Série: 1ª Ensino Médio Data: / / 2015



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HISTÓRIA APOSTILA Diego Aluno(a): I UNIDADE Nota: Série: 1ª Ensino Médio Data: / / 2015 Atenas, o berço do Ocidente Democracia, imperialismo, educação, arte e até malhação: as raízes do nosso mundo surgiram na cidade mais poderosa da Grécia antiga Reinaldo José Lopes 29/06/2009 06h10 É a festa da democracia em Atenas e todos os cidadãos, dos magnatas aos mais humildes, foram convidados. Quem passa pela ágora, a praça do mercado, logo vê os dez portões pelos quais entram os que vão votar. É dia de eleição e há um clima de ansiedade no ar: o cidadão que receber 6 mil votos ou mais será expulso sumariamente da cidade e do território em torno controlado por ela, por dez anos. Trata-se de um pleito de ostracismo. Os eleitores só precisam rabiscar o nome do "candidato" ao exílio num caco de cerâmica, o chamado ôstrakon (ou ôstraka, no plural), e depositá-lo num grande jarro. Um grupo de camponeses hesita perto dos portões: entrar ou não entrar? Eles não sabem escrever e estão inseguros, mas um homem de túnica elegante se aproxima para dar uma mãozinha. "Percebo que os senhores têm dificuldade com a escrita e seria uma injustiça não poderem participar. Eis aqui alguns votos já prontos", diz, enquanto oferece a eles as cédulas em que, maliciosamente, inscreveu, provavelmente, o nome do seu inimigo. Agradecidos, os camponeses já podem votar. A cena fictícia se passa na Atenas de 2500 anos atrás. Mas qualquer semelhança com o conhecido voto de cabresto, flagelo da democracia contemporânea, não é mera coincidência. Muito do pensamento e da vida do Ocidente, no século 21, foi antecipado pelos gregos, em especial pelos atenienses do século 5 a.c. A lista é comprida. Além do sistema de participação política (com seus méritos e problemas), Atenas criou um modelo educacional voltado para a cidadania, levou para o teatro os dilemas existenciais da humanidade, aperfeiçoou a filosofia e a retórica, elevou o culto do corpo ao status de arte, integrou os relacionamentos homossexuais à sociedade com pouco ou nenhum preconceito. Também estava lá a mistura contemporânea de democracia com imperialismo, muitas vezes associada aos Estados Unidos, em que a ideia da liberdade vale muito internamente, mas pouco na política externa e no trato com os vizinhos. Mas os órgãos que realmente mandavam eram o Conselho, formado por 500 cidadãos sorteados (inclusive entre a classe pobre), e a Assembleia, da qual todo cidadão (homem, filho de pai e mãe atenienses, com mais de 18 anos) era membro permanente. Até as decisões dos generais passavam por ela. O Conselho preparava a legislação a ser submetida à Assembleia, que era soberana para vetar a medida ou pedir modificações. "Como muitos dos cerca de 40 mil cidadãos atenienses viviam na zona rural e não eram ricos para possuir cavalos, entre 5 mil e 6 mil pessoas compareciam a uma Assembleia", diz Kagan. O quórum necessário para tomar decisões mais sérias, como declarações de guerra, era de 6 mil votos. ATENÇÃO: Toda essa gente se reunia 40 vezes por ano, nas encostas da Pnyx, uma colina no centro de Atenas. Escravos municipais iam buscar a multidão, que ficava enrolando, conversando na praça: eles carregavam cordas lambuzadas com tinta vermelha e iam "fechando" os grupos. "Ninguém queria ficar com a roupa manchada, por isso as pessoas iam deixando a ágora", afirma Kagan. Povão reunido, o arauto dizia apenas: "Quem quer falar?" Qualquer um podia se dirigir à Assembleia e, após os discursos, as leis eram aprovadas por maioria simples. Malhação e paquera Votar e ser eleito para cargos públicos soa familiar ao ocidental. "Mas e se a ida à academia fosse considerada uma das obrigações normais do cidadão, quase como pagar impostos?", pergunta o britânico Nigel Spivey, professor da Universidade de Cambridge, em seu livro The Ancient Olympics ("As Olimpíadas antigas", sem tradução). "Havia a expectativa política nas cidades-estado gregas de que os bons cidadãos deviam manter a boa forma, ou eumorphia", diz. 1

Na prática, figurões da Atenas do século 5 a.c., como o filósofo Sócrates (470-399 a.c.), o general Péricles (495-429 a.c.) ou o dramaturgo Sófocles (496-406 a.c.), passavam algumas horas por dia pelados e com o corpo coberto de azeite nos ginásios e nas palestras (ringues de luta). Para o ideal grego do kalôs kai agathôs (algo como "o belo e o bom/competente"), uma mente sábia não bastava: um corpo forte e bonito tinha de acompanhá-la. Entre os esportes, havia a corrida de um estádio (cerca de 200 metros), salto e luta livre. No fim de um treinamento, usava-se um estrigilo (raspador metálico, curvo como uma foice) para tirar a mistura de óleo e sujeira da pele. A limpeza podia, ainda, ser complementada por um banho de banheira. Tal como no mundo moderno, as "academias" viravam locais de paquera, mas só entre homens. Senhores de meia-idade visitavam os ginásios e as palestras para admirar os jovens e cortejá-los. Não havia contradição no fato de um homem maduro, casado e com filhos se apaixonar por um rapaz. Esse amor literalmente pederasta (em grego, algo como paixão por meninos) era encarado como necessário ao desenvolvimento do adolescente. O mais velho (erastés, ou amante) serviria como tutor do rapaz (erómenos, ou amado), ensinando-lhe virtudes. Nenhum dos lados deveria parecer "afeminado" - o que atraía desdém social não era a relação homossexual, mas a eventual perda de virilidade. Como o sexo anal era considerado uma forma de submissão, digna de escravos, o romance entre dois homens livres idealmente envolvia apenas o chamado coito interfemural, pelo contato entre coxas (é assim que o sexo entre homens aparece em vasos e outros exemplos da arte grega). As mulheres ficavam de fora desses jogos românticos. Com exceção das prostitutas, as atenienses, como na canção Mulheres de Atenas, de Chico Buarque, eram vistas como esposas e produtoras de filhos, a maior parte do tempo dentro de casa, trabalhando (veja infográfico na pág. 34). "A melhor coisa que se pode dizer de uma mulher é que não se fale dela em absoluto", teria dito o estratego Péricles (495-429 a.c.), principal político de Atenas em seu apogeu. Vinho e teatro As atenienses também não participavam de duas manifestações fundamentais da cultura grega: o simpósio, uma festa só para homens (com exceção de prostitutas e escravas), e o teatro. O simpósio consistia em jogar conversa fora e beber o máximo de vinho possível, sem cair embriagado. Como? Diluindo vinho na água. Os gregos consideravam a bebida alcoólica pura uma coisa para bárbaros, porque ela podia provocar a perda do autocontrole e a moderação já era, então, tida como uma virtude. Nos famosos festivais de teatro de Atenas, todos os papéis eram desempenhados por homens - e ainda há dúvidas se as mulheres podiam integrar a plateia. As peças eram sempre encenadas em honra de Dionísio, o deus do vinho e das emoções fortes, e apenas uma vez. O Teatro de Dionísio, em Atenas, acomodava de 15 mil a 20 mil pessoas ao ar livre, de todas as classes sociais (menos os escravos). É fácil perceber como a arte dramática ateniense moldou o teatro e o cinema ocidentais. Os gregos antigos foram os primeiros a entender o que gera audiência: a capacidade de o público se identificar com os personagens. Segundo o filósofo Aristóteles (384-322 a.c.), ao experimentar, por meio deles, sentimentos fortes e acontecimentos trágicos, esperava-se que as pessoas purificassem as próprias emoções. Mais importante, as peças faziam a plateia refletir sobre os problemas centrais da condição humana, como a natureza do destino ou conflitos entre a compaixão e a Justiça. Nas tragédias ou na comédia - gênero que tem Aristófanes (446-386 a.c.) como grande representante -, os dramaturgos discutiam temas de interesse da cidade, satirizavam o governo ou até as mazelas da democracia. Tal como na Assembleia, a marca fundamental do teatro ateniense era uma grande liberdade de expressão, esse valor que, afinal, está no coração do Ocidente moderno. Educação para a cidadania Os meninos aprendiam a questionar e a defender suas ideias Os fundadores da cultura ocidental, nascidos e criados em Atenas durante o apogeu da cidade, eram educados para serem os mais fortes e inteligentes, mas capazes de saber o que era melhor para o conjunto de sua sociedade. Além do básico - ler, escrever, contar, um pouco de música e canto -, os meninos atenienses aprendiam sobretudo os valores de sua cidade e classe social. Antes do século 5 a.c., quando apenas uma pequena elite tinha acesso à educação, esses valores eram basicamente os refletidos nos poemas atribuídos a Homero (século 9 ou 8 a.c.), a Ilíada e a Odisseia, que funcionavam como uma espécie de Bíblia da aristocracia grega. Os textos de Homero ensinavam a ser competitivo e a chegar na frente. O lema do maior herói homérico, Aquiles, era "sempre ser o melhor e superior aos outros". Melhor em quê? Primeiro, em coragem na batalha, mas inteligência e esperteza também eram valorizadas, como mostra o segundo maior herói do poeta, Ulisses (ou Odisseu, em grego), capaz de convencer a todos com sua lábia e de elaborar estratagemas engenhosos, como o do cavalo de Tróia, citado na Odisseia. Beleza, força e agilidade completavam o ideal homérico de aristocrata, pronto a vencer qualquer disputa. Com o fortalecimento da democracia em Atenas, ser o primeiro ainda é importante, mas é preciso convencer os cidadãos de que as suas ideias são as melhores. Surgem os sofistas, que ensinavam a arte de argumentar na Assembleia. Eis aí uma semelhança intrigante com o mundo de hoje: para muitos sofistas, como Protágoras (485-410 a.c.), o certo e o errado eram questão de ponto de vista, e o importante era saber defendê-lo. Diferentemente deles, pensadores como Sócrates e Platão (428/7-348/7 a.c.) 2

acreditavam, contudo, que a mente humana é capaz de conhecer a verdade, por meio do questionamento incessante das ideias estabelecidas. Num método envolvendo perguntas e respostas, Sócrates tentava levar seus interlocutores a encontrar por si próprios as soluções para as questões propostas, sistema que ainda hoje inspira modelos educacionais. Seus sucessores fundaram círculos de mestres e alunos (o mais famoso é a Academia, capitaneada por Platão), para formar pessoas capazes de saber o que era melhor para o conjunto dos seres humanos e, principalmente, para a cidade. ESPARTA Saiba como era a infância em Esparta Em Esparta, o Estado tomava os meninos das famílias para treiná-los na arte da guerra Vinícius Cherobino 23/05/2012 17h15 Um visitante de uma cidade do norte chegou a Esparta em 480 a.c. Foi bem recebido e experimentou a melas zomos, prato típico e orgulho da cidade-estado: uma sopa à base de porco, vinagre, sal e (muito) sangue suíno. Depois de provar a iguaria, sua conclusão foi rápida: "Agora entendo o motivo de os espartanos estarem sempre tão preparados para morrer". A anedota sobre a sopa sangrenta resume bem a vida da cidade. Os homoioi, os cidadãos espartanos, cresciam comendo mal e viviam com fome, enfrentavam-se entre si e suportavam um treinamento militar tão intenso que até soldados do Bope pediriam para sair na primeira semana. Os filhos da elite da cidade tinham vida dura desde o berço. Isso se o bebê sobrevivesse ao parecer do conselho dos anciãos - há referências textuais em Xenofonte e Plutarco de que bebês fora dos padrões da cidade eram mortos, arremessados ou abandonados, no monte Taigeto. "O infanticídio era comum na Grécia antiga, mas Esparta era a única a praticá-lo colocando a decisão nas mãos do Estado, e não na dos pais", afirma Paul Cartledge, autor de Spartans (sem edição em português) e professor de cultura grega na Universidade de Cambridge. "A palavra final era do conselho dos anciãos: eles é que decidiam se a criança estava apta a continuar viva ou teria de ser morta." Design: Villas A prática do infanticídio era apenas o início da educação espartana, a agoge, focada no militarismo, na disciplina e na obediência completa. Depois de passar os primeiros 7 anos de vida com a família, os meninos eram enviados para centros de treinamento para serem educados e transformados em guerreiros. Até os 11 anos, o jovem espartano passava pelo primeiro ciclo, a meninice, em que recebia o treinamento militar básico. O menino estava ali para aprender a manejar lanças, espadas e escudos, além de praticar esportes como corrida e natação. A alfabetização não era, de acordo com Plutarco, o mais importante. O foco era a obediência - não ler e escrever. "Eles aprendiam as letras quanto fosse necessário: todo o restante do treinamento era direcionado para resposta rápida aos comandos, resistência, força e vitória nas batalhas", escreveu Plutarco na sua obra sobre a vida de Licurgo, o principal legislador espartano. No dia a dia, a educação era supervisionada por um magistrado responsável, mas a disciplina (e as punições) era imposta pelos colegas mais velhos. Sessões de açoites eram comuns, assim como humilhações públicas. Quem já passou por uma escola sabe bem que esse modelo tem o potencial de incentivar a crueldade dos mais velhos contra os mais novos. Mas o uso da crueldade do grupo não era algo inesperado. "A ideia básica era deixar os meninos duros, resistentes, no melhor de sua forma física. Acima de tudo, eles tinham que ser autossuficientes e capazes de suportar a dor", afirma Cartledge. 3

Entre os 12 e os 15 anos, o rapaz passava pelo segundo estágio da agoge. Nessa fase, além dos exercícios tradicionais, havia maior foco no trabalho em grupo, além da maestria no uso das armas. Corridas com cavalos e com bigas também começavam a acontecer. Era definido um mestre, um homem mais velho que acompanhava individualmente os avanços do protegido - tanto militares quanto pessoais. Há discussão acadêmica sobre isso, mas é grande a probabilidade de que a educação entre discípulo e mestre envolvesse relações homoeróticas - traço comum nas cidades-estado gregas. É durante o segundo ciclo que os meninos recebiam apenas um pedaço de pano para usar como túnica, a única roupa que podiam vestir durante o ano em uma região em que a temperatura chega aos 40 ºC no verão e -5 ºC no inverno. A restrição de comida também era parte do treinamento. Os jovens soldados recebiam apenas o necessário para sobreviver (inclusive da melas zomos) - quantidade que não chegava nem perto da saciedade. Constantemente com fome, os jovens só tinham uma solução: roubar comida. Para os espartanos, não havia problema algum em furtar alimentos - o problema estava em ser pego. Outro caso contado por Plutarco ajuda a ilustrar a fome e a obediência cega dos aprendizes de soldado. O historiador conta que um jovem conseguiu apanhar um pequeno lobo selvagem para comê-lo. Ao ser descoberto, manteve o lobo sob a sua capa enquanto ouvia o sermão do supervisor. "Sem demonstrar dor, o menino ficou ouvindo o sermão enquanto o lobo o atacava embaixo da capa", afirma Maria Aparecida de Oliveira Silva, professora de história antiga na USP e autora do livro Plutarco Historiador: Análise das Biografias Espartanas. De acordo com Plutarco, o jovem suportou o ataque, até que morreu. Mais do que revelar algo factual, ressalta Maria Aparecida, esse tipo de história era fundamental para provar como se comportava um verdadeiro espartano. "Tais episódios eram contados para ilustrar a coragem dos espartanos, bem como a obediência cega aos seus costumes e às suas leis." A partir dos 16 anos, começava a fase final da preparação, que ia até os 20. Era nesse momento que o treinamento passava a ser prático. Os hoplitas - guerreiros com grandes escudos redondos, lanças longas sobre o ombro direito e espada embainhada - eram unidos em grupos de até 15 para exercícios de guerra. Cada grupo era chamado de falange. Nas batalhas, as falanges se enfrentavam até que um soldado cedesse e as mortes começassem a acontecer aos borbotões. Além da força física e da resistência, era necessário muita confiança no seu parceiro ao lado - se ele correr ou cair, a lança rival aproveita o espaço e você está morto. É por isso que um ditado comum sobre as falanges é que elas são tão fortes quanto o seu elo mais fraco. O treinamento espartano desde o início enfatiza isso - a falange deveria ser uma entidade única. E isso justificava o treinamento rígido. Durante toda agoge, o papel do Estado espartano era gigantesco. Não se tratava apenas de deixar o filho na escola todas as manhãs e ele crescer até cursar uma universidade, mas a entrega completa do futuro cidadão à Esparta. E só havia um caminho possível: ser soldado. "Aos 7 anos, a criança era realmente doada ao Estado para a educação e, a partir dos 18 anos, começar a ter papel na vida da cidade. Basicamente, o objetivo final da agoge era incutir a ideia de que para viver em Esparta era preciso deixar de lado prazeres e interesses individuais", afirma José Francisco de Moura, historiador especializado em Esparta e professor de história na Universidade Veiga de Almeida. Não há muitas evidências arqueológicas sobre a educação feminina, mas os textos clássicos indicam que as meninas recebiam algum treinamento, cujo foco estava na excelência física. Em resumo, as espartanas eram vistas como parideiras - as futuras mães dos guerreiros. "Como resultado da ênfase na reprodução, as meninas eram criadas para serem o tipo de mãe que Esparta necessitava. Uma mãe precisa ser saudável, educada de maneira apropriada e com bastante conhecimento dos valores espartanos", escreveu Sarah B. Pomeroy em Spartan Women (sem edição em português). "Apenas mulheres que morriam durante o parto podiam ter seu nome escrito na lápide, o que acontecia somente com os homens que morriam em batalha." Na prática, o que as evidências arqueológicas dão conta é que as mulheres espartanas estavam em forma - as estátuas mostram músculos definidos nos braços e nas coxas. Além disso, tinham fama de serem lindas: Helena, a mulher mais bela do mundo antigo, antes de ser de Troia e de virar a cabeça de Páris, era Helena de Esparta. O casamento era uma instituição completamente diferente entre os espartanos. Feito por arranjos entre as famílias dos homoioi, a união não envolvia uma vida em conjunto entre marido e mulher. Ao contrário, o homem devia visitá-la apenas durante a noite para o ato sexual e voltar para a sua falange. Por isso, não era raro um homem de 30 anos jamais ter visto a sua mulher à luz do dia. Afinal, ele só tinha permissão de começar a morar com a esposa a partir dos 30 anos. A cerimônia era, evidentemente, espartana. A mulher tinha os seus cabelos cortados curtos, como os de um homem, e recebia uma toga masculina. Era nessa noite que o marido iria invadir a casa da esposa pela primeira vez para consumar o casamento. E voltar ao grupo assim que acabasse. Admirada por priorizar o público sobre o privado, Esparta foi a inspiração de uma série de obras-primas, como a República de Platão, e até de crimes contra a humanidade - a eugenia, popular no começo do século 20, usava o exemplo espartano como base. Longe da idealização clássica ou moderna, os poucos artefatos recuperados e as escassas referências textuais ajudam a compor um retrato de uma cidade na qual a vida não era nada fácil - e onde a mão do Estado entrava nos lares em busca de crianças que seriam transformadas em guerreiros. 4

Guerra perpétua Esparta vivia em permanente estado de sítio. Surgida como um pequeno conjunto de aldeias em torno do século 10 a.c., Esparta se desenvolveu agressivamente nos dois séculos seguintes para se tornar a maior cidadeestado grega em território. A base da sua expansão estava na aquisição de terras, de cidadãos livres para pagamento de taxas e de escravos, chamados hilotas - prisioneiros de guerra de outras regiões, que eram obrigados a realizar o trabalho braçal. Apesar de a escravidão ser um traço comum em praticamente todas as comunidades gregas daquele período, os espartanos foram além. Descartaram a tradição quando, diferentemente dos rivais, como Atenas e Argos, passaram a escravizar os seus próprios vizinhos gregos. Os primeiros a cair foram os messênios, que tinham a mesma etnia dórica dos espartanos. Estimativas dão conta de que havia de 10 a 20 vezes mais messênios e cidadãos livres do que cidadãos espartanos na cidade, por volta de 500 a.c. 5