Regulação responsiva e telecomunicações: problemas de adaptação no Brasil. Rafael A. F. Zanatta

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Transcrição:

Regulação responsiva e telecomunicações: problemas de adaptação no Brasil Rafael A. F. Zanatta

/ trajetória pessoal de pesquisa mestrado em teoria do direito pela faculdade de direito da usp (linha de pesquisa democracia e regulação ) mestrado em direito e economia política pela universidade de turim (institutions and regulation) vinculação com law & society association e centros de pesquisa atuação no instituto brasileiro de defesa do consumidor (Idec) e no comitê de defesa dos usuários da anatel

/ regulação responsiva? estamos todos usando o mesmo conceito? quais as origens desse conceito dentro do campo de estudos sobre regulação? quais os cuidados de utilização desse conceito, considerando seu enraizamento sócio-cultural e os contextos de pesquisa empírica em que ele foi gerado?

/ regulação responsiva? Partirei da premissa de que estamos utilizando o conceito de responsive regulation popularizado por John Braithwaite.

/ braithwaite & ayres (1992) Desenvolvimento de teoria de regulação a partir de uma série de pesquisas empíricas sobre uso de sanções e prêmios em diferentes indústrias Contestação de uma vertente de desregulação muito forte nos EUA (e.g. Stephen Breyer) Combate a teorias econômicas de rent-seeking (Stigler) e proposições da Escola de Chicago sobre ineficiência da regulação (Posner)

/ teorias por trás da regulação responsiva Responsividade como ideal democrático. Concepção do direito como responsivo às demandas do seu ambiente. Perspectiva neoevolucionária formulada na sociologia jurídica dos EUA (Nonet & Selznick). Post-regulatory state de Gunther Teubner. Direito reflexivo. Concepção da constante interação entre subsistemas. Trilema regulatório.

/ sanções e regulação responsiva

/ elementos da regulação responsiva 1. Regulação efetiva necessita múltiplos tipos de sanções de seriedade escalável 2. O enforcement deve ser piramidal: sanções mais pesadas são usadas bem menos que as da base, mais leves e baratas 3. Todas as formas de sanção devem ser efetivamente utilizadas quando necessário 4. O uso de cada nível de sanção deve ser visível para os entes regulados, consumidores e representantes de ambos os setores 5. Os níveis mais altos de sanção são incentivos para que os níveis menores funcionem

/ muito além da pirâmide Responsive regulation asks regulators not to be dogmatic about any theory, including responsive regulation itself. Responsiveness is about flexibility in a much more radical sense than flexible choice among a range of sanctions arrayed in a pyramid. ( ) Responsiveness to context means not taking any theory too seriously, including the theory of the pyramid. The pyramid is a useful heuristic.

The essense of responsive regulation (Braithwaite, 2010)

/ problemas de adaptação da regulação responsiva diferentes culturas de compliance e de relação com autoridades (e.g. Brasil e Austrália) responsividade supõe, também, sociedade civil forte e representatividade de interesses premissas teóricas desenvolvidas nos EUA e na Alemanha (e.g. reflexive law, post-regulatory state) problemas de institucionalização das agências reguladoras e da própria capacidade reguladora

/ críticas ao texto de braithwaite as premissas normativas (responsividade como ideal democrático e de efetividade) não podem ser simplesmente transplantadas acriticamente a saída para o problema de instituições fracas em países em desenvolvimento pressupõe a alta capacidade de networking entre ONGs nacionais e internacionais exemplo utilizado para networked governance é a de proteção de direitos humanos, que difere muito da área de regulação de telecomunicações, por exemplo o paper ignora problemas reais de incapacidade de sancionamento ou inefetividade de tipos específicos de sanção (exemplo brasileiro: multas da Anatel que são constantemente judicializadas e não pagas)

DOS PRINCÍPIOS " " Art. 7. A Gestão da Qualidade é regida pelos princípios e regras contidos na Constituição Federal, na Lei nº 9.472, de 16 de julho de 1997 - Lei Geral de Telecomunicações LGT), na Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, na regulamentação da Anatel e em especial, pelos seguintes princípios: " " I - Função social das redes de telecomunicações;" II - Livre concorrência;" III - Proteção e Defesa do consumidor;" IV - Atuação de forma responsiva;" V - Incentivo ao comportamento responsivo dos entes regulados;" VI - Avaliação da qualidade por meio da percepção dos consumidores em complemento às medições técnicas;" VII - Estímulo à melhoria contínua da prestação dos serviços de telecomunicações;" VIII - Promoção da transparência e da disseminação de dados e informações à sociedade;" IX - Interação com os entes regulados;" X - Diversificação na oferta dos serviços de telecomunicações; e," XI - Máxima granularidade e precisão dos indicadores, nos limites das capacidades técnica e estatística.

/ regulação responsiva na Anatel claramente, a regulação responsiva está sendo utilizada como base para redefinição da atuação regulatória da Anatel com relação à qualidade dos serviços mas seria ela facilmente adaptável no setor de telecomunicações? quais os sinais e incentivos enviados ao setor regulado quando o próprio TCU inviabiliza instrumentos regulatórios desenvolvidos na agência de forma dialogada? não há um problema fundamental de escalonamento das sanções que modifica o próprio jogo racional de compliance?

/ regulação responsiva na Anatel o princípio de interação com os entes regulados não se mostra míope ao diálogo com toda a sociedade civil defendido por Braithwaite? a visão de regulação responsiva da Anatel não estaria presa ao modelo de países desenvolvidos? não é paradoxal que a capacidade de governança em rede com ONGs e entidades internacionais, própria de uma regulação responsiva em países em desenvolvimento (segundo Braithwaite), seja ignorada no modelo do RGQUAL? além da percepção dos consumidores, não falta algo mais?