NOMES CRUZADOS: CATALOGAÇÃO DOS PROCESSOS- CRIMES DE SANT ANNA DO PARANAÍBA 1

Documentos relacionados
RITUAIS JURÍDICOS E PRODUÇÃO DE VERDADES: MALLET-PR,

TESTES PROCESSO PENAL. Aula 3 Prof. Rodrigo Capobianco

033/ (CNJ: ) Damaso Gerson Souza da Silva Junior. Juiz de Direito - Dr. José Antônio Prates Piccoli

Cabo Noronha, suspeito da Chacina do Guamá, se entrega à polícia

PÓS GRADUAÇÃO PENAL E PROCESSO PENAL Legislação e Prática aula 1. Professor: Rodrigo J. Capobianco

MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO

DIREITO PROCESSUAL PENAL

6 - Réu Lídio Laurindo: restou absolvido de todas as acusações; 7 - Réu Cildo Ananias: restou absolvido de todas as acusações.

SEGUNDA PROVA ESCRITA SENTENÇA CRIMINAL

provimento ao apelo defensivo, para absolver o réu, com fundamento no artigo 386, inciso III, do Código de Processo Penal.

Conclusão Peças de informação e outros procedimentos investigatórios

O CENTRO DE DOCUMENTAÇAO E MEMÓRIA: DESCRIÇÃO DOS PROCESSOS DO JUIZADO DE MALLET-PR

Cabo da Policia Militar autor de disparo contra um civil é transferido e afastado de suas atividades.

Direito Processual Penal

Pós Penal e Processo Penal. Legale

MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO

CJEB - Curso Jurídico Prof.ª Elaine Borges Prática Penal

MINISTÉRIO PÚBLICO DO RIO GRANDE DO SUL PROCURADORIA-GERAL DE JUSTIÇA SUBPROCURADORIA-GERAL DE JUSTIÇA PARA ASSUNTOS JURÍDICOS

Resumos Gráficos de Direito Penal Parte Geral Vol. I

EDUARDO FARIAS DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL

ACÓRDÃO. RÉUS: MORAIS FERNANDO JOAO, ESPÍRITO FERNANDO JOAO e ANTÓNIO PAULINO.

Olá, amigos! Valeu! 1. Apresentação e estrutura textual (0,40). 2. Endereçamento à Vara Criminal da Comarca de São Paulo (0,20),

Aula nº. 38 PROVAS EM ESPÉCIE - INTERROGATORIO. Pergunta-se: INTERROGATORIO é meio de prova ou meio de defesa?

PROVA PRÁTICA P 4 SENTENÇA PENAL

Poder Judiciário da União TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E TERRITÓRIOS A C Ó R D Ã O

DIREITO PENAL E DIREITO PROCESSUAL PENAL

DIREITO PROCESSUAL PENAL

1. Questões Prova - Escrivão PC PR

PROVA ESCRITA P 3 PRÁTICA DE SENTENÇA SENTENÇA CRIMINAL

TURMA RECURSAL ÚNICA J. S. Fagundes Cunha Presidente Relator

CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO DA JUSTIÇA

egurança Pública Segurança Pública

TRIBUNAL DE JUSTIÇA PODER JUDICIÁRIO São Paulo

DIREITOS HUMANOS. Política Nacional de Direitos Humanos. Segurança Pública, Acesso à Justiça e Combate à Violência. Profª.

A denúncia foi recebida em 25 de agosto de 2015.

SEJUDH SUMÁRIO. Noções Básicas de Direito Constitucional. Direitos e deveres fundamentais Direitos e deveres individuais e coletivos...

DIREITO PROCESSUAL PENAL

PÓS GRADUAÇÃO PENAL E PROCESSO PENAL Legislação e Prática. Professor: Rodrigo J. Capobianco

CEM CADERNO DE EXERCÍCIOS MASTER. Magistratura Estadual 9ª fase. Direito Processual Penal. Provas. Período

Pág. 25 Item 3.5. Direitos do preso

PÓS GRADUAÇÃO PENAL E PROCESSO PENAL Legislação e Prática. Professor: Rodrigo J. Capobianco

TRIBUNAL DE JUSTIÇA PODER JUDICIÁRIO São Paulo

ATIVIDADE/PRÁTICA PROCESSUAL PENAL

SESSÃO DA TARDE PENAL E PROCESSO PENAL RESPOSTA À ACUSAÇÃO Prof. Rodrigo Capobianco

De olhinho nas questões da DPE acerca de procedimentos no Processo Penal Parte I

DIREITO PENAL. Exame de Ordem Prova Prático-Profissional 1 PEÇA PROFISSIONAL

SENTENÇA. Vistos. A denúncia veio acompanhada do inquérito policial e foi recebida em 25 de novembro de 2015 (fls. 56)

Mapa dos Feminicídios no maranhão ( )

PENAS ALTERNATIVAS. Discriminação Racial e as Penas Alternativas

Prisão Cautelar 1. Ano: Banca: Órgão: Prova:

TRIBUNAL DE JUSTIÇA PODER JUDICIÁRIO São Paulo

AÇÃO PENAL. PÚBLICA Ministério Público denúncia PRIVADA

CONCLUSÃO Em , faço estes autos conclusos ao MM. Juiz Federal desta 7ª Vara Criminal da Justiça Federal de São Paulo, SP, Dr. Ali Mazloum.

Aula 28. Prova Testemunhal (cont.)

TJ - SP Exercício Processo Penal Exercício I Emerson Castelo Branco Copyright. Curso Agora Eu Passo - Todos os direitos reservados ao autor.

Prof. Dr. Vander Ferreira de Andrade

ESCOLA DE GESTÃO E DIREITO CURSO DE DIREITO NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA. DISCIPLINA DE ESTÁGIO SUPERVISIONADO III PRÁTICA PENAL 1º Semestre 2019

Prof. Rodrigo Capobianco

RELATÓRIO DE PESQUISA: DIAGNÓSTICO DA VIOLÊNCIA NO BAIRRO DE SETÚBAL

CRISTIANO PRESTES DA SILVA MINISTERIO PUBLICO A C Ó R D Ã O

DIREITO PENAL E DIREITO PROCESSUAL PENAL

DIREITO PROCESSUAL PENAL

1 PEÇA PRÁTICO-PROFISSIONAL QUESTÕES DISCURSIVAS Questão Questão Questão Questão 4...

CONCEITO DE AUTORIDADE

Direito Processual Penal

JUÍZO DE DIREITO DA 4.ª VARA DO JÚRI FORO REGIONAL VI PENHA Processo nº Controle nº 1325/01 VISTOS.

Pós Penal e Processo Penal. Legale

DIREITOS HUMANOS. Sistema Global de Proteção dos Direitos Humanos: Instrumentos Normativos

CJEB - Curso Jurídico Prof.ª Elaine Borges Prática Penal

REINALDO ROSSANO LÉO MATOS INFORMÁTICA EXERCÍCIOS QUADRIX LINUX DIREITO PROCESSUAL PENAL

Veja quem são as vítimas do massacre em escola de Suzano

PÓS GRADUAÇÃO PENAL E PROCESSO PENAL Legislação e Prática. Professor: Rodrigo J. Capobianco

Poder Judiciário da União Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios

LFG MAPS. INQUÉRITO POLICIAL 08 questões. qualquer diligência, que será realizada, ou não, a juízo da autoridade.

SUBSTITUTIVO ADOTADO PELA CCJC AOS PROJETOS DE LEI N os 215, E 1.589, DE 2015

Resoluções emitidas ad referendum, para homologação. Conselho Diretor

DIREITO ELEITORAL. Processo Penal Eleitoral. Prof. Rodrigo Cavalheiro Rodrigues

DIREITO PROCESSUAL PENAL MILITAR Silvana Dantas Aula 01 MPU 2017 DIREITO PROCESSUAL PENAL MILITAR PROFª SILVANA DANTAS.

TEMA: Prisões. Gabarito Comentado

Mãe, Bacharel em Direito, Especialista em Direito Penal e Processo Penal, Advogada, Professora, Palestrante.

Concurso: Circunstâncias agravantes x atenuantes

Sumário PARTE GERAL... 7 TÍTULO I DA APLICAÇÃO DA LEI PENAL (Redação dada pela Lei nº 7.209, de )... 7 TÍTULO II DO CRIME...

Corpo de Bombeiros Militar de Mato Grosso do Sul - CBM-MS VOLUME 1 Língua Portuguesa

XXIII EXAME DE ORDEM PROCESSO PENAL PROF CHRISTIANO GONZAGA

BuscaLegis.ccj.ufsc.br

- PARA CRIMES CUJA PENA MÁXIMA SEJA IGUAL OU SUPERIOR A QUATRO ANOS: PROCEDIMENTO ORDINÁRIO;

Silvia Renata Nunes de Oliveira Amaral Juiz Prolator: Juiz de Direito - Dr. Roger Xavier Leal Data: 11/08/2011

Material de Apoio Quant. De questões Disciplina Prova 2004 Prova 2009 Prova 2012 Total geral Direito Constitucional Total geral

PAI TRAFICANTE? PRENDE A FILHA!

PROCESSO PENAL MARATONA OAB XXI PROF. FLÁVIO MILHOMEM

DIREITO PROCESSUAL PENAL MILITAR

Ementa: PROCESSUAL PENAL. RECLAMAÇÃO. AÇÃO PENAL PÚBLICA INCONDICIONADA. LESÃO CORPORAL /06 (ARTS. 12, I E 16). LEI MARIA DA PENHA.

MINISTÉRIO PÚBLICO e a Segurânça e Saúde no Trabalho ROBERTO LUIS FONSECA DE FREITAS

Síntese da atividade do Ministério Público da comarca de Santarém. Período de 1 de janeiro de 2016 a 31 de dezembro de 2016.

Atuando em favor da vítima. Prof. Rodrigo Capobianco Legale

Professor Wisley Aula 18

Conteúdo: Prisão Temporária: Contagem do Prazo; Rol de Crimes; Recurso do Indeferimento. Nulidades: Conceito; Espécies; Princípios.

Estágio Supervisionado III

Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Sujeitos Processuais. Gustavo Badaró aula de

Transcrição:

NOMES CRUZADOS: CATALOGAÇÃO DOS PROCESSOS- CRIMES DE SANT ANNA DO PARANAÍBA 1 Ana Helena Rodrigues; Bianca Sayuri Fialho Maeda; Caroline Cassoli Gonçalves; Jorge Tertuliano Matias Gomes Neto. 2 Resumo O trabalho aqui abordado tem como objetivo apresentar os resultados até o momento obtidos na catalogação dos processos-crimes do século XIX da comarca de Sant Ana de Paranaíba (atual Paranaíba/MS), Sul de Mato Grosso. A análise dos processos-crimes, do acervo do Arquivo do Judiciário de Mato Grosso do Sul, é realizada por estagiários do Grupo PET-História da UFMS/CPTL e parte do cruzamento de dados que indicam a repetição de nomes de testemunhas, vítima e réu envolvidos em denúncias de crimes de roubo, rixas e incidentes, negociações, assassinatos, cobranças de dívidas, entre outros. Busca-se, nas fontes, acompanhar a trajetória de escravos e livres. Como objetivo prático, a análise pretende construir um catálogo de consulta aos processos-crimes. Palavras-chave: Escravidão; processos-crimes; catalogação. Introdução O Grupo PET História Conexões de Saberes da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, campus de Três Lagoas, realiza o trabalho com os Processos Crimes que iniciou-se com o objetivo em pesquisas desenvolvidas em 2009 financiado pela Fundação de Pesquisa do Estado (FUNDECT-MS), que até então era coordenado pela Prof.ª Dr. Maria Celma Borges, sendo assumido pelo grupo PET no ano de 2011, e previa a digitalização e análise dos processos-crimes da região Sul de Sant Ana do Paranaíba em Sul de Mato Grosso no século XIX. 1 Artigo pautado em projeto realizado pelo grupo PET História Conexões de Saberes, sob a tutoria do Profº Dr. Vitor Wagner Neto de oliveira. 2 Acadêmicos do curso de História Licenciatura da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, campus de Três Lagoas, e bolsistas PET História Conexões de Saberes.

A partir de fotos digitalizadas dos processos, é feito um trabalho de leitura pelos bolsistas onde as informações são coletadas e tabeladas em uma ficha. Nestas fichas, é feito um pequeno excerto que resuma o processo analisado, facilitando assim, o trabalho de pesquisa das fontes. Até o momento, foram catalogados mais de setenta processos criminais pelos bolsistas envolvidos no projeto. São fontes preservadas no Memorial do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul e essas fontes expõem vários tipos de acusações, como crimes de roubo, rixas e incidentes, negociações, assassinatos e cobranças de dívidas. Com a catalogação destes processos, busca-se destacar os sujeitos possibilitando uma análise mais abrangente do cotidiano destas pessoas, além de destacar também a interação dos escravos e livres com a Justiça. Nestas breves páginas, buscamos realizar uma primeira análise comparativa cruzando processos criminais onde o mesmo sujeito aparece em posições diferentes, como réu e vítima, visando aquilatar as formas de tratamento e a presença de escravos e livres em Sant Ana do Paranaíba. Cruzando Processos Criminais: Ladisla José Ladisla José da Silva foi um fazendeiro na década de 1880 na comarca de Sant Ana do Paranaíba. O mesmo aparece em dois momentos e processos-crimes distintos, como réu e vítima. Para melhor elucidarmos o contexto analisado, seguem transcritas 3 as duas fontes cujo sujeito é protagonista: Réu: Ladisla José da Silva Vítima: Manoel João de Tal Aos quatorze dias do mês de abril de mil oitocentos e oitenta e oito, Ladisla José da Silva foi acusado de assassinar seu vizinho Manoel João de tal morador da fazenda do Mosquito; segundo as testemunhas, Manoel não tinha problemas com ninguém, porém um dia antes de sua morte, ele havia tido uma rixa com Ladisla, por isso Ladisla se tornou o principal suspeito. Segundo o inquérito policial, Ladisla usou uma arma de fogo para matar Manoel, porém não se sabe qual arma foi, pois não foi encontrada. 3 O citado trecho foi retirado das fichas produzidas pelo bolsistas, portanto, a fonte em questão é uma produção textual do bolsista que analisou o dado processo.

Logo que as testemunhas foram ouvidas, foi decretado que Ladisla será julgado com o máximo das penas do referente art. 192 do Código Penal. Réu: João Simão de Freitas; Joaquim Theodoro da Cruz (lavradores) Vítima: Ladisla José da Silva (fazendeiro e negociante) Aos doze dias do mês de janeiro de mil oitocentos e noventa e dois, o promotor público da Comarca da Villa de Santana do Paranahayba, usando da atribuição que a lei lhe confere denuncia João Simão de Freitas e Joaquim Theodoro da Cruz pelo facto criminoso que ocorreu na noite do dia que foi apresentado logo acima 4 ; segundo as testemunhas, Ladisla era um homem bom, porém muito exigente com seus negócios de trabalho. Devido às exigências, há um tempo atrás, Ladisla entrou em uma confusão com dois trabalhadores de sua fazenda, ambos mencionados como réus: João Simão de Freitas e Joaquim Theodoro da Cruz. Depois da briga entre o fazendeiro e os funcionários, Ladisla não os demitiu e permitiu que ambos continuassem na Fazenda da Árvore Grande, onde era proprietário, porém, João Simão e Joaquim resolveram se vingar e dispararam muitos tiros em Ladisla. Conforme os depoimentos das testemunhas, decretaram que dois funcionários eram os assassinos. E conforme o art. 294 do Código Penal, João e Joaquim serão punidos com o máximo das penas. Alguns aspectos devem ser levados em consideração quanto à fala dos sujeitos para a compreensão da história de vida de pessoas comuns. Ao analisar os dois processos, observamos que há um sujeito em comum, Ladisla José da Silva. No primeiro processo, ele é citado como réu e sua é vítima Manoel João de Tal. Por meio da descrição é possível observar que a vítima é um escravo e provavelmente trabalhava para algum fazendeiro. Já no segundo processo, Ladisla é mencionado como vítima e levado à óbito devido aos tiros disparados por dois réus João Simão de Freitas e Joaquim Theodoro da Cruz, ambos lavradores e empregados de Ladisla. Nessas fontes que retratam alguns aspectos históricos e comum do último século de escravização no Brasil, é necessário que atentemos aos sujeitos excluídos e esquecidos do poder, são esses então o escravo e os lavradores dos processos acima, por isso vamos atentar fugir da filosofia positivista dos crimes que ocorriam no século XIX. 4 Nomes Cruzados: Ladisla José da Silva como réu no primeiro processo crime e, no posterior, vítima.

Podemos então observar na análise do primeiro processo que o sujeito Ladisla se achou no direito de realizar o ato de crime com sua vítima, e como observamos no segundo processo Ladisla era um homem exigente com os trabalhos em sua fazenda. A condenação do réu se deu mais ou menos quatro anos, essa probabilidade de tempo se dá pelo intervalo de um processo ao outro. No segundo processo Ladisla já se encontra livre e atuando em sua profissão como fazendeiro, mas ao ser morto pelos réus que são seus lavradores, o mesmo é citado no processo como homem bom, logo pensamos: por que Manoel João de Tal, vitima de Ladisla, também não foi mencionado como homem bom e apenas foi descrito que ele não tinha problemas com ninguém? Então supomos que independente de Manoel João de Tal não ser o escravo de Ladisla, e sim pertencer às posses de outro fazendeiro, todos os escravos eram tratados como um ser irrelevante e que era notado como uma posse que poderia ser descartada pelo seu proprietário. Durante a análise do processo, concluímos que as testemunhas eram conhecidas da vítima, ou seja, não há nada constando que o fazendeiro empregador de Manoel testemunhou a sua morte, e ao observar os nomes dos testemunhos e suas profissões, podemos evidenciar que só há trabalhadores como testemunhas. Cruzando Processos Criminais: Maria Itapusiana de Tal, a escrava. No processo em que fora vítima a escrava Maria Itapusiana de Tal apesar de não haver referência à mesma personagem em outros momentos destaca-se a discrepância do cotidiano e do tratamento à escrava, mesmo como vítima, em comparação ao prestigio e apreço demonstrado ao senhor de fazenda. Réu: José Maria Barboza Vítima: Maria Itapusiana de tal (escrava) Aos dezoito dias do mês de agosto do ano de mil oitocentos e oitenta e seis, o Tenente José Maria Barboza, foi autuado e preso pela acusação de embriaguez e perturbação da ordem pública. Após o depoimento das testemunhas tirando o fato de Maria Itapusiana de tal ter sofrido lesões corporais, toda a autuação foi dada como um grande mal entendido.

O promotor convocou quatro testemunhas, mas nenhuma compareceu ao tribunal. 5 Para a análise desse processo observamos que além de mulher, Maria Itapusiana de Tal era também escrava. É notável através de dados, fontes e testemunhos que o genocídio sempre existiu, mas a diferença entre aquele tempo e o nosso é que mulheres são mais ouvidas, testemunhadas e existem militâncias feministas que no século XIX, mulheres e escravas jamais ousariam pensar. Na análise do processo crime, notamos que a vítima provavelmente era propriedade de José Maria Barboza e o mesmo possivelmente a violentava constantemente, pois há subsídios na fonte que afirmam e além de outros sujeitos que testemunharam, há um depoimento da vítima. Por mais que Maria testemunhasse, não seria ouvida por ser além de escrava, uma mulher, com o agravante de que os outros testemunhos não deram legitimidade à violência contra Maria. Algumas considerações Como um trabalho inicial, o cruzamento descritivo de processos criminais do século XIX nos ajuda a elucidar as vivencias cotidianas destes sujeitos, enxergando as negligencias ocorridas para com aqueles ditos inferiores perante a lente da sociedade do período. Também evidencia os ditos privilégios dos senhores de fazenda e de escravos. O trabalho de cruzamento de nomes, pretende destacar as semelhanças e distinções nos diversos processos criminais de Sant Ana do Paranaíba e formar um catálogo descritivo com objetivo de facilitar futuras pesquisas que venham a ser desenvolvidas na busca de se entender as relações sociais na comarca de Sant Anna do Paranaíba no Sul de Mato Grosso nos fins do século XIX. 5 Não foi encontrada a resolução do processo nas fontes.