PALAVRAS-CHAVE: Sucessões; testamentos especiais; excepcionalidade; caducidade

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FORMAS EXCEPCIONAIS DE TESTAMENTO NO CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO: MARÍTIMO, AERONÁUTICO E MILITAR Bruno Pastore 1 Ana Carolina Santos Rocha 2 Cíntia Firmino 3 Rafael Oliveira Silva 4 Thiago Castro Reis 5 RESUMO O presente trabalho visa fazer uma breve análise das particularidades atinentes aos testamentos especiais marítimo, aeronáutico e militar. O ordenamento pátrio atual vislumbrou sobre estas três formas dando poder ao legislador para discipliná-los, vez que em decorrência da morte muitas consequências em relação ao patrimônio surgirão. Portanto, vale destacar que o testamento vem ser a forma justa de repartição, pois será disciplinada por quem de direito, o dono do patrimônio. Neste caminho, o Código Civil brasileiro preocupou-se com as pessoas que estiverem a bordo de navio nacional, em viagem aérea a bordo de aeronave militar ou comercial, e com os militares e civis que estejam a serviço das Forças Armadas. A morte é inerente a todo ser humano, devendo, portanto, todos estarem protegidos pela garantia jurídica. PALAVRAS-CHAVE: Sucessões; testamentos especiais; excepcionalidade; caducidade 1 Professor de Direito Civil VI da FARO Direito das Sucessões 2 Acadêmica do 8º período de Direito FARO Turma DIRNA08 3 Acadêmica do 8º período de Direito FARO Turma DIRNA08 4 Acadêmico do 8º período de Direito FARO Turma DIRNA08 5 Acadêmico do 8º período de Direito FARO Turma DIRNA08

2 1. Introdução O Código Civil de 2002 reconhece como testamentos ordinários unicamente o público, o cerrado e o particular, não podendo ser utilizado nenhum outro, nem fazer combinações entre os existentes, artigos 1.862 e 1.863, do Código Civil. Só se considera testamento o negócio jurídico que for celebrado sob uma das formas indicadas na lei, conforme afirma Carlos Roberto Gonçalves com base no princípio da tipicidade 6. Os testamentos ordinários são de livre escolha de quem dispõe, desde que seja capaz e tenha legitimação exigida para a respectiva forma. Cada modalidade tem a sua própria regulamentação. Deste modo, além das formas ordinárias, o Código Civil prevê também as formas especiais de testamento, que não são livremente escolhidas por qualquer pessoa, e sim determinadas por situações excepcionais em que se encontra quem deseja manifestar a sua última vontade e que fundamentam a minoração de formalidades e exigências da legislação. O Código Civil de 2002 regula três formas de testamentos especiais: o marítimo, o aeronáutico e o militar, as quais estão dispostas dos artigos 1.886 ao 1.896 do referido código, sendo elas matérias de ordem pública, ou seja, não podem ser objeto de criação de novas formas por particular. A relação das formas de testamentos especiais encerra rol taxativo (numerus clausus) e não exemplificativo (numerus apertus). Nesse sentido é incontestável o artigo 1.887 do CC/2002: Não se admitem outros testamento especiais além dos contemplados neste Código. Outrossim, essas modalidades especiais de testamento estão submetidas às mesmas regras de publicação e confirmação do testamento particular conforme o artigo 737, 3º, do CPC/2015 7. Num breve relato histórico, o testamento militar já existia desde das Ordenações Filipinas no Brasil-Colônia. No entanto, como ensina Carlos Roberto Gonçalves, o testamento marítimo foi inovação do diploma de 1916, inspirado no Código Civil francês (art. 988) e no 6 Saraiva, 2016. p. 310 7 Didier Jr. Fredie. Novo código de processo civil: comparativo com o código de 1973. Salvador: Ed. JusPodivm, 2015, p. 342. Artigo 737. A publicação do testamento particular poderá ser requerida, depois da morte do testador, pelo herdeiro, pelo legatário ou pelo testamenteiro, bem como pelo terceiro detentor do testamento, se impossibilitado de entregá-lo a algum dos outros legitimados para requerê-la. 3º: Aplica-se o disposto neste artigo ao codicilo e aos testamentos marítimo, aeronáutico, militar e nuncupativo.

3 Código português de 1867 (art. 1.948); e o testamento aeronáutico foi introduzido em nossa legislação pelo Código Civil de 2002 8. Além das características da excepcionalidade permitidas em condições restritas e determinadas, bem como da simplicidade formal por serem fáceis de elaborar, como fora demonstrado acima, os testamentos especiais têm ainda a característica da efemeridade ou caducidade, isto é, a sua eficiência é limitada no tempo, pois se trata de forma privilegiada, no intuito de atender a uma situação emergencial. Em razão dessas características, sobretudo a minoração das formalidades legais simplicidade formal -, uma certa parte dos doutrinadores criticam os testamentos especiais, considerando-os inconvenientes para os tempos modernos, como é o caso de Silvio Rodrigues ao expor sua concepção: Ao conferir ao particular a possibilidade de dispor de seus bens causa mortis, o legislador já lhe confere uma regalia. Todavia, para desfrutar de tal vantagem deve o interessado recorrer a uma forma de testamento mencionada na lei, pois, caso contrário, seus bens irão a seus herdeiros legítimos. Para testar, na forma ordinária, tem a pessoa toda uma existência. Se, entretanto, por desinteresse ou negligência, descuida de fazer seu testamento, não deve o legislador abrir exceção para proteger o negligente e o desinteressado, a fim de permitir-lhe que, à última hora, temeroso da proximidade da morte, faça um testamento que não quis fazer antes. Parece que é dar importância excessiva ao interesse individual 9. Com total respeito à concepção do eminente doutrinador, em que pese a simplificação das formas para atender a situações excepcionais, os testamentos especiais não dispensam requisitos formais e nem derrogam princípios do direito comum, pelo contrário, a eles nos dizeres de Carlos Roberto Gonçalves, aplicam-se todos os princípios que determinam a capacidade testamentária ativa, os preceitos referentes às disposições testamentárias em geral, ordem de vocação hereditária etc. 10 8 Saraiva, 2016. p. 311 9 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil. 25. ed. São Paulo: Saraiva, 2002, v. 7, p. 170 10 Saraiva, 2016. p. 312

4 Diante do que foi exposto acima, tratando-se das principais características essenciais dos testamentos especiais, passaremos a analisar de forma separada cada testamento especial com as suas respectivas peculiaridades. 2. Formas especiais de testamento 2.1. Testamento marítimo O testamento marítimo é a declaração de última vontade realizada perante a autoridade da embarcação, feita a bordo de navios, seja ele de guerra ou mercantes para capitão, comandante ou pessoa por ele designada. A propósito, dispõe o artigo 1.888 do Código Civil de 2002: Quem estiver em viagem, a bordo de navio nacional, de guerra ou mercante, pode testar perante o comandante, em presença de duas testemunhas, por forma que corresponda ao testamento público ou ao cerrado. Parágrafo único. O registro do testamento será feito no diário de bordo. Portanto, em observância ao artigo acima mencionado do vigente ordenamento, o comandante fará as vezes de oficial público, podendo o testador optar pela modalidade do testamento público ou do testamento cerrado 11. Optando o testador na forma assemelhada ao testamento público, este é lavrado pelo comandante, a quem se atribui função notarial, na presença de duas testemunhas, fazendo-se o seu registro no livro diário de bordo. Caso o testador não puder assinar, o comandante escolherá, ao rogo do testador, uma das testemunhas para que assine em seu lugar, conforme o art. 1.865, CC/02. Sendo o testamento correspondente ao tipo cerrado (art. 1.868), poderá ser feito pelo próprio testador, que o assinará, ou será escrito por outra pessoa, que o assinará com a declaração de que o subscreve à vontade do testador. Após isso, deve ser entregue ao comandante perante duas testemunhas, com capacidade de entender a vontade do testador. Como observa Carlos Roberto Gonçalves 12, aplicam-se ao testamento marítimo as proibições do art. 1.801 do Código Civil de 2002: 11 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: direito das sucessões 13. Ed. São Paulo: Atlas, 2013. p. 242 12 Saraiva, 2016. p. 314

5 Não podem ser nomeados herdeiros nem legatários: I a pessoa que, a rogo, escreveu o testamento, nem o seu cônjuge ou companheiro, ou os seus ascendentes e irmãos; II as testemunhas do testamento; III o concubinato do testador casado, salvo se este, sem culpa sua, estiver separado de fato do cônjuge há mais de cinco anos; IV o tabelião, civil ou militar, ou comandante ou escrivão, perante quem se fizer, assim como o que fizer ou aprovar o testamento. Vale ressaltar que o testamento marítimo não é testamento marítimo se: a) A embarcação estiver em pequeno cruzeiro, ou mesmo no curso de uma viagem, se ao tempo de sua confecção o navio estava em porto onde o testador pudesse desembarcar e testar na forma ordinária, conforme preceitua o artigo 1.892; b) não morrendo o testador em viagem nem nos 90 (noventa) dias subsequentes ao seu desembarque em terra, onde possa fazer, na forma ordinária, outro testamento (art. 1.891), como se verá adiante. 2.2. Testamento aeronáutico Introduzido pelo Código de 2002, como fora abordado na introdução deste trabalho e, nos ditos dos artigos 1.888 e 1.889 do Código Civil, o testamento aeronáutico deve ser celebrado por aquele que estiver em viagem, a bordo de aeronave militar ou comercial, podendo testar perante pessoa designada pelo comandante, observado o disposto no artigo antecedente, ou seja, em presença de duas testemunhas, por forma que corresponda ao testamento público ou cerrado. A princípio é de se imaginar a dificuldade de elaborar um testamento a bordo de uma aeronave, pois, se a aeronave está em perigo, deveras o comandante e a tripulação não terão tempo de preocupar-se com o testamento. Com feito, o artigo 1.889 do Código Civil, ao determinar que se observe o disposto no artigo anterior, isto é, o artigo 1.888, alude às adaptações impostas pelas diferenças de um navio e uma aeronave A necessidade de elaborar um testamento nesta modalidade só ocorrerá em casos de existência de longas viagens e por motivos individuais, como casos de doença ou indisposição súbita e iminência de morte. As formas e os requisitos para o testamento aeronáutico são, praticamente, os mesmos do testamento marítimo, com ressalva ao comandante da aeronave que não pode participar da elaboração do testamento. Com relação às formas, poderão ser na modalidade correspondente

6 ao testamento público ou ao cerrado. No entanto, a forma cerrada, devido às circunstâncias, torna-se inviável, como observa Carlos Roberto Gonçalves: A maneira mais prática é o ditado da disposição de bens à pessoa designada pelo comandante e a leitura por ela feita, ao testador e as duas testemunhas, após a lavratura do instrumento, com a assinatura de todos. Se o testador estiver passando mal e não tiver condições de assinar, a pessoa que fizer às vezes do notório assim o declarará, assinando pelo testador, e a seu rogo, uma das testemunhas instrumentárias 13. Semelhante ao testamento marítimo, consoante o artigo 1.890, a declaração ou ato de vontade última ficará sob a guarda do comandante, que ao chegar ao aeroporto nacional entregará à autoridade administrativa competente. 2.3. Da caducidade do testamento marítimo e aeronáutico Estatui o artigo 1.891 do Código Civil que caducará o testamento marítimo, ou aeronáutico, se o testador não morrer em viagem, nem nos 90 (noventa) dias subsequentes ao seu desembarque em terra, onde possa fazer, na forma ordinária, outro testamento. Nesse sentido a doutrina de Venosa: Esses testamentos, marítimo ou aeronáutico, caducarão se o passageiro não morrer na viagem, nem nos 90 dias subsequentes ao desembarque em terra, quando poderia fazer testamento pela forma ordinária. Não importa que o porto ou aeroporto não seja em território nacional. O testamento marítimo não valerá, como vimos, se o navio, ao tempo do ato, estava no porto onde o testador podia desembarcar e fazer o testamento na forma ordinária. 14 Por se tratar o testamento marítimo de forma excepcional e privilegiada para atender uma situação emergencial, e, cessada esta emergência, sem que o testador tenha morrido ou decorrido o prazo de noventa dias ao seu desembarque em terra, onde pudesse fazer outro testamento comum, não há razão em subsistir o testamento especial, tornando-se justificável a perda da eficácia do referido testamento. 13 Saraiva, 2016. p. 318 14 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: direito das sucessões 13. Ed. São Paulo: Atlas, 2013. p. 242

7 Carlos Roberto Gonçalves, por sua vez, afirma que o simples decurso do prazo de noventa dias não é suficiente para a perda da eficácia do testamento especial. É necessário que flua em terra, onde o testador possa fazer, na forma ordinária, outro testamento, não importando que o porto não esteja localizado em território nacional. Aduz ainda que, o aludido prazo começa a ser contado após o último desembarque, no fim da viagem. No último dia, o testamento perde a eficácia 15. Em virtude de obstáculo invencível que impeça o testador de desembarcar, como por exemplo o agravamento do estado de saúde, não permitindo que este faça um novo testamento ordinário, o testamento marítimo não caducará. 2.4. Testamento militar O Código Civil de 2002 admite testamento feito por militares, assim como a outras pessoas a serviço das Forças Armadas em campanha, como médicos, enfermeiros, engenheiros, capelães, telegrafistas etc., que estejam participando de operações de guerra, dentro ou fora do País. Tal modalidade constava do Código Civil de 1916, e foi mantida pelo diploma de 2002, cujo art. 1.893 expressa: O testamento dos militares e demais pessoas a serviço das Forças Armadas em campanha, dentro do País ou fora dele, assim como em praça sitiada, ou que esteja de comunicações interrompidas, poderá fazer-se, não havendo tabelião ou seu substituto legal, ante duas, ou três testemunhas, se o testador não puder, ou não souber assinar, caso em que assinará por ele uma delas. 1º Se o testador pertencer a corpo ou seção de corpo destacado, o testamento será escrito pelo respectivo comandante, ainda que de graduação ou posto inferior. 2º Se o testador estiver em tratamento em hospital, o testamento será escrito pelo respectivo oficial de saúde, ou pelo diretor do estabelecimento. 3º Se o testador for o oficial mais graduado, o testamento será escrito por aquele que o substituir. É interessante perceber a pluralidade de hipóteses de testamento militar, no que tange à autoridade a quem se dirige a declaração de vontade. Se o testador integrar um destacamento específico (corpo ou seção), deverá elaborar o seu testamento perante o respectivo comandante, 15 Saraiva, 2016. p. 316

8 ainda que de graduação ou posto inferior mitigando as regras da hierarquia militar. Sendo o testador o oficial mais graduado, o testamento será redigido perante o substituto. E, finalmente, estando o testador em hospital, deverá ser escrito pelo respectivo oficial de saúde ou pelo diretor do estabelecimento. 16 São exigidas algumas formalidades, para que o testamento militar tenha validade, vejamos: a) que a Força esteja em campanha, mobilizada, tanto para a guerra externa quanto para a interna, dentro ou fora do País, assim como em praça sitiada, ou que esteja de comunicações interrompidas. No que se refere à forma, o testamento militar pode revestir três formas: a assemelhada ao testamento público (CC, art. 1893), a correspondente ao testamento cerrado (art. 1894), e a nuncupativa (art. 1896). No primeiro caso, o comandante atuará como tabelião, estando o testador em serviço na tropa, ou o oficial de saúde, ou o diretor do hospital em que estiver recolhido, sob tratamento. Na forma semelhante ao testamento cerrado, o testador entregará a cédula ao auditor, ou ao oficial de patente que lhe faça as vezes nesse mister, aberta ou cerrada, escrita de seu punho ou por alguém a seu rogo, na presença de duas testemunhas. Já o chamado testamento militar nuncupativo é o feito em viva voz perante duas testemunhas, por pessoas empenhadas em combate ou feridas. A propósito, dispõe o art. 1896 do Código Civil: Art. 1.896. As pessoas designadas no art. 1.893, estando empenhadas em combate, ou feridas, podem testar oralmente, confiando a sua última vontade a duas testemunhas. Parágrafo único. Não terá efeito o testamento se o testador não morrer na guerra ou convalescer do ferimento. Nessa direção, Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald: Trata-se de permitir um testamento oral, perante duas testemunhas, em situação de combate ou de ferimento, durante a guerra ou enquanto sitiado, ou sem comunicações, o local em que esteja o testador. Por evidente, as testemunhas, bem como os seus familiares, não possuem legitimação sucessória, não podendo figurar como beneficiários (CC, art. 1.801) 17. 16 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD Nelson. Curso de Direito Civil Sucessões v. 7 São Paulo: Atlas, 2015. p. 359 17 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD Nelson. Curso de Direito Civil Sucessões v. 7 São Paulo: Atlas, 2015. p. 360

9 Pressupõe-se que a pessoa esteja exposta, em qualquer caso, a risco de vida, e impossibilitada de se utilizar da escrita. Finda a guerra, porém, ou convalescendo o testador, cessaram as razões e acabaram os motivos que a lei prevê para o testamento especial, realizado na hora de morrer. Algo que deve ser observado, trata-se a respeito à forma do testamento nuncupativo, o qual não é característico nas demais modalidades. Este constitui exceção à regra de que o testamento é um negócio solene e deve ser celebrado por escrito. É também uma forma bastante criticada, por possibilitar facilmente a deturpação da vontade do testador, uma vez que, conforme assevera Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald que o testamento nuncupativo, efetivamente, é o único caso permitido pelo legislador de testamento por via oral, sem o elemento escrito 18. A omissão, no entanto, é suprida pelo Código de Processo Civil de 2015, que, no art. 735, 3º, prescreve que se aplica o disposto neste artigo ao codicilo e aos testamentos marítimo, aeronáutico, militar e nuncupativo. Desse modo, após a morte do testador, o testamento nuncupativo deve ser apresentado em juízo, para ser publicado, inquirindo-se as testemunhas às quais foi confiada a última vontade do testador, sendo intimados para a inquirição aqueles a quem caberia a sucessão legítima, o testamenteiro, os herdeiros e legatários que não tiverem requerido a publicação e o Ministério Público. 2.4.1. Caducidade do Testamento militar Proclama o art. 1895 do Código Civil: Art. 1.895. Caduca o testamento militar, desde que, depois dele, o testador esteja, noventa dias seguidos, em lugar onde possa testar na forma ordinária, salvo se esse testamento apresentar as solenidades prescritas no parágrafo único do artigo antecedente. Tal como sucede com o testamento marítimo e com o testamento aeronáutico, o testamento militar está, igualmente, sujeito a prazo de caducidade. O prazo de noventa dias deve ser contato ininterruptamente, ainda que o testador passe algum tempo em diversos lugares, desde que em cada um deles pudesse ter feito outro testamento, na forma ordinária. 18 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD Nelson. Curso de Direito Civil Sucessões v. 7 São Paulo: Atlas, 2015. p. 359

10 Caso contrário, como assinala Zeno Veloso ao ser citado por Carlos Roberto Gonçalves o testamento militar jamais caducaria, se o testador, depois da facção testamentária, estiver quinze dias numa cidade, em que possa testar pela forma ordinária, cinco a dez dias noutra, um mês noutra etc. (...) Se a situação excepcional que justificou o testamento militar já chegou ao fim, o testador voltou da guerra e se ocupa em viagens, sem jamais passar noventa dias seguidos na mesma cidade, onde possa testar na forma ordinária, os prazos em que esteve em cada lugar são somados 19. 3. Considerações finais Como visto, o testamento é negócio jurídico personalíssimo, unilateral e formal, reclamando para a sua validade o atendimento de formalidades essenciais. Por isso o testamento vem a ser um instrumento importante, haja vista salvaguardar os interesses dos herdeiros. Em que pese as formas especiais não sejam aplicadas com tanta frequência, por serem suas declarações manifestadas em situações diferenciadas e por possuírem regras específicas, as quais se adaptam à excepcionalidade circunstancial, estando o disponente em uma viagem (marítima ou aeronáutica) ou durante uma guerra, que o faz não ter alternativas para testar, elas são de fundamental importância, afinal, garante a quem queira testar o direito de ser atendida a justa pretensão de fazer valer as suas disposições de última vontade 19 Saraiva, 2016. p. 320

11 REFERÊNCIAS FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil Sucessões v. 7 São Paulo: Atlas, 2015 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. Direito das Sucessões. v.7. 10. Ed. São Paulo. Saraiva, 2016. RODRIGUES, Silvio. Direito Civil. 25. ed. v. 7. São Paulo: saraiva, 2002. TARTUCE, Flávio. Direito civil: direito das sucessões. 7. ed. São Paulo: Método, 2014. TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil: volume único I. 6. ed. rev., atual. e ampliada. - Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2016. VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: direito das sucessões. 13. Ed. São Paulo: Atlas, 2013.