A LIBERDADE DE IMPRENSA E A SUPRASSUNÇÃO (AUFHEBUNG) DAS DIFERENÇAS E DOS CONFLITOS SEGUNDO A FILOSOFIA DO DIREITO DE G. W. F.

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Transcrição:

A LIBERDADE DE IMPRENSA E A SUPRASSUNÇÃO (AUFHEBUNG) DAS DIFERENÇAS E DOS CONFLITOS SEGUNDO A FILOSOFIA DO DIREITO DE G. W. F. HEGEL THE FREEDOM OF THE PRESS AND THE SUSPENSION (AUFHEBUNG) OF THE DIFFERENCES AND THE CONFLICTS ACCORDING TO THE PHILOSOPHY OF RIGHT OF G. W. F. HEGEL Paulo Roberto Konzen * RESUMO: Trata-se de estudo para uma apropriada leitura e compreensão crítico-filológica e histórica da filosofia hegeliana, em especial do seu conceito de liberdade de imprensa (Pressefreiheit) ou de liberdade de comunicação pública (Freiheit der öffentlichen Mitteilung), relacionado com os seus conceitos de publicidade (Öffentlichkeit), opinião pública (öffentliche Meinung), cultura (Bildung), pois são indispensáveis meios para a possibilidade de suprassunção (Aufhebung) das diferenças e dos conflitos no âmbito do Estado (Staat). PALAVRAS-CHAVE: Hegel. Filosofia do Direito. Filosofia Política (politische Philosophie). Liberdade de imprensa (Pressefreiheit). Suprassunção (Aufhebung). ABSTRACT: This is an study for an appropriate critical-philological and historical reading and comprehension of Hegel's philosophy, in special of its concept of freedom of the press (Pressefreiheit) or of freedom of public communication (Freiheit der öffentlichen Mitteilung), related to their concepts of publicity (Öffentlichkeit), public opinion (Öffentliche Meinung), culture (Bildung), because are indispensable means for the possibility of suspension (Aufhebung) of the differences and of the conflicts within the State (Staat). KEY WORDS: Hegel. Philosophy of Right. Politics Philosophy (politische Philosophie). Freedom of the press (Pressefreiheit). Suspension (Aufhebung).. Apresentação O presente trabalho é resumo do meu projeto de tese, como também uma continuidade e/ou um aprimoramento de parte da minha Dissertação. Visa, através de uma rigorosa leitura e análise crítico-filológica, histórica e hermenêutica da obra de G. W. F. Hegel, pesquisar e esclarecer a compreensão da sua Filosofia do Espírito Objetivo ou da sua Filosofia do Direito, * Doutorando em Filosofia-UFRGS/CNPq. Contato: prkonzen@yahoo.com.br

2 em especial a relevância da liberdade de imprensa na suprassunção ou suspensão (Aufhebung) das muitas diferenças e dos diversos conflitos existentes no âmbito pessoal, familiar e social, que são, a princípio, mediados ou administrados na esfera estatal. Ora, Hegel desenvolve, na Filosofia do Direito, os temas da liberdade de imprensa (Pressefreiheit) ou da liberdade de comunicação pública (Freiheit der öffentlichen Mitteilung), da liberdade de falar e de escrever (Freiheit zu reden und zu schreiben), da publicidade (Öffentlichkeit) e, também, da liberdade do pensamento e da ciência (Freiheit des Denkens und der Wissenschaft) 1, diferentes meios que são, normalmente, chamados ou conhecidos por liberdade de expressão ou, então, por imprensa livre (freie Presse), todos relacionados com o conceito de opinião pública (öffentliche Meinung). Tal Filosofia do Direito, obra de Filosofia Política, desenvolvida no contexto da sua Filosofia do Espírito Objetivo, uma das partes do todo do Sistema Filosófico de Hegel, é o desenvolvimento da teoria sistemática e especulativa das condições, subjetivas e objetivas, em prol da realização efetiva (Wirklichkeit) do princípio (Prinzip) da liberdade (Freiheit). Inicialmente, cabe reiterar que a filosofia política de Hegel não procura promover uma massa indivisa (ungeschiedene Masse) ou uma multidão inorgânica (unorganische Menge); isto é, nem uma unidade indiferenciada ou homogeneização de uma população heterogênea, nem uma não-unidade pluralista, tal como muitas leituras interpretativas já apresentaram; pois, em Hegel, o Estado (Staat) tem a função de suprassumir (aufheben [suprassunção - Aufhebung]), de mediar (vermitteln [mediação - Vermittlung]), de administrar ou governar (verwalten [administração, governo - Verwaltung]) as diferenças (Unterschieden) e/ou os conflitos (Streiten, Konflikten, Kampfen) dos seus membros (Glieden) e não propriamente eliminá-los - isso tanto no âmbito da família (Familie) quanto no da sociedade civil-burguesa (bürgerlichen Gesellschaft), esferas constitutivas da vida ética ou da eticidade (Sittlichkeit). Ou seja, o Estado deve mediar as desigualdades (Ungleichheiten), promover o justo equilíbrio (Gleichgewicht) entre ser igual (gleich - ter igualdade: Gleichheit) e ser desigual (ungleich - ter desigualdade: Ungleichheit); entre ser diferente, distinto (unterscheid - ter distinção: Unterschied); ser diverso (verschied - ter diversidade: Verschiedenheit). Pois, segundo Hegel, 1 HEGEL, G. W. F. Linhas Fundamentais da Filosofia do Direito - III Parte: a Eticidade - III Seção: o Estado. Trad. de Marcos Lutz Müller. Campinas: IFCH/UNICAMP, 1998. 319. p. 124. 7/486 e 270 A. p. 58-9. 7/425-6.

3 cabe promover a unidade (Einheit) das diferenças, da diversidade, não nivelar ou tornar igual (gleichmachen) os diferentes membros (ou órgãos) que constituem o organismo estatal. Em suma, o Estado hegeliano é um organismo (Organismus), que apenas se concretiza e se fortifica pelo desenvolvimento de suas diferenças substanciais. Em cada uma das partes o todo está presente, unidas em vista da efetivação da sua substancialidade. Assim, trata-se de um todo agregado de partes orgânicas distintas, cuja diversidade, com diferenças intrínsecas e qualitativas, não apenas quantitativas, é muito importante para que haja vitalidade e para que funcione devidamente. A saúde do organismo estatal depende da articulação e da gerência de tal diversidade, pois precisa haver o movimento, evitando a estagnação ou a massificação, e precisa haver a circulação, a fim de arejar e permear as diversas esferas, em busca da maior mediação possível entre o interesse público e os interesses particulares dos indivíduos. Sobre isso, no 539 A, da Enciclopédia das Ciências Filosóficas, Hegel afirma que com o Estado, entra em cena a desigualdade (Ungleichheit), isto é, a diferença entre poderes governantes e os governados, as autoridades, magistraturas, presidências, etc ; mas, Hegel afirma que o princípio conseqüente da igualdade (konsequente Prinzip der Gleichheit) rejeita todas as diferenças (Unterschiede), e assim não deixa subsistir nenhuma espécie de ordenamento estatal 2. Ora, para Hegel, no que toca à igualdade, a proposição corrente de que "todos os homens são iguais por natureza" (daß alle Menschen von Natur gleich sind) encerra o mal-entendido de confundir o natural com o conceito, pois deve-se dizer que por natureza os homens são, antes, somente desiguais (ungleich) 3. No entanto, na seqüência, Hegel afirma que isso não deve levar à suprema desigualdade concreta (höchste konkrete Ungleichheit) dos indivíduos, inclusive porque a diferenciação superficial que reside nas palavras liberdade e igualdade (Freiheit und Gleichheit) sugere que a primeira tende à desigualdade (Ungleichheit); mas, inversamente, os conceitos correntes da liberdade (Freiheit), contudo, só reconduzem à igualdade (Gleichheit) 4. Mas, como se efetua a possibilidade de suprassunção dos conflitos no âmbito estatal? A exposição visa mostrar que a liberdade de imprensa ou de comunicação pública, em Hegel, apresenta-se como um dos principais e indispensáveis meios para a possibilidade de expressão (Äusserung) e de suprassunção (Aufhebung) de tais diferenças. Ou seja, Hegel quer defender 2 HEGEL, G. W. F. Enciclopédia das Ciências Filosóficas em Compêndio (1830): III A Filosofia do Espírito. Trad. de Paulo Meneses. São Paulo: Loyola, 1995. 539 A, p. 308. 10/332. 3 Idem. 539 A, p. 308. 10/332. 4 Ibidem. 539 A, p. 310. 10/334.

4 que um dos elementos constitutivos da concepção hegeliana de ser humano livre, junto com a igualdade abstrata estabelecida no âmbito do direito (Recht), é a diversidade mediada. Ora, a igualdade formal não suprime todas as diferenças reais, o que se manifesta na diversidade de organização, de constituição e de ordenamento estatal. Então, para Hegel, não é tarefa do Estado, através de instituições sociais, jurídicas e/ou políticas, abolir, por exemplo, todo o antagonismo social, mas sim administrá-lo. Diante disso, a liberdade de imprensa, em resumo, apresenta-se como um meio ou mecanismo fundamental para o desenvolvimento de uma unidade diferenciada ou pluralista. Isto é, a imprensa, para Hegel, serve de instrumento que possibilita a expressão, a articulação e a gerência de tal diversidade, em busca da maior suprassunção ou mediação possível entre o viés público e o viés privado das pessoas, além de elevar (erheben) inclusive o grau de cultura (Bildung) dos indivíduos. Em síntese, segundo Hegel, a liberdade de expressão e de acesso à informação é um elemento capital no processo de constituição e de formação da opinião pública e, também, na busca pela devida suprassunção (Aufhebung) ou, então, mediação (Vermittlung) das muitas diferenças (Unterschieden) e conflitos (Streiten, Konflikten, Kampfen) na esfera pública. Ora, a filosofia especulativa de Hegel emerge e se desenvolve no âmbito da vida e do discurso humano e tem como uma de suas finalidades a administração das oposições existentes, pois o conflito está sempre presente nas relações humanas, o que não é algo em si negativo, mas que depende de nossa capacidade de suprassumi-lo. Assim, não é correto afirmar que Hegel não leva em conta as diferenças concretas entre as diversas pessoas e, muito menos, que promova relações de ordem individualista, onde não há preocupação de um indivíduo em relação ao outro. Mas, o que Hegel sempre ressalta, no âmbito estatal, é a liberdade e não a igualdade econômica ou a distribuição eqüitativa das propriedades. Para Hegel, quando o Estado intervém no âmbito da liberdade econômica, a fim de promover uma menor desigualdade econômica dos indivíduos, isso ainda não garante uma igualdade de condições biológicas, culturais e históricas. Embora, por suposição, todos os seres humanos possam ter o mesmo ponto de partida sócio-econômico, nada garante que contarão, no presente e no futuro, com os mesmos graus de talento, capacidade e prudência. Ou seja, diante de tais pessoas ainda diversas, a justiça precisaria ser novamente imparcial, pois, do contrário, persistiria a desigualdade. Assim, a única maneira de colocar tais pessoas em uma posição mais harmônica seria tratá-las novamente de forma diferenciada. Por isso, apesar de ter suas preocupações de ordem sócio-econômica, Hegel vê como constitutiva e até

5 benéfica a competitividade no desenvolvimento humano, sem as quais, a princípio, todas as coisas se estagnariam e perderiam sua vida. Hegel, em síntese, considera ser possível haver uma liberdade econômica e, contudo, em função do grau de cultura e solidariedade entre as pessoas, não haver desigualdades econômicas tão acentuadas e situações de miséria extrema. Portanto, Hegel visualiza uma limitação objetiva fixada pelo aspecto material de que se dispõe e por suas leis, e uma limitação subjetiva, estabelecida pela estrutura de impulsos e de aspirações do ser humano. Ou seja, mostra ter consciência de que as limitações concretas podem até inviabilizar a efetivação das potencialidades subjetivas do ser humano. Contudo, para Hegel, todo o ser humano, por não ser uma coisa (Sache), deve necessariamente ter reconhecido a sua personalidade e a propriedade imediata de seu corpo. Ora, segundo Hegel, de fato uma coisa é sem direito (Rechtlos), sem vontade (Willenlos), sem personalidade (Unpersönliche), não-livre (Unfreie). Contudo, um ser humano é uma pessoa (Person) [jurídica], um sujeito (Subjekt) [moral] e um indivíduo (Individue) - membro (Glied) - cidadão (Bürger) [ético]. Ou seja, tal indivíduo é uma pessoa, portadora de direitos e obrigações no âmbito do Direito Abstrato ou Formal; enquanto sujeito, tem direitos e deveres no âmbito da Moralidade e, além disso, como membro de uma Família, de uma Sociedade e de um Estado, ainda é cidadão no âmbito da Eticidade, e não um indivíduo egoísta, apenas associado aos demais por razões egocêntricas, individualistas. Com isso, em resumo, todos os costumes ou os princípios da vida ética podem ser promovidos e/ou cultivados no processo de formação, de elevação da nossa cultura (Bildung), no qual, para Hegel, a filosofia tem papel fundamental e que possui como espaço e âmbito privilegiado de informação e formação, a imprensa ou os meios de comunicação social. Em suma, cabe criticar os conceitos de massa indivisa (ungeschiedene Masse) e de multidão inorgânica (unorganische Menge), próprios da unilateralidade do estatismo, onde não há direito à diferença, e do individualismo, onde não há universalidade estatal. Ou seja, defender e esclarecer que Hegel não defende uma unidade indiferenciada como também não uma não-unidade diferenciada, mas uma unidade livre e integradora da diversidade. Isto é, apresentar que Hegel não busca negar e/ou neutralizar todas as diferenças dos indivíduos, homogeneizando-os, mas promover o máximo de justiça no campo de oportunidades que os indivíduos têm ou terão diante de si e uma realidade onde haja critérios éticos, que congrega os direitos e os deveres legais e morais, perante um campo potencialmente ilimitado de possibilidades de relações humanas. Mas, isso não envolve a supressão de toda possibilidade

6 do conflito, pois Hegel nem busca ou visualiza como possível um apaziguamento universal. Antes, a concepção orgânica do Estado hegeliano vê como constitutiva e até saudável a consciência da existência dos muitos elementos que fazem estagnar, adoecer e, inclusive, perecer um organismo estatal. Em síntese, Hegel destaca que existem forças que podem ameaçar a saúde de um Estado orgânico, tal como o extremo do individualismo ou do interesse meramente privado e o extremo da possibilidade de homogeneização. A primeira força acaba desagregando a necessária união ou soma de esforços para o bem mútuo. A segunda força acaba tentando superar todas as diferenças ou as particularidades, em vista da mera identidade. Concepções orgânicas de Estado visam exatamente chamar a atenção para as distintas partes que formam o todo e que permitem a vida de tal organismo complexo. Por exemplo, os seres humanos têm estrutura óssea, vertebral, que garante a sustentação, a proteção e a articulação das partes do seu corpo; tecido muscular, motor, que permite a movimentação e a maleabilidade, etc.; tecidos epitelial, adiposo, cartilaginoso, conjuntivo, etc., com suas células e funções próprias; sistemas imunológico, hormonal, respiratório, circulatório, digestivo, excretor, reprodutor, essenciais para a vida; sistema sensitivo (visão, audição, paladar, olfato e tato), com suas diversas especificidades; sistema nervoso (central, periférico e autônomo), que controla e/ou ordena as múltiplas funções do organismo, entre outros. Mas, cabe lembrar que o organismo é um todo que envolve determinada necessidade de identidade, de unidade, todavia envolve também alteridade e diversidade, sendo necessário existir certa distinção. Há inclusive a possibilidade de haver no organismo certa disfunção, hiper ou hipofunção, além de poder envolver anomalias, parasitismos, etc., dependendo da composição, da estrutura, diversidade e funcionamento das células, da interação genética, etc., distintos processos que não são propriamente harmônicos. Ora, cabe ressaltar que organicismo, para Hegel, sobretudo difere de atomismo e de mecanicismo. Um organismo não é uma mera união de átomos ou de peças mecânicas, pois envolve vida, vitalidade, atividade, consciência, espírito ou, então, liberdade. Em síntese, o organismo só se efetiva pelo desenvolvimento de suas partes distintas, sendo que em cada parte o todo está presente; ou seja, todas as partes estão inter-relacionadas, segundo Hegel, visando efetivar a vida, a racionalidade, a liberdade. Com seu conceito de Estado orgânico (organischen Staat), Hegel visa mostrar os limites de uma mera massa indivisa (bloße ungeschiedene Masse) ou de uma massa informe (eine formlose Masse), como também de uma multidão inorgânica (unorganische Menge) ou

7 de uma multidão dissolvida nos seus átomos (eine in ihre Atome aufgelöste Menge), constituída meramente por os muitos (die Vielen); para Hegel, Estado não é apenas um mero amontoado atomístico de indivíduos juntos (ein bloßer atomistischer Haufen von Individuen beisammen sei), um amontoado, uma multidão de átomos dispersos (ein Haufen, eine Menge von zersplitterten Atomen), nem uma horda (Horde) ou tribo (Stammes). Caso assim fosse, então, afirma Hegel, o Estado seria só uma manifestação do individualismo (Individualismus), via o contratualismo, ou, ainda, do autoritarismo (Gewaltherrschaft) ou do totalitarismo (Totalitarismus), via a imposição da força, não vindo a ser assim a efetividade (Wirklichkeit) da liberdade (Freiheit). Ou seja, como vimos, Hegel sempre busca a suprassunção (Aufhebung negando, conservando e elevando respectivamente) ou a mediação (Vermittlung) do que constitui a singularidade (Einzelheit), a particularidade (Besondernheit) e a universalidade (Allgemeinheit) dos diversos momentos da realidade. Assim, Hegel propicia a articulação e a gerência da diversidade, em especial pela liberdade de imprensa ou de comunicação pública, tornando possível constituir um todo estatal de partes orgânicas. Referências HEGEL, G. W. F. Enciclopédia das Ciências Filosóficas em Compêndio (1830): III A Filosofia do Espírito. Trad. de Paulo Meneses. São Paulo: Loyola, 1995. Linhas Fundamentais da Filosofia do Direito - III Parte: a Eticidade - III Seção: o Estado. Trad. de Marcos Lutz Müller. Campinas: IFCH/UNICAMP, 1998. Grundlinien der Philosophie des Rechts. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1986.