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2011/12/04 QUO VADIS ESTRATÉGIA MARÍTIMA EUROPEIA?[1] José Rodrigues Pedra[2] Introdução A Europa depende do uso do mar para a sua segurança. Não obstante, no âmbito da Política Externa de Segurança Comum (PESC) e da Política Comum de Segurança e Defesa (PCSD), os indicadores demonstram que a estratégia marítima não tem tido o mesmo relevo que as operações militares terrestres desenvolvidas no decurso das operações de gestão de crise e das missões de apoio à construção dos Estados[3]. Para os mais cépticos sobre a relevância da estratégia marítima no quadro mais amplo da estratégia europeia de segurança, enumeram-se de seguida alguns aspectos que justificam a pertinência deste assunto. Em primeiro lugar sublinha-se a vontade institucional da União Europeia (UE) em se tornar num actor global e coerente no xadrez internacional. Em segundo, realça-se o posicionamento geoestratégico da União Europeia, numa importante zona de confluência de linhas de comunicação marítimas que ligam a Europa ao continente Africano, Asiático e Americano. Em terceiro, destaca-se a dependência da UE face às matérias-primas provenientes dos mercados externos e acessíveis apenas por via marítima. Em quarto, realça-se a importância dos recursos marítimos dos Estados ribeirinhos da UE para o desenvolvimento e bem-estar das respectivas populações. Por último, mas não menos importante, regista-se o carácter complexo e difuso das actuais ameaças, com naturais implicações na segurança marítima e nos cidadãos europeus. Sem se ter a pretensão de descrever de modo exaustivo o estado da arte da estratégia marítima europeia, evidenciam-se neste artigo apenas algumas partes das variáveis endógenas que estão na sua génese, respectivamente, a formulação e a operacionalização estratégica e o pilar naval. A Estratégia Europeia de Segurança A Estratégia Europeia de Segurança[4] e o Relatório sobre a Execução da Estratégia Europeia de Segurança[5], documentos fundamentais da UE que definem como é que serão alcançados os objectivos estabelecidos na PESC e PESD, apesar de não mencionarem de forma explícita os assuntos de natureza estratégica relacionados com o uso do mar, não deixam de destacar implicitamente um conjunto de ameaças com implicações na estratégia marítima. Estas ameaças, que necessitam de ser contornadas, incluem as actividades ilegais, o crime organizado, a pirataria, o terrorismo, a proliferação de armas de destruição em massa, os conflitos regionais, os Estados Fragilizados, a poluição marítima, a segurança energética e as mudanças climáticas. Por outro lado, ao clarificar a missão estratégica, a Estratégia Europeia de Segurança faz a ligação entre ambiente estratégico e os diferentes tipos de políticas necessárias para ultrapassar os obstáculos identificados. Neste âmbito, sublinha-se a natureza das modalidades de acção adoptadas, ou seja, como é que a União Europeia vai alcançar a sua missão e alcançar os seus objectivos, caracterizadas no essencial pela sua natureza coerente e multilateral. No âmbito da dimensão interna, realça-se a aprovação da Estratégia para a Segurança Interna da União Europeia, em 2010, aonde foram elencadas diversas ameaças tais como o terrorismo, a pirataria, o tráfico de armas, entre outras. Uma análise ao documento estratégico permite facilmente identificar o grau de semelhança entre estas ameaças e as contempladas anteriormente na Estratégia Europeia de Segurança sendo, assim, lícito deduzir quão difícil é separar a segurança interna da segurança externa e como é elevada a interdependência entre estas duas dimensões. A operacionalização da estratégia marítima Consciente das suas responsabilidades como actor do sistema político internacional e, consequentemente, como produtor de segurança, na ordem externa e na ordem interna, a União Europeia tem vindo a desenvolver programas e actividades que enformam, em parte, a génese de uma estratégia marítima europeia. Refiro-me concretamente ao ambiente comum de partilha de informação (CISE), ao sistema europeu de vigilância das fronteiras (EUROSUR), à rede europeia de patrulhas e às operações conjuntas realizadas no Mar Mediterrâneo e nas aproximações do Atlântico desenvolvidas pela Agência Europeia para a Gestão e a Cooperação Operacional nas Fronteiras Externas (FRONTEX), à cooperação com o Maritime Analysis and Operation Centre-Narcotics (MAOC-

N) nas operações de combate ao narcotráfico, ao conjunto de projectos relacionados com o conhecimento situacional marítimo O SafeSeaNet e o CleanSeaNet, sob a alçada da Agência Europeia de Segurança Marítima, o serviço de segurança marítima (MARISS), sob a responsabilidade da Agência Espacial Europeia; o projecto MARSUR, sob a égide da Agência Europeia de Defesa; o Bluemass-Med desenvolvido pelos Estados-membros do Sul da UE (França, Grécia, Itália, Malta, Portugal e Espanha) e à operação Atalanta, recentemente comandada pelo Comodoro Silvestre Correia, embarcado no NRP Vasco da Gama, navio-chefe da Força Naval. Com o objectivo de clarificar conceitos, articular esforços e rentabilizar sinergias, evitando duplicações, divisões e discriminações desnecessárias entre as iniciativas e os diferentes actores militares e civis intervenientes, o Conselho da União Europeia convidou em Abril de 2010, a Alta Representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança, em conjunto com a Comissão e os Estados-membros, a preparar opções para uma possível elaboração de uma Estratégia de Segurança para o domínio marítimo global, no âmbito da PESC/PCSD e no quadro mais restrito da Estratégia Europeia de Segurança[6]. Todavia, segundo o relatório de 22 de Dezembro de 2010 da Wise Pen Team[7], as opções para a edificação de uma task force com responsabilidades na elaboração dessa estratégia, como consequência dos inúmeros actores envolvidos no domínio marítimo global, continuavam ainda por ser examinadas. Dimensão interna versus dimensão externa Face ao que antecede, tornam-se evidentes as seguintes três ilações. Primeira, a preferência da UE por operações que assentam na segurança marítima e, por conseguinte, em actividades marítimas situadas no nível inferior do espectro da conflitualidade. Segunda, a necessidade de se criarem plataformas de cooperação e de diálogo entre os diferentes actores com responsabilidade na segurança no domínio marítimo, sem as quais não haverá uma abordagem coerente eficiente. Terceira, uma maior preocupação estratégica com a dimensão interna em detrimento da dimensão externa, aspecto este que é bem visível nos vários projectos na área da vigilância marítima. A última ilação suscita interrogações que se prendem com a concretização de um dos principais objectivos da União Europeia, ou seja, a afirmação como actor global no xadrez internacional, capaz de defender os seus interesses estratégicos. Conceitos como a diplomacia naval e a projecção de poder, essenciais para a afirmação de um actor internacional com pretensões regionais e globais, apesar de referenciados conceptualmente (como recentemente foi plasmado no projecto para um Conceito de Operações de Segurança Marítima da UE), acabam por não ser materializados quando surgem oportunidades para o fazer, como aconteceu com a guerra no Líbano, em 2006, e na guerra na Líbia, a decorrer desde de Fevereiro do corrente ano. Estes factos, só por si, são indicadores das idiossincrasias geopolíticas, das tradições da história diplomática e dos diferentes interesses estratégicos dos Estados-membros da União Europeia e, consequentemente, das dificuldades em fazer avançar o projecto da política de defesa comum, em termos gerais, e a estratégia marítima europeia, em termos particulares. O pilar naval[8] A questão dos meios é, porventura, um dos assuntos mais sensíveis da Estratégia Europeia e da estratégia marítima. Este aspecto, que resulta da dificuldade de edificação de capacidades no seio da UE, apesar de estarem criados os mecanismos (Catálogo de Forças e Maritime Rapid Response Database), é ainda reforçado pela falta de um quadro conceptual estratégico marítimo europeu inequívoco, contribuindo, em última análise, para a presença de várias iniciativas navais fragmentadas, que se fossem organizadas de modo integrado até nem seriam negligenciáveis. Assim, no âmbito dos acordos bilaterais e multilaterais entre os diferentes Estados--membros da União Europeia, cabe aqui referir as diversas iniciativas navais, de carácter não permanente, designadamente a Força Anfíbia Anglo-Holandesa, a Força Naval Franco-Alemã, a Força Anfíbia Italo- Espanhola e a EUROMARFOR. A força anfíbia Anglo-Holandesa é a mais antiga, remontando a 1973, e a sua edificação reflecte a estreita e a antiga relação entre as duas forças no quadro mais vasto da Aliança Atlântica. A Força Naval Franco-Alemã foi criada em 1991, tendo sido activada pela primeira vez em Maio de 1992. Actualmente, esta força é organizada nos termos do acordo assinado pelas partes em 19 de Dezembro de 2003. A Força anfíbia Italo-espanhola, apresentada como o braço anfíbio da EUROMARFOR, que conta também com a participação de Portugal e da Grécia, foi edificada em 1996, tendo sido activada pela primeira vez em 1998. Por último, releva-se a EUROMARFOR, uma força naval criada em 1995 por França, Itália, Portugal e Espanha. A EUROMARFOR foi activada durante três operações, designadamente, a Coherent Behaviour e a Resolute Behaviour, dedicadas ao combate contra o terrorismo transnacional, e a

Impartial Behaviour gerada no âmbito das Nações Unidas aquando da crise no Líbano em 2006[9]. De Setembro de 2009 a Setembro de 2011aEUROMARFOResteve sob o comando português. Apesar de existirem quatro forças navais distintas, ambas têm alcances limitados, ora por integrarem individualmente poucos Estados-membros (duas das forças são bipartidas e duas são quadripartidas), ora por se desenvolverem à parte da PCSD. Não obstante as vulnerabilidades apontadas, a Operação Atalanta é um bom exemplo da edificação de uma força naval europeia e dos respectivos estados-maiores com o objectivo de colaborarem no âmbito da segurança marítima e da PCSD. O exemplo desta operação serve ainda para relembrar aos decisores políticos e estratégicos que pode ser precisamente nas operações out of area que as forças navais europeias podem fazer a diferença no actual e no futuro contexto estratégico. Conclusões O papel da estratégia marítima na segurança europeia e na salvaguarda dos interesses vitais e importantes da União Europeia pode assumir um relevo significativo não só pela necessidade de projectar segurança tranquila e confiança nas fronteiras amigas, mas também pelo seu impacto na gestão e no fornecimento de matérias--primas, nomeadamente no transporte de energias fósseis essenciais para manter a correr os rios de leite e de mel que têm caracterizado a prosperidade da UE nas últimas décadas. Com efeito, no plano teórico, a estratégia marítima ao contribuir para um variado leque de funções tendentes a dissuadir ou a coagir os seus opositores, nomeadamente através do controlo das linhas de comunicação marítimas, da gestão dos recursos dos oceanos e da projecção de poder no mar e a partir do mar, evidencia a sua inegável utilidade para a concretização das capacidades no exercício da diplomacia, da defesa, da dissuasão e do policiamento, constituindo desta forma um instrumento importante na consecução dos interesses europeus. Todavia, no plano prático conclui-se que ainda existe muito espaço de evolução para a estratégia marítima europeia. Este estado de arte resulta da convergência de dois elementos centrais que importam enunciar. O primeiro elemento passa pela inexistência de uma doutrina estratégica europeia de referência no domínio marítimo global o que naturalmente dificulta a operação e a coordenação das diferentes políticas da UE e dos diferentes actores, militares e civis, com responsabilidades nesta área. O segundo elemento resulta da dificuldade de edificação de forças navais, como consequência dos diferentes interesses estratégicos dos Estados--membros da União Europeia, que possam ser atribuídas em situações de crise, de modo a garantir o nível de ambição determinado pela PESC/PCSD e pela Estratégia Europeia de Segurança, e que passa pela União assumir-se como um actor global. Não obstante os elementos mencionados anteriormente, torna-se claro a emergência de um conjunto de políticas, programas e iniciativas que visam, a breve trecho, consolidar a estratégia marítima da União Europeia. Nesta matéria, prospectivam-se alguns desafios, designadamente as questões relacionadas com a articulação das diferentes políticas da União, a parceria marítima global, a partilha de informação e a coordenação de operações entre os diferentes actores tais como as forças navais, os operadores portuários, as agências de transportes marítimos, as agências internacionais governamentais e não governamentais e as forças de segurança. Os desafios que se colocam à estratégia marítima e à segurança europeia são indiscutivelmente enormes, na certeza, porém, que uma estratégia marítima europeia diminuída, num contexto estratégico complexo, desconhecido e incerto, propiciará sempre deficientes modalidades de acção, o que é contrário aos interesses e à segurança dos cidadãos da União Europeia. [1] Artigo originalmente publicado na Revista da Armada na edição de Novembro de 2011. A União Europeia não possui um documento que plasme uma estratégia marítima, tal como a OTAN o fez no início de 2011 com a Alliance Maritime Strategy. No entanto, a documentação estruturante existente e as diversas iniciativas marítimas europeias em curso permitem deduzir que estamos perante uma estratégia marítima europeia embrionária. [2] Oficial da Armada. Professor da Área de Ensino de Estratégia do Instituto de Estudos Superiores Militares. [3] Das 8 operações militares realizadas desde 2003 sob a égide da UE, apenas a Operação Atalanta é de natureza naval. [4] Disponível em http://www.consilium.europa.eu/uedocs/cmsupload/031208essiip.pdf. Consultado em 30 de Maio de 2011.

[5] Disponível em http://www.consilium.europa.eu/uedocs/cms_data/docs/pressdata/pt/reports/104638.pdf. Consultado em 30 de Maio de 2011. [6] Disponível em http://www.consilium.europa.eu/uedocs/cms_data/docs/pressdata/en/foraff/113998.pdf. Consultado em 1 de Junho de 2011. [7] O Wise Pen Team é uma equipa constituída por cinco Vice-Almirantes na reforma, respectivamente da Inglaterra, Espanha, Alemanha, França e Itália. Esta equipa foi formada sob a égide da Agência Europeia de Defesa, que pretendeu, assim, estudar a complexidade da vigilância marítima no espaço marítimo europeu. [8] Quanto aos meios este artigo apenas se refere ao pilar naval europeu. [9] http://www.euromarfor.org/historia. Consultado em 1 de Junho de 2011. Sítios na internet http://www.euromarfor.org/historia http://www.consilium.europa.eu/uedocs/cmsupload/031208essiip.pdf http://www.consilium.europa.eu/uedocs/cms_data/docs/pressdata/pt/reports/104638.pdf http://www.consilium.europa.eu/uedocs/cms_data/docs/pressdata/en/foraff/113998.pdf http://www.assembly-weu.org/en/documents/sessions_ordinaires/key/declaration_petersberg.php 37 TEXTOS RELACIONADOS: 2012/06/18 O DUPLO USO E A COOPERAÇÃO NOS ESPAÇOS MARÍTIMOS[1] José Afonso Galrito[2] 2012/01/26 THE VIRTUES OF DEBATING DEFENCE POLICY Tiago Fernandes Mauricio[1] 2011/12/05 A PIRATARIA MARÍTIMA NA SOMÁLIA[1] José Rodrigues Pedra[2] 2011/11/04 A GRANDE OPORTUNIDADE 2011/10/30 O SENHOR MINISTRO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA E A SALINIDADE DAS ÁGUAS José Castanho Paes[1] 2011/10/13 AS OPERAÇÕES PSICOLÓGICAS E A GUERRA DE SUPERFÍCIE Alexandre Rabello de Faria[1] e Marcus de Azevedo Braga[2] (Brasil) 2011/06/06 RACIONALIZAR, NÃO É A PALAVRA DE ORDEM?[1] 2011/02/21 MARINHA DE DUPLO USO: UM CONCEITO PÓS-MODERNO DE UTILIZAÇÃO DO PODER MARÍTIMO[1] Nuno Sardinha Monteiro e António Anjinho Mourinha[2] 2010/09/30 A SEGURANÇA NO MAR PORTUGUÊS[1] 2010/08/25

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