multiplas, ou como dupla ou tripla discriminação, que concentra problemas buscando capturar as consequencias estruturais de dinamicas da interação entre dois ou mais eixos da subordinação. Metodologia Para este artigo foi realizado um revisão de bibliografia, com base no referencial de analise interseccional de gênero e raça no âmbito da saúde sexual e reprodutiva, por meio de publicações do banco de dados do Scielo, Lilacs e na Biblioteca Virtual da Mulher (BVM) e na Área temática de Saude da População Negra da Biblioteca Virtual do Ministério da Saúde. Para critério de inclusão foram selecionados artigos e capítulos de livros completos. Como termos-chave foram utilizados: mulher negra e saúde, desigualdades raciais e saúde, no período de 2000 a 2009. Dos encontrados selecionamos aqueles que relacionados ao tema proposto. Os resultados da pesquisa bibliográfica, com recorte temporal, mostraram que são escassos os números de artigos científicos relacionados a desigualdades raciais e saúde, assim como um numero também restrito de publicações especificas sobre mulher negra e saúde, visto que a discussão saúde da população negra em textos científicos, iniciou no final da década de 90 com a inserção do quesito cor no Sistema de Informação em Saúde do Ministério da Saúde (Datasus), tendo uma maior amplitude após a criação do Comitê Nacional de Saúde da População Negra (2000) e posteriormente, a Política Nacional de Atenção Integral a Saúde da População Negra (2006). Análise e Discussão Desigualdades raciais e o perfil sociodemográfico e econômico das mulheres Vários estudos trazem os aspectos sociodemográfico e econômico para caracterizar as mulheres segundo raça/cor e as desigualdades em dados. Para Leal et al (2005) as mulheres negras têm menos acesso à educação, possuem status social e econômico mais baixo, vivem em piores condições de vida e de moradia e, no que se refere à saúde reprodutiva, têm menos acesso aos métodos contraceptivos e apresentam maiores chances de engravidar ainda que não o desejem.

As mulheres brancas apresentaram em média 8,8 anos de escolaridade, valor superior tanto para as mulheres pardas (6,9), como para as negras (6,6). A renda familiar evidenciou mais esses diferenciais, as mulheres brancas apresentavam renda familiar cerca de 1,5 vezes maior do que as pardas e 2,5 maior do que as negras (OLINTO; OLINTO, 2000). De acordo com Chancham (2001) a diferença entre niveis de educação por grupos étnicos é expressiva: 20% entre aquelas sem educação formal eram brancas e 73,6% eram pardas, e entre as mulheres com o primeiro grau, 29% eram brancas e 65%, pardas. Entre mulheres com educação superior, 66% eram brancas e 32%, pardas. Um estudo realizado sobre o perfil de saúde/doença da mulher negra de uma região rural da Grande São Paulo revelou que a maioria era casada, católica e possuía o 1º grau incompleto, encontravam-se entre 26 e 35 anos, e trabalhava no lar (CRUZ, 2004). Desigualdades raciais e saúde sexual e saúde reprodutiva Em relação às características reprodutivas o menor número de filhos é observado nas mulheres brancas, justamente aquelas com maior escolaridade, melhor renda e melhores condições vida. Entre todas as mulheres negras, cerca de 40% não usavam nenhum método contraceptivo (OLINTO; OLINTO, 2000). Em relação à sexualidade, 21,7% das mulheres negras negaram terem satisfação sexual, e na escolha de uso de métodos contraceptivos o de maior freqüência era a pílula, seguido logo depois da laqueadura (17,9%) (CRUZ, 2004). O acesso mais precário das mulheres negras aos anticoncepcionais também se revela através da maior parcela e na menor amplitude do mix anticoncepcional, no qual a pílula e esterilização respondem por 83% da regulação da fecundidade, em contraposição com os 76% no grupo das mulheres brancas (PERPETUO, 2000). Desigualdades raciais e o acesso ao pré-natal e ao parto O percentual de gestantes negras que recebeu o que Ministério da Saúde considerada como o pacote mínimo de qualidade para assistência pré-natal - seis consultas ao longo da gestação, mais uma consulta no puerpério foi de 61% e 31%, em contraste 77% e 46% das brancas (PERPETUO, 2000). No pré-natal as mulheres pretas e pardas tiveram menor acesso a atenção adequada em acordo aos padrões estabelecidos pelo Ministério da Saúde. A peregrinação em busca de atendimento foi de 31,8% entre as negras, 28,8% nas pardas e 18,5% nas brancas. Ao analisar sobre

as adolescentes puérperas, observou-se que 24,5% tinham com preta, 22,3% cor parda e 16,3% cor branca (LEAL et al, 2005). Desigualdades raciais e mortalidade materna As mulheres pretas estão submetidas a um risco de mortalidade materna que é o dobro do risco a que estão submetidas às mulheres brancas. De acordo a autora Martins (2004) morte materna está no grupo das doenças que afetam a população negra: cuja evolução é agravada ou o tratamento é dificultado pela falta de acesso aos serviços de saúde ou má qualidade da atenção. Para Lopes (2004) por essas e outras razões não é mera coincidência o fato de que a maioria das mortes maternas ocorre com as mulheres negras, entre as causas de mortes maternas, as principais relacionam-se às complicações do aborto Um estudo em São Paulo identificou que a mortalidade materna foi a segunda causa de morte entre as mulheres pretas. Ao analisar a totalidade dos óbitos (349) destas, constatou que supera a das brancas em 5,6 vezes, com coeficiente de 212,80/100 mil nascidos vivos. Em relação à morte materna causada pelo aborto as mulheres pretas (13,6) têm um risco de 2,5 vezes maior quando comparada a mulher branca (5,3) (BANDEIRA E BATISTA, 2002). De acordo com Martins (2006) mesmo excluindo os obitos tardios, para as capitais, as mulheres brancas apresentam a menor razão e mortalidade, 48,73/100 mil nascidos vivos, seguidas das negras, com 72,61, sendo para as pardas 65,07 e 227,60 para as pretas. Considerações Muitos trabalhos que abordam temas relativos à saúde reprodutiva a maioria deles relacionam as mulheres negras ao processo saúde-doença, sendo mais expostas à infertilidade e à mortalidade materna, como um resultado sua predisposição biológica para algumas doenças, a exemplo da hipertensão arterial e a miomatose, ao invés de abordar temas relacionados a dificuldades de acesso a serviços de saúde, fruto da discriminação racial que determinaria sua maior concentração em área de periferia, onde a infra-estrutura de serviços é ausente ou deficiente (PERPÉTUO, 2002). As desigualdades raciais, resultantes dos efeitos da exclusão social e do racismo, são manifestadas através da prática do preconceito e da descriminação. Pesquisas revelam que as iniqüidades em saúde das mulheres negras são decorrentes da violação de direitos que dificultam a ascensão social e acesso a condições dignas aos serviços de saúde (SANTOS; GUIMARÃES; ARAÚJO, 2007).

Alguns autores (BARBOSA, 2001; LOPES, 2004 e BATISTA, 2002) descrevem quando analisa os indicadores que para os negativos a população negra tem o maior índice, principalmente a mulher negra que contraria os números quando comparada ao homem branco. Porém em relação ao índice positivos como expectativa de vida a mulher branca tem o maior índice (71 anos) enquanto a mulher negra (66 anos) (BATISTA, 2002). Desta forma quando se faz o recorte racial à discussão das desigualdades que atingem as mulheres no Brasil comumente aponta para a presença de uma tríplice discriminação: o fato de ser mulher, ser negra e a questão social. E que a mulher negra, enquanto ser indivisível vivencia simultaneamente graus extremos de violência decorrente do sexismo, do racismo e dos preconceitos de classe social, em um bloco monolítico (BARBOSA, 2001; WERNECK, 2001). As iniquidades em saude revelam atraves dos estudos transversais como a interseccionalidade trata especificamente, do racismo, sexismo, opressão de classe, criando desigualdades basicas que estruturam posições, principalmente quando se refere as mulheres negras. Pois de acordo com Crenchaw (2002) as mulheres racializadas frequentemente estão posicionadas em um espaço onde o racismo ou a xenofobia, a classe e o genero se encontram. Bibliografia ARTICULAÇÃO DE MULHERES BRASILEIRAS. Políticas Públicas para as mulheres no Brasil, 5 anos após Beijing. Brasília, 2000. BARBOSA, Maria Inês da Silva. É mulher, mas é negra: perfil da mortalidade do quarto do despejo. Jornal da Rede Saúde. n 23, Março, 2001. BATISTA, Luis Eduardo. Mulheres e homens negros: saúde, doença e morte [tese]. Araraquara(SP): Universidade Estadual Paulista; 2002. BRASIL, Ministério da Saúde. Atenção à Saúde das Mulheres Negras, Perspectiva da Eqüidade no Pacto Nacional pela Redução da Mortalidade Materna e Neonatal. Brasilia, 2005. CHACHAM, Alessandra Sampaio. Condições Socioeconômicos, Etários e Raciais. Jornal da Rede Saúde. n 23, Março, 2001. COSTA, Ana Maria; GUIMARÃES, Mª do Carmo Lessa. Controle Social: uma questão de cidadania, saúde é assunto de mulheres. Rede Feminista de Saúde. 2ª Ed. 2002. CRENSHAW, Kimberlé. Documento para o encontro de especialistas em aspectos da discriminação racial relativos ao gênero. Revista Estudos Feministas, Vol.10, N.1, p.171-188. 2002

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