Um estudo de caso: ABSTRACT Nº 1, por Tomoko Takahashi Mariana Duarte Garcia de Lacerda 1 RESUMO Estudo de caso sobre a obra Abstract nº 1 (2007), da artista visual Tomoko Takahashi, baseado em pesquisa e análise de sua produção, por meio, principalmente, das criticas realizadas em torno de sua exibição. Pretende-se estabelecer relações entre a realização dessa obra e o desenho expandido, sendo a metodologia de pesquisa comparativa, descritiva e histórica. Palavras-chave: Instalações. Projeto. Desenho Expandido. Poética. 1 Mestre em Direito das Relações Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2008) e Bacharelanda em Artes Visuais pelo Centro Universitário Belas Artes de São Paulo. É advogada e pesquisadora em São Paulo.
Um estudo de caso: ABSTRACT Nº 1, por Tomoko Takahashi Mariana Duarte Garcia de Lacerda There's always a kind of story. I set up a background and start imagining things. Everything has its own life and I want to make things more themselves, to liberate them from imposed rules. Teetering on the edge between order and chaos, that's the exciting point -- living is like that." Tomoko Takahashi INTRODUÇÃO O presente estudo de caso pretendeu analisar a obra Abstract nº 1, da artista japonesa residente em Londres, Tomoko Takahashi, desde a sua concepção até a realização, bem como a sua conceituação e localização no portfólio da artista. Tomoko Takahashi é uma artista contemporânea, nascida em Tokyo em 1966, residente em Londres, onde teve a oportunidade de formar-se pela Slade School of Fine Art. Tendo caído nas graças de Charles Saatchi em 1998, quando ele comprou três trabalhos seus e a incluiu na publicação The Neurotic Realism, foi nomeada para o Turner Prize 2 já em 2000. Conhecida por suas instalações caóticas que remetem a pilhas de sucata de alguma forma organizadas feitas a partir de lixo diário gerados em um mundo consumista, sua estética do lixo é explorada pela acumulação sem regras de objetos mundanos, que expressam seu interesse contínuo pela coleção organização, arquivo e da lógica subjacente ao caos [Absolute Arts, 2008]. Apesar da carreira estrelar e do sucesso que faz em Londres, não é fácil encontrar publicações sobre seu trabalho, principalmente os mais recentes. Sobre o quadro Abstract nº 1, produzido e exibido pela primeira vez em 2007, há alguma critica publicada na internet, mas não se conhece 2 Prêmio Britânico para a Arte Contemporânea
nenhuma análise acadêmica realizada sobre ele ou esse período. Assim, sendo obra recente, parcamente analisada pela literatura de artes, seja no Brasil ou fora, tais críticas e as notícias sobre a obra e as exposições onde foi exibida serviram de base para o presente trabalho. Diante dessa dificuldade, porém tendo identificado a Hales Gallery em Londres como representante da artista, encaminhamos email para info@halesgallery.com solicitando as seguintes informações que complementariam a nossa pesquisa já realizada até então, esclarecendo pontos identificados: 1. Quão relacionada a obra Abstract nº1 é à Abstract nº2? Sem dúvida há um diálogo entre ambas, mas em que limite as obras existem de forma independente. 2. Onde estão esses trabalhos atualmente? A instalação Abstract nº2 pude encontrar no Kemper Museum of Contemporary Art, em Kansas City, MO, USA. Os trabalhos foram separados? 3. A colagem de fotos no painel claramente desenha. As fotos foram tiradas especificamente com o propósito de figurarem em uma colagem em painel ou elas pertenciam ao arquivo pessoal da Ms. Takahashi (e então dado novo significado nessa obra)? 4. A Ms. Takahashi fez algum projeto antes de realmente colar as fotos, ou a o resultado final foi de alguma forma casual? Se houve projeto, há arquivo disso? Poderíamos ter acesso a isso por algum (incrível) acaso? 5. O trabalho, embora se refira à suas instalações, é bem diferente na forma do que seus outros trabalhos. Ela apresenta a mesma confusão, mesma estética, com montanhas de dados, objetos e imagens. Entretanto, a experiência característica de seu trabalho (que envolvem ela, os participantes e visitantes) parecem ter sido deixadas de lado no
Abstract nº 1. O que essa mudança de linguagem significa ao seu trabalho como um todo? Se essa for uma observação infundada, peço perdão e explicações a respeito. Esse email também foi enviado à Rachel Moss, da Serpentine Gallery, que elaborou, para essa galeria, um paper para instruir o educativo a realizar visitações às obras de Tomoko Takahashi. Infelizmente nenhum dos emails foi respondido, tendo o email da Rachel Moss, inclusive, retornado por desconhecimento de usuário, indicando que ela não mais integrava os quadros da Serpentine Gallery. Algumas das questões indagadas, como a questão 2, 3 e 4 realmente puderam ser respondidas pelas pesquisas realizadas, as outras 1 e 5 não. Para aquelas que quedaram irrespondidas, alguma inferência foi possível de ser realizada a partir, principalmente, dos escritos e pesquisas sobre o trabalho da artista como um todo, mas também da observação de suas obras encontradas na rede mundial de computadores.
O TRABALHO ANALISADO: ABSTRACT Nº 1 Abstract nº 1 Foto: Hales Gallery Descrição Colagem de fotografias retratando outras instalações, no seu estúdio ou em galerias, sobre painéis reutilizados, pintados de preto, de 240x 360 cm de dimensão. Histórico Apresentada pela primeira vez em exposição individual realizada na Hales Gallery entre 8 de fevereiro e 10 de março de 2007, foi apresentada também em Nova York na exposição Organizing Chaos ocorrida entre maio e outubro de 2007, na P.S. 1 Contemporary Art Center, MoMA; em Bexhill, Sul da Inglaterra, na exposição Introspective Retrospective, ocorrida no De La Warr Pavilion entre abril e setembro de 2010.
Na primeira exposição, a obra foi colocada em uma sala juntamente com a instalação Abstract No. 2, do mesmo ano, que apresentava também uma colagem de fotografias sobre painéis reutilizados, pintados de preto, bem como uma série de fotos, negativos, envelopes e caixas de arquivo espalhados pelo chão, virados para baixo. O painel que integra o Abstract nº 2, por sua vez, apresenta fotos enroladas, e deve ser lido da esquerda para direita, começando por fotos de seus textos, fitas cassetes, instalações e algumas palavras como STOP e OUT. Foto: Artvehicle 10/ Review. As obras Abstract nº1 e Abstract nº2 sugerem reminiscências de um arquivo fotográfico abandonado. No entanto as obras são independentes no sentido e no limite em que hoje o Abstract No. 2 encontra-se no Kemper Museum of Contemporary Art, instituição que o adquiriu em 2008, enquanto que o Abstract nº 1 permanece na Inglaterra, sem registro de que tenha sido adquirido e tendo sido exibido em Bexhill, sul da Inglaterra neste ano.
Elaboração O site da Galeria Hales que a representa a descreve como colecionadora de natureza obsessiva, o que indica que seria natural que as fotos dispostas no painel foram tiradas originalmente com o propósito de formar o arquivo pessoal da Ms. Takahashi. Principalmente porque as instalações retratadas não parecem ser da mesma época da primeira exibição do trabalho. O fato de estarem ali retratadas instalações dispostas não só no ateliê da artista, mas também em outras galerias além daquela de sua exibição original reforça a idéia de fotos tiradas ao longo de um tempo. O mesmo site recorda, entretanto, que a artista é altamente seletiva ao coletar materiais para seu trabalho, escolhendo objetos por suas funções a serem desempenhadas ou para reforçar ou animar diferentes aspectos e idéias no trabalho. Como explicitado na frase que abre este trabalho, Tomoko Takahashi pretende, com sua coleção de dados, imagens e objetos, contar uma história a partir de um cenário. Cada objeto assume vida própria e assume a sua própria individualidade, se liberando das regras que normalmente o significam. Assim, ainda que evidentemente tenha recorrido ao seu arquivo obsessivo, realizado independente dos fins que os objetos e imagens pudessem um dia assumir, fica evidente que a escolha das fotos não se deu de forma casual, mas sim buscando imprimir no resultado final a harmonia do desenho que ali está impresso, formado pelos grupos de fotos relativos às instalações. Embora esteja ali presente um evidente desenho, Takahashi não realizou qualquer projeto antes de realmente colar as fotos ao painel, como de fato não o faz para qualquer dos seus trabalhos [PREECE, 1998]. Segundo a própria Takahashi, ela não faz proposições, considerando a sua qualidade o improviso, de modo que, mesmo nas instalações tem de comunicar aos curadores de suas exposições de que ela não tem idéia do que fará, mas que garante que terminará o trabalho até a abertura da exposição de alguma forma. Entretanto, não se pode dizer que o resultado final foi de alguma forma casual. Segundo Takahashi, ainda citada por PREECE:
"I feel the work is highly ordered, and I hope it is readily apparent to the viewer. Of course, it is camouflaged because I want to get closer to this relationship. The work has a face that looks chaotic, but at the end of the day it is designed to be disordered. CONCLUSÃO: O ABSTRACT Nº 1 E A POÉTICA DA ARTISTA A artista é conhecida, antes de tudo, por suas instalações gigantes, desenhos expandidos que tomam o espaços, os trabalhadores dos espaços expositivos e os visitantes de sua exposição. Seu caos organizado envolve a tudo e a todos criando os cenários mencionados antes neste trabalho. É evidente, então, que, embora suas instalações não sejam site specific (haja vista a apresentação desses em exposições em diversos países), o lugar no qual a instalação se desenvolve realmente merece posição de destaque em seu trabalho. Takahashi reconhece que o seu trabalho é influenciado pelo local em que desenvolve seus cenários e diz que sua intenção é encapsulate the activity of the people who inhabit that space, often through objects which are left behind by them [PREECE, 1998]. O seu objetivo maior é tocar a musica natural do lugar que havia sido composta pelos seus habitantes e, assim, diz fazer musica visual utilizando além do lugar, os objetos que aqui, buscam assumir suas características intrínsecas liberando-se de seus significados normatizados. Na crítica à exposição individual realizada na Hales Gallery entre 8 de fevereiro e 10 de março de 2007 publicada na Artvehicle 10/ Review, esse aspecto é ressaltado com a lembrança de que ao fim da exposição teria havido um evento no qual se podiam retirar os objetos das obras e levar para a casa, coisificando os excertos da obra novamente, realizando uma (re)inversão: a arte remove a funcionalidade dos objetos e ao retirarmos o objeto das arte, revelamos de novo o uso normatizado desse objeto. Takahashi assim se aproximaria da noção de Gestell (enquadramento) de Heidegger: a coisificação dos objetos pela arte. Para tanto, não raro se muda para dentro da instalação enquanto a
desenvolve e envolve todos ao seu redor na sua realização. O trabalho ora analisado, embora se refira à suas instalações, é bem diferente na forma do que seus outros trabalhos. Ela apresenta a mesma confusão, mesma estética, com montanhas de dados, objetos e imagens. Entretanto, a experiência característica de seu trabalho (que envolvem ela, os participantes e visitantes) parecem ter sido deixadas de lado no Abstract nº 1. É verdade que esse não é o único trabalho da artista que envolve desenho com fotografias em painéis reutilizados. Além do trabalho analisado e seu irmão Abstract nº 2, Takahashi criou painéis para o lançamento da Street Art Dealers, o pôster Thinking of Serpentine e outros. Não ficou claro na pesquisa realizada, entretanto, como ela transporta a sua poética do envolvimento das demais pessoas para trabalhos como esses. Quer nos parecer que esses trabalhos, ainda que guardem a mesma estética, considerada feminina para alguns [THOMPSON, 2010], que exige que o trabalho seja analisado em detalhes bem como atingem o expectador com milhares de dados, objetos e imagens, são muito mais individuais e autorais do que as suas instalações. Essa afirmativa, entretanto, não é passível de ser feita de forma categórica, uma vez que a fonte na qual se buscou essa resposta não ofereceu solução à indagação. Desta forma, essa divergência de procedimento fica aqui anotada como provável hipótese. Sem sobra de dúvida, entretanto, a coisificação e o enquadramento Heidggeriano estão presentes também na obra de parede realizada pela artista. Já foi mencionado aqui também que o seu caos é fruto de estudo e pensamento, bagunça de design, como ela mesmo define 3. Sem dúvida são oriundos dessa tentativa muito bem sucedida, de usar o objeto, imagem ou foto como elemento de desenho de seu cenário e retira-los de suas significações denotativas ordinárias. Sem sombra de dúvidas os trabalhos realizados pela artista estudada encontram-se no campo de um desenho expandido, que saiu dos limites da linha, da sobra e da cor sobre papel, para ganhar o espaço e outros elementos e materiais distintos. A obra aqui analisada tem ainda dentro de si a característica de ser o desenho feito com desenhos, pois mostra a fotografia 3 A expressão usada pela artista é "Designer disorder [ PREECE]
dos desenhos realizados nas instalações, com os objetos coisificados, retirada ela mesmo do caráter de imagem de registro e tornada coisa também para fazer um novo desenho, independente de todos os significados existentes nelas e nas coisas que retratam.
BIBLIOGRAFIA Artvehicle 10/ Review. Critica à Exposição individual realizada na Hales Gallery entre 8 de fevereiro e 10 de março de 2007 disponível em http://www.artvehicle.com/events/160 acesso em 14 de agosto de 2010. MOSS, Rachel. Serpentine Gallery Teachers Notes para a exposição da Tomoko Takahashi ocorrida entre 22 de Fevereiro a 10 de Abril de 2005, disponível em http://www.serpentinegallery.org/images/takahashi_teach_notes.pdf, acesso em 26 de setembro de 2010. New York Times. Chaotic Creation in Silence and Smashing Guitars, publicada em http://www.nytimes.com/2007/07/06/arts/design/06chao.html?pagewanted=all acesso em 26 de setembro de 2010. PREECE, Robert. Tomoko Takahashi: Demystifying the remains of our time, disponível em http://www.artdesigncafe.com/tomoko-takahashi-robert- Preece-feature-1998, acesso em 27 de setembro de 2010. Sítio Absolute Arts, Indepth Arts News. Critics for exhibition Tomoko Takahashi: Pile Up view January 11 March 30, 2008, at the Kemper Museum, disponível em http://www.absolutearts.com/artsnews/2008/01/14/34844.html, acesso em 26 de Setembro de 2010. Kemper Museum Sítio Arts and Designs, Crítica à Exposição Pile Up, ocorrida no entre 11 de Janeiro e 30 de Março de 2008, disponível em http://www.artsanddesigns.com/cgi-bin/makeevents.pl?eventid=980605492, acesso em 26 de Setembro de 2010. Sítio da Hales Gallery. Tomoko Takahashi s Overview, disponível em http://www.halesgallery.com/artists/_tomoko%20takahashi/ acesso em 14 de agosto de 2010. STALLABRASS, Julian. High Art Lite: British Art in the 1990s, Verso, NY, 1999 Thompson, Sarah. Crítica à exposição Introspective Retrospective, disponível em http://www.transjuice.org/page72.htm, acessado em 27 de setembro de 2010.