Referencial metodológico para o arranque de Unidade de Execução (ilustrado por UE do Monte da Caparica, Almada) Jorge Carvalho *, Paulo Pardelha **, Luís Bernardo *, Sofia Leitão ** Resumo Parte-se de um Quadro de Referência, elaborado coletivamente, que inclui Desígnios e Instrumentos para o Ordenamento de Territórios Urbanos em Portugal. Esta comunicação incide sobre um dos desígnios enunciados, o da Colmatação Urbana Estratégica. Para estudiosos e profissionais vai começando a tornar-se evidente a necessidade, em Portugal, de uma alteração profunda da prática urbanística municipal, a qual deveria passar a centrar-se em: - Incentivos, pressões e ações tendentes à reabilitação urbana. - Ações programadas de colmatação urbana (complementares da reabilitação), selecionadas de forma muito criteriosa, dinamizadas pelo município e assentes em parcerias. A estas ações chamaremos Colmatação Urbana Estratégica. Começa igualmente a tornar-se óbvio que, face ao quadro jurídico em vigor, para a concretização dessas ações programadas, os instrumentos mais adequados são os Sistemas de Execução (de cooperação e/ou de imposição administrativa) iniciados com a prévia delimitação de Unidade de Execução. Não obstante, as práticas desenvolvidas neste sentido são ainda pouco numerosas e muito titubeantes. Tal facto, revelador da inércia e do receio perante a necessária inovação, muito habitual na Administração Pública, constitui um desafio que terá que ser ultrapassado. Procura-se, nesta comunicação, enunciar um conjunto de recomendações metodológicas para um arranque eficaz de uma Unidade de Execução. Centram-se, essencialmente, em: - Critérios de seleção das áreas a delimitar. - Atos iniciais jurídico/administrativos. - Contactos iniciais com os proprietários. - Relevância e integração do desenho urbano. Tais recomendações surgem melhor explicitadas através de uma apresentação de caso, atualmente em fase de arranque, a Unidade de Execução do Monte da Caparica, em Almada. O powerpoint que serviu de base à primeira reunião com os proprietários será de grande utilidade para a ilustração do processo em curso. Palavras Chave: colmatação urbana; programação; unidades de execução * Urbanista e Professor de Urbanismo, Universidade de Aveiro - jcarvalho@ua.pt ** Arquitetos, Câmara Municipal de Almada 1
1. Quadro de Referência para o Ordenamento de Territórios Urbanos em Portugal. ROTINAS (transparentes, eficazes e eficientes) OPERAÇÕES ESTRATÉGICAS (programadas) IMPREVISTOS/ OPORTUNIDADES DESÍGNIOS Planos Estrutura/ Zonamento Normas Perequativas INSTRUMENTOS Fiscalidade Desenho Urbano Instrumentos Públicos Executórios Licenciamento Reabilitação (generalizada) e colmatação urbana (criteriosa) _ Aproveitamento de infra-estruturas existentes Estruturação do Território Reabilitação urbana estratégica (áreas especificas) Colmatação urbana estratégica (áreas específicas) Enquadramento de oportunidades Tabela 1 Proposta de Quadro de Referência para Ordenamento de Territórios Urbanos, em Portugal. Autores: Jorge Carvalho, Ana Blanco, Carina Pais, Frederico Moura e Sá, Gil Ribeiro Elaborado coletivamente, este Quadro de Referência para o Ordenamento de Territórios Urbanos em Portugal inclui desígnios e instrumentos. Os desígnios elencados no Quadro traduzem a necessidade de profunda alteração nas dinâmicas de ocupação edificatória que por cá têm ocorrido, nos últimos 30 anos. Os resultados dessa dinâmica estão bem à vista: a edificação espalhou-se pelo território, de forma fragmentada e dispersa; as redes de infraestruturas estenderam-se, em consonância, estando em grande parte subaproveitadas; investiu-se quase apenas em edifícios novos, deixando os antigos a degradarem-se; o número de alojamentos cresceu 2,5 milhões, as famílias pouco mais de 1 milhão, são muitos os edifícios devolutos. Esta expansão desordenada, excessiva e perdulária não pode continuar, ainda menos nesta fase de regressão demográfica e económica. Afigura-se indiscutível que o caminho a prosseguir terá que ser o da reabilitação e o do aproveitamento de infraestruturas e equipamentos existentes. Para tal deveria a Administração instituir rotinas transparentes, eficazes e eficientes. Tal não implica reduzir a zero as novas urbanizações, mas exige que sejam poucas e, sobretudo, muito criteriosas, apenas as indispensáveis para a estruturação e qualificação da ocupação existente. De ressalvar que a atual ocupação do território, porque desordenada, necessita ainda mais de ser referenciada a rede estruturante. Necessário é, também, que se encontre processo institucional para enquadrar as tão faladas oportunidades, mas com critérios exigentes, apenas quando contribuam inequivocamente para o bem coletivo. Par alcançar estes desígnios a Administração necessita de mobilizar, de forma coerente e articulada, todos os instrumentos de ordenamento ao seu alcance. Estes são elencados no 2
Quadro seguinte, distinguindo-se a importância de cada instrumento face a cada um dos desígnios. A explicitação e justificação dessa importância, a forma como em cada caso cada instrumento deve ser utilizado, exigiriam longa explanação, que a Equipa que elaborou o Quadro tenciona ir desenvolvendo em próximas oportunidades. 2. Colmatação Urbana Estratégica, recorrendo a Unidade de Execução Neste artigo, apenas o desígnio da Colmatação Urbana Estratégica será abordado. Para que seja estratégica terá que ser de grande importância para o desenvolvimento e qualificação do território existente. Uma colmatação urbana estratégica terá então que ser selecionada de forma muito criteriosa. Corresponderá, provavelmente, a uma operação associada à estruturação do território, ou então complementar da reabilitação, articulando e qualificando ocupações já existentes. Identificada como operação urbanística de importância para o território, importa perspetivar desde logo a sua execução, sendo necessário que seja programada pelo município, com a consequente mobilização de meios e agentes a envolver e com a escolha dos instrumentos jurídico/administrativos mais adequados. Face á atual situação (ideológica, económica e financeira) e face ao quadro jurídico em vigor, os instrumentos mais adequados para a concretização de ações com estas caraterísticas, identificadas e programadas por município, são os Sistemas de Execução (de cooperação e/ou de imposição administrativa), iniciados com a prévia delimitação de Unidade de Execução. Traduzem-se na constituição de parcerias, desde logo entre proprietários, eventualmente com outros investidores, supletivamente com o próprio município. 3. Recomendações metodológicas para o arranque de uma Unidade de Execução. 3.1. Critérios de seleção das áreas a delimitar. A delimitação de uma Unidade de Execução corresponde a uma etapa da maior importância. Sendo essa delimitação uma competência do município, constitui oportunidade decisiva para um melhor ordenamento do território. A organização de parcerias deveria banalizar-se no futuro. Mas tal não ocorrerá de um momento para o outro. Para o seu sucesso, para que se multipliquem, as primeiras unidades de execução deveriam ser exemplares e, para tal, escolhidas com muita reflexão, estratégica e operativa: - Estratégica, para que o seu impacto no território seja francamente positivo e para que tal venha a ser percecionado pela generalidade dos cidadãos. - Operativa, para que possa ser suscetível de fácil adesão, ocorra em prazo relativamente curto e se pague a si própria, assegurando lucros razoáveis aos investidores. A localização e programa destas primeiras intervenções deverão, então, ser objeto de forte reflexão técnica e política; e terão que ser firmes, abertas a oportunidades, mas subordinadas a uma visão estratégica estabilizada. 1 1 Carvalho, Jorge (2012), Dos Planos à Execução Urbanística, pg 163 3
3.2. Atos iniciais jurídico/administrativos. De acordo com a legislação em vigor, os municípios podem delimitar unidades de execução em qualquer área inserida em perímetro urbano, desde que o programa seja conforme o plano em vigor e desde que tal delimitação assegure os objetivos de desenvolvimento urbano harmonioso e de justa repartição de benefícios e encargos pelos proprietários, libertando terrenos para espaço público e equipamentos (art.º 120º, n.º 2). Ainda de acordo com a lei, o primeiro ato jurídico/administrativo corresponde tão somente à tomada dessa decisão de delimitação da UE, com levantamento cadastral e escolha do sistema de execução (a que se seguirá publicação em DR). Temos defendido 2 que o texto decisório integre, ainda: estabelecimento de regras básicas para envolvimento dos proprietários e outros eventuais investidores num processo de parceria; enumeração dos atos subsequentes, processuais e participativos. Face à ainda pouca experimentação do instrumento Unidade de Execução alcança-se, assim, uma maior eficácia no processo e, sobretudo, uma muito maior transparência. E temos também defendido que a decisão seja acompanhada por Programa Desenhado, que vincule o município, mas não os futuros parceiros. A isto se voltará no ponto 3.4. 3.3. Contactos iniciais com os proprietários. Está-se perante uma iniciativa municipal que pretende a constituição de uma parceria entre todos os proprietários e eventualmente com o município. A determinação da decisão municipal e a criação de um ambiente de confiança entre todos são as chaves para o êxito do processo. Trata-se de um caminho novo. Não se ignora que em Portugal a Administração tem poucos hábitos de negociação com os privados e que os que vai tendo são merecedores dos maiores reparos. Mas é uma aprendizagem que tem de ser feita, há que criar esse saber fazer de técnicos e de políticos municipais. Para tal, e para a eficácia, isenção e transparência dos processos, recomenda-se 3 : - Estabelecimento, logo à partida, de regras perequativas relativamente aos benefícios (edificabilidade) e aos encargos de cada um dos investidores e, ainda, clarificação do papel a desempenhar pelo município. - Negociações desenvolvidas em conjunto, em reuniões com todos os intervenientes, adotando procedimentos e regras iguais para todos, construindo um ambiente de rigor e transparência entre investidores. - Divulgação e discussão pública dos acordos estabelecidos, no que respeita ao conteúdo programático e desenhado das operações, mas também quanto aos seus aspetos económicos e financeiro. 3.4. Relevância e integração do desenho urbano. Coloca-se a questão de saber se no início do processo, ou seja, aquando a delimitação de uma unidade de execução, já deverá existir solução urbanística e, em caso afirmativo, qual o grau de detalhe que deverá ter. 2 Carvalho, Jorge (2008) Organização de Unidades de Execução, em revista Direito Regional e Local, n.º2, pág. 32-40 3 Carvalho, Jorge (2012), Dos Planos à Execução Urbanística, pg 164 4
O DL 380/99 estabelece que uma unidade de execução pode corresponder a área abrangida por um plano de pormenor, sendo que, na falta deste, deve ocorrer previamente à aprovação, um período de discussão pública análoga à que nele é prevista (art.º 120º, n.º 4). A lei admite, portanto, que uma unidade de execução possa ser, ou não, precedida de plano de pormenor; exige, isso sim, discussão pública similar em ambos os casos. Optando-se por plano de pormenor, ficaria assegurada, desde logo, a participação pública. Mas a sua entrada em vigor inibiria a desejável concertação com os promotores da operação e acarretaria grande morosidade nos sucessivos ajustes que um processo destes sempre necessita e que, muito provavelmente, implicariam alteração ao plano. Trilhando o caminho que aqui defendemos, o de avançar para Unidade de Execução sem Plano de Pormenor, confrontam-se duas perspetivas e argumentações legais contraditórias4: - Por um lado ser impensável assegurar um desenvolvimento harmonioso e impossível promover uma discussão pública análoga à prevista para plano de pormenor, sem dispor de desenho urbano; - Por outro lado, o argumento de que a adoção de uma qualquer solução urbanística vinculativa se confronta com o princípio geral da tipicidade dos planos, complementada pelo facto do DL 380/99 apenas referir que a delimitação de unidades de execução consiste na fixação em planta cadastral dos limites físicos da área a sujeitar a intervenção urbanística e com identificação de todos os prédios abrangidos (art.º 120º, n.º 1). A solução para esta argumentação de sinal contrário poderá ser encontrada: - Associando à Unidade de Execução um Programa Desenhado com pormenor suficiente para permitir a discussão pública, mas com a flexibilidade necessária à desejável futura concertação com proprietários e outros eventuais promotores; - Assumindo e esclarecendo que tal Programa tem uma natureza orientadora, não vinculativa, podendo, se referenciado ao quadro legal em vigor, ter valor igual ao de uma informação prévia relativa a um futuro e desejável loteamento (DL 555/99, art.º 14º); - Estabelecendo que a discussão pública acontecerá em duas fases: a do Programa Desenhado, com a delimitação da Unidade de Execução; a correspondente ao loteamento, quando os parceiros o sujeitarem à aprovação municipal. Este procedimento dá resposta a ambas as argumentações. Além disso, torna mais fácil o diálogo com os proprietários, que desde logo visualizam uma possível solução. Tem ainda a vantagem de explicitar, desde o início, caminhos para assegurar o pretendido desenvolvimento urbano harmonioso. E encerra um processo pedagógico, sublinhando a natureza processual dos sistemas de execução, com várias etapas, participadas pelos parceiros e sujeitas a discussão pública. 4. Exigências técnicas. Há que referir que a condução de um processo conducente a uma parceria urbanística, no âmbito de uma unidade de execução, coloca novas exigências ao desempenho técnico. 4 A presente argumentação ocorreu no âmbito da discussão pública da Unidade de Execução - Avenida Nun Alvares, na Cidade do Porto 5
A primeira exigência é a de abandono da atual dicotomia, em que a Administração estabelece regras e dá pareceres e em que só os privados perspetivam a rentabilidade das operações. O desenho de qualquer operação urbanística terá que ser concomitantemente urbanístico/ arquitetónico e económico/ financeiro. Os saberes técnicos exigidos incluem a avaliação imobiliária e estas duas abordagens. As metodologias de desenho urbano deverão ser revistas, exigindo: uma fase de desenho quanto baste (a do Programa Desenhado ), para determinar programa, malha urbana e coerência morfológica, sem excessivos condicionamentos tipológicos; uma fase final, muito condicionada pela procura de uma distribuição exata de lotes entre investidores. É necessária, pois, uma outra atitude por parte dos projetistas, não tanto a da obra de autor, mas a de articulação com uma arquitetura fundiário/ financeira que torne o projeto exequível, sem desistir de alcançar soluções urbanísticas de qualidade, desígnio que se assume, aliás, como parte integrante da transformação processual aqui proposta 5. 5. Apresentação de caso: UE do Monte da Caparica, Almada As recomendações metodológicas para o arranque de uma unidade de execução atrás enunciadas surgem bem explicitadas através de apresentação de caso, o da Unidade de Execução do Monte da Caparica, em Almada, atualmente em fase de arranque. O powerpoint que serviu de base à primeira reunião com os proprietários, apresentado nas páginas seguintes, constitui ilustração esclarecedora do processo em curso. Referências bibliográficas: - Carvalho, Jorge (2012), Dos Planos à Execução Urbanística Almedina, Coimbra - Carvalho, Jorge (2008), Organização de Unidades de Execução, em revista Direito Regional e Local, n.º2, pág. 32-40 5 Carvalho, Jorge (2012), Dos Planos à Execução Urbanística, pg 164/165 6
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