Acesso da População aos Opióides: Problema Global? Soluções Locais?

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Transcrição:

CAPÍTULO 134 Acesso da População aos Opióides: Problema Global? Soluções Locais? Onofre Alves Neto, TSA-SBA * Introdução De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), o consumo de morfina por um país é um importante indicador do progresso no tratamento da dor do câncer 1. De acordo com a própria OMS, os governos deveriam dividir suas experiências sobre os sistemas regulatórios de distribuição de drogas para assegurar não só o combate ao uso abusivo das drogas, mas também para prevenir que pacientes que sofrem especialmente da dor do câncer tenham dificuldades em conseguir a droga necessária para o alívio de Gráfico I - Escada analgésica da OMS sua dor 2. Desde 1976, o consumo de morfina, metadona e petidina aumentou consideravelmente em todos os 10 países que mais consomem opióides. No entanto, a assertiva de que o aumento do consumo de opióides é um bom indicador do melhor tratamento da dor do câncer não tem sido provada 3. Todos reconhecem, a partir da chamada Escada Analgésica da OMS, a importância dos opióides, especialmente da Morfina, no tratamento da dor crônica, principalmente a dor do câncer (Gráfico I) * Doutor, Professor de Anestesia, UFG-GO Responsável pelo CET-SBA do HC de Goiânia-GO Presidente 2007/2008 da SBED

No 10º Congresso Mundial de Dor, em San Diego, CA, USA, em 2002, a IASP (International Association for the Study of Pain) apresentou um levantamento sobre o consumo global dos opióides, no período de 1981-2000 (Gráfico II), mostrando o aumento progressivo no consumo dos analgésicos opióides em todo o mundo. Gráfico II - Consumo global de opióides, IASP, 2002 1166 Medicina Perioperatória Tem-se que o país como o maior consumidor legal de opióides é a Dinamarca 4. Morfina, metadona e petidina correspondem, juntos, a mais de 90% do consumo total de opióides, na maioria dos países, com um aumento de consumo, no período de 1976 a 1992, que varia de 26 a 1.523%. O consumo médio de morfina, nos 10 países que mais consomem opióides, aumentou consideravelmente, variando de 198 a 3.318% 3. A forma de apresentação da morfina de liberação lenta foi introduzida em 1983, mas já em 1993, esta maneira já correspondia a mais de 73% do consumo total da morfina, na Dinamarca 3. Países como a Suécia e a Austrália aumentaram o consumo de metadona, ao invés da morfina. No Brasil, a própria Organização Mundial de Saúde reconhece o aumento importante do consumo de morfina (Gráfico III). O Ministério da Saúde do Brasil, em levantamento feito recentemente, mostra o substancial aumento no consumo de morfina e metadona, no Brasil. (Gráfico IV) Se pensar que o número de casos de câncer no mundo vai aumentar consideravelmente, por levantamentos feitos pela própria Organização Mundial de Saúde (Gráfico V), é de considerar não só a necessidade de se disponibilizar agentes opióides para o controle da dor, mas também de se regulamentar o seu uso, para evitar ou diminuir o seu potencial de abuso. Sabe-se que serão quase 10 milhões de novos casos de câncer por ano, no mundo, com cerca de 6 milhões de morte/ano. A própria OMS reconhece que cerca de 70% dos novos casos de câncer, em 2020, vão ocorrer nos países desenvolvidos 5, onde ainda a maioria dos casos são

Gráfico III - Consumo de morfina no Brasil, de 1980-2000 (OMS) diagnosticados em estágios avançados. Sabe-se que a dor é prevalente no câncer, mas especialmente nos casos tardios, a dor é de maior intensidade no final da vida. Todos reconhecem que a dor do câncer é ainda, freqüentemente, subtratada. Mesmo quando tratada, o seu alívio é inadequado. Educação no tratamento e disponibilidade de drogas ainda são as principais estratégias sugeridas pela própria OMS. Quando a dor do câncer é moderada a severa, não existe substituto para os opióides no grupo terapêutico em uso de morfina. Gráfico IV - Consumo de morfina e metadona, no Brasil, de 2002/2004 (Ministério da Saúde) Acesso da População aos Opióides: Problema Global? Soluções Locais? 1167

Gráfico V - Previsão do número de câncer, no mundo, comparando-se com o número de infecções (OMS). Medicina Perioperatória Os opióides são classificados como drogas narcóticas pelo seu potencial de uso abusivo. Em conseqüência, o seu consumo é regulamentado por tratados internacionais e políticas locais. A própria OMS, através do seu International Narcotics Control Board, reconhece os opióides não são suficientemente disponíveis para o uso médico. Várias razões são sugeridas para esta realidade, como a baixa prioridade que se dá para o controle adequado da dor nos sistemas de saúde públicos, o medo exagerado da adição, políticas excessivamente restritivas para o seu controle, além dos problemas na produção e distribuição dos opióides. Quando comparado com outros países, o consumo de opióides, no Brasil, ainda é pequeno, principalmente pela falta de educação de todos para o seu uso adequado e pela disponibilização, especialmente no sistema público. (Gráfico VI) As Normas Regulamentadoras nos EUA 1168 Nos Estados Unidos cada estado tem normas regulamentadoras para a prescrição de substâncias controladas, como os opióides. Um dos programas mais antigos é a chamada prescrição em triplicata, do Estado da Califórnia, criada em 1939, em que a idéia de prescrever em múltiplas cópias reduziria o seu uso ilícito, com maior controle. Infelizmente, esta lei não promoveu a redução do tráfico de drogas ilegais. O óbvio que os dependentes de substâncias químicas obtém suas drogas de outras pessoas, que não os médicos assistentes. Motivos como fraude, roubo, doses exageradas, investigações da Vigilância Sanitária e adição, são citados como responsáveis pelo rigor absoluto que se dá à prescrição dos opióides. Os médicos que tratam a dor de pacientes com câncer sabem que o risco de adição é infrequente. Uma questão atual é que muitos médicos acham que os opióides devem ser usados só

para a dor do câncer, mas experiência clínica e de pesquisa recente mostra que também os opióides são opções no tratamento da dor moderada a severa, nos casos não-malignos 6. Assim, para evitar interpretações equivocadas por parte das agências regulamentadoras, recomenda-se aos médicos que pensam em prescrever opióides por períodos prolongados para pacientes com dor crônica não-maligna, que sigam protocolos claros e consistentes para limitar o desvio e o abuso dos opióides. Reconhecer pacientes que têm o comportamento de busca obsessiva pela droga deve ser uma preocupação dos que prescrevem opióides para dor não-cancerosa, principalmente. A Depedência Física aos Opióides O uso contínuo de uma droga pode levar à dependência física, pelo surgimento de uma reação de abstinência quando da interrupção súbita ou redução rápida desta mesma droga, diminuindo o seu nível plasmático ou através da injeção de um antagonista. Assim, a dependência física é um fato neuro-farmacológico. Ocorre na maioria dos pacientes em uso dos opióides por um período superior a 2-3 semanas. O quadro típico de síndrome de abstinência, com a interrupção abrupta de sua administração, pode levar o paciente a apresentar suor, midríase, dores, contraturas musculares, diarréia, hipertermia e até mesmo agressividade. Acesso da População aos Opióides: Problema Global? Soluções Locais? As Exidências Legais no Brasil No mundo, a distribuição dos opióides é regulamentada pela Convenção Única sobre Medicamentos Narcóticos. No Brasil, a Portaria 344 da Secretaria de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde, de 12 de maio de 1998, publicada no Diário Oficial de 15 de maio de 1998, regulamenta o uso médico de opióides. Por esta portaria, as substâncias ditas entorpecentes devem ser prescritas pela Notificação de Receita do tipo A, que deve ser preenchida com legra legível, com a quantidade de medicamentos escrita em algarismos arábicos e por extenso, sem emenda ou rasura. 1169

No caso de pacientes internados em hospitais, não será exigida a Notificação de Receita específica para cada paciente, com o controle em papel privativo do hospital. Nos casos de roubo, furto ou extravio de parte ou de todo o talonário da Notificação de Receita, segundo o artigo 39 da Portaria 344, o médico responsável fica obrigado a informar, imediatamente, à autoridade sanitária local, acompanhado de um respectivo B.O. (Boletim de Ocorrência) policial. Esta Portaria limita a quantidade a 5 (cinco) ampolas (no caso de medicamentos injetáveis) ou a quantidade correspondente, no máximo, a 30 (trinta) dias de tratamento. O Risco da Dependência Psicológica Medicina Perioperatória Preconceito contra o uso de opióides não é privilégio só dos pacientes, mas de muitos médicos. A chamada dependência psicológica ou vício é entendida como o padrão de comportamento de uso de uma droga, caracterizado pela compulsão irresistível de usá-la, bem como de assegurar a sua provisão constante. A literatura e a experiência geral confirmam que é muito raro um paciente sem antecedentes de uso ilícito de drogas, tornar-se um dependente psicológico do opióide 7. Acredita-se ser necessária uma série de predicados como tendência genética, alteração de personalidade ou mesmo a presença de condições emocionais e sociais predisponentes. Mesmo sabendo da sua raridade, a presença de sinais de abuso da medicação vendida, mesmo com prescrição e receita médica, deve alertar o médico para o risco da dependência psicológica, como por exemplo: o aumento da dose por conta própria do paciente; a perda das receitas com desculpas clássicas como meus comprimidos caíram na privada, eu esqueci minha receita no provador de uma loja, a companhia aérea perdeu minha bagagem, o cachorro comeu meus comprimidos, a caixa de comprimidos foi roubada do meu armário, os comprimidos estavam no bolso da roupa que foi para a lavanderia, etc.; vários médicos prescrevendo a medicação opióide; telefonemas freqüentes para o consultório médico; história de alergia a outros medicamentos; se preocupar excessivamente com a medicação opióide durante uma consulta médica ou até mesmo ir ao consultório sem agendar, previamente, a consulta, devem alertar o prescritor para o potencial risco de abuso 8. Conclusões 1170 Deve o sistema regulatório ser impeditivo para que os pacientes que necessitam de opióides tenham à sua disposição os medicamentos necessários ao alívio de sua dor? Logicamente que não. Todos nós precisamos saber que os mecanismos de controle à prescrição dos opióides é uma política mundial 9, e que estes mecanismos não podem impedir que pacientes que necessitam de sua prescrição sejam penalizados com a sua não-prescrição. O conhecimento da situação local de cada prescritor, através da Vigilância Sanitária estadual ou mesmo municipal, é essencial para se evitar dissabores. Assim, a presença física do médico prescritor à primeira visita, para preenchimento de um documento obrigatório, assim como o carimbo de todas as vias da chamada receita amarela (Notificação de Receita tipo A ) são condições habitualmente exigidas para se conseguir o receituário próprio. Diversas tentativas tem sido feitas no Brasil, não só para simplificar a chamada burocracia, como, por exemplo, se criar um mecanismo junto aos Conselhos Regionais de Medicina para controlar a prescrição dos opióides, como junto à própria Vigilância Sanitária, melhor orientar e disciplinar não só a prescrição, mas também a dispensação de drogas opióides no país.

Obviamente nenhuma destas exigências deve ser motivo para que o médico, consciente de sua responsabilidade de prescritor de substâncias opióides, se julgue desobrigado da prescrição dos opióides, principalmente no paciente com dor crônica relacionada ao câncer e, mais ainda, na fase terminal da vida. O próprio Conselho Federal de Medicina está editando uma Resolução sobre a Terminalidade da Vida, mas, nela, a necessidade do tratamento adequado da dor, mesmo perto da morte, é uma recomendação ditada não só pelos direitos humanos em que cada um tem o direito de ter a sua dor tratada, mas também pela responsabilidade civil e penal. Referências Bibliográficas 1. World Health Organisation (WHO). Câncer pain relief and palliative care: report of a WHO expert committee. Geneva: WHO, 1990. 2. World Health Organisation (WHO). Cancer pain relief. Geneva: WHO, 1986. 3. Clausen TG International opioid consumption. Acta Anaesthesiol Scand 1997; 41:162-165 4. Clausen TG, Eriksen J, Borgbjerg FM. Legal opioid consumption in Denmark 1981-1993. Eur J Clin Pharmacol 1995; 48:321-325. 5. Selva C International control of opioids for medical use. Europ J Palliative Care, 1997; 4(6):194-198. 6. Passik SD, Weinreb HJ Managing chronic nonmalignant pain: overcoming obstacles to the use of opioids. Advances in Therapy, 2000, 17:2:70-83 7. Porter J Jick H Addiction rare in patients treat with narcotics. N Engl J Med 1980; 302:123 8. Wisley BL e Fishman SM Terapia crônica com opióides, abuso de substâncias e adição. In: Ballantyne J Massachusetts General Hospital Manuel de Controle da Dor. Guanababa Koogan, Rio de Janeiro, 2004, 565-578 9. International Narcotics Control Board. Report of the International Narcotics Control Board for 1995 Availability of opiates for medical needs. New York, NY, United Nations, 1996. Acesso da População aos Opióides: Problema Global? Soluções Locais? 1171