Restaurações indiretas em resina composta: função e estética 48 MAXILLARIS SETEMBRO 2015
Ciência e prática : Mariline Gomes Médica dentista. Mestrado integrado em Medicina Dentária pela Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra. Prática clínica na Clínica Dentária Infante Sagres. Fernando Almeida Médico dentista. PhD pela Faculdade de Medicina Dentária da Universidade do Porto. Diretor do Centro de Formação FA. Administrador da Clínica Dentária Infante Sagres, da Clínica Dentária dos Carvalhos e do Laboratório de Prótese Dentária (Labdent). Lisboa. Mariline Gomes Introdução Inlays e onlays são, desde há muito, uma hipótese de reabilitação para dentes que sofreram de alguma destruição, mais ou menos grave. Estas estruturas podem efetuar-se em diversos tipos de materiais, tais como metal, cerâmica e resina composta. Apesar da resina composta ter sido concebida para uso direto em dentes anteriores, o avanço tecnológico destes materiais permite que a sua resistência, módulo de elasticidade e estética sejam também aplicáveis a dentes posteriores. Com a vulgarização deste material em detrimento da amálgama têm vindo a detetar-se alguns problemas, nomeadamente adaptação marginal, MAXILLARIS SETEMBRO 2015 49
efetividade do ponto de contacto, contração de polimerização que se traduz em infiltrações e fraturas precoces, controlo das condições ideiais de humidade e temperatura do campo operatório e tempo de trabalho 1. A utilização de resinas compostas de modo indireto tem vindo a vulgarizar-se diminuindo alguns dos problemas referidos anteriormente. A contração de polimerização não é alterável, no entanto, como este fenómeno fica contido à parte laboratorial, após cimentação apenas o material da própria cimentação sofre contração na cavidade oral. Ao refazer a estrutura anatómica em falta no órgão dentário através de um método indireto, consegue-se estudar a melhor posição para os pontos de contacto com os dentes adjacentes, os pontos de oclusão com o antagonista e efetuar uma restauração que integre requisitos funcionais e estéticos. Apesar das restaurações em cerâmica terem melhores propriedades óticas e estabilidade de cor, a resina composta tem um módulo de elasticidade semelhante ao dente (sendo a dispersão de forças mais ergonómica), o desgaste do dente oponente é nulo, o processo laboratorial é mais simples e económico e o ajuste oclusal e o polimento são fáceis de efetuar 1,2,3. Numa era de biomimetismo e dentisteria minimamente invasiva, não faz sentido a utilização de coroas na restituição quer da função, quer da estética dos elementos dentários enfermos de um modo universal. As coroas estão associadas a uma maior destruição de remanescente dentário e inflamação gengival, bem como a cáries secundárias quando comparadas com restaurações em resina composta. As restaurações indiretas em resina composta como inlays e onlays preservam cerca de metade da estrutura remanescente em comparação com as coroas 2. A estrutura dentária danificada deve preparar-se para a colocação destas restaurações indiretas parciais: preparo das paredes divergente (superior ao sexto); remoção de esmalte não suportado; no caso de grandes cavidades, estas devem preencher-se parcialmente com resina de modo direto; em dentes posteriores com tratamento endodôntico, a entrada dos canais deve selar-se com ionómero de vidro e resina de modo a que o teto da cavidade correspondente à câmara pulpar seja plano e perpendicular ao longo eixo do dente; todas as margens devem ser preferencialmente em esmalte (melhor adesão), e, no caso da cúspide funcional, o desgaste deve ser de 1,5 mm 1,4,5. No fim de qualquer preparo com exposição dentinária alargada deve efetuar-se selamento dentinário imediato (IDS na sigla em inglês) de modo a selar os canalículos dentinários e efetuar uma proteção do órgão pulpo-dentinário, prevenindo sensibilidade e infiltração de bactérias durante a fase de restauração provisória e melhorar a resistência da união entre dentina e resina 5,6,7,8,9. O molde deve efetuar-se com putty e light ou heavy body e light, e na fase provisória deve utilizar-se um material sem eugenol. A fase mais sensível na execução desta técnica de reabilitação é a cimentação: Verificar a adaptação, inserção e desinserção passiva da peça no molde e na boca. Efetuar isolamento absoluto do dente a reabilitar. Preparar a restauração indireta com jato de óxido de alumínio na superfície interna da peça e ácido ortofosfórico a 37%, com o objetivo de desengordurar a peça (não de condicionar) e colocar silano duas a três vezes, intercalando com jato leve de ar. Por último, aquecer a 45 graus durante dois minutos. Preparar o dente tornando áspera a superfície com broca de baixa rotação (no caso de ter sito efetuado IDS) e condicionar com ácido ortofosfórico a 37% durante 60 se - gundos. De seguida, lavar abundantemente com água e secar sem desidratar. Colocar bonding dual na superfície interna da peça e no dente (Excite). Colocar cimento dual na peça (Variolink transparente). Colocar a peça sobre o remanescente dentário e fazer pressão, levando ao estravazamento de cimento em ex - cesso. Estes excessos devem remover-se de imediato com pincel, espátula e fio dentário e fotopolimerizar durante um minuto. Por fim, isolar toda a peça com gel de glicerina para bloquear a entrada de oxigénio e otimizar a polimerização e fotopolimerizar durante dois a três minutos. Remover os micro-excessos com lâmina de bisturis e efetuar ajustes oclusais e polimento 1. Caso clínico Um paciente do sexo masculino compareceu à consulta num contexto de urgência, com sintomatologia dolorosa associada ao dente 45, fraturado e com presença de lesão cariosa extensa. Iniciou-se tratamento endodôntico não cirúrgico (TENC) após a remoção total da cárie e o isolamento absoluto do dente enfermo. Após conclusão de TENC, avaliou-se a estrutura remanescente. Hipóteses restauradoras consideradas Restauração direta com resina composta: o remanescente dentário era muito diminuto, não há presença de pontos de contacto com os adjacentes e apenas a parede lingual se encontra conservada. 50 MAXILLARIS SETEMBRO 2015
Fig. 1. Estrutura dentária após TENC. Fig. 2. Estrutura dentária após preparo minimamente invasivo. Fig. 3. Sequência de imagens da restauração no modelo: vista vestibular, vista oclusal e pormenor de transmissão de luz através da restauração. 52 MAXILLARIS SETEMBRO 2015
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Fig. 4. Sequência de imagens da restauração indireta: vestibular, distal, mesial, face interna e oclusal. Fig. 5. Overlay após cimentação. Fig. 6. Perspetiva oclusal após cimentação. Fig. 7. Perspetiva lingual após cimentação. Fig. 8. Perspetiva mesio-vestibular. 54 MAXILLARIS SETEMBRO 2015
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Assim, considerou-se a hipótese de efetuar uma restauração indireta. Para efetuar a coroa seria necessário o desgaste das paredes ainda íntegras do dente e consequentemente a colocação de espigão intra-radicular para aumentar a resistência do remanescente. Abandonou-se esta hipótese pela invasão desnecessária do remanescente dentário. Selecionou-se a hipótese de overlay com parede vestibular total: ainda assim, a dúvida permanecia no material a utilizar, no entanto, selecionou-se a resina composta para respeitar o módulo de elasticidade do material e do dente, sendo a dispersão de forças mais adequada. Após o preparo reduzido do dente, efetuaram-se moldes com light e putty, procedendo-se à escolha de cor através da escala de cor Vita e fotos, e à colocação de uma restauração provisória de Télio (material restaurador provisório fotopolimerizável sobre o preparo dentário). Após a prova da estrutura e a verificação da adaptação marginal e da pressão de pontos de contacto com os adjacentes, efetuou-se novamente o isolamento absoluto e procedeu-se ao protocolo de cimentação referido na introdução 6,7,8,9,10. Conclusão As restaurações indiretas em resina composta são uma óptima alternativa para restabelecer a função e a estética na zona posterior. Apesar da estabilidade de cor não ser excelente, o seu módulo de elasticidade semelhante ao dente permite uma dispersão de forças ao longo da raiz ergonómica. Por outro lado, a contração da polimerização só é de referir no cimento utilizado, o que diminui a probabilidade de infiltração marginal e cáries secundárias. A prática diária desta técnica, bem como o conhecimento técnico e teórico, aumentam a probabilidade de sucesso a cada nova reabilitação, uma vez que a sensibilidade da técnica é um fator de maior importância. Bibliografia 1. Filippe L, Baratieri L, Junior S, Andrada M, Lins J, Andrade C. Restaurações indiretas em posteriores com inlays e onlays de resina composta. RGO, 50 (4): 231-236, out./nov./dez. 2002. 2. Magne P, Schlichting L, Maia H, Baratieri L. In vitro fatigue resistance of Cad-Cam composite resin and ceramic posterior occlusal veneers. The Journal of Prosthetic Dentistry vol 104, Issue3: e149-156, set. 2010. 3. Magne P. Composite resins and bonded porcelain: the postamalgam era? CDA. Journal, vol 34, n2, e135-147, fev. 2006. 4. Zarow M, Devote W, Saracinelli M. Reconstruction of endodontically treated posterior teeth - with or without post? Guidelines for the Dental Practitioner. The European Journal of Esthetic Dentistry, vol 4, n 4, 2009. 5. Magne P, Nielsen B. Interactions between impression materials and immediate dentin sealing. The Journal of Prosthetic Dentistry, vol 102, e298-308, nov. 2009. 6. Magne P, Knezevic A. Simulated fatigue resistance of composite resin versus porcelain Cad-Cam overlay restorations on endodontically treated molars. Quintessence International, vol 40, n2, e125-133, fev. 2009. 7. Magne P, Kim T, Cascione D, Donovan T. Immediate dentin sealing improves bond strength. The Journal of Prosthetic Dentistry, vol 94, n6, e511-519, dez. 2005. 8. Andrade O, Giannini M, Hirata R, Sakamoto A. Selamento imediato da dentina em prótese fixa. Aplicação e considerações clínicas. R Dental Press Estét, Maringá, v. 5, n. 1, p. 55-68, jan./fev./mar. 2008. 9. Magne P, So W, Cascione D. Immediate dentin sealing supports delayed restoration placement. The Journal of Prosthetic Dentistry, vol 98,Issue 3, e166-173, set. 2007. 10. Magne P, Paranhos M, Schlichting L. Influence of material selection on the risk of inlay fracture during pre-cementation functional occlusal tapping. Dental Materials, n27 e109 113, 2011. 56 MAXILLARIS SETEMBRO 2015