MAPEAMENTO DA ÁREA INUNDADA RESULTANTE DA PROPAGAÇÃO DE ONDA DE CHEIA ORIUNDA DE RUPTURA HIPOTÉTICA DE BARRAGEM ESTUDO DE CASO: BARRAGEM DA PAMPULHA

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Transcrição:

MAPEAMENTO DA ÁREA INUNDADA RESULTANTE DA PROPAGAÇÃO DE ONDA DE CHEIA ORIUNDA DE RUPTURA HIPOTÉTICA DE BARRAGEM ESTUDO DE CASO: BARRAGEM DA PAMPULHA Hélvio Luiz Felisberto 1 *; Felipe Figueiredo Rocha 2 & Luiz Rafael Palmier 3 RESUMO O estudo de rupturas hipotéticas de barragens é essencial para o mapeamento da área potencialmente atingida durante um evento de emergência, assim como para orientar a tipologia de uso e ocupação da área a jusante. Quando a área de maior interesse a jusante da barragem encontrase distante da estrutura, as variáveis da propagação da onda, como os efeitos de amenização do pico e o tempo de viagem, são preponderantes na avaliação dos impactos. Porém, a parametrização da brecha e o seu tempo de formação ganham maior importância quando as áreas de maior interesse estão próximas à barragem, caso da barragem da Pampulha, localizada em área densamente urbanizada do município de Belo Horizonte. Neste trabalho é apresentada uma modelagem simplificada da propagação da onda de cheia oriunda da ruptura hipotética da barragem da Pampulha. Foram desenvolvidos estudos hidrológicos para a obtenção do hidrograma afluente da cheia de projeto e verificação da condição de trânsito dessa cheia pelo reservatório, e estudos hidráulicos da ruptura com a obtenção dos hidrogramas defluentes para os cenários propostos, os quais foram propagados, o que permitiu elaborar mapas de inundação. PALAVRAS-CHAVE: ruptura de barragem; barragem da Pampulha; mapa de inundação. FLOOD-PRONE MAPPING ASSOCIATED WITH DOWNSTREAM ROUTING OF HYPOTHETICAL DAM BREAK FLOOD CASE STUDY: PAMPULHA DAM ABSTRACT The hypothetical dam breach study is essential for mapping the potentially affected area related to an emergency event. This study is also important to guide the type of use and occupation of the downstream area. When the area of the greatest interest downstream of the dam is far from the structure, the wave propagation variables, such as peak discharges and travel times, are crucial in assessing the impacts. But the parameterization of the breach and its formation time have a greater importance when the areas of the greatest interest are just near the dam. This is the case of the Pampulha dam, located in a densely urbanized area of the city of Belo Horizonte. In this paper a simplified modeling of the propagation of the flood wave originated by the hypothetical dam break Pampulha is evaluated. Hydrological studies have been developed to obtain the hydrograph to be routing by the reservoir; and hydraulic studies have also been carried out to obtain the dam breach hydrograph. The routing of this hydrograph has enabled the elaboration of the associated floodprone area map. KEYWORDS: Dam Break; Pampulha Dam; inundation map. 1 Escola de Engenharia da Universidade Federal de Minas Gerais; helvioluizfelisberto@yahoo.com.br 2 Pimenta de Ávila Consultoria LTDA, Brasil; felipefr@gmail.com 3 Departamento de Engenharia Hidráulica e Recursos Hídricos, Universidade Federal de Minas Gerais; palmier@ehr.ufmg.br * Autor Correspondente. XXI Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos 1

INTRODUÇÃO Em 1936 foi iniciada a construção da barragem da Pampulha, que teve sua primeira etapa inaugurada em 1938, então com 11,50m de altura máxima. No ano de 1943 a estrutura foi reinaugurada após o alteamento realizado em uma 2ª etapa. A barragem da Pampulha teve sua crista elevada da cota 797,60 m para até a cota 802,60 m e a elevação do nível d água passou da cota 796,10 m para 800,00 m, sendo que a cota batimétrica do terreno natural do fundo da barragem estaria na cota 786,00 m. No ano de 1954 foi identificada uma fenda de 0,60 m de largura e 2,50 m de altura na placa de concreto armado que revestia o talude de montante, localizada 6,50 m abaixo da crista da barragem. Tratava-se de um processo de piping conforme apresentado na Figura 1. Figura 1: Processo erosivo da barragem da Pampulha; Fonte: adaptado de Vargas (1977) As tentativas de vedação da fenda foram frustradas e, como medida contingencial, toda a área no entorno da lagoa foi evacuada. No dia 20 de abril de 1954 a barragem rompeu provocando danos em vários locais da cidade, incluindo núcleos residenciais, perda de plantações e animais e a interrupção dos serviços do aeroporto, com o alagamento de suas pistas. Após a sua reconstrução em 1958, acelerou-se a ocupação da região e, atualmente, a barragem da Pampulha está localizada a montante de uma região densamente habitada do município e sua eventual ruptura teria consequências catastróficas. Neste trabalho é apresentada uma modelagem simplificada da propagação da onda de cheia oriunda da ruptura hipotética da barragem da Pampulha. Foram desenvolvidos estudos hidrológicos para a obtenção do hidrograma afluente da cheia de projeto e verificação da condição de trânsito dessa cheia pelo reservatório, e estudos hidráulicos da ruptura com a obtenção dos hidrogramas defluentes para os cenários propostos, com a propagação da onda de cheia que permitiu a determinação de manchas de inundação. MATERIAL E MÉTODOS A área total da bacia da Pampulha é de 97 km 2, 42 km 2 situados no município de Belo Horizonte e 55 km 2 no município de Contagem. A bacia é composta por oito sub-bacias dos seguintes córregos (Figura 2): Mergulhão, Tijuco, Ressaca, Sarandi, Água Funda, Braúna, Olhos d Água e AABB. Os córregos Sarandi, Ressaca e Água Funda são os de maior importância, responsáveis pelo aporte de 75% do abastecimento da lagoa. Figura 2: Arranjo das sub-bacias tributárias do reservatório da barragem da Pampulha; Fonte: Imagem de satélite Google Earth (2013) XXI Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos 2

Dados como a área de drenagem, o comprimento do talvegue e as elevações máximas e mínimas das sub-bacias foram obtidos em restituição realizada com o uso do modelo GIS do município de Belo Horizonte e são apresentados na Tabela 1. Tabela 1: Dados topográficos dos córregos tributários ao reservatório da barragem da Pampulha Elevação Elevação Sub-Bacia Área (km²) Talvegue (km) máxima (m) mínima (m) Córrego Olhos d Água 2,23 2,93 832 805 Córrego AABB 1,19 0,90 870 805 Córrego Braúnas 1,82 0,53 874 805 Córrego Água Funda 16,67 8,74 840 805 Córrego Sarandi 40,73 16,76 970 805 Córrego Ressaca 20,51 6,41 920 805 Córrego Tijuco 1,87 1,39 870 805 Córrego Mergulhão 3,37 2,25 860 805 Fonte: Resck et al. (2007) Para a modelagem hidrológica da área de drenagem do reservatório da barragem da Pampulha foi utilizada a rotina do método do hidrograma unitário sintético preconizado pelo NRCS e disponibilizada no modelo HEC-HMS. Conforme recomendação da Superintendência de Desenvolvimento da Capital (SUDECAP) para os trabalhos de drenagem na cidade de Belo Horizonte, os dados de precipitação foram obtidos de Pinheiro (1997). A propagação de cheias pelo reservatório da Pampulha foi efetuada com o uso do método Puls modificado. Diversos autores apresentaram estudos na tentativa de prever a geometria final e do tempo de formação da brecha de ruptura das barragens. Os estudos se baseiam na análise histórica de casos de ruptura. Procura-se estabelecer padrões de tempo e geometria da brecha em função de grandezas como o volume do reservatório, a altura do paramento e o tipo de material de composição do maciço. Dadas as incertezas sobre a origem de uma onda de cheia a jusante de uma barragem, Viseu & Martins (1997) recomendam que seja estabelecido um mínimo de três cenários, um considerando a operação do sistema extravasor sob condição extrema de laminação da cheia de projeto, e os outros dois considerando a ruptura hipotética da barragem, em um dia sem chuva e associada à situação da ocorrência da máxima cheia de projeto. O guia de segurança de barragens do Departamento de Minas e Recursos Naturais da Austrália (NRM, 2002) sugere a modelagem de mais de um cenário de ruptura, inclusive considerando a onda de cheia proveniente somente da ruptura da barragem, denominado sunny day dam failure. Do exposto, os três cenários propostos neste trabalho para a modelagem da onda de cheia são explicitados a seguir: Cenário 1 - Cenário de operação extrema: considera-se um evento onde ocorra a cheia de projeto, levando os órgãos extravasores da barragem à condição mais severa de funcionamento. Neste cenário não é considerada a formação da brecha de colapso total ou parcial da estrutura; Cenário 2 - Cenário considerando somente a ruptura: modela-se a onda de cheia proveniente somente da ruptura da barragem em condições normais de elevação do nível d água. Nesta hipótese não são considerados eventos chuvosos ou contribuições de córregos tributários; e XXI Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos 3

Cenário 3 - Cenário extremo de ruptura: a modelagem é efetuada a partir da premissa de que a ruptura da barragem ocorre em situação de laminação da máxima cheia de projeto. Com este cenário define-se a envoltória máxima para as áreas de risco a jusante, a qual é utilizada para o estabelecimento do sistema de aviso e alerta, e a elaboração do plano de emergência. A previsão da brecha de ruptura foi realizada a partir de modelos de parametrização da largura, da inclinação das paredes e do tempo de formação. Para isso, optou-se pelo uso das equações de previsão de MacDonald & Langridge-Monopolis (1984), Van Thun & Gillete (1990) e Froehlich (1995), normalmente empregadas em estudos de ruptura hipotética de barragens. Os hidrogramas de ruptura foram obtidos utilizando o modelo HEC-HMS, o qual permite a avaliação da ruptura a partir das principais hipóteses observadas em casos históricos, como a ocorrência de galgamento da estrutura e sob a hipótese de erosão interna (piping). Comum às duas hipóteses de ruptura, o algoritmo calcula o hidrograma de ruptura por meio da simulação do crescimento temporal de uma brecha com formato trapezoidal durante o tempo de desenvolvimento pré-especificado. O modelo permite a especificação de um crescimento linear, senoidal ou customizado pelo usuário. Para a propagação da onda de cheia oriunda dos cenários de ruptura propostos foi utilizado o modelo HEC-RAS, no qual são resolvidas as equações de Saint-Venant. ESTUDO DE CASO BARRAGEM DA PAMPULHA Curva cota-volume e sistema extravasor Segundo Braz (2003), o reservatório da Pampulha foi projetado e construído para receber um volume de acumulação de 18 milhões de m 3, correspondendo a uma área inundada de 2,61 km 2 e perímetro de 21 km, ultrapassando a profundidade de 15 m em cerca de 5% de sua área total. Nas últimas décadas, os fenômenos de assoreamento da lagoa e da eutrofização de suas águas aceleraram-se chegando, em 1998, ao quadro de perda de 50% do seu volume de preservação e de 40% da área do espelho d água (PBH, 2013). Para o desenvolvimento deste estudo foi considerada a batimetria realizada por Resck et al. (2007). Os valores da relação de áreas e volumes do reservatório da Pampulha são apresentados na Tabela 2. Tabela 2: Relação cota, área e volume do reservatório Elevação (m) Profundidade (m) Área (m²) Área Volume Volume (%) (%) (m³) 805 0 1.968.433 100 32 9.998.241 803 2 1.230411 63 21 6.816.326 801 4 966.210 49 17 4.698.732 799 6 788.558 40 14 2.949.457 797 8 605.578 31 10 1.536.909 795 10 347.447 18 4 565.729 793 12 125.764 6 1 129.120 791 14 9.523 0 0 3.991 789 16 4 0 0 0 O sistema extravasor da barragem da Pampulha é composto por um vertedouro de soleira de 32,50 m de largura e uma tulipa de 4,50 m de diâmetro, ambos na elevação 801,50 m. A composição de descarga total do sistema extravasor da barragem da Pampulha é apresentada na Tabela 3. Hidrograma da chuva de projeto Baseado no trabalho de Drumond et al. (2011) foram estimados os valores dos parâmetros de drenagem Number Curve (valores entre 84 e 96) e taxa de impermeabilização (valores entre 75 e XXI Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos 4

85%) adotados para as sub-bacias tributárias do reservatório da Pampulha. Visando a determinação da duração do evento chuvoso que proporcionasse a maior vazão de pico, maior volume afluente e maior sobre elevação do N.A no reservatório da barragem da Pampulha, foram modelados eventos chuvosos de frequência TR de 10.000 anos de forma a se obter a duração crítica da chuva de projeto. Na Figura 3 representa-se o hidrograma da chuva de projeto. Tabela 3: Relação Cota, Volume de Espera e Descarga da barragem da Pampulha Elevação do nível d água Descarga Tulipa (m³/s) Descarga Soleira (m³/s) Descarga Total (m³/s) 801,50 0 0 0 802,00 100 21 121 802,50 141 60 201 803,00 173 110 282 803,50 199 169 368 804,00 223 236 459 804,50 244 311 555 805,00 264 391 655 Figura 3: Vazão afluente ao reservatório - chuva TR 10.000 e duração 3 horas Trecho simulado O trânsito da onda de cheia oriunda da ruptura hipotética da barragem da Pampulha foi modelado desde a seção logo a jusante da barragem até o deságue no ribeirão do Onça, totalizando uma extensão de 4.500 m. No presente trabalho não foram realizados levantamentos topobatimétricos em campo. Nesse contexto, a geometria da calha fluvial do ribeirão Pampulha foi descrita por meio de seções transversais extraídas diretamente da base topográfica utilizada. Para apresentação dos resultados foram selecionadas seis seções transversais representadas pelas letras A até a letra E, conforme exposto na Figura 4. Figura 4: Arranjo das seções de estudo RESULTADOS E DISCUSSÃO Os valores dos parâmetros de formação da brecha obtidos pelas equações de previsão são apresentados na Tabela 4. XXI Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos 5

Tabela 4: Parâmetros de previsão da brecha de ruptura Largura Inclinação Tempo de Autor(es) da brecha lateral (z) (zh;1v) formação MacDonald e Langridge- - 0,5 0,90 horas Monopolis (1984) Von Thun e Gillette (1990) Froehlich (1995) 77,70 m 0,5 74,28 m 1,4 1 0,21 horas 0,53 horas 1,21 horas Como critério inicial foram considerados os parâmetros determinados por Froehlich (1995) para o cálculo dos hidrogramas de ruptura para os cenários propostos. Na Figura 5 são apresentadas as composições do hidrograma afluente da máxima cheia para TR de 10.000 anos e da curva de vazões defluentes oriundas da operação extrema do sistema extravasor. Figura 5: Hidrograma de descarga para a hipótese de operação extrema (Cenário 1) A condição de ruptura avaliada no Cenário 2 refere-se à falha por piping com início da formação da erosão na metade da altura do maciço. A elevação do nível d água no início da ruptura foi estabelecida como à equivalente ao nível normal de operação na cota 801,50 m. O hidrograma desse cenário é apresentado na Figura 6. Figura 6: Hidrograma de descarga para a hipótese de ruptura em dia sem chuva (Cenário 2) O cenário extremo de ruptura refere-se à hipótese de falha sob a condição de laminação da cheia de projeto. Nesse cenário foi estabelecida a falha por piping como condição de ruptura sobre as mesmas condições do cenário anterior. O hidrograma desse cenário é apresentado na Figura 7. Figura 7: Hidrograma de descarga para a hipótese de ruptura extrema (Cenário 3) XXI Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos 6

Como objetivo principal deste trabalho as manchas de inundação são apresentadas para os três cenários. Na Figura 8 referente ao Cenário 1, condição de operação extrema, são observadas zonas de transbordo próximas a curva de desvio do aeroporto e na parte final do trecho analisado. Figura 8: Mancha de inundação (Cenário 1) Para o Cenário 2 (Figura 9), ruptura em dia seco, foi observado maior avanço da água sobre a planície de inundação, sendo o trecho anterior à curva de desvio do aeroporto a região mais afetada. Figura 9: Mancha de inundação (Cenário 2) Para o Cenário 3, condição mais severa de ruptura, são constatadas extensões de inundação próximas ao observado no Cenário 2 (Figura 10). Esse fato se deve à elevada capacidade de vazão incremental para grandes vazões, quando pequenas elevações no nível d água resultam em grandes aumentos na área da seção molhada devido ao aumento da largura do talvegue. Figura 10: Mancha de inundação (Cenário 3) Os mapas referentes ao Cenário 2 e ao Cenário 3 têm áreas de inundação similares, visto que as vazões de pico e máximas elevações do nível d água são praticamente iguais no trecho simulado. Por exemplo, na seção F (ver Figura 4) a diferença entre as vazões é de 112 m 3 /s e a diferença entre as elevações é de 0,17 m. XXI Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos 7

CONSIDERAÇÕES FINAIS Os resultados apresentados foram obtidos no âmbito de uma pesquisa desenvolvida pelo primeiro autor (Felisberto, 2013). Notadamente, os mapas de inundação devem ser utilizados com cautela, visto que representam um estudo preliminar da ruptura hipotética da barragem da Pampulha. Ressalta-se, porém, que a metodologia utilizada foi considerada adequada para o alcance dos objetivos propostos. Para a continuidade deste trabalho recomenda-se a realização de reconstituição topográfica da área de drenagem da bacia, das cotas altimétrias e extensão dos córregos tributários ao reservatório da Pampulha para aferição do tempo de concentração das sub-bacias. Adicionalmente infere-se que a batimetria atualizada do reservatório permitirá refazer os cálculos de amortecimento e trânsito de cheia. Finalmente, sugere-se realizar um cadastro topobatimétrico detalhado do talvegue a jusante, pois há limitações na topografia utilizada, fato que, inclusive, limitou a extensão do trecho analisado ao valor de 4,5 km. Além da seção de jusante da simulação, a área é densamente ocupada, o que torna ainda mais complexa a análise dos efeitos da ruptura hipotética da barragem da Pampulha. AGRADECIMENTOS Os autores agradecem à CAPES, ao CNPq, à FINEP, à FAPEMIG e à UFMG pelo apoio concedido para o desenvolvimento de estudos relacionados ao tema de Segurança de Barragens. REFERÊNCIAS BRAZ, M. G.. (2003). A relação do fenômeno de ruptura hidráulica em maciços de barragens de terra e o mau funcionamento de vertedores do tipo poço. Tese de Doutorado em Engenharia Metalúrgica e de Minas. Escola de Engenharia - Universidade Federal de Minas Gerais. FELISBERTO, H. L. (2013). Modelagem da propagação de onda de cheia oriunda de ruptura hipotética de barragem - Estudo de caso: barragem da Pampulha. Monografia (Graduação em Engenharia Civil) EE. Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte - MG, 66 p. FREAD, D. L. (1998). NWS FLDWAV Model: theoretical description and user documentation. Maryland: National Weather Service - Office of Hydrology (NOAA). FROEHLICH, D. C. (1995). Peak Outflow from Breached Embankment Dam. Journal of Water Resources Planning and Management, pp. 90-97. MacDonald, T. C.; Langridge-Monopolis, J. (1984). Breaching characteristics of dam failures. Journal of Hydraulic Engineering, 110(5), 567-586. NRM, D. o. (2002). Guidelines for failure impact assessment of water dams. Queensland, Austrália. PBH. (s.d.). (2013) Recuperação Bacia Pampulha. Obtido em 26 de Fevereiro de 2013, de http://www.recuperacaobaciapampulha.com.br/informacoes/hidrografia PINHEIRO, M. (1997). Estudo de Chuvas Intensas na Região Metropolitana de Belo Horizonte - RMBH. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais/Escola de Engenharia. RESCK, R. P.; BEZERRA NETO, J. F.; COELHO, R. M. P. (2007). Nova batimetria e avaliação de parâmetros morfométricos da Lagoa da Pampulha. Geografias. VARGAS, M. (1977) Introdução à mecânica dos solos, Mac-Grow Hill, São Paulo, 509 p. VISEU, T., MARTINS, R. (1997). Optimização de Recursos nas Acções de Segurança de Barragens. III Simpósio de Hidráulica e Recursos Hídricos dos Países de Língua Oficial Portuguesa (SILUSBA), (p. 10). Maputo. Moçambique. VON THUN, J. L.; GILLETTE, D. R. (1990). Guidance on breach parameters. Internal Memorandum, U.S. Dept. of the Interior, Bureau of Reclamation, Denver, 17. XXI Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos 8