PERCEPÇÕES E PRÁTICAS DE ESTUDANTES A RESPEITO DE MEIO AMBIENTE, PROBLEMAS AMBIENTAIS E SAÚDE AUTORAS Andréa Focesi Pelicioni Rua João Ramalho, 586 - apto 202 B - CEP 05008-001 - São Paulo (SP)- Brasil Email: andreafp@hotmail.com Helena Ribeiro Av. Dr. Arnaldo, 715 (Faculdade de Saúde Pública/USP - Depto. Saúde Ambiental) CEP 01246-904 - São Paulo (SP) - Brasil PALAVRAS-CHAVE: Educação Ambiental, Educação Sanitária, Meio Ambiente, Percepção Ambiental, Escola.
INTRODUÇÃO A questão ambiental, um dos temas mais discutidos da atualidade tanto em nível local quanto internacional, envolve toda sorte de problemas e discussões em relação às condições ambientais de áreas urbanizadas ou não, incluindo-se os aspectos relacionados à qualidade de vida humana, os impactos da ação do homem sobre as condições climáticas, hidrológicas, geomorfológicas, pedológicas e biogeográficas, em todas as escalas de tempo e espaço 1,7. A situação social e ambiental do mundo demanda novas práticas sociais tanto no que diz respeito às relações dos homens entre si quanto às relações entre os homens e o ambiente. Esse é o campo em que a Educação Ambiental se propõe a atuar. Desde a década de 1970, principalmente, os vários encontros internacionais referentes à temática ambiental - dentre os quais destacam-se a Conferência de Estocolmo, em 1972; o Encontro de Belgrado, em 1975; as Conferências de Tbilisi (Geórgia, CEI), em 1977; de Moscou, em 1987; do Rio de Janeiro, em 1992 e da Tessalônica (Grécia), em 1997 - vêm aprimorando o entendimento a respeito das atribuições e estratégias na abordagem da Educação Ambiental. A Conferência de Estocolmo, por exemplo, chamou a atenção mundial para a necessidade de trabalhos voltados à Educação Ambiental... a fim de favorecer a formação de uma opinião pública bem informada e uma conduta dos indivíduos, das empresas e das coletividades inspiradas no sentido de sua responsabilidade para com a proteção e a melhoria do meio ambiente em sua dimensão humana. 6 A partir dos encontros de Belgrado e Tbilisi, principalmente, confirmou-se o entendimento de que o meio ambiente deveria ser abordado e compreendido na sua totalidade, ou seja, tanto em seus aspectos naturais quanto nos criados pela humanidade. Chegou-se também à conclusão de que a Educação Ambiental deveria considerar várias estratégias e escalas de atuação - como o exige a diversidade de circunstâncias -, em um processo contínuo e permanente, voltado para todas as idades e fases do ensino formal e não-formal, cujo enfoque deveria ser o interdisciplinar, sem perder-se de vista o objetivo de incentivar a adoção de novas práticas individuais e coletivas. 2 Cabe à Educação Ambiental contribuir para o processo de transformação da sociedade atual em uma sociedade sustentável que esteja centrada no exercício generalizado e responsável da cidadania, que considere a natureza como um bem comum, leve em conta a capacidade de regeneração dos recursos naturais, promova a distribuição eqüitativa da riqueza gerada e favoreça condições dignas de vida para as gerações atuais e futuras. A construção da sociedade sustentável requer uma grande mudança na conduta das pessoas. Piovesan 5 chama a atenção para o fato de a conduta humana ser condicionada primariamente pela percepção que o homem tem de si e do mundo que o cerca. Segundo Gould e Kolb, citados pelo autor, a percepção denota a experiência sensorial que ganhou significado ou sentido por meio da interpretação individual acerca dos objetos ou fatos captados pelos órgãos sensoriais. Os conhecimentos, as crenças, os valores pessoais e culturais, as atitudes, por exemplo, na medida em que influenciam a atribuição de significados e sentidos, conformam as percepções dos indivíduos. A esse respeito, Jacobi 3 ressalta que a percepção da questão ambiental é uma resultante não só do impacto objetivo das condições reais [do ambiente] sobre os indivíduos, mas também da maneira como sua interveniência social e valores culturais agem na captação dos mesmos impactos.
A escola, na medida em que possibilita a realização de um trabalho de intervenção sistemático, planejado e controlado, constitui um espaço privilegiado para o desenvolvimento da Educação Ambiental. O grande desafio para a educação ambiental no ensino formal é criar condições para a formulação de projetos pedagógicos diversificados e participativos. Ao se comprometer com a incorporação da Educação Ambiental em seu currículo, a escola deverá favorecer a construção de conhecimentos que possibilitem a compreensão da complexidade do meio ambiente e das questões ambientais e a formação de atitudes e habilidades que estimulem a participação de cidadãos aptos ao enfrentamento dessas questões e à construção de sociedades sustentáveis. Esses três componentes conhecimentos, atitudes e habilidades que influenciam diretamente as práticas sociais, constituem as bases da Educação Ambiental. A falta de um deles pode inviabilizar a realização de práticas positivas. O quadro seguinte exemplifica resumidamente os conteúdos que podem e devem ser desenvolvidos nas escolas: Conhecimentos: Conceitos, fatos, princípios, leis; Atitudes: Solidariedade, tolerância, respeito, cooperação, liberdade, responsabilidade, participação; Habilidades: Investigar (buscar fontes, entrevistar, analisar, selecionar e fazer uso de dados e informações) Trabalhar em grupo (trazer contribuições e tomar decisões) Comunicar (ouvir, falar publicamente e/ou escrever de forma objetiva e persuasiva) Minimizar a utilização dos recursos naturais (reutilizar materiais, separar e reciclar, reduzir o uso) Partindo do pressuposto de que todo processo educativo deva começar por um diagnóstico a respeito das referências (idéias prévias) e das práticas das pessoas para as quais o processo se volta, Pelicioni 4 (1998) realizou, na Escola SESI-425 do Município de Osasco (São Paulo/Brasil), no ano de 1997, com a participação da direção da escola e dos professores, um levantamento das percepções e práticas de estudantes de primeiro grau a respeito de meio ambiente e problemas ambientais, bem como suas interrelações com saúde, pobreza, riqueza, entre outras. OBJETIVO GERAL Oferecer subsídios ao desenvolvimento de Projetos de Educação Ambiental interdisciplinares, processuais, participativos e transversais ao currículo, no ensino formal. OBJETIVOS ESPECÍFICOS 1. Caracterizar o grupo pesquisado quanto ao local de moradia, idade, sexo e série escolar a que pertencem. 2. Identificar a percepção dos alunos a respeito de meio ambiente. 3. Identificar a percepção dos alunos a respeito de problemas ambientais em termos gerais e, especificamente, os existentes no Município de Osasco, onde se localiza a escola que freqüentam. 4. Identificar a percepção dos alunos a respeito de saúde. 5.Verificar se estabelecem relação entre o meio ambiente e o processo saúde-doença.
6.Verificar quais atores sociais são considerados responsáveis pelo surgimento e pela resolução dos problemas ambientais. 7.Verificar se estabelecem relação entre problemas ambientais, pobreza e riqueza. 8. Conhecer suas práticas em relação à conservação e/ou melhoria do ambiente a que pertencem. 9. Identificar a percepção dos alunos quanto às formas pelas quais as pessoas podem contribuir para melhorar e/ou conservar o meio ambiente em que vivem. 10. Identificar quais são as fontes de informação, sobre a temática ambiental, mais utilizadas pelos alunos. METODOLOGIA Foi realizado um survey descritivo cujo universo de investigação foi constituído por 325 alunos de 5 a à 8 a série do 1 o grau, da escola SESI 425. Os dados foram obtidos por meio da aplicação de um questionário, com perguntas abertas e fechadas, cuja análise quali-quantitativa foi realizada a partir de uma amostra aleatória e estratificada, constituída por 25% do universo mencionado. RESULTADOS Verificou-se que a maior parte dos alunos (84,3%) tiveram dificuldades em perceber o ambiente construído como parte do meio ambiente, para a maioria o termo meio ambiente referia-se à Natureza. Suas percepções de problemas ambientais referiram-se, principalmente, à poluição (sem especificar o tipo) e ao desmatamento/queimadas/falta de árvores na cidade(27,7%); ao lixo e sujeira (20,5%); aos problemas com a fauna (9,6%). Contudo, 27,7% dos alunos confundiram problemas ambientais com problemas sócio-econômicos (roubo, drogas, violência, desemprego, entre outros). Quanto à Osasco, um município predominantemente industrial, com sérios problemas ambientais, inclusive no entorno da escola, foi surpreendente verificar que 38,6% dos alunos não souberam dizer se existiam ou não problemas dessa natureza no município e 2,4% chegaram a afirmar que lá não havia problemas. No que se refere ao processo saúde-doença, 57,8% estabeleceram relação entre problemas ambientais e o referido processo, sendo que a concepção de saúde expressa pelos alunos foi ligada, principalmente, ao conceito utilizado pela Organização Mundial de Saúde OMS o estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não apenas a ausência de doenças. A percepção dos alunos quanto aos atores sociais responsáveis pelo surgimento de problemas ambientais referiu-se principalmente ao povo (36,1%), todos nós (28,8%) e ao governo (19,3%). Quanto aos atores responsáveis pela solução desses problemas, identificaram em ordem inversa, o governo (47%), todos nós (24,1%) e o povo (18,1%), não tendo sido atribuída responsabilidade pela solução dos problemas às fábricas. Quanto à responsabilidade individual, essa apareceu apenas em 8 o lugar no ranking de possíveis colaboradores na solução dos problemas ambientais. No que se refere à relação entre problemas ambientais e pobreza, 53,1% conseguiram estabelecê-la e quanto à relação entre problemas ambientais e riqueza, apenas 41% a estabeleceram.
Quanto às formas de contribuição para a melhoria e conservação do ambiente, a referência mais freqüente (44,6%) foi relativa à adequada disposição do lixo. As principais práticas dos alunos em relação à conservação e/ou melhoria do ambiente em que vivem referiram-se à disposição adequada do lixo (36,1%) e à conservação/limpeza do ambiente (15,7%). Foi preocupante observar que 12% afirmaram não fazer nada e que 20,5% deixaram a resposta em branco. As fontes de informação a respeito da temática ambiental referidas com maior freqüência foram a televisão (97,6%) e o professor (88%). RECOMENDAÇÕES 1) Os professores, ao planejarem o currículo escolar, deverão: - procurar ampliar a visão de meio ambiente e saúde, para que os estudantes consigam compreender a complexidade das interrelações que os caracterizam, de forma reflexiva e problematizadora; - criar condições para que os alunos explicitem seus conhecimentos prévios, fundamentos da construção de novos significados, e a partir desses propor situações que viabilizem a aprendizagem de novos conhecimentos; - incorporar conteúdos referentes à formação de atitudes e desenvolvimento de habilidades, com vistas à reformulação de práticas inadequadas e formulação e reforço de práticas positivas; - utilizar alternativas metodológicas inovadoras, que adotem o enfoque interdisciplinar e transversal para as questões relativas ao meio ambiente, integrando temas contemporâneos ao currículo formal, de acordo com a proposta dos Parâmetros Curriculares Nacionais formulados pelo MEC, no Brasil; - promover o desenvolvimento dos alunos por meio de uma formação abrangente e integrada, que valorize não só os conhecimentos científicos, mas também os valores humanísticos, espirituais e estéticos, conferindo espaço para o desenvolvimento da criatividade, da iniciativa, da afetividade, da solidariedade, do pensamento autônomo e crítico. Temas propostos: A relação entre saúde e ambiente. O ambiente como produto das relações estabelecidas historicamente pelas sociedades. Os problemas ambientais locais, regionais e mundiais - suas causas, conseqüências (relações com a riqueza e pobreza) e soluções possíveis. A relação existente entre as ações locais e suas repercussões em nível regional ou mundial. Ex.: a chuva ácida, o efeito estufa, a depleção da camada de ozônio, a contaminação e poluição de lençóis freáticos, rios, lagos e oceanos, o processo de desertificação, o desaparecimento de fontes de água, os impactos sociais e ecológicos resultantes da implantação de grandes hidrelétricas, entre outros. A articulação entre as atividades rurais e urbanas, ou seja, como as ações praticadas em cada local afeta a dinâmica do outro. Ex.: a utilização de bacias hidrográficas, a migração em direção aos grandes centros urbanos em decorrência da mecanização no campo, da falta de apoio ao pequeno produtor e do modelo concentrador de terras.
A responsabilidade individual e de cada um dos atores sociais quanto ao surgimento e solução dos problemas ambientais. O combate à produção e ao consumo desenfreados. A lógica histórico-econômica do desenvolvimento desigual entre os países. A divisão internacional do trabalho no processo de globalização e o papel estratégico dos países detentores de recursos naturais. As diferenças e semelhanças sociais, culturais e naturais das diferentes regiões do país e do mundo. O planeta como um organismo vivo, um sistema organizado e auto-mantenedor, mas com capacidade de suporte e auto-depuração limitadas. O valor intrínseco da natureza independente do valor que os homens lhe conferem. A gestão ambiental mediante o uso eqüitativo e sustentável dos recursos. As soluções no uso do meio ambiente que não sendo apenas científico-tecnológicas, devem incluir outras perspectivas como as culturais, por exemplo. A ciência como um conjunto de conhecimentos que se encontram em constante evolução e transformação. A função social dos meios de comunicação na divulgação de informações corretas. 2) As equipes de professores e administrativa da escola, em conjunto com os alunos, deverão: - realizar levantamento de situações-problemas, necessidades e interesses da comunidade escolar, que possa servir de base para a formulação de um projeto pedagógico abrangente e participativo; - utilizar como subsídios para o projeto pedagógico os dados obtidos e as reflexões presentes nesta pesquisa e em outras fontes de consulta; - sensibilizar a comunidade de forma a garantir sua participação nos projetos a serem desenvolvidos; - buscar parcerias com os órgãos governamentais, ONGs, Sindicatos, Universidades, núcleos de excelência, empresas, associações, instituições de saúde, outras escolas, para a troca de experiências e realização de projetos; - criar condições para que a instituição escolar seja promotora de saúde; - realizar seminários, cursos de formação e capacitação, encontros e debates, a fim de que possam compreender cada vez melhor a complexidade das questões que envolvem o meio ambiente; - organizar acervo que possibilite a obtenção de informações a respeito da temática ambiental; - criar condições para que, junto com a comunidade, possam rever atitudes e valores a respeito do meio ambiente e adotar práticas ambientalmente adequadas e reconhecidamente éticas, tornando-se aptos a contribuir para a melhoria de sua qualidade de vida e da população em geral.
3) O SESI, como Instituição, deverá apoiar a implementação de projetos de Educação Ambiental em todas as suas unidades recreativas, escolares e profissionalizantes, por meio de: - estabelecimento de parcerias com as Universidades, Sindicatos, ONGs, instituições públicas, associações, núcleos de excelência e outras organizações; - capacitação de seus coordenadores, professores, monitores e outros profissionais; - destinação de recursos financeiros e materiais; - apoio ao trabalho coletivo e interdisciplinar dos professores; - redimensionamento das horas de trabalho da equipe técnica para que haja condições de planejar e implementar novos projetos; - integração ao Programa Nacional de Educação Ambiental PRONEA, do Brasil. 4) As Universidades, os núcleos de excelência e outras instituições de ensino e pesquisa deverão: - promover a formação e capacitação de professores e pessoal técnico no campo da Educação Ambiental; - investir em pesquisas e projetos para subsidiar a prática docente e os meios de comunicação com informações atualizadas, metodologias de trabalho e material educativo (gráfico e audiovisual) relativos à área ambiental; - estabelecer parcerias entre si, com os vários níveis de governo, escolas, ONGs, Sindicatos, associações, empresas e outras organizações, com vistas à construção de conhecimentos, troca de experiências e à realização de trabalhos interdisciplinares que possibilitem a construção de uma sociedade sustentável. 5) O Poder Público, em todos os níveis de governo, deverá: - estabelecer parcerias com instituições e grupos organizados da sociedade civil objetivando a construção de uma sociedade sustentável, participativa e integrada; - utilizar como subsídios os estudos e propostas elaborados pela sociedade civil, para a formulação e execução de políticas públicas; - promover a eqüidade social mediante a igualdade de oportunidades geradas por investimentos em setores básicos como educação, saúde, habitação, infra-estrutura, agricultura, emprego e outros. - levar a efeito os planos de ação propostos pelo PRONEA e propor novos; - utilizar a Educação Ambiental como um instrumento de promoção da qualidade de vida e gestão ambiental.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. CHRISTOFOLETTI, A. Impactos no meio ambiente ocasionados pela urbanização tropical. In: SANTOS, M. et al., org. O novo mapa do mundo: natureza e sociedade hoje: uma leitura geográfica. São Paulo, HUCITEC/ANPUR, 1993. p.127-138. 2. INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS - IBAMA. Educação ambiental: as grandes orientações de Tbilisi. Brasília, IBAMA, 1997. 3. JACOBI, P., coord. Problemas ambientais e qualidade de vida na cidade de São Paulo: percepções, práticas e atitudes dos moradores. São Paulo, CEDEC,1994. 4. PELICIONI, A. F. Educação ambiental na escola: um levantamento de percepções e práticas de estudantes de primeiro grau a respeito de meio ambiente e problemas ambientais. São Paulo, 1998. [Dissertação de Mestrado Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo] 5. PIOVESAN, A percepção cultural dos fatos sociais: suas implicações no campo da saúde pública. Rev. Saúde Pública, 4: 85-97, 1970. 6. SECRETARIA DO MEIO AMBIENTE DO ESTADO DE SÃO PAULO. Coordenadoria de Educação Ambiental. Meio ambiente e desenvolvimento: documentos oficiais, Organização das Nações Unidas, Organizações não-governamentais. São Paulo, 1993. (Série documentos) 7. SOBRAL, H. R. & SILVA, C. C. A. Balanço sobre a situação do meio ambiente na metrópole de São Paulo. São Paulo Perspec., 3(4): 2-4, 1989.