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Transcrição:

123 Riscos de cheias e inundações após incêndios florestais. O exemplo das bacias hidrográficas das ribeiras do Piódão e de Pomares Nuno Pereira (nunopereira@nicif.pt) Luciano Lourenço (lourenco@nicif.pt) Resumo Nos dias 16 de Junho e 14 de Julho de 2006, dois intensos episódios pluviométricos atingiram grande parte da área do Projecto Terrisc estudada pelo grupo de Coimbra, provocando cheias e inundações, principalmente nas áreas próximas das localidades de Soito da Ruiva (bacia hidrográfica da ribeira de Pomares) e do Cide (bacia hidrográfica da ribeira do Piódão), bem como nas linhas de água situadas imediatamente a jusante, até à sua confluência com o rio Alva. A analogia com idêntico episódio anterior, registado nas imediações destas localidades, em 1988, por coincidência também no mês de Junho do ano seguinte ao da ocorrência de um grande incêndio florestal, levou-nos a pretender identificar os factores que potenciaram o risco de cheias e o perigo de inundações após incêndios florestais nestas duas situações. Para atingir esse objectivo usámos uma metodologia que retoma o caso estudado no Centro de Portugal, e que dá especial ênfase à análise da situação registada em 2006. Deste modo, após a caracterização física das bacias hidrográficas mais afectadas, faz-se uma breve referência à história dos dois grandes incêndios florestais e passase ao desenvolvimento do tema central, a caracterização das situações de cheia após incêndios, centrando esta análise nos episódios pluviosos de 16 de Junho e 14 de Julho de 2006, e na consequente resposta das ribeiras, comparativamente com o ocorrido nas proximidades, durante o temporal de 23 de Junho de 1988 e com outras situações de pluviosidade intensa registadas noutras áreas do centro de Portugal, após incêndios florestais. O artigo termina com a análise da responsabilidade humana na avaliação do risco de cheia e na percepção do perigo de inundação que decorrem da existência de incêndios florestais, bem como da falta de uma cultura de prevenção que, por continuar a fazer sentir-se, leva, por vezes, à manifestação de crises de inundação após incêndio florestal, resultantes de cheias cuja gestão é, nestas condições, muito difícil se não mesmo praticamente impossível. Palavras chave: risco de cheia, perigo de inundação, consciência do risco, percepção do perigo, prevenção.

124 Luciano Lourenço (Coordenador)

125 Introdução Os dois episódios pluviométricos que, nos dias 16 de Junho e 14 de Julho de 2006 atingiram particularmente as bacias hidrográficas das ribeiras de Pomares e do Piódão, provocaram cheias e inundações, com consequências severas e com graves prejuízos materiais, financeiros e inclusive humanos, quer nas cabeceiras de algumas linhas de água, quer nos vales localizados a jusante. O conhecimento profundo da área, adquirido quer pelo vasto trabalho de campo anteriormente desenvolvido (LOURENÇO, 1996), reforçado, tanto pela análise do episódio análogo que se verificou em 23 de Junho de 1988 (LOURENÇO, 1988), como pela participação no Projecto Terrisc, permitiu-nos compreender com facilidade a sequência de acontecimentos que tiveram lugar e identificar as zonas mais afectadas. Vejamos, então, o que sucedeu. Metodologia A observação in loco foi o método privilegiado para avaliar as consequências dos episódios pluviosos intensos. Além desse, recorremos à consulta dos documentos de base e dos registos estatísticos disponíveis que ajudadaram a perceber as razões que estiveram na sua origem. Por sua vez, a experiência e os ensinamentos retirados do episódio ocorrido em 1988, revelaram-se importantes para antever qual havia sido o comportamento das ribeiras e quais as zonas que supostamente teriam sido mais atingidas, o que veio a confirmar-se com as saídas de campo. A primeira saída de campo teve lugar no dia 22 de Junho (seis dias depois do primeiro episódio) e no dia 18 de Julho (dois dias após o segundo episódio). Em ambas as saídas fomos ouvindo as populações locais que nos relataram os factos sucedidos, nos acompanharam e mostraram os inúmeros prejuízos causados.

126 Luciano Lourenço (Coordenador) Usámos a informação registada na estação meteorológica automática do NICIF que está instalada junto ao Piódão, tal como a proveniente da parcela de erosão existente no mesmo local, do Projecto Terrisc, que nos forneceu valores referentes à erosão hídrica associada à pluviosidade. Além disso, foram consultadas várias fontes documentais, cartográficas e bibliográficas, relacionadas com a temática das cheias e inundações, bem como variados sítios na Internet. Fomos apanhados desprevenidos, pois o dia 16 foi numa sextafeira e só depois do fim-de-semana, na segunda-feira seguinte, tivemos noção da dimensão dos factos, pelo que só então pudemos programar o reconhecimento de campo. 1. Localização e breve caracterização da área em análise As bacias hidrográficas das ribeiras do Piódão e de Pomares integramse no mais importante conjunto montanhoso português, a Cordilheira Central, designadamente na Serra do Açor. A bacia da ribeira de Pomares, com uma área de 45 km2 (QUADRO I) localiza-se nos concelhos de Arganil, a montante, e de Oliveira do Hospital, a jusante, desenvolvendo-se entre as cotas 1280 e 220 metros. QUADRO I - Características numéricas das ribeiras do Piódão e de Pomares Fonte: Adaptado de LOURENÇO, 1996.

127 A bacia hidrográfica da ribeira do Piódão situa-se a Este da bacia da ribeira de Pomares e estende-se pelos concelhos de Arganil (a sul) e Seia (a Norte), ocupando uma área total de 34 km 2 que, altimetricamente, varia entre as cotas 1342 e 290 metros. 2. Grandes incêndios florestais de 1987 e 2005 na Serra do Açor O historial dendrocaustológico do concelho de Arganil e, em particular, das freguesias do Piódão e de Pomares, é caracterizado por números que se destacam pela negativa, quer de área ardida quer de ocorrências e que, localmente, se traduzem numa elevada reincidência (LOURENÇO e NAVE, 2006). As áreas ardidas nos anos de 1987 e 2005 integram-se nos maiores incêndios florestais que afectaram a região. O primeiro grande incêndio da Serra do Açor ocorreu entre os dias 13 e 20 de Setembro de 1987. O fogo propagou-se nos concelhos de Arganil, Oliveira do Hospital e Pampilhosa da Serra, acabando por destruir 10900 hectares de mato e floresta (fig. 1). Por sua vez, entre os dias 19 e 24 de Julho de 2005, uma parte da área queimada em 1987 voltou a ser incinerada por um novo grande incêndio florestal, que lavrou em seis concelhos: Seia, Oliveira do Hospital, Arganil, Pampilhosa da Serra, Covilhã e Fundão. As freguesias de Pomares e Piódão foram severamente afectadas (fig. 2). Este incêndio acabou por destruir 15,837 hectares tornando-se no segundo incêndio de maior extensão do ano de 2005. É, pois, natural, que em tão vastas áreas incineradas, os processos erosivos encontrem palco de fácil actuação, pelo menos enquanto a vegetação, após iniciar o seu processo de auto-regeneração, não atingir algum desenvolvimento. Referem-se estes dois grandes incêndios florestais porque "depois do fogo, veio a àgua" que provocou cheias e inundações, as quais serão analisadas na sequência destes dois incêndios, uma vez que se não tivessem ocorrido, também não teria havido inundações desastrosas.

128 Luciano Lourenço (Coordenador) Fig. 1 - Área ardida (AA) no incêndio de 1987.

129 Fig. 2 - Área ardida (AA) no incêndio de 2005.

130 Luciano Lourenço (Coordenador) 3. Factores potenciadores de cheias e inundações após incêndios florestais. Os incêndios florestais, por destruírem a cobertura vegetal, estão na génese de uma série de acontecimentos que acabam por potenciar os riscos de cheias e de inundação. Após a destruição dos estratos arbóreo (importante como primeira protecção contra as gotas de chuva), arbustivo e herbáceo (importantes como agentes fixadores do terreno e que favorecem a infiltração), a resistência ao escoamento que, anteriormente ao fogo, a vegetação proporcionava deixa de existir, de forma que os processos de retenção e consequente infiltração da água são reduzidos ou mesmo anulados, deixando disponíveis maiores quantitativos de água para o escoamento à superfície. Ora em locais de acentuado declive, esta água que se encontra disponível à superfície desloca-se para jusante e, por força do volume crescente do escoamento e da influência do declive, acaba por incorporar materiais minerais e matéria orgânica vegetal, na sua maior parte composta por cinzas, troncos, ramos e raízes que as chamas não consumiram na totalidade. A movimentação dos materiais ao longo das vertentes, em direcção às linhas de água, aumenta exponencialmente, tanto em volume, como em velocidade, o que acaba por contribuir para uma intensificação do fenómeno de destacamento e arraste, à medida que a massa de água e detritos se concentram ao longo das vertentes, canalizando-os para os vales situados na base das mesmas, podendo, depois, transportá-los muito para jusante, mesmo para zonas que não foram afectadas por incêndios. A concentração do escoamento proveniente das pequenas das bacias hidrográficas sujeitas às condicionantes descritas, acaba por, inevitavelmente, originar cheias e inundações. Nestas situações é frequente verificar que a água afluente à linha principal é escura devido à enorme quantidade de cinzas e sedimentos transportados em suspensão (fot. 1). De igual modo a quantidade de matéria orgânica vegetal é de tal ordem que, muitas vezes, acaba por obstruir as passagens inferiores das pontes e os sistemas de controlo e gestão de recursos hídricos.

131 Fot. 1- Acumulação de materiais na ponte da Ribeira de Pomares. Fotografia cedida por Pedro Castanheira. 4. A cheia de 1988, após o incêndio de 1987. A tempestade do dia 23 de Junho de 1988 teve origem numa "depressão em altitude que, em grande parte, terá sido responsável pelo estado do tempo que se fez sentir à superfície e que, de acordo com a previsão do Instituto de Meteorologia e Geofísica, apresentou períodos de céu muito nublado, vento geralmente fraco, aguaceiros e trovoadas em especial nas regiões do Norte e Centro, a partir da tarde"(lourenço, 1988). A análise efectuada às informações climatológicas disponíveis revelou que nesse período e em termos médios, se verificaram valores de precipitação e de números de dias com precipitação muito superiores aos valores médios para o mês de Junho, bem como o número de trovoadas acompanhadas por grandes episódios pluviométricos ocorridos em intervalos de tempo muito curtos. As enormes massas de água precipitadas nesse dia sobre a área da bacia, estimadas em dez mil metros cúbicos por minuto (LOURENÇO, 1988), associadas à destruição da vegetação pelo incêndio de Setembro de 1987, tiveram um impacte directo no volume dos caudais das ribeiras da área atingida, que

132 Luciano Lourenço (Coordenador) afluíram em grande parte à ribeira de Pomares (fig. 2 e fot.3), onde o aumento da altura das águas provocou enormes prejuízos. Contudo e apesar da significativa importância à escala local, como se tratou de um fenómeno localizado, o rio principal, o Alva, "amorteceu sem problemas a cheia do seu afluente, da ribeira de Pomares, sem que tivesse registado um aumento muito significativo do seu caudal médio diário. O máximo de Junho de 1988 foi de 34,43 m3/s, no dia 24, tendo ficado muito abaixo dos valores Fot. 2 - Confluência da ribeira de Pomares com o rio Alva, em Avô. Fotografia cedida por Dr. António Gonçalves. Fot. 3 - Aspecto da cheia junto da Ponte de Pomares. Fotografia cedida por Dr. António Gonçalves.

133 máximos médios observados em ponta de cheia, ou até mesmo dos normais no período de Inverno desse ano (máximo instantâneo - 512,95 m 3 /s e máximo médio diário - 252,93 m3/s, ambos em 29 de Janeiro), tendo-se ficado apenas em cerca de metade do valor registado poucos dias depois, em 5 de Julho - 67,17 m3/s (fig. 3) e, portanto, insuficientes para ocasionar uma verdadeira cheia." (LOURENÇO, 1990). Fonte: LOURENÇO, 1990 Fig. 3 - Evolução dos caudais médios diários (m3/s) do rio Alva, na Ponte de Coja, durante o período de Janeiro a Agosto de 1988. 5. As cheias de 2006, após o incêndio de 2005 Por coincidência, parte da bacia hidrográfica da ribeira de Pomares, voltaria a ser afectada, em 2006, por situação análoga. Ora, como a ocorrência de cheias e inundações após incêndios florestais, associadas a episódios pluviométricos intensos, se reveste de particular importância para quem estuda e analisa estes fenómenos, principalmente quando as áreas afectadas são recorrentes, várias razões contribuíram para que realizássemos esta pequena investigação. Desde logo, pelo facto de termos estudado detalhadamente os acontecimentos já referidos, ocorridos em Junho de 1988 (LOURENÇO, 1988), mas, sobretudo, pelo interesse científicos que este tipo de fenómenos nos desperta e, ainda pelo facto da zona afectada estar inserida na área de estudo do Projecto Terrisc. Seria, pois, natural que procedêssemos à análise dos acontecimentos ocorridos em 16 de Junho de 2006 nas bacias hidrográficas das ribeiras do Piódão e de Pomares.

134 Luciano Lourenço (Coordenador) Praticamente, uma semana depois desta ocorrência, visitámos as áreas afectadas e efectuámos um exaustivo levantamento fotográfico das consequências nos locais mais atingidos, nomeadamente na praia fluvial de Avô, ao longo da ribeira de Pomares, em particular no Sobral Magro, Barroca do Machão e Soito da Ruiva, na Vide e arredores (Barroca da Fonte Ladeira, Fontes de Cide e Rodeado), passando pela Foz D'Égua e concluindo no Piódão. No entanto, menos de um mês depois deste episódio, quando estávamos prestes a concluir esta investigação, fomos surpreendidos pelas notícias veiculadas pela comunicação social sobre a repetição do fenómeno, a uma escala ainda maior, apesar de mais localizado no espaço. A proximidade de ocorrência dos eventos no tempo e no espaço, bem como o facto de terem acontecido com particular intensidade no Piódão, que também tinha sido fustigado no episódio anterior, levou-nos a nova visita ao campo e à análise conjunta das duas situações. 5.1. O episódio de 16 de Junho de 2006 A precipitação registada no dia 16 de Junho de 2006 no interior norte e centro do país, enquadra-se numa situação de instabilidade atmosférica com ocorrência de aguaceiros acompanhados de trovoada, que teve o seu início no dia 13 e que foi evoluindo, atingindo o seu ponto máximo no dia 16, tendo terminado no dia 17, já com valores residuais de precipitação (fig. 4), apesar de estar ainda sob influência da depressão que, entretanto se deslocou para o interior da Península Ibérica (QUADRO II). No dia 13 caíram 7,1mm de precipitação, valor que no dia seguinte aumentou para 16,75mm. O dia 15 ficou-se por 5,33mm e no dia 16 registou-se o valor mais elevado, 25,65mm, que antecedidos por três dias de precipitação e praticamente concentrados, no tempo e no espaço, uma vez que 22mm se precipitaram em menos de uma hora, foram suficientes para desencadear uma ponta de cheia que, por sua vez, provocou inundações e desencadeou uma série de efeitos erosivos com consequências bem nefastas (LOURENÇO e FIALHO, 2006). De acordo com o observado, a área mais afectada pelos efeitos do primeiro episódio pluviométrico estendeu-se por uma área sensivelmente triangular cujos vértices se localizam entre Avô (a Este),

135 Fonte: NICIF Fig. 4 - Distribuição dos valores diários de precipitação e da temperatura média, durante o mês de Junho, no Piódão. QUADRO II - Estado do tempo e previsões dos dias 15, 16 e 17 de Junho. Fonte: Adaptado dos boletins diários de Informação Meteorológica de Apoio à Prevenção e Combate aos Fogos Florestais do Instituto de Meteorologia disponíveis em http://www.meteo.pt.

136 Luciano Lourenço (Coordenador) Fontes de Cide (a Oeste) e Soito da Ruiva (a Sul), tendo sido ao longo das ribeiras de Pomares e do Piódão que os seus efeitos se fizeram sentir de forma mais acentuada (fig. 5). Com efeito, ao longo da ribeira de Pomares e de jusante para montante, podemos confirmar os efeitos da cheia. Na margem da praia fluvial de Avô foi possível ver uma carrinha de caixa aberta carregada com troncos, ramos e raízes que tinham sido recolhidos nesse dia (fot. 4), uma semana depois, o que permitiu confirmar que o episódio tinha sido bastante violento, permitindo o transporte em ponta de cheia, degrande quantidade de material. À chegada encontrámos bombeiros Fig. 5 - Áreas afectadas no episódio de 16 de Junho.

137 que, com jactos de água, tentavam remover a camada sedimentar que se tinha acumulado e substituído a areia da praia fluvial. A profundidade do leito do rio tinha diminuído em consequência acumulação de sedimentos escuros, constituídos por siltes, argilas e muitas cinzas que formaram uma camada de cerca de 10 cm de espessura. Mas o que foi dado observar na praia fluvial de Avô foi já após grandes operações de limpeza entretanto efectuadas. Todavia, na piscina de Pomares, onde se procediam a trabalhos de limpeza do leito e restauro das comportas do dique, os trabalhadores deram-nos conta dos acontecimentos do dia 14, cujos vestígios ainda eram bem notórios. O tamanho dos calhaus ainda acumulados a jusante das comportas da estrutura de contenção de água davam conta da força da corrente que por ali tinha passado. As águas galgaram cerca de 2,50 m de altura do dique, que, mesmo com as comportas abertas não conseguiu dar vazão ao caudal que se foi juntando, inundando até à altura de um metro, o passeio ribeirinho a montante. Sob o vão da ponte de pedra existente poucos metros a montante do dique, foi-se acumulando uma enorme quantidade de detritos florestais oriundos dos vários afluentes, que, se por um lado, iam entulhando a passagem, por outro, contribuíam para multiplicar a velocidade a que a água corria por baixo da ponte em direcção à estrutura de suporte das comportas, situada a jusante (fot. 5). Fot. 4 - Matéria orgânica vegetal recolhida na Praia Fluvial de Avô.

138 Luciano Lourenço (Coordenador) Fot. 5 - Estrutura de suporte das comportas da Ribeira de Pomares. Fotografia cedida por Pedro Castanheira. A força da corrente que chegou a esta ponte foi de tal ordem que nos foi possível observar um pedaço de tronco de árvore do tamanho de um pequeno tractor, que tinha sido recolhido junto à referida ponte (fot. 6). Os vestígios da inundação nos campos de cultivo da margem direita eram também evidentes. Calhaus de tamanho muito superior ao esperado num campo agrícola e a vegetação "deitada" e orientada no sentido da corrente numa extensão até cerca de 20 metros da margem, mostravam que o caudal tinha transbordado e passado também por ali. Mais a montante, na piscina do Sobral Magro pudemos observar os efeitos da ponta de cheia que se deslocou naquele dia. A parte final da escadaria de acesso, construída em cimento, foi arrancada e tanto o tamanho como a quantidade dos calhaus e blocos depositados quer no leito, quer no caminho de acesso à estrutura de suporte das comportas, eram de grande dimensão. A referida estrutura, com cerca de 2,50 metros de altura, ficou completamente obstruída a montante, com toneladas de inertes vegetais trazidos pela corrente. O tabuleiro ficou coberto com cerca de 50cm de material, onde o corrimão serviu como rede para segurar os inertes trazidos pela ponta de cheia que o galgou (fot.7). Outro dos locais muito afectado foi a piscina fluvial de Soito da Ruiva, que apenas possui uma comporta para escoamento dos caudais (líquido e sólido) com cerca de 40 cm de largura por 100 cm de altura, ficou completamente entulhada de sedimentos pequenos, médios e muitos de grandes dimensões,

139 Fot. 6 - Tronco de árvore recolhido na ponte da Ribeira de Pomares durante o episódio do dia 16 de Junho. Fot. 7 Leito e dique de Sobral Magro após o episódio de 16 de Junho.

140 Luciano Lourenço (Coordenador) tendo a sua profundidade em alguns sítios ficado reduzida a 30 ou 40 cm, o que se revelou manifestamente insuficiente. Como consequência, as medições e observações efectuadas no local indicam que o caudal a jusante da piscina terá atingido uma altura de mais de dois metros relativamente ao espelho de água original (fot. 8). O varão de delimitação da piscina ficou, em alguns locais, vergado pela força do embate da carga sólida transportada, que ainda era visível nas margens e composta por troncos, ramos de árvores e calhaus. De igual modo, também ao longo da Ribeira de Piódão foi possível observar as marcas deixadas pela ponta de cheia que varreu esta ribeira, desde o Piódão até Vide. Assim na piscina da praia fluvial do Piódão os efeitos da corrente impressionavam pelas suas consequências. Blocos de dimensão considerável e uma espessa camada de sedimentos cobriam por completo o fundo da piscina, tendo-lhe retirado alguns centímetros da profundidade original. A jusante do Piódão, particularmente na Foz D'Égua, no Rodeado e na Vide, a acumulação de quantidades enormes de inertes florestais, nas pontes e outras estruturas foi consequência da "lavagem" das áreas ardidas. Mas, foi na Vide, já no leito do rio Alvôco, após a confluência da ribeira do Piódão, e uma semana após o episódio que observámos toneladas de madeira acumuladas no principal dique a serem movimentadas por um bulldozer que, a Fot. 8 - Simulação da ponta de cheia na piscina fluvial de Soito da Ruiva.

141 montante, empurrava os destroços, para jusante, onde os homens à força de braços e da enxada os dirigiam rio abaixo por forma a limpar, o mais depressa possível, a infraestrutura de tanta madeira (fot. 9 e fot. 10). A Junta de Freguesia chegou mesmo a anunciar "A Junta de Freguesia informa a população que estiver interessada que poderá recolher lenha na barragem para seu próprio uso". É óbvio que o processo de remoção para jusante, embora permitisse resolver o problema local, iria criar outros a jusante, sobretudo quando o caudal do rio voltasse a aumentar substancialmente, previsivelmente no Inverno seguinte, mas que veio a suceder bastante mais cedo, tornando inúteis todos os esforços de limpeza efectuados nas praias fluviais situadas a jusante que, deste modo, não passaram de gastos de recursos financeiros sem qualquer utilidade. Operações de protecção civil deste tipo devem envolver um carácter intermunicipal, que passa por soluções conjuntas, devidamente articuladas, que, embora aparentemente possam consumir mais recursos, evitam males futuros que, por não terem sido prevenidos em tempo oportuno, podem acarretar custos ainda maiores, como a natureza se encarrega de provar. Fot. 9 - Simulação da altura atingida pela água na Vide.

142 Luciano Lourenço (Coordenador) Fot. 10 - Operações de limpeza da estrutura de suporte de comportas da Vide, uma semana após o episódio de 16 de Junho. Estes exemplos levantam-nos várias questões, como, por exemplo: terão as freguesias existentes a jusante da Vide sido avisadas de tal acção? Será que quem ordenou tal acção não considera os efeitos que isso terá a jusante? Que impactes é que isso teve? Haveria outras possibilidades para limpar o dique? Por outro lado, a falta de acções concertadas para mitigar o risco de cheias e inundações após incêndios florestais, deve começar logo após a ocorrência dos incêndios, de forma a que seja feito um levantamento das áreas potencialmente problemáticas, de acordo com os factores inerentes a este tipo de risco: avaliação do estado da cobertura vegetal, condições do solo após o incêndio, estado de limpeza das áreas ardidas, classes dos declives da zona afectada, estado de conservação das estruturas de condução hídrica existentes, e desentulhamento de valas, canais, condutas e manilhas. Paralelamente, a informação e formação das populações residentes em zonas susceptíveis a este tipo de fenómeno pode facilitar futuras acções de auxílio e socorro, bem como alertar para a necessidade de cumprir determinadas práticas que poderão ser benéficas na mitigação do risco de cheias e inundações após incêndios florestais.

143 5.2. O episódio de 14 de Julho de 2006 O episódio pluvioso do dia 14 de Julho ocorreu quase um mês depois e foi mais concentrado e intenso do que o episódio anterior, pois só afectou as cabeceiras da ribeira do Piódão. No dia 12, entre as 15.30h e as 16 horas caíram pouco mais de 10mm. No dia seguinte, os totais precipitados foram quase três vezes superiores, tendo-se registado 29,46mm de chuva entre as 18 e as 20 horas. A tendência manteve-se e no dia 14; entre às 15 e 30 e as 19 horas caíram 38,85mm de chuva (fig. 7) dos quais 38,35mm foram precipitados em menos de uma hora, de acordo com o pormenor fornecido pela estação meteorológica, mas que segundo populares terão ocorridos durante cerca de dez minutos, o que pode ser provável, face aos efeitos observados e uma vez que a estação meteorológica só registou valores de 30 em 30 minutos, esses 10 minutos de precipitação mais intensa podem ter correspondido ao final de um período de registo e ao início do seguinte, pelo que ficaram diluídos em dois intervalos consecutivos de meia hora. A surpresa provocada pela anterior visita à piscina da praia fluvial do Piódão, foi largamente ultrapassada pelo que observamos desta vez (fot. 11 e fot. 12). O leito da ribeira tinha sido profundamente alterado e o transporte sedimentar foi de tal ordem que deixou a piscina completamente soterrada. Para tal também muito terá contribuído o facto de as comportas da piscina estarem colocadas na Fonte: NICIF Fig. 7 - Distribuição dos valores diários de precipitação e da temperatura média, durante o mês de Julho, no Piódão.

144 Luciano Lourenço (Coordenador) Fot. 11 - Simulação da ponta de cheia vista de jusante na piscina fluvial do Piódão durante o episódio de 16 de Junho. Fot. 12 - Simulação da ponta de cheia vista de jusante na piscina fluvial do Piódão durante o episódio de 14 de Julho. Fotografia cedida por Eng.ª Cristina Melo. altura dos acontecimentos, por já nos encontrarmos na época balnear e, provavelmente, porque a rapidez com que tudo aconteceu não permitiu tomar as acções necessárias para minimizar os efeitos do fenómeno inesperado e imprevisível. Tal facto comprometeu a resposta da ribeira à precipitação, obrigando as águas a passarem por cima das comportas, enquanto os materiais se iam acumulando a montante, no interior da piscina.

145 Fot. 13 - Simulação da ponta de cheia vista de montante na piscina fluvial do Piódão durante o episódio de 16 de Junho. Fot. 14 - Simulação da ponta de cheia vista de montante na piscina fluvial do Piódão durante o episódio de 14 de Julho. Fotografia cedida por Eng.ª Cristina Melo. O balneário de apoio à piscina, que no episódio anterior ficara com a água a cerca de metro e meio abaixo, fora agora inundado até altura de um metro (fot. 13 e fot. 14). No entanto, infelizmente, a maior diferença entre este episódio e o do mês anterior foi, apesar de tudo, a perda de uma vida humana. Um turista apanhado desprevenido pela tempestade e pela corrente que se gerou na ribeira abrigou-se no lado de fora do referido balneário, acabando por ser arrastado pela cheia.

146 Luciano Lourenço (Coordenador) Conclusão A responsabilidade humana na avaliação do risco, na percepção do perigo e na mitigação das crises é muitas vezes menosprezada. Com efeito, a equação do risco, o factor antrópico desempenha um papel central mas, muitas vezes, é olvidado. O conceito de 'risco' apenas têm significância quando, de forma directa ou indirecta, as suas consequências se reflectem nas sociedades humanas, seja por incapacidade de prever e avaliar o potencial risco, seja por ausência de estratégias concertadas para lidar com as crises e mitigar os seus efeitos. Desta forma, a relação do Homem com o Meio-Natural implica a necessidade constante de antecipar a probabilidade de manifestação de situações de risco, desde o nível mais baixo (acidente) aos mais elevados (acidente grave e catástrofe). Esta constante antecipação da manifestação do risco, baseada em processos de análise, comparação e previsão, é da responsabilidade de todos, mas, sem dúvida nenhuma, que as grandes decisões e acções são do domínio dos poderes central e local, que deveriam estar na linha na frente da gestão dos riscos, e das crises, o que implica a protecção de pessoas e bens. No caso específico do risco de cheias e de inundações após incêndios florestais em particular, verifica-se a existência de diversos tipos de responsabilidades, designadamente: a) A falta de uma política efectiva de gestão e ordenamento do espaço florestal, potencia tanto o risco de eclosão como o de propagação, uma vez que para além de propiciar a ignição e a progressão de incêndios, dificulta o seu combate e, posteriormente, não incentiva à reabilitação das áreas ardidas. Deste modo, o incêndio florestal é visto apenas como um risco em si próprio e não como um elemento potenciador de outros riscos, estando estabelecida a ideia de que com a extinção do fogo, se anula a manifestação do risco. O exposto neste artigo mostra claramente como, em alguns locais, a questão não pode ser vista tão linearmente, sendo necessária uma política concertada e integrada de prevenção e reabilitação que actue antes e depois da ocorrência de incêndios florestais, prevenindo riscos futuros. b) Durante e após as situações de crise, a rapidez da resposta dos vários agentes do estado (administração local e central) caracteriza-se geralmente pelo mesmo problema: ausência de acções concertadas o que compromete a eficácia das medidas tomadas. Este problema afecta não só as estruturas dos diferentes

147 ministérios (Ambiente, Administração Interna e Agricultura, Desenvolvimento Rural e Pescas, por exemplo) mas também as das autarquias locais (Municípios e Freguesias afectadas ou contíguas), como as forças de intervenção (Bombeiros e G.N.R.). O planeamento local não integrado de resposta a situações de crise ou póscrise gera situações como a que tivemos oportunidade de observar ao longo das linhas de água afectadas (rios Alva e Alvoco, ribeiras de Pomares e do Piódão). Com efeito a lavagem da praia fluvial de Avô teve sérias consequências para as praias situadas a jusante (Vila Cova do alva, Coja, ) onde começámos por observar a tonalidade escura das águas do Alva, tal era a carga sólida transportada em suspensão, muita da qual acabou por se depositar, deixando muitas praias impróprias para um turismo com a qualidade ambiental desejável. Alguém se preocupou em avaliar as consequências que este tipo de limpeza desencadeava para jusante? Não haveria outros processos, certamente mais dispendiosos mas que evitariam estes prejuízos que não foram quantificados? O mesmo sucedeu com a limpeza das piscinas de Pomares, do Piódão ou e Vide. Ninguém se preocupou com as consequências que ia desencadear a jusante. Agradecimentos Os autores desejam manifestar o seu agradecimento ao Sr. Pedro Castanheira e à Srª. Sandra Gonçalves pelas fotografias e vídeos gentilmente cedidos relativos ao episódio de 16 de Junho, na Ribeira de Pomares, bem como à Srª. Eng.ª Cristina Melo, da Junta de Freguesia do Piódão, pelas fotografias do episódio de 14 de Julho no Piódão, e ao Sr. Francisco Fontinha da Comissão de Compartes do Piódão pelas descrições detalhadas dos acontecimentos e pela visita guiada à ribeira a montante do Piódão.

148 Luciano Lourenço (Coordenador) Bibliografia Direcção Geral dos Recursos Florestais, 2005-10º Relatório Provisório; LOURENÇO, L. (1989) - "O Rio Alva. Hidrologia, Geomorfologia, Climatologia e Hidrologia". Instituto de Estudos Geográficos, Coimbra; LOURENÇO, L. (1990) - "Alterações recentes no ambiente da Serra do Açor". in Livro-Guia da Viagem de Estudo - III Semana de Geografia Física de Coimbra e in Manifestações do Risco Dendrocaustológico. Colectâneas Cindínicas IV; Coimbra; Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra; 2004; p. 55-77; Núcleo de Investigação Científica de Incêndios Florestais; LOURENÇO, L. (1992) - "Efeitos erosivos observados em campos agrícolas das áreas montanhosas do Centro de Portugal na sequência de incêndios florestais". Actas do VI Colóquio Ibérico de Geografia, Porto; LOURENÇO, L. (1996) - Serras de Xisto do Centro de Portugal - Contribuição para o seu conhecimento geomorfológico e geo-ecológico. Dissertação de Doutoramento. Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra (inédito); LOURENÇO, L. (1998) - "Efeitos do Temporal de 23 de Junho de 1988 na intensificação da erosão de vertentes afectadas pelo incêndio florestal de Arganil/Oliveira do Hospital" in Comunicações e Conclusões do Seminário Técnico sobre Parques e Conservação da Natureza nos Países do Sul da Europa, Faro, p. 43-47 e Risco de Erosão após Incêndios Florestais. Colectâneas Cindínicas V; Coimbra; Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra; Núcleo de Investigação Científica de Incêndios Florestais; LOURENÇO, L. (2004) - "Ocorrências, Incidentes, Acidentes e Desastres". Riscos Naturais e Protecção do Ambiente. Colectâneas Cindínicas I; Coimbra; Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra; Núcleo de Investigação Científica de Incêndios Florestais, 2004; LOURENÇO, L. e FIALHO, J. (2006) -"Importância dos socalcos na mitigação do risco de erosão após incêndios florestais"; Actas das VI Jornadas Nacionais do Prosepe; Núcleo de Investigação Científica

149 de Incêndios Florestais; 2006; (no prelo); LOURENÇO, L. e NAVE, A. (2006) - "O papel dos socalcos na prevenção de incêndios florestais. Exemplos das bacias hidrográficas dos rios Alva e Alvôco (Serras do Açor e da Estrela)"; Actas das VI Jornadas Nacionais do Prosepe; Núcleo de Investigação Científica de Incêndios Florestais; 2006; (no prelo); LOURENÇO, L; NAVE, A., PEREIRA N., SILVA, M., CARVALHO, A., e FIALHO, J. (2006) - Terrisc, Recuperação de Paisagens de Socalcos e Prevenção de Riscos Naturais; Núcleo de Investigação Científica de Incêndios Florestais; Lousã; 2006; NUNES, A. (2002) - "Região Centro de Portugal: duas décadas de incêndios florestais". Territorium, Coimbra, 9; REBELO, F. (2003) - "Riscos Naturais e Acção Antrópica. Estudos e Reflexões". Coimbra, Imprensa da Universidade de Coimbra, 2ª Edição Revista e Aumentada.