MOTIVAÇÕES INDONÉSIAS PARA INVASÃO DO TIMOR-LESTE (1974-1975)



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DOI: 10.4025/4cih.pphuem.368 MOTIVAÇÕES INDONÉSIAS PARA INVASÃO DO TIMOR-LESTE (1974-1975) Maurício Aurélio dos Santos Professor do Programa de Pós-Graduação em História da UDESC O Timor-Leste é o mais novo país do mundo, primeiro país independente do terceiro milênio, ex-colônia portuguesa no Sudeste asiático, que conquistou sua autodeterminação em 2002, depois de quatro séculos de dominação portuguesa, de ver o seu território desrespeitado durante a Segunda Guerra Mundial (quando Austrália e Japão usaram o país como palco de guerra) e de uma sangrenta invasão pela Indonésia, que impôs uma perversa dominação a um povo e a uma nação por 24 anos. Ainda hoje o Timor-Leste é um país dividido, fruto de sua herança histórica e de uma política de perseguição e descriminação, cujo território é parte da ilha do Timor. A ilha do Timor está dividida entre Timor-Leste (antigo Timor Português) - parte Oriental e Timor Ocidental - que pertence a República Indonésia. Antes da dominação portuguesa, encontram-se três referências escritas sobre o Timor. A primeira data de 1225, na literatura chinesa, a segunda de 1365, na literatura javanesa e a terceira de 1488, na literatura árabe. As possessões portuguesas no Sudeste asiático tiveram inicio em 1511, com a tomada de Malaca, quando devem ter iniciado as visitas dos portugueses a ilha do Timor. Entretanto, segundo MENEZES (2006:122) somente em 1515 é que foram encontrados os dois primeiros registros da presença portuguesa em Timor: 1 o - Atlas de Francisco Rodrigues (1513 ou 1514), que se encontra reproduzido na Portugaliae e Manumenta Cartographica, inclui entre as de ilhas de Banda, Timor cuja forma e esboço são relativamente aproximados da realidade; 2 o Em 1514, Rui de Brito, em carta dirigida a D. Manuel, em 6 de Janeiro, informa acerca dos navios que, de Malaca, tinham partido para Java, Sunda, Bengala, Paleacata e Timor, relatando acerca deste he hua Ylha alem de Java. Tem muytos sândalos, muyto mell, muyta cêra. Nom tem juncos para navegar. Entretanto, Timor-Leste, diferente das demais ocupações portuguesas, foi exclusivamente em um primeiro momento (mas por um grande período) cristã e missionária. Esse processo teve início em 1556, com a chegada do primeiro missionário. Os missionários

390 fundaram conventos, criaram seminários e se dedicaram à educação dos filhos dos diversos régulos 1 que reinavam na ilha do Timor. Cada uma dessas instituições era um centro de irradiação cultural, e a instrução era mais um meio eficiente para a catequização 2. O primeiro representante do Rei de Portugal só foi enviado à ilha em 1701. Em 1703 chegou ao Timor António Coelho Guerreiro, como primeiro governador, elevando a Praça de Lifau à categoria de capital e dando patentes militares aos régulos e chefes autóctones, política mantida pelos seus sucessores. Entretanto, a ilha só passou a ser Distrito Autônomo e não depender mais da Índia ou Macau, do ponto de vista administrativo, a partir de 15 de Outubro de 1898 3. O abandono de Timor-Leste, dispensado por Portugal, não mudou com a presença de um governador e nem mesmo com a condição de Distrito Autônomo, como pode ser medido pela fraca presença de portugueses de Portugal no Timor-Leste e pela ausência do estado português. Um bom exemplo é o fato de que a primeira Escola Pública em Timor-Leste, criação do governo português, só ocorreu em 1962. Assim também como nunca houve a preocupação de Portugal em criar quadros timorenses para assumir as funções de estado. Por força desse abandono, o fato mais importante na vida política de Portugal para o timorense ocorreu somente em 1974, mais precisamente dia 25 de abril, quando a ditadura salazarista (Estado Novo) é derrubada pela Revolução dos Cravos, ocasião em que Portugal reconheceu o direito às antigas colônias africanas e ao Timor-Leste de exercerem o seu direito à autodeterminação. A partir daí são criados os partidos políticos em Timor-Leste e as movimentações à invasão indonésia começam a ganhar corpo. Antecedentes históricos da invasão indonésia. A Indonésia é formada por um arquipélago de ilhas com povos e culturas distintas, sendo as mais importantes Java e Sumatra. Essas ilhas foram desde o século XVII colônia dos Países Baixos. Entretanto todas passaram para o mesmo domínio, o holandês. A história da Companhia Majestática Holandesa das Índias Orientais é uma história de conquistas territoriais pela força. O próprio Timor sofreu com aquilo que MENEZES (2006:124) chamou de usurpação castelhana e a constante beligerância dos Holandeses Note-se que, apesar de tudo, os holandeses que não pouparam esforços e usaram até de meios pouco leais, como suborno e aliciamento dos chefes e ataques de surpresa para se apoderarem da ilha, não conseguiram tomar a Província de Servião conquistada por via espiritual pelos Dominicanos, não se estendendo o domínio holandês por mais duma légua para além de Cupão. (MENEZES 2006:124).

391 O Brasil também foi invadido duas vezes pela Holanda, pela Companhia das Índias Ocidentais. A primeira em 1624, na Bahia, e a segunda em 1630, em Pernambuco 4. Já a primeira grande conquista holandesa na ilha do Timor se deu no século seguinte, em 1769, obrigando o governador António José Teles de Menezes a transferir a capital do Timor para Díli, pois se viu sitiado em Lifau sem víveres e com comunicações marítimas cortadas por barcos de holandeses e de rebeldes aliciados por eles. Mas as conquistas não param por aí. Em 1818 a Holanda conquista Atapupo, obrigando Portugal a enviar o 1 a batalhão português para a região. Em 1851 Flores e a demais ilhas de Solor passaram para o domínio holandês, ficando o Timor no domínio português. Essas possessões holandesas foram conquistas da Companhia Majestática Holandesa das Índias Orientais, que formaram (não sem conflitos, revoltas e regime de força) a República da Indonésia 5 a 17 de Agosto de 1945, logo depois do fim da Segunda Guerra. O principal líder da independência foi Ahmed Sukarno, reconhecido como governante em 1949, quando terminou a guerra com a Holanda pela independência, declarada em 1945. Ele instalou uma ditadura, chamada por ele de democracia dirigida, realizou uma aproximação com a China e fez uma a aliança com Partido Comunista Indonésio (PKI), o que não agradou aos EUA e a seus aliados. Em 1965, em um golpe militar, o general Suharto 6, com o apoio dos EUA (com o objetivo de submeterem a Indonésia aos seus interesses geopolíticos e econômicos 7 ), tomou o poder sob o pretexto de evitar a penetração comunista, mantendo Ahmed Sukarno nominalmente no governo. Em 1967, o general Suharto afastou Ahmed Sukarno e assumiu oficialmente a chefia do Estado, abandonando a política nacionalista, aliando-se à economia capitalista ocidental, entregando, por exemplo, as companhias petrolíferas a corporações internacionais, aos novos aliados. Motivações a invasão. Pode-se dividir as motivações para a invasão e ocupação do Timor-Leste pela Indonésia em motivações de ordem externa e de ordem interna, muito embora elas só possam estar separadas para efeitos didáticos. Outra característica dessas motivações é o fato de que algumas delas foram fabricadas ou superdimensionadas para tentar justificar a invasão e ocupação e para justificar o apoio de seus aliados, como os Estados Unidos da América, a Austrália e a Grã-Bretanha.

392 Motivação de ordem interna Quanto à situação interna da República Indonésia, os problemas ligados aos movimentos separatistas e à unidade territorial é o que entra em tela na questão do Timor. A República Indonésia se construiu submetendo aproximadamente 300 grupos étnicos (e mais de 500 línguas e dialetos) das mais de dez mil ilhas espalhadas ao longo do Nordeste do oceano Índico, que foram as forças integradas à República Indonésia. Não foram poucos os movimentos separatistas na Indonésia desde o fim da guerra, pela independência em 1949. Uma das províncias estáveis é a de Papua. Outra província que luta por sua independência é a do Aceh, com uma população com cerca de 4 milhões de habitantes, rica em petróleo, situada na ponta do extremo Oeste da ilha de Sumatra. Aceh é palco de uma violenta rebelião independentista, dirigida contra o poder central indonésio pelo movimento fundamentalista muçulmano Aceh Merdeka (Aceh Livre). Em 1989 o Aceh Merdeka tinha já conseguido o apoio de grande parte dos setores da população, especialmente do nordeste. Contudo as operações contrarevolucionárias/insurreição, realizadas entre 1989 e 1993 resultaram na morte de mais de 2000 civis e na redução dramática do espaço de manobra do grupo nas zonas rurais, enfraquecendo dessa forma a sua posição militar. As execuções sumárias ou arbitrárias levadas a cabo pelas forças governamentais surgiram quando dos primeiros ataques do Aceh Merdeka em 1989, e continuaram a surgir relatos de execuções em massa durante 1990, após o Presidente ordenar o destacamento de 6000 soldados de unidades de contra-insurreição para Aceh, tal como uma vaga de assassinatos misteriosos da qual resultou a morte de centenas de civis. (...) Enquanto por um lado negam formalmente a responsabilidade por estas mortes arbitrárias, o governo e as autoridades militares têm feito declarações no sentido de conivência ou mesmo ao incitamento das execuções extrajudiciais em operações de contra-insurreição. Em dezembro de 2002, quando as mortes na luta pela independência já somavam cerca de 10 mil pessoas dos dois lados do conflito, o governo indonésio e os rebeldes do Movimento Aceh Livre assinaram em Genebra um acordo de paz. O acordo estabelecia um cessar imediato de hostilidades, assim como uma etapa de observação do cessar-fogo de três meses, iniciada com a chegada de observadores internacionais. O acordo foi obtido com a mediação, desde janeiro de 2000, da ONG suíça Centro Henry Dunant para o Diálogo Humanitário. O acordo previa um status de ampla autonomia para a Província de Aceh, assim como eleições provinciais em 2004 e a instalação de um governo eleito democraticamente. Mas os descumprimentos por ambas as partes do tratado de cessar-fogo incluído no acordo, além de outros pontos, levaram ao enfraquecimento e abandono do plano de paz. 8 Em Maio de 2003 os militares da indonésia lançaram ataques contra bases do Movimento Aceh Livre, muito parecido com o ataque a Díli em 1975. As imagens dos soldados paraquedistas indonésios nos céus da Província separatista de Banda Aceh poderiam muito bem ser confundidas com as vistas em Timor-Leste por ocasião da invasão em 1975.

393 Houve igualmente o desembarque de fuzileiros. Assim como na questão do Timor, os EUA estão envolvidos até a medula nas operações de contra-insurreição, sem deixar de aproveitar qualquer oportunidade para fazerem prevalecer os seus interesses na região, como ocorreu em 2005, por ocasião do tsunami. De facto, até as forças armadas indonésias que estão envolvidas em operações de contra-insurreição no Aceh ficaram surpreendidas quando o governo levantou uma proibição de entrada de estrangeiros e permitiu às forças armadas dos EUA que organizassem operações de ajuda [quando do tsunami] O exército australiano, que sempre representou um importante papel em todas as operações de contrainsurreição na Indonésia, também está a rondar o Aceh. A intervenção militar no Aceh estava a ser coordenada entre os três países por tele-conferência. Vemos assim que, sob o patrocínio dos EUA, o Grupo Central, incluindo a Índia, tentou utilizar a tragédia para os seus desígnios geo-políticos em geral e particularmente para os objectivos de contra-insurreição contra os movimentos de libertação nacional dos povos tamil e do Aceh. A postura de grande-nação dos governantes indianos durante o tsunami foi apoiada pelos EUA que procuram usá-los militarmente como um bastião no Sul e no Sudeste da Ásia. 9 Como o Timor-Leste divide com a Indonésia a ilha do Timor, esta temia que a independência do Timor Português fortalecesse os inúmeros movimentos autonomistas em seu território, reacendesse as chamas do comunismo (se a Fretilin assumisse o controle do estado), provocasse embaraços econômicos e geopolíticos, não só para a Indonésia como também para seus aliados, especialmente EUA e Austrália. Motivações de ordem externa Além dos movimentos separatistas, questões ligadas ao contexto da Guerra-Fria, como o avanço do comunismo no Sudeste Asiático, questões de ordem econômica e geopolítica motivaram a Indonésia a invadir e a ocupar o Timor-Leste, com o apoio dos EUA, Grã- Bretanha e Austrália. As motivações geopolíticas O mar territorial do Timor-Leste, além de sua importância piscosa, de sua riqueza em petróleo e gás natural, é de vital importância para a Austrália e seus aliados, pois possui o único corredor de águas profundas para os submarinos australianos passarem para o Norte, ou seja, para o Sudeste asiático. Outro fator importante é a posição estratégica da Indonésia, que está situada no centro do sistema marítimo do Sudeste asiático, portanto de grande importância geopolítica para os Estados Unidos, a Austrália e o Japão. No contexto da

394 Guerra-Fria era primordial manter a Indonésia e o Timor-Leste longe da URSS e da China: dos comunistas. Essa conjugação de fatores: riqueza petrolífera, potencialidade estratégica e possibilidade de ascensão ao poder por um partido de esquerda, fez a questão do Timor-Leste extrapolar os muros da própria nação. Qualquer opção política que não se constituísse em subserviência àqueles que se impunham como os donos do mundo foi sempre visto como ameaça. Não é sem razão que na véspera da consolidação da invasão indonésia ao Timor- Leste, em 7 de dezembro de 1975, Henry Kissinger, secretário de estado norte-americano, esteve em Jacarta para dar permissão a invasão e que Gough Whitlan, primeiro ministro da Austrália, em visita à Indonésia, em Setembro de 1974, declarou que o Timor deveria tornarse parte da Indonésia e que o Timor independente seria inviável e uma ameaça em potencial para a região. 10 Os interesses econômicos Os interesses geopolíticos quase sempre estão acompanhados de interesses econômicos, até pelo fato de que alguns produtos, como os energéticos, representam interesses econômicos, mas são também estratégicos, pela importância que têm na vida econômica de um país. Suas localizações devem ser preservadas sob o controle do bloco de poder, transformando-se também em uma questão geopolítica. O petróleo é o melhor exemplo. A questão do Timor perpassa por esta esfera, afinal o petróleo e o gás natural são as maiores riquezas em seu território, e também em seu mar territorial. O petróleo do Timor despertou igualmente interesses da Indonésia e de países como os Estados Unidos, Austrália e Grã-Bretanha. Logo após a invasão, a Austrália assinou com a Indonésia alguns acordos que lhes permitiam explorar o petróleo timorense. Avanço do Comunismo As tentativas de conter a ameaça comunista, não só no Sudeste asiático, estiveram sempre capitaneadas pelos EUA. Lembremos que a própria Indonésia foi refém dos EUA, em uma estratégia política que além de afastar o Partido Comunista Indonésio (PKI) da possibilidade de ascensão ao poder, colocou o país na condição subserviente à potência capitalista. A possibilidade de ver o Timor-Leste governado por um partido comunista causou as mesmas preocupação nos países alinhados ao chamado bloco capitalista.

395 No Timor-Leste esta possibilidade teve início logo depois da Revolução dos Cravos (25/04/1974), quando os timorenses começaram a organizar os seus partidos políticos. Surgiu assim, em 11 de Maio, a UDT (União Democrática Timorense), a 20 de Maio a ASDT (Associação Social-Democrática Timorense), que depois veio a transformar-se na FRETILIN (Frente Revolucionária de Timor-Leste Independente), a 27 de Maio, a APODETI (Associação Popular Democrática Timorense); KOTA (Klibur Oan Timor Aswain Tétum) 11 ; e o Partido Trabalhista 12. Entre os três partidos mais importantes (UDT, FRETILIN e APODETI) havia grandes diferenças. A UDT fora criada por uma elite timorense, formada por funcionários mais graduados do estado colonial em Timor Português, por professores, comerciantes, e contava com a simpatia da Igreja Católica. Defendia uma autonomia progressiva, dirigida por Portugal, até a independência. A FRETILIN, que defendia uma independência quase que imediata, fora formada, na maioria, por jovens de Díli. A partir de Setembro, passou a contar em seus quadros com estudantes timorenses com tendências marxistas que interromperam os seus estudos em Portugal e voltaram ao Timor para participarem do momento histórico que seu país vivia. Os mais empenhados mantinham contactos com o MRPP (Movimento Reorganizativo do Partido do Proletariado) de Portugal, que continuou depois a fornecer-lhes publicações e proporcionou contactos com a China. Foi nessa altura que a ASDT passou a chamar-se FRETIN (MATTOSO (2005:43). A FRENTILIN contava também com o apoio de oficiais de esquerda do Movimento das Forças Armadas de Portugal, como os majores Francisco Mota e Costa Jónatas, da Comissão de Descolonização do Timor e colaboradores do Tenente Coronel Lemos Pires, governador do Timor Português. A APODETI era anti-portugal e pró-integração à Indonésia. Apesar de receber um pequeno apoio popular, tornou-se o 3º partido mais importante, sobretudo pelo apoio que sempre recebeu da Indonésia, inclusive pecuniário, pelo Cônsul da Indonésia em Díli e do serviço secreto indonésio, entre outros. A FRETILIN, que representava a ameaça aos interesses do bloco capitalistas na região, vinha crescendo na simpatia popular, fruto de sua militância bem mais aguerrida, de um discurso que premiava a busca de solução às misérias da grande maioria dos timorenses. Confiando na força das massas desenvolveu ações que aumentavam ainda mais o seu prestígio. A FRETILIN (...) iniciou, logo em Janeiro de 1975, uma campanha de alfabetização, enviando os seus adeptos às aldeias, o que lhe trouxe de imediato o alargamento da

396 sua base social de apoio; além disso, tornava-se a força política mais influente no seio da juventude por meio da formação da UNETIM (União Nacional dos Estudantes Timorenses). (MATTOSO 2005:43) No dia 21 de Janeiro de 1975, a FRETILIN e a UDT assinam o acordo de uma coligação que se apoiava na única coisa comum até então, o fato de serem contra a integração à Indonésia. Buscava-se assim, colocar freios às aspirações indonésias e ao eventual crescimento da APODETI, seu representante. Entretanto, a Indonésia conseguiu infiltrar seus agentes, dando fim à coligação. Em 11 de Agosto de 1975 a UDT deu um golpe de estado com o apoio da polícia e dos seus comandantes portugueses. A demonstração de força incluiu a prisão de bastantes adeptos da FRETILIN (MATTOSO 2005:48) e assumiu o poder em Timor-Leste, produzindo com isto três fatos: o contragolpe da FRETILIN, a guerra civil e o abandono de Portugal. Era tudo que a Indonésia precisava para justificar a invasão. Como se não esperassem por outra coisa, os portugueses começaram a abandonar o território logo no dia 12 de Agosto. Primeiro embarcaram as mulheres e crianças, dirigindo-se a Darwin no navio australiano Macdili, que parecia estar à espera desta ocasião. Os homens foram evacuados, também para a Austrália, numa segunda viagem do mesmo navio, em 27 de Agosto, e noutra barco, o Lloyd Bakke. Com eles foram também os professores portugueses da Escola Canto Resende. A administração portuguesa, com Lemos Pires, refugiou-se na ilha de Ataúro. (MATTOSO 2005:49) Este golpe contou com o apoio da Igreja e de parte da população, que temia o avanço do comunismo no Sudeste asiático. O apoio da igreja dava-se nas pregações das missas 13, como pode ser observado pelo registro feito por SOUSA (2003:13), em seu diário/livro Olobai 75, onde ele relata que no dia 17 de agosto de 1975, poucos dias após o golpe, Tivemos a Missa de manhã celebrada pelo Sr. Padre Silva. Falou muito da situação que atravessamos presentemente e o papel que um grupo de comunistas quer desempenhar em Timor. Todos deveriam estar com precaução, estar unidos para trabalhar pelo progresso de Timor. É preciso tomar cuidado com o Comunismo e não se deixar levar pelas idéias materialistas trazidas por aquele grupo de estudantes que vieram de Lisboa A reação da FRETILIN ao golpe dado pela UDT veio a 20 de Agosto, pelo contragolpe, dado com o apoio de militares timorenses. No mesmo dia, a FRETILIN cria a Força Armada de Libertação Nacional de Timor-Leste FALINTIL, que assume a defesa do contragolpe, quando se estabelece em Díli um conflito muito sangrento, entre as forças da UDT e as da FRETILIN. Em 27 de Agosto de 1975, depois da saída de quase todos os portugueses, o governador português do Timor, Lemos Pires, abandona Díli, retirando-se para a ilha de

397 Ataúro, com as forças militares portuguesas, mais tarde é evacuado pela marinha portuguesa para Darwin, Norte da Austrália. Além do apoio da APODETI e da Igreja Católica, a Indonésia através da rádio Ramelau, instalada em Cupão, na fronteira da Indonésia com o Timor-Leste, criou uma programação especial para o povo timorense, defendendo a integração do Timor-Leste à Indonésia. Segundo relata SOUSA (2003:33), em 15 de Setembro de 1975 (em plena guerra civil, entre simpatizantes da UDT e os da FRETILIN), a referida rádio transmitia normalmente sua programação de apoio a APODETI, atacando a UDT, a FRETILIN e o governo português. Já em Setembro, logo depois da retirada do governador português para Ataúro, começa a violação da fronteira timorense pela Indonésia em Suai, próximo a fronteira com o Timor indonésio, adentrando Outubro e Novembro de 1975 por outras localidades próximas a fronteira, até a invasão de 7 de Dezembro, em Díli, quando se configura a ocupação. No dia primeiro de Outubro, relata SOUSA (2003:37) que A situação continua instável. Internacionalmente as coisas parecem não se resolver com muita facilidade. Ontem à noite pela primeira vez ouvi pela voz da América que soldados na fronteira fizeram baixas a FRETILIN. Não disseram o número exacto das baixas. Esta manhã, a mesma emissora citou a mesma notícia. Outra notícia importante era que a emissora japonesa deu a notícia de que a Indonésia não aceitava a FRETILIN como único partido para as conversações. Em Setembro alguns integrantes da UDT se retiraram para a fronteira e procuraram asilo político em Timor Ocidental. Muito embora a Indonésia já estivesse violando a fronteira do Timor-Leste somente em Outubro que as Forças Armadas da República da Indonésia começam a fazer incursões mais sistemáticas, pois entendiam que já estavam autorizadas. Todavia, o seu recurso [de membros da UDT] só foi aceito na condição de os seus dirigentes assinarem uma petição formal dirigida ao Presidente Soeharto apelando à integração de Timor-Leste na Indonésia. Tendo cedido a esta exigência, foram autorizados a entrar como refugiados a 24 de Setembro. A partir deste momento, os Indonésios, contando também com a posição da APODETI, favorável à integração, já podiam dizer que tinham invadido Timor-Leste a pedido dos próprios Timorenses. Em 28 de Novembro de 1975, a FRETELIN declarou a independência do país na esperança de ver o Timor-Leste reconhecido como país independente, e por fim a invasão do seu território pela Indonésia, como se pode ver no livro/relato de experiências dos padres FELGUEIRAS e MARTINS (2006:40): Respirava-se o ambiente de uma invasão iminente, adiantou-se proclamando unilateralmente a independência de Timor Leste, numa cerimônia frente ao palácio do governo, descendo a bandeira portuguesa e hasteando a bandeira da FRETELIN, na esperança desta independência ser reconhecida no foro internacional.

398 A estratégia não logrou êxito, e em 7 de Dezembro de 1975 a Indonésia lançou um grande ataque na capital, Díli, no dia 10 em Baucau, segunda maior cidade do país, e em seguida em Ataúro e Manatuto. Em Díli foi usado como estratégia, o ataque pelo ar e mar, com desembarque de tanques e marinas e o uso de paraquedistas. Os padres FELGUEIRAS e MARTINS (2006:45/46) afirmam que As forças da FRETELIN ainda dominavam Díli e por isso responderam com as suas armas ao aparecimento dos paraquedistas no ar. Muitos caíram mortos, outros ficaram dependurados nos fios elétricos ou arvoredo. (...) Contemplando, a partir de Dare, a baía de Díli, naquela manhã de 7 de Dezembro, ficávamos aterrados ao contar cerca de 22 navios de guerra e transportes de barcos de apoio. Frente à praia dos coqueiros, na zona de Comoro, começaram a desembarcar das barcaças tanques anfíbios, disparando canhões à medida que se aproximavam da terra avançando sobre a cidade de Díli. Entretanto, vários batalhões de marines invadiam Díli. Foi a partir deste momento que começou a grande carnificina, matando quase indiscriminadamente membros da população que não eram rapidamente identificados, ou simplesmente mortos à rajada; sobretudo quando constatavam que nas mediações aparecia morto algum paraquedista, (...) e a muitos populares de bairros como Ailoklaram. Assistimos de Dare ao incêndio das casas desde Comoro até Caicoli. Alguns paraquedistas, após terem aterrado, foram à prisão da Comarca libertar alguns elementos da APODETI. As lojas e os armazéns dos comerciantes chineses foram completamente saqueados. Foram 24 anos de uma ocupação violenta, com massacres, torturas, prisões arbitrárias, violações, quando foram exterminados mais de 200 mil timorenses (50% da população) apenas nos primeiros 5 anos de ocupação. Segundo FELGUEIRAS e MARTINS (2006:69) Alguém afirmou que a tragédia do povo de Timor terá sido o maior genocídio depois da segunda guerra mundial, proporcionalmente ao número de habitantes. Tudo foi pilhado: café, sândalo, outras madeiras nobres, tudo foi passado para as mãos dos militares invasores. Não existe em Timor-Leste uma única família sem que uma mulher não tenha sido violada (algumas defronte o marido ou os filhos) ou que um dos seus membros não tenha sido torturado. Para indonesiar o Timor-Leste, além do massacre da população timorense, a Indonésia proibiu o uso do idioma português e o uso da língua indonésia era obrigatório. Transplantou o seu sistema de ensino e trouxe os professores indonésios para lecionar. O animismo (crença timorense) não era considerado religião. Como para eles, quem não tinha religião era comunista, obrigou os timorenses aos ritos aos quais a maioria não estava completamente familiarizada. Removeu a população nativa dos seus locais como estratégia de cortar raízes culturais. Para ocupar essas terras, promoveu a transmigração de mais de 130 mil indonésios de outras ilhas para o Timor-Leste e levou timorenses para outras ilhas indonésias. Construiu campos de concentração, desrespeitando o território dos diferentes grupos éticos,

399 como a vila das viúvas. Adotou o uso do anticonceptivo Depo Provera para toda a mulher timorense que fizesse uso do sistema de saúde, sem o conhecimento e a autorização das mesmas. Além disso, fez todo o esforço possível para fechar o Timor à comunidade internacional. O bloqueio a qualquer comunicação com a comunidade internacional era a estratégia para ocultar o monstruoso massacre do povo de Timor. Mesmo a Cruz Vermelha não conseguia chegar ao Timor Tumor, nome dado pela Indonésia depois da invasão. A estratégia da FRETILIN de declarar a independência de Timor-Leste na esperança de se ver reconhecido pela comunidade internacional e de obter o apoio de países amigos, sobretudo das antigas colônias portuguesas e de organismos internacionais, não surtiu o efeito esperado. Apesar de a ONU ter aprovado, em 12 de Dezembro de 1975, a Resolução 3485, que definiu o direito inalienável de Timor à autodeterminação e independência, lamentou a invasão militar do exército indonésio e apelou à sua retirada (MATTOSO, 2005:57), o povo timorense só conseguiu a sua autodeterminação em 2002, como se pretende mostrar em estudos futuros. Considerações finais As motivações geopolíticas e econômicas para invasão e ocupação indonésia do Timor-Leste sempre existiram, mas nunca foram fontes de grandes preocupações para a Austrália, a Grã-Bretanha, os Estados Unidos ou a Indonésia, pois aquele território estava sob o domínio de Portugal e de sua ditadura salazarista. Entretanto, foi só ocorrer a democratização de Portugal, para que o bloco de poder que controlava parte do Sudeste asiático se sentisse ameaçado. - O Timor-Leste representava os mesmos perigos que o Viet Nam? Interesses econômicos que aguardavam a oportunidade para exploração, como o petróleo e o gás natural do Timor, passaram a ser prementes, e o controle político daquela pequena nação, que estava prestes a conseguir a sua liberdade do colonialismo português, já estava ameaçado. - O controle do sistema marítimo do Sudeste asiático também? Antes mesmo que os timorenses pudessem organizar seus partidos políticos os indonésios já se organizavam para anexar o território timorense. Para isto contaram, no âmbito externo, com o apoio da Austrália, Estados Unidos e Grã-Bretanha. O apoio se manteve durante os 24 anos de ocupação, mesmo com todo o genocídio e com as mais de 10 sanções da ONU à Indonésia por conta da situação do Timor. Nada abalava o apoio, e como brinde a Austrália pilhava o petróleo do Timor e os demais aliados forneciam tudo que a

400 Indonésia precisava para aniquilar com os timorenses. Quem sairia ganhando com a morte de uma nação? Para aprofundar o presente estudo ficam ainda as outras perguntas: Quais são os valores que estão sendo defendidos por governos como os que estiveram envolvidos no episódio do Timor-Leste? Onde vamos chegar com esse tipo de relações internacionais? O poder e a riqueza de poucas nações justificam o genocídio e a morte de uma nação? O que fizeram as entidades ligadas aos direitos humanos e os organismos internacionais durante a invasão e ocupação do Timor-Leste pela Indonésia? A ONU tem conseguido cumprir o seu papel? Espera-se poder responder a essas questões no aprofundamento dess estudo. Notas 1 Segundo MENEZES (2006) A população do Timor está dividida em três classes sociais fundamentais: os nobres, o povo e os escravos. Os régulos ou liurais (nobres) são detentores de cargos políticos (...) consideravam-se de origem divina, sendo os régulos e a sua descendência tidos por filhos do Sol (...). Este aspecto de divinização dos régulos dava a estes, poderes quase absolutos. (...) são como deuses, porque tudo o que querem, fazem (...). A crença na origem divina dos régulos era tal, que mesmo depois de mortos, acreditavam que apenas estavam a dormir, ficando os cadáveres às vezes colocados em cobertos altos ou expostos em cima de árvores para não deixarem de ver o Sol. 2 MENEZES (2006) 3 MENEZES (2006) 4 As duas invasões holandesas no Brasil se deram durante o período em que Portugal estava sob o domínio espanhol (1580-1654). A Holanda também esteve sob o domínio da Espanha até 1579, quando declarou a sua independência. A Espanha não reconheceu a independência e as duas nações estiveram em guerra até 1648. A Espanha, como represalia, decretou embargo comercial à Holanda, que passou a ter grandes prejuízos, pois ela era quem comercialização o açúcar brasileiro nos mercados europeus. Em 1602, fora criada a Companhia das Índias Orientais para exploração mercantil das colônias espanholas na África e Ásia, e a Companhia das Índias Ocidentais, em 1621, para exploração mercantil das colônias espanholas da América, principalmente do Brasil. No oriente, a Companhia das Índias Orientais dominou o comércio nas ilhas Maurício e Molucas e nas ilhas que hoje compõem a Indonésia. 5 A Indonésia é o maior país muçulmano do mundo e o maior arquipélago do planeta. São mais de dez mil ilhas espalhadas no nordeste do oceano Índico. É o quarto país mais populoso do mundo, com mais de 237 milhões de habitantes (estimativa de 2008), na maioria islâmicos. A maioria da população trabalha na agricultura, mas a economia é baseada na exportação de petróleo e gás natural liquefeito. 6 Hadji Mohamed Suharto, considerado o governante mais corrupto dos tempos modernos, nasceu em Kemusuk, em 8 de Junho de 1921. Governou com mão-de-ferro a Indonésia entre 1967 e 1998, depois de um golpe de estado orquestrado pela Inteligência Secreta Americana (CIA). Foi responsável por uma campanha de repressão em 1965-1966 contra o Partido Comunista, democratas indonésios e seus aliados, que resultou em um massacre de entre 500 mil a um milhão de indonésios. As forças armadas de Suharto cometeram numerosos abusos dos direitos humanos, assassinatos de ativistas estudantis e opositores ao regime nas províncias de Aceh, Papua e Timor Leste. Ele deixou o poder em maio de 1998 sob a pressão das manifestações contra seu governo, quando a crise econômica asiática lançou o caos social, levando os indonésios à democracia. Quando Suharto foi tirado do poder, ele e a sua mulher e associados tinham passado por quase todos os setores da economia indonésia. Eram donos da companhia de aviação, hotéis, postagens, estações de televisão e rádio, e eram ponte para qualquer estrangeiro que quisesse fazer negócios na Indonésia. Suharto sofria de problemas de saúde desde que saiu do poder, morrendo em 27/01/2008 aos 86 anos. 7 (...) Para isso, os Estados Unidos procuraram primeiro desestabilizar o regime existente. Uma política enquadrada por uma directiva do Conselho de Segurança Nacional de 1953, que apelou a uma acção adequada, em colaboração com outros países amigos, a fim de impedir um controlo permanente dos comunistas na Indonésia. A directiva NSC 171/1 previu ao mesmo tempo apoiar guerrilheiros [maquis] separatistas e treinar quadros do exército indonésio a fim de criar uma tensão que permitiria aumentar a influência estado-unidense e fazer recuar os comunistas. (...) Se a estratégia da tensão instaurada por Washington funcionou bem a nível político, dado que os militares tomaram gradualmente um lugar preponderante na vida do país, o apoio à guerrilha não permitiu a esta obter os sucessos militares esperados. A partir de 1 Agosto de 1958, a CIA constatou este malogro e iniciou um programa de assistência militar maciça à Indonésia, num montante avaliado em 20 milhões de dólares anuais. O objectivo era sempre o mesmo, de acordo com um memorando do Estado-maior interarmas de 1958: tratava-se de ajudar o exército indonésio enquanto única força não-comunista (...) que tem a capacidade de estorvar (...) o Partido Comunista Indonésio - PKI. (...) Por pequenos toques sucessivos, Washington irá assim aplicar na Indonésia a doutrina de guerra revolucionária elaborada pelos militares franceses de regresso da Indochina ou, mais tarde, da Argélia. Uma prática militar fundada sobre a deslocação de populações a grande escala, cadastro sistemático, a criação de milícias de autodefesa, a acção psicológica, as operações de controlo de zonas delimitadas e as hierarquias paralelas [5]. (...) Homens, mulheres e crianças suspeitos de estar próximos dos comunistas

401 foram massacrados um pouco por todo o país. (...) O golpe de Estado e os massacres que se seguiram permitiram aos Estados Unidos tirar partido do país, e nomeadamente dos seus recursos petrolíferos e minerais. (...) Mas para lá deste sucesso económico, a chegada ao poder de Suharto estabeleceu sobretudo um modelo estratégico a seguir pelos Estados Unidos, que o vão aplicar em seguida em numerosas outras zonas geográficas. Será o caso no Vietname, com a operação Phoenix, depois no Chile e na América Latina com a Operação Condor. A analogia com a chegada ao poder de Pinochet é perturbante: tal como na Indonésia, o general chileno pretextou a existência de uma conspiração dos comunistas o famoso plano Z para organizar em reacção um golpe de Estado preventivo e tomar o controlo do país, apoiando-se no exército. Nos dois casos, a existência de uma conspiração inicial é posta fortemente em dúvida pelos elementos materiais recolhidos pelos historiadores. [5] Patrick de Saint-Exupéry, L inavouable. La France au Rwanda, Les Arènes, Março 2004. Ver igualmente a tese de Gabriel Périès sobrea guerra revolucionária: De l action militaire à l action politique, impulsion, codification et application de la doctrine de la guerre révolutionnaire (1944-1960), Université de Paris I. http://www.infoalternativa.org/asia/indonesia001.htm. LABARIQUE, Paul & Réseau VOLTAIRE. 1965: A Indonésia, laboratório da contra-insurreição, in.: SUHARTO MORREU AOS 86 ANOS Disponível em http://timorlorosaenacao.blogspot.com/2008/01/indonsia-suharto-morreu-aos-86-anos.html, acesso em 05.08.2009. 8 Indonésia lança ofensiva militar contra Província de Aceh, 20 de MAIO de 2003. Disponível em http://www.vermelho.org.br/diario/2003/0520/0520_aceh.asp, acesso em 05/08/2009. 9 A militarização da ajuda após o tsunami na Ásia do Sul. 21 de Fevereiro de 2005. Serviço Noticioso Um Mundo A Ganhar. Disponível em http://www.paginavermelha.org/noticias/india-tsunami.htm, acessado em 05/08/2009. 10 Segundo o jornalista John Pilger em seu documentário A morte de uma nação: a conspiração de Timor. 11 Segundo CARRASCALÃO (2006:32) o KOTA era um denotado defensor dos usos e costumes timorenses e das tradições monárquicas ligadas aos régulos, mas por inépcia dos seus líderes, pouco apoio conseguiu. 12 Segundo CARRASCALÃO (2006:32), um defensor do status-quo. 13 Apesar de a Igreja Católica ter feito propaganda contra a Fretilin durante as missas, como demonstrou SOUSA (2003), ela teve igualmente papel importante na resistência timorense, por ocasião da ocupação indonésia, sobretudo de padres e freiras não indonésios. Pode-se até remeter, em certa medida, as críticas ao comunismo e a Fretilin como uma oposição ao papel que o partido inaugurava, com a campanha de alfabetização, atividade quase que exclusiva da Igreja em Timor Português. De qualquer forma a temática exige de nós estudos futuros. Bibliografia Referências CARRASCALÃO, Mario Viegas. Timor Antes do Futuro. Díli (Timor-Leste), Mau Huran Printing, 2006. FELGUEIRAS, João, S. J. & MARTINS, José Alves, S. J. Nossas Memórias de vida em Timor. Braga (Portugal), Editorial A.O., 2006. MATTOSO, José. A Dignidade: Konis Santana e a Resistência Timorense. Rio de Mouro - Lisboa (Portugal), Ed. Circulo de Autores e Leitores, 2005. MENEZES, Francisco Xavier de. Encontro de Culturas em Timor-Leste. Díli (Timor- Leste), Ed. Crocodilo Azul, 2006. SOUSA, Domingos de Jesus de. OLOBAI 75. Baucau (Timor-Leste), Gráfica Diocesana Baucau, 2003. SOUSA, Domingos de Jesus de. COLIBERE, um herói timorense...lisboa (Portugal), Libel Edições Técnicas, Ltda., 2007. Web fonte:

402 A militarização da ajuda após o tsunami na Ásia do Sul. 21 de Fevereiro de 2005. Serviço Noticioso Um Mundo A Ganhar. Disponível em http://www.paginavermelha.org/noticias/india-tsunami.htm, acessado em 05/08/2009. Indonésia lança ofensiva militar contra Província de Aceh, 20 de Maio de 2003. Disponível em http://www.vermelho.org.br/diario/2003/0520/0520_aceh.asp, acesso em 05/08/2009. Reivindicações separatistas. Disponível em http://diplo.uol.com.br/2000-06,a1771,acesso em 05/08/2009. Suharto morreu aos 86 anos. Disponível em http://timorlorosaenacao.blogspot.com/2008/01/indonsia-suharto-morreu-aos-86-anos.html, acesso em 05.08.2009. Documentário cinematográfico: PILGER, John. A morte de uma nação: a conspiração de Timor, 1994.