DE ALFACES (Lactuca sativa)



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artigo original AVALIAÇÃO PARASITOLÓGICA DE ALFACES (Lactuca sativa) COMERCIALIZADAS NO MUNICÍPIO DE TANGARÁ DA SERRA, MATO GROSSO, BRASIL Juliana Jardini Brandão Ferro, 1 Julia Maria Costa-Cruz 2 e Ivanildes Solange da Costa Barcelos 1 e 3 RESUMO A contaminação de hortaliças por parasitos pode ser um fator de risco à saúde. Este estudo teve como objetivos verificar a ocorrência de parasitos e avaliar as condições higiênico-sanitárias de alfaces (Lactuca sativa) comercializadas no município de Tangará da Serra, estado de Mato Grosso, no período de dezembro de 2006 a abril de 2007. Cem exemplares de alface comercializadas na feira municipal foram submetidos ao método de sedimentação espontânea. Constataram-se 11% de positividade para espécies de importância médica (Strongyloides spp., Toxocara sp., Fasciola hepatica e Entamoeba coli) e 71% para espécies de vida livre. A água predominante na irrigação era de poço artesiano (59,1%) e as hortaliças eram transportadas predominantemente em veículos abertos (77,2%). A eliminação de dejetos em fossas sanitárias foi verificada em 86,4% das propriedades e o uso de fezes de animais na adubação foi relatado por 100% dos produtores, portanto as amostras de alface foram consideradas inadequadas para o consumo. DESCRITORES: Alface. Contaminação. Alimento. Parasitos. ABSTRACT Parasitological evaluation of lettuce (Lactuca sativa) commercialized in the municipality of Tangará da Serra, Mato Grosso State, Brazil The parasitological contamination of vegetables may be a risk factor for health. The objective of this study was to verify the occurrence of parasites and the hygienic and sanitary condition of the lettuces commercialized in the municipality of Tangará da Serra, Mato Grosso, from December 1 Laboratório de Ciências Biológicas, Universidade do Estado de Mato Grosso (UNEMAT), Tangará da Serra, MT. 2 Laboratório de Diagnóstico de Parasitoses, Instituto de Ciências Biomédicas, Universidade Federal de Uberlândia, MG. 3 Laboratório de Ciências Biomédicas I - Imunologia, Universidade Federal de Goiás campus Jataí, Jataí, GO, Brasil. Endereço para correspondência: Ivanildes Solange da Costa Barcelos. Universidade Federal de Goiás campus Jataí BR 364, km 192, s/n, CEP: 75.801-615 Jataí GO, Brasil. E-mail: solbarcelos1@hotmail.com Recebido para publicação em: 11/2/2011. Revisto em: 21/7/2011. Aceito em: 12/3/2012. Vol. 41 (1): 47-54. jan.-mar. 2012 10.5216/rpt.v41i1.17745 47

2006 to April 2007. One hundred lettuce samples commercialized in the municipal free market were submitted to the sedimentation method. The positivity was 11% for parasitic species (Strongyloides spp., Toxocara sp., Fasciola hepatica, and Entamoeba coli) and 71% for free-living species. The predominant water used for irrigation was of artesian well (59.1%) and transportation was done in open vehicles (77.2%). Sanitary waste disposal pits occurred in 86.4% of the properties and the use of animal feces as fertilizer was reported by 100% of the producers. In conclusion the lettuce samples were considered inadequate for consumption. KEY WORDS: Lettuce. Food. Contamination. Parasites. INTRODUÇÃO Os vegetais são recomendados por médicos e nutricionistas como parte indispensável de uma alimentação saudável, em virtude do conteúdo de vitaminas, sais minerais e fibras alimentares. Este aspecto favorece seu consumo na forma crua, porém, quando contaminadas, são responsáveis pela transmissão de doenças infecciosas, principalmente se ingeridas mal lavadas (Silva et al., 1995). Dentre os vegetais, a alface (Lactuca sativa) pertencente à família das Asteráceas (compostas), constitui uma das hortaliças mais consumidas in natura pela população humana. A disseminação de parasitoses por meio de hortaliças pode ocorrer pela contaminação do solo, da água de irrigação ou diretamente por meio das mãos dos manipuladores do vegetal. Os vegetais são adubados com dejetos humanos ou de animais (bovinos, suínos e aves) ou irrigados com água contaminada por dejetos. As formas parasitárias veiculadas geralmente são ovos e larvas de helmintos e cistos e oocistos de protozoários (Silva et al., 1995; Oliveira & Germano, 1992). O diagnóstico laboratorial de enteroparasitos em hortaliças permite inferir as condições sanitárias envolvidas nas etapas de produção dos vegetais e identificar os riscos de contaminação dos consumidores para que sejam fornecidos os dados aos órgãos da saúde pública e à Vigilância Sanitária (Silva et al., 2005; Nolla & Cantos, 2005). Os principais protozoários intestinais que podem ser veiculados pelas mãos do produtor e pela água de irrigação de vegetais são: cistos de Entamoeba hystolitica, Giardia lamblia e comensais, como Entamoeba coli e Endolimax nana (Nolla & Cantos, 2005). Dentre os helmintos, a contaminação da água, do solo ou das mãos pode veicular ovos ou larvas de diferentes espécies. A adubação de vegetais com dejetos de animais pode acarretar aumento da contaminação biológica (Ferreira et al., 2000; Marouelli et al., 2001; Arbos et al., 2010). As condições higiênicas dos produtos englobam o sistema de água de irrigação, o tipo de adubo utilizado, a embalagem e o transporte de hortaliças das propriedades onde são cultivadas até os locais de comercialização (Mesquita et al., 1999; Cantos et al., 2004). Os objetivos deste estudo foram verificar a ocorrência de parasitos e avaliar as condições higiênico-sanitárias de alfaces (Lactuca sativa) comercializadas no município de Tangará da Serra, estado de Mato Grosso. 48 REVISTA 10.5216/rpt.v41i1.17745 DE PATOLOGIA TROPICAL

MATERIAL E MÉTODOS Área de estudo O município de Tangará da Serra, situado no sudoeste do estado de Mato Grosso, nas coordenadas 14 04 38 (latitude sul) e 57º03 45 (longitude oeste), está localizado a 230 km de Cuiabá, capital mato-grossense e apresenta clima tropical quente e úmido. Coleta de amostras e análises parasitológicas As amostras de alfaces foram obtidas na principal feira municipal de Tangará da Serra, localizada na área central urbana, no período de dezembro de 2006 a abril de 2007. Os responsáveis pelos boxes na feira foram previamente consultados e, sendo-lhes garantido o sigilo, deram consentimento oral para a realização do projeto. Foram analisadas 100 amostras de alface (Lactuca sativa): 50 da variedade lisa e 50 da variedade crespa. Foi estabelecido como unidade amostral o pé (ou touceira), independentemente do peso. As amostras foram obtidas dentre aquelas disponíveis para a comercialização nos 23 boxes, no período da manhã, em número de quatro ou cinco amostras por box. As amostras foram acondicionadas individualmente em sacos plásticos limpos e descartáveis, identificadas e transportadas em temperatura ambiente até o Laboratório de Ciências Biológicas da UNEMAT. No laboratório, para cada unidade amostral obtida, foi empregado o método de sedimentação espontânea, adaptado para hortaliças, conforme descrito a seguir: em uma bandeja plástica de cor branca leitosa, com 40x30x10 cm, de comprimento, largura e altura, respectivamente, foram colocados 200 ml de solução de Tween 80 (VETEC, Brasil) preparada com a diluição de três gotas em um litro de água destilada. As folhas de alface foram separadas utilizando-se luvas de procedimento; foram desprezadas as deterioradas, as raízes e o talo, ficando as demais mergulhadas na solução que continha Tween 80. A bandeja contendo a amostra de alface foi submetida à agitação orbital lenta (agitador Kline) durante cinco minutos e permaneceu durante uma hora e meia em repouso. Posteriormente, as superfícies das folhas foram esfregadas com pincel (nº 20) e permaneceram mais cinco minutos em repouso. Em seguida, as folhas foram erguidas para que o líquido escorresse completamente e, depois, desprezadas. O líquido obtido foi filtrado em gaze dobrada quatro vezes e recolhido em um cálice cônico de sedimentação, de plástico, com capacidade para 200 ml, ficando em repouso por 24 horas para ocorrer a sedimentação espontânea. Completada a sedimentação, para cada unidade amostral, foi retirada uma gota do sedimento da amostra por meio de canudo de plástico, esta foi colocada sobre uma lâmina de microscopia óptica, adicionando-se, em seguida, uma gota de solução de lugol a 5%. Depois disso, cobriu-se com uma lamínula e observou-se no microscópio óptico (Binocular Coleman N 101/B) para a identificação das estruturas Vol. 41 (1): 47-54. jan.-mar. 2012 10.5216/rpt.v41i1.17745 49

parasitárias em objetivas de 10X e 40X. O diagnóstico parasitológico foi realizado de modo qualitativo. As amostras foram observadas em triplicata, totalizando 300 lâminas. Os dados sobre as condições de cultivo e manipulação das hortaliças foram obtidos por meio da aplicação de um questionário semiestruturado aos produtores rurais que comercializam as alfaces na feira municipal. Foram avaliados cinco fatores: fonte da água para irrigação (rio, córrego, água encanada ou poço artesiano), tipo de adubo utilizado no cultivo das alfaces, criação de animais na propriedade, meio de transporte das alfaces até a feira municipal e forma de eliminação dos resíduos de sanitários, tanques e pias da propriedade (Anexo A). Os dados estatísticos foram submetidos a análise binomial, teste da diferença entre duas proporções com nível de significância de 5% (p < 0,05), Minitab Statistical Software, Release 13.31. RESULTADOS As amostras de alfaces analisadas apresentaram 11% de positividade para espécies de importância médica. Foram detectadas larvas rabditoides de Strongyloides spp., ovos não larvados de Toxocara sp., ovos de Fasciola hepatica e cistos de Entamoeba coli (Tabela 1). Não houve diferença significativa entre as variedades crespa e lisa em relação à positividade parasitológica (p = 0,084). Organismos de vida livre foram encontrados em 71% das amostras e, após identificação morfológica, foram classificados como protozoários do Filo Ciliophora (70,4%), do Subfilo Mastigophora (15,5%) e invertebrados do Filo Arthropoda (Ordem Acari) (14,1%). Tabela 1. Ocorrência de parasitas em alfaces comercializadas na Feira Municipal de Tangará da Serra MT, Brasil, no período de dezembro de 2006 a abril de 2007. Variedade Strongyloides spp. Toxocara sp. Fasciola hepatica Entamoeba coli N Total de amostra n F(%) n F(%) n F(%) n F(%) F(%) Alface Crespa 50 2 4 2 4 0 0 2 4 12 Alface Lisa 50 3 6 0 0 1 2 1 2 10 Total 100 5 5 2 2 1 1 3 3 11 N = Total de hortaliças investigadas; n = número de amostras positivas. F(%) = freqüência de positividade. Dos 23 produtores rurais, 22 responderam ao questionário sobre as condições higiênico-sanitárias do cultivo e transporte das alfaces comercializadas. Os dados obtidos indicaram o poço artesiano como a principal fonte de água utilizada na irrigação de hortaliças (Figura 1). A utilização de água de poço foi estatisticamente significante em relação ao uso de água de rio, córrego e mina, apresentando, respectivamente, p = 0,007, p = 0,001 e p = 0,0001. A comparação entre uso de água de rio e de mina apresentou p = 0,039. 50 REVISTA 10.5216/rpt.v41i1.17745 DE PATOLOGIA TROPICAL

Verificou-se variação quanto ao tipo de adubo utilizado no cultivo de hortaliça pelos feirantes, sendo relatado o uso de fezes de galinha (68,2%), fezes de bovinos e fezes de galinha (9,1%), fezes de galinha e adubo químico (9,1%) e associações destes com matéria orgânica decomposta por 13,6% dos produtores entrevistados. A utilização de fezes de galinha apresentou significância de p = 0,0001. A criação de animais nas propriedades foi confirmada por 45,5% dos entrevistados, tendo sido citados: galinhas, bovinos, suínos, cães, gatos e equinos. Em 77,2% (p = 0,0001) dos casos, o principal meio de transporte das hortaliças até a feira municipal era veículo aberto. Quanto às formas de eliminação dos dejetos das propriedades rurais, 86,4% dos produtores relataram a utilização da fossa sanitária; 9,1% confirmaram a eliminação de resíduos em rio e 4,5%, em córrego. A eliminação de dejetos em fossa sanitária foi estatisticamente significante em relação aos outros itens (p = 0,0001) e nessas propriedades rurais é que ocorreram os casos de amostras de alfaces contaminadas por parasitos. Nenhum proprietário declarou a utilização de rede de esgoto. Frequência (%) 100 80 60 40 20 0 Poço Rio Córrego Mina Figura 1. Tipo de fonte de água de irrigação utilizada pelos 22 produtores de alfaces comercializadas na Feira Municipal de Tangará da Serra, MT. DISCUSSÃO As amostras analisadas no presente estudo apresentaram contaminação por helmintos e protozoários de importância médica, como também por organismos de vida livre. Na literatura científica, podemos destacar estudos que relatam a contaminação de hortaliças para consumo humano, dentre os quais Mesquita et al. (1999) que analisaram 128 amostras de hortaliças e detectaram 3,9% de enteroparasitos em alfaces e 2,3% em agrião comercializados na cidade de Niterói-RJ. Na feira do produtor de Maringá-PR, em 144 amostras de hortaliças foi demonstrada a contaminação de 16,6% das hortaliças por formas parasitárias (Guilherme et al., 1999). No município de Campo Mourão-PR, foi detectada positividade parasitológica em 75 (58,7%) amostras de alface crespa analisadas (Freitas et al., 2004). Em Recife-PE, foi demonstrada a prevalência de 96,9% de estrutura parasitária em amostras de alfaces da variedade crespa provenientes de supermercados e feiras livres da cidade (Rocha et al., 2008). Vol. 41 (1): 47-54. jan.-mar. 2012 10.5216/rpt.v41i1.17745 51

Os parasitos detectados em hortaliças, nesta pesquisa, já foram encontrados em outros estudos e relatados na literatura nacional. Larvas de Strongyloides spp. foram detectadas em 100% das amostras de alfaces provenientes de feiras livres e 88% provenientes de supermercados na cidade de Recife-PE (Rocha et al., 2008). Falavigna et al. (2005) encontraram ovos de Toxocara sp. em 4,5% das amostras de alface lisa proveniente de chácaras no município de Maringá-PR. Oliveira & Germano (1992) detectaram ovos de Fasciola sp. em 2% das amostras de alface lisa comercializada na região metropolitana de São Paulo-SP. Em Niterói-RJ, cistos de E. coli foram encontrados em 9,9% de amostras de alface (lisa e crespa) de restaurantes self-service (Paula et al., 2003). Em avaliações parasitológicas de hortaliças consumidas in natura em Recife-PE, Silva et al. (2005) demonstraram a presença do protozoário Entamoeba sp. em 24% das amostras analisadas, sendo 2,5% em alfaces lisas. Dentre os principais fatores que contribuem para a disseminação de patógenos de origem fecal nas hortaliças, ressaltam-se as condições ecológicas, as diferentes práticas de agricultura, o tipo de transporte da propriedade até o ponto de comercialização, o acondicionamento e a manipulação (Baruffaldi et al., 1984; Paula et al., 2009). A utilização de fossas sanitárias foi a principal alternativa para a eliminação de dejetos das propriedades rurais observada neste estudo, o que acarreta riscos de contaminação da água utilizada na irrigação. A adubação com fezes de animais também pode contribuir para a contaminação de hortaliças (Guilherme et al., 1999; Arbos et al., 2010). Segundo Cantos et al. (2004), o acondicionamento e o transporte podem influir no índice de contaminação das hortaliças. Nesta pesquisa, os feirantes entrevistados transportavam as alfaces em veículos abertos, contribuindo, desse modo, para a disseminação de patógenos, uma vez que insetos ou aves podem depositar suas fezes contendo formas infectantes sobre as hortaliças no decorrer do transporte ou a contaminação pode ocorrer pela ação do vento. A criação de animais nos locais de cultivo de hortaliças representa riscos de contaminação de vegetais e de disseminação das parasitoses para humanos: hidatidose (cão e carneiro), toxocaríase (cão e gato), fasciolíase (bovino, suíno) (Jacob et al., 1994; Nogari et al., 2004; Lima et al., 2009). A ocorrência de larvas de Strongyloides spp. em hortaliças sugere péssimas condições higiênico-sanitárias da água de irrigação ou do solo para cultivo (Marouelli et al., 2001; Rocha et al., 2008). A infecção pelo nematódeo Toxocara sp. em humanos pode ser responsável pela síndrome de larva migrans visceral que acomete, principalmente, crianças, apresentando hepatomegalia, manifestações pulmonares e intensa eosinofilia associadas com a infecção por larvas do parasito (Jacob et al., 1994). O trematódeo F. hepatica constitui o agente etiológico da fasciolíase que ocorre em todo o mundo. No Brasil, essa zoonose é endêmica, principalmente nas Regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste. A fasciolíase foi relatada no estado de Mato Grosso do Sul associada ao rebanho bovino (Paraense, 1982). Esse 52 REVISTA 10.5216/rpt.v41i1.17745 DE PATOLOGIA TROPICAL

parasito tem como hospedeiros intermediários os moluscos do gênero Lymnaea que habitam margens de lagoas, represas e pastagens alagadiças e a transmissão para os bovinos e ovinos (hospedeiros definitivos) se dá pela ingestão de vegetais do pasto ou de água contendo metacercárias, formas larvárias provenientes dos caramujos infectados. O ser humano geralmente se infecta pela ingestão de agrião contaminado por metacercárias (Rey, 2009). Esta parasitose é responsável por causar perdas econômicas significativas em bovinos, visto que provoca diminuição da produção de carne e leite, condenação de fígados parasitados e aumento da mortalidade (Lima et al., 2009; Bernardo et al., 2011). A detecção de ovos de F. hepatica em amostras de alfaces sugere a existência de animais infectados na área pesquisada neste estudo. A contaminação das amostras de alfaces por parasitos demonstrada neste estudo e a deficiência das condições higiênico-sanitárias do cultivo e manipulação dessas hortaliças indicam sua inadequação para o consumo humano. Portanto, sugere-se maior rigor na atuação da Vigilância Sanitária. REFERÊNCIAS 1. Arbos KA, Freitas RJS, Stertz SC, Carvalho LA. Segurança alimentar de hortaliças orgânicas: aspectos sanitários e nutricionais. Cien Tecnol Aliment 30: 215-220, 2010. 2. Baruffaldi R, Penna TCV, Machoshvili IA, Abe LE. Tratamento químico de hortaliças poluídas. Rev Saude Publica 18: 225-234, 1984. 3. Bernardo CC, Carneiro MB, Avelar BR, Donatele DM, Martins IVF, Pereira MJS. Prevalence of liver condemnation due to bovine fasciolosis in Southern Espírito Santo: temporal distribution and economic losses. Rev Bras Parasitol Vet 20: 49-53, 2011. 4. Cantos GA, Soares B, Maliska C, Gick D. Estruturas parasitárias encontradas em hortaliças comercializadas em Florianópolis, Santa Catarina. News Lab 66: 154-163, 2004. 5. Falavigna LM, Freitas CBR, Melo GC, Nishi L, Araújo SM, Guilherme ALF. Qualidade de hortaliças comercializadas no noroeste do Paraná, Brasil. Parasitol Latinoam 60: 144-149, 2005. 6. Ferreira MU, Ferreira CS, Monteiro CA. Tendência secular das parasitoses intestinais na infância na cidade de São Paulo (1984-1996). Rev Saude Publica 34: 73-82, 2000. 7. Freitas AA, Kwiatkowski A, Nunes SC, Simonelli SM, Sangioni LA. Avaliação parasitológica de alfaces (Lactuca sativa) comercializadas em feiras livres e supermercados do município de Campo Mourão, Estado do Paraná. Acta Sci Biol Sci 26: 381-384, 2004. 8. Guilherme ALF, Araújo SM, Falavigna DLM, Pupulim ART, Dias MLGG, Oliveira HS Maroco E, Fukushigue Y. Prevalência de enteroparasitas em horticultores e hortaliças da Feira do Produtor de Maringá, Paraná. Rev Soc Bras Med Trop 32: 405-411, 1999. 9. Jacob CMA, Pastorino AC, Peres BA, Mello EO, Okay Y, Oselka GW. Clinical and laboratorial features of visceral toxocariasis in infancy. Rev Inst Med Trop São Paulo 36: 19-26, 1994. 10. Lima WS, Soares LRM, Barçante TA, Guimarães MP, Barçante JMP. Occurrence of Fasciola hepatica (Linnaeus, 1758) infection in Brazilian cattle of Minas Gerais, Brazil. Rev Bras Parasitol Vet 18: 27-30, 2009. 11. Marouelli WA, Silva WLC, Silva HR. Irrigação por aspersão em hortaliças. Qualidade da água, aspectos do sistema e método prático de manejo. Brasília: Embrapa Informação Tecnológica: Embrapa hortaliças, 2001. 12. Mesquita VCL, Serra CMB, Bastos OMP, Uchôa CMA. Contaminação por enteroparasitas em hortaliças comercializadas nas cidades de Niterói e Rio de Janeiro, Brasil. Rev Soc Bras Med Trop 32: 363-366, 1999. Vol. 41 (1): 47-54. jan.-mar. 2012 10.5216/rpt.v41i1.17745 53

13. Nogari F, Soto FRM, Risseto MR, Souza O. Programa de tratamento e controle de doenças parasitárias em cães e gatos de proprietários de baixa renda no município de Ibiúna. Rev Cien Ext 1: 137-148, 2004. 14. Nolla AC, Cantos GA. Relação entre a ocorrência de enteroparasitoses em manipuladores de alimentos e aspectos epidemiológicos em Florianópolis, Santa Catarina, Brasil. Cad Saude Publica 21: 641-645, 2005. 15. Oliveira CAF, Germano PML. Estudo da ocorrência de enteroparasitas em hortaliças comercializadas na região metropolitana de São Paulo, SP, Brasil. I Pesquisa de helmintos. Rev Saude Publica 26: 283-289, 1992. 16. Paraense WL. Lymnaea viatrix and Lymnaea columella in the Neotropical Region: a distributional outline. Mem Inst Oswaldo Cruz 77: 181-188, 1982. 17. Paula NRF, Boas EVBV, Rodrigues LJ, Carvalho RA, Piccoli RH. Qualidade de produtos minimamente processados e comercializados em gôndolas de supermercados nas cidades de Lavras MG, Brasília DF e São Paulo SP. Cien Agrotec 33: 219-227, 2009. 18. Paula P, Rodrigues PSS, Tórtora JCO, Uchoa CMA, Farage S. Contaminação microbiológica e parasitológica em alfaces (Lactuca sativa) de restaurantes self-service, de Niterói, RJ. Rev Soc Bras Med Trop 36: 535-537, 2003. 19. Rey L. Bases da Parasitologia Médica. 3 ed. Rio de Janeiro: Guanabara-Koogan, 2009. 20. Rocha A, Mendes RA, Barbosa CS. Strongyloides spp e outros parasitos encontrados em alfaces (Lactuca sativa) comercializados na cidade do recife, PE. Rev Patol Trop 37: 151-160, 2008. 21. Silva CGM, Andrade SAC, Stamford TLM. Ocorrência de Cryptosporidium spp. e outros parasitas em hortaliças consumidas in natura, Recife, Brazil. Cien Saude Colet 10: 63-69, 2005. 22. Silva JP, Marzochi MC, Camillo-Coura L, Messias AA, Marques S. Estudos da contaminação por enteroparasitas em hortaliças comercializadas nos supermercados da cidade do Rio de Janeiro. Rev Soc Bras Med Trop 28: 273-275, 1995. ANEXO A Questionário semi estruturado número do Box: 1) Qual a fonte de água de irrigação é utilizada na propriedade? [ ]rio [ ]córrego [ ]água encanada [ ]poço artesiano 2) Qual o tipo de adubo que utiliza no cultivo de alfaces? [ ]esterco de boi [ ]esterco de galinha [ ]matéria orgânica [ ]outro qual? 3) Cria animais na propriedade onde cultiva alfaces? [ ]galinha [ ]bovino [ ]suíno [ ]caprino [ ]cães [ ]gatos [ ]eqüino [ ]nenhum 4) Qual é o meio de transporte utilizado para levar as hortaliças, inclusive alfaces, até a feira municipal? [ ]veículo aberto [ ]veículo fechado 5) Como são eliminados os resíduos (de sanitários, tanques e pias) da propriedade? [ ]na rede de esgoto [ ]no rio [ ]na fossa sanitária [ ]córrego 54 REVISTA 10.5216/rpt.v41i1.17745 DE PATOLOGIA TROPICAL