A EPISTEMOLOGIA E SUA NATURALIZAÇÃO 1 RESUMO

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Transcrição:

A EPISTEMOLOGIA E SUA NATURALIZAÇÃO 1 SILVA, Kariane Marques da 1 Trabalho de Pesquisa FIPE-UFSM Curso de Bacharelado Filosofia da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Santa Maria, RS, Brasil E-mail: kariane.marques@gmail.com RESUMO Tenho como objetivo neste trabalho apresentar brevemente a naturalização da epistemologia, proposta por Willard O. Quine. Como uma das críticas para esta proposta, apresentarei Jaegwon Kim que argumenta contra a falta de normatividade da epistemologia quiniana, sustentando então que no debate epistemológico deve conter necessariamente um aspecto normativo. Porém, como uma resposta a Kim e, consequentemente, um argumento em prol do naturalismo epistemológico, a critica de Mikael Janvid de que a defesa do caráter normativo da epistemologia tradicional consiste em um equívoco. Palavras-chave: Epistemologia; Naturalização; Normatividade. 1. A NATURALIZAÇÃO DA EPISTEMOLOGIA No ensaio Epistemologia Naturalizada, Quine nos apresenta a proposta de uma reorientação da epistemologia. Reorientação porque o objetivo de Quine não é mesmo da tradição epistemológica, discussão que apresentarei no final deste trabalho, a saber, que há uma aproximação entre os objetivos da epistemologia tradicional e da naturalizada. A tradição, como uma das suas principais preocupações, buscava uma justificação para as nossas alegações de conhecimento, tendo como diretriz o programa fundacionista cartesiano. Quine concluí que essa busca da tradição epistemológica falhou. Essa conclusão, porém, não é novidade para os epistemólogos, mas é a partir disso que Quine pretende mostrar que se a epistemologia quer ser uma disciplina que se ocupa com a investigação do conhecimento, ela precisa ser pensada de uma outra forma: É melhor descobrir como de fato a ciência se desenvolve e é apreendida do que fabricar uma estrutura fictícia para efeitos similares (QUINE, 1961, p.162). Desse modo, a epistemologia não tem como propósito a busca de algo que normatize nossas alegações de conhecimento, para Quine, fazer epistemologia é mostrar como adquirimos o conhecimento que temos sobre o mundo. Contudo, Quine afirma que as mesmas razões que movem os estudos da epistemologia tradicional, também movem o estudo da epistemologia naturalizada: 1

[A] epistemologia continua a avançar ainda, embora num novo quadro e com um status clarificado. A epistemologia, ou algo que a ela se assemelhe, encontra seu lugar simplesmente como um capítulo da psicologia e, portanto, da ciência natural. Ela estuda um fenômeno natural, a saber, um sujeito humano físico. Concede-se que esse sujeito humano recebe uma certa entrada experimentalmente controlada certos padrões de irradiação em variadas freqüências, por exemplo e no devido tempo o sujeito fornece como saída uma descrição do mundo externo tridimensional e sua história. A relação entre a magra entrada e a saída torrencial é a relação que nos sentimos estimulados a estudar um tanto pelas mesmas razões que sempre serviram de estímulo para a epistemologia; ou seja, a fim de ver como a evidência se relaciona à teoria e de quais maneiras as nossas teorias da natureza transcendem qualquer evidência disponível. (QUINE, 1980, p.164) Nessa proposta, vemos que não há interesse em analisar o conceito de conhecimento, buscando a justificação da verdade das nossas crenças, e sim, buscar uma explicação de como temos as crenças que temos e como as teorias sobre o mundo são formadas. Trata-se de uma descrição do conhecimento, atividade na qual a epistemologia figura como parte da ciência natural, encontra seu lugar simplismente como um capítulo da psicologia (QUINE, 1980, p.164). Nesta nova abordagem, tal estudo epistemológico tem um status empírico, a posteriori e descritivo. 2. EPISTEMOLOGIA E NORMATIVIDADE A definição tradicional de conhecimento pode ser entendida como sendo crença (proposicional) verdadeira acompanhada de uma justificação, pois somente com ela é possível distinguir a mera crença do conhecimento. Grosso modo, a justificação demonstra que certa crença é verdadeira, e, ao fazer isso, estabelece a garantia de que certa crença é conhecimento. Assim, para muitos epistemólogos, o único elemento essencialmente epistemológico da definição de conhecimento é a justificação. No artigo O que é Epistemologia Naturalizada?, Kim reafirma que há normatividade na epistemologia tradicional, e esta normatividade reside na justificação. A justificação é o conceito central da tradição epistemológica, e é entendida nesta tradição como tendo um caráter normativo. Kim afirma que a crença pode ser entendida como um estado psicológico, a verdade entendida como um elemento semântico-metafísico. Assim, 2

Se considerarmos que acreditar ou aceitar uma proposição é num sentido apropriado uma ação, a justificação das crenças será um caso especial da justificação da ação, que nos seus termos mais latos é a preocupação central da ética normativa. Assim como o objetivo da ética normativa é delinear as condições nas quais os atos e as decisões são justificados de um ponto de vista moral, o objetivo ou tarefa da epistemologia é identificar ou analisar as condições nas quais as crenças e talvez outras atitudes proposicionais são justificadas do ponto de vista epistemológico. (KIM, 2002, p. 11) O que Kim pretende mostrar nesta comparação da epistemologia com a ética normativa é que a epistemologia tradicional e a epistemologia naturalizada são disciplinas que investigam coisas diferentes. E a epistemologia naturalizada, defendida por Quine, não se sustenta como um autêntico estudo epistêmico, por não levar em consideração o caráter normativo da justificação (sendo esta parte essencial do conhecimento): logo, quando Quine abandona a justificação, abandona o conceito de conhecimento. Nesta proposta de Kim, Quine comete um equívoco ao nos apresentar a ideia de que, ao naturalizar a epistemologia, continuamos com o mesmo propósito de investigação epistêmica, ou seja, continuamos a estudar a relação entre os dados que recebemos do mundo através dos nossos órgãos dos sentidos, isto é, nossos estímulos sensoriais, e as teorias que desenvolvemos a partir disso. Kim não está satisfeito com essa comparação. Nega a possibilidade de que haja um estudo epistêmico que possa abster-se da investigação dos critérios de conhecimento e, inclusive, questiona a relevância epistêmica do estudo sobre a evidência entre a relação dos estímulos sensorias e as teorias sobre o mundo. Desse modo, concluí que a proposta da naturalização da epistemologia não está preocupada com o conhecimento. Desse modo, parece que a tradição epistemológica está salvaguardada, ou seja, a epistemologia não só é uma disciplina filosófica de caráter normativo, mas particularmente se ocupa da tarefa de justificação das nossas crenças. 3. SERÃO AS CONDIÇÕES EPISTÊMICAS PRINCÍPIOS A PRIORI? Com essa breve descrição das duas formas de pensar a epistemologia, poder-se-ia pensar que cada uma delas pode seguir seus estudos nas respectivas áreas sem entrarem em divergência, pois uma fala de como se dá o conhecimento (descrição), enquanto a outra define o que é conhecimento (prescrição). Afinal, pensadas desse modo, constituem-se como áreas distintas. Porém, para Mikael Janvid esta distinção não acontece. Janvid argumenta contra a 3

crítica de Kim e mostra como uma epistemologia naturalizada com base nessas considerações quinianas pode explicar a normatividade manifestada em nossas práticas epistêmicas. Não tenho como objetivo expor essa segunda parte, apenas apresentarei a resposta de Janvid para a crítica de Kim a Quine. No artigo Epistemological Naturalism and Normativity Objection or From Normativity to Constitution, o autor começa expondo o principal argumento feito por parte dos epistemólogos tradicionais contra os naturalistas, a saber, a omissão do caráter essencial da epistemologia, a normatividade. Janvid (2004 p.36-37), simplifica o argumento da seguinte forma: (i) A epistemologia tem o caráter essencialmente normativo. (ii) Por outro lado, a ciência é descritiva. (iii) A questão da naturalização é que a epistemologia deveria se unir com a ciência natural e, consequentemente, aprovar o seu método. (iv) Assim, a naturalização da epistemologia priva um igrediente essencial desta disciplina. (v) Conclusão: não pode haver uma naturalização da epistemologia. A partir desse argumento, Janvid assume a primeira premissa a epistemologia tem o caráter essencialmente normativo e diz que tal premissa é pouco clara, ou seja, a interpretação dessa premissa pode ser dividida em duas partes: questionando se (a) o domínio da explicação e/ou projeto de esclarecimento tem um elemento normativo, e (b) se o domínio do projeto de validação tem tal elemento. Em (a), há uma referência ao programa epistemologico que pretende analisar os termos que são relevantes para o conhecimento, a saber, crença, verdade, justificação, etc., e análise do próprio conceito de conhecimento. A questão (b) se refere ao projeto de validação da verdade da crença, isto é, a justificação. No que diz respeito a (a), Janvid ainda levanta o questionamento se os projetos de esclarecimento são de caráter normativo ou se o conceito de conhecimento é em si intrinsecamente normativo. E responde que os projetos de esclarecimento não têm caráter normativo, afirmando que a forma de normatividade envolvida pode ser entendida como uma descrição hipotético e instrumentalista. Com isso, Janvid quer salientar que há diferença entre as normas oriundas das descrições de certos padrões do comportamento em relação a produção do conhecimento, e as normas como prescrição que estabelecem as condições sobre as quais é possível produzir conhecimento. Para a questão do conhecimento ser intrinsecamente normativo, o autor afirma que há uma série de defesas na epistemologia clássica que sustentam ser o conhecimento um conceito de caráter normativo. Porém, questiona sobre de que maneira essa definição do 4

conceito de conhecimento tem de normativo ao buscar-se pelas boas razões para crença verdadeira. Há uma valorização da tradição quanto o cumprimento das condições suficientes para o conhecimento, contudo, para Janvid isso deve ser entendido somente a partir de uma avaliação instrumental. Ou seja, o conceito de conhecimento não é um conceito intrinsecamente normativo. Interessante observar que a critica de Janvid a Kim não leva somente em conta o caráter não prescritivo das condições epistêmicas, mas incide sobre a comparação que este faz da a epistemologia em relação ética normativa. Ou seja, Janvid não está disposto a aceitar a afirmação de que a epistemologia é uma disciplina normativa tanto quanto a ética é normativa e exatamente no mesmo sentido (KIM, 2002, p.11). Esta distinção, em vez, aponta para a diferença entre, por um lado uma teoria de justificação como tal, isto é, como uma teoria segundo a qual as condições de uma crença é justificada, e, por outro lado, uma teoria psicológico / sociológico sobre as condições em que as pessoas tomar suas crenças para ser justificada. Apenas a teoria anterior pertence ao domínio de validação, mas esta teoria é tão descritiva como a outro é, elas só dizem respeito a diferentes campos de investigação. (JANVID, 2004, p.38) Para Janvid, o estudo da distinção entre as crenças que são justificadas e as que não são justificadas não confere normatividade sobre o domínio da justificação, contrário do que acontece na ética normativa no tocante as ações que são morais e as que não são. Mas essa critica endereçada a Kim parece ter conseqüências mais abrangentes, ou seja, a falta de normatividade é um fato que acompanha aqui que a tradição considerava como sendo o núcleo do projeto epistemológico, a saber, que o conhecimento é um bem cuja pertença ou não faz com que alguém seja louvado ou censurado. REFERÊNCIA KIM, Jaegwon. O que é epistemologia naturalizada? In: Cadernos de Filosofia. Vol. 12, Lisboa: Universidade Nova de Lisboa, 2002. JANVID, Mikael. Epistemological Naturalism and Normativity Objection or From Normativity to Constitution. In: Erkenntnis,60: 35 49, 2004. QUINE, W.V.O. Epistemologia naturalizada. São Paulo: Abril Cultural, 1989, p.157-169. 5