Correlação da atividade de lactato desidrogenase e concentração de lactato com a classificação de efusões em cães

Documentos relacionados
CORRELAÇÃO DOS ACHADOS BIOQUÍMICOS NA IDENTIFICAÇÃO DE EFUSÕES EXSUDATIVAS E TRANSUDATIVAS EM CÃES

8/10/2009. Líquidos Cavitários


DERRAME PLEURAL MARIANA VIANA- R1 DE CLÍNICA MÉDICA ORIENTADORES: FLÁVIO PACHECO MIRLA DE SÁ

Derrame Pleural. Hemotórax. Quilotórax. Derrame pseudoquiloso (colesterol / BK e reumatóide)

TRABALHO CIENTÍFICO (MÉTODO DE AUXÍLIO DIAGNÓSTICO PATOLOGIA CLÍNICA)

PLANO DE ENSINO Ficha nº 1 (permanente) EMENTA

INFLUÊNCIA DO TEMPO DE ARMAZENAMENTO DA AMOSTRA SOBRE OS PARÂMETROS HEMATOLÓGICOS DE CÃES

Programa Analítico de Disciplina VET362 Laboratório Clínico Veterinário

Derrame pleural na Sala de Urgência

EFUSÃO PLEURAL EM GATOS: ACHADOS HEMATOLOGICOS E BIOQUÍMICOS PLEURAL EFFUSION IN CATS: HEMATOLOGICAL AND BIOCHEMICAL FINDINGS

Anais do 38º CBA, p.1488

PROGRAMA DE ENSINO DE DISCIPLINA Matriz Curricular Generalista Resolução Unesp 14/2010

Edema OBJECTIVOS. Definir edema. Compreender os principais mecanismos de formação do edema. Compreender a abordagem clínica do edema

UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS CAMPUS JATAÍ UNIDADE JATOBÁ. Carga Horária Total Carga Horária Semestral Ano Letivo 48 hs Teórica: 32 Prática:

Imagem da Semana: Radiografia de Tórax

Ascite. Sarah Pontes de Barros Leal

Reposição Volêmica. Paulo do Nascimento Junior. Departamento de Anestesiologia da Faculdade de Medicina de Botucatu

42º Congresso Bras. de Medicina Veterinária e 1º Congresso Sul-Brasileiro da ANCLIVEPA - 31/10 a 02/11 de Curitiba - PR

Derrames Pleurais DR. RAFAEL PANOSSO CADORE

PLANO DE ENSINO Ficha nº 1 (permanente) EMENTA

Palavras-chave: Hemograma; Refrigeração; Viabilidade Keywords: Hemogram; Refrigeration; Viability

REVISTA CIENTÍFICA ELETRÔNICA DE MEDICINA VETERINÁRIA ISSN: Ano IX Número 18 Janeiro de 2012 Periódicos Semestral

PATOLOGIA DO SISTEMA CARDIOVASCULAR

HEMANGIOSSARCOMA ESPLÊNICO EM CÃO: RELATO DE CASO

PROTEINOGRAMA DO LÍQUIDO CEFALORRAQUEANO NA LEPRA LEPROMATOSA

ESTADIAMENTO DA DOENÇA RENAL CRÔNICA EM CÃES E GATOS NA ROTINA CLÍNICA DE UM HOSPITAL VETERINÁRIO. Aline Makiejczuk, médico veterinário autônomo

AVALIAÇÃO DE CK, AST e LACTATO DE EQUINOS SUBMETIDOS À PROVA DE LAÇO COMPRIDO

PATOLOGIA DO SISTEMA CARDIOVASCULAR

REVISTA CIENTÍFICA ELETRÔNICA DE MEDICINA VETERINÁRIA ISSN: Ano X Número 19 Julho de 2012 Periódicos Semestral

CASO CLÍNICO. O fim do mundo está próximo José Costa Leite Juazeiro do Norte Ceará

Silvana Maris Cirio Médica Veterinária, Dr.ª, Prof.ª da PUCPR, São José dos Pinhais - PR.

IPV.ESA Volume de Trabalho Total (horas): 132 Total Horas de Contacto: 60 T TP P PL Competências

EXAME LABORATORIAL DO LÍQÜIDO CEFALORAQUIDIANO (LCR)

PERFIL ENZIMÁTICO DE FRANGOS DE CORTE ACOMETIDOS COM MIOPATIA WOODEN BREAST

Critérios bioquímicos para classificar transudatos e exsudatos pleurais

NITERÓI 2008 FRANCISCO FERREIRA LIMA JÚNIOR

Anais do 38º CBA, p.0882

Programa Analítico de Disciplina VET375 Clínica Médica de Cães e Gatos

23/04/2013. Análise crítica da coleta, processamento e interpretação dos exames laboratoriais nos Derrames Pleurais INCIDÊNCIA

VALORES DO ENXOFRE, COBRE E MAGNÉSIO NO SORO SANGUÍNEO E NO LÍQUIDO CEFALORRAQUEANO NOS TRAUMATISMOS CRÂNIO-ENCEFÁLICOS RECENTES

O PACIENTE COM EDEMA

Evaluation of the use of whole blood bags or blood components in dogs in veterinary clinics in Ribeirão Preto and region.

PROTEINORRAQUIA TOTAL. VARIAÇÕES RELACIONADAS AO SEXO E À IDADE

DETECÇÃO DO CICLO ESTRAL POR MEIO DE CITOLOGIA VAGINAL DE CADELAS ATENDIDAS NO HOSPITAL VETERINÁRIO DA UNIVIÇOSA/FACISA

COLÉGIO BRASILEIRO DE CIRURGIÕES. Abordagem do derrame pleural

PERICARDITE INFLAMATÓRIA CRÔNICA EM CÃO RELATO DE CASO CHRONIC INFLAMMATORY PERICARDITIS IN DOG CASE REPORT

DIAGNÓSTICO CLÍNICO E HISTOPATOLÓGICO DE NEOPLASMAS CUTÂNEOS EM CÃES E GATOS ATENDIDOS NA ROTINA CLÍNICA DO HOSPITAL VETERINÁRIO DA UNIVIÇOSA 1

ESTUDO COMPARATIVO DOS PERFIS ELETROFORÉTICOS DAS PROTEÍNAS DOS LÍQUIDOS DE CISTOS DE ASTROCITOMAS E DE GLIOBLASTOMAS MULTIFORMES

UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS FARMACÊUTICAS PLANO DE ENSINO

Distúrbios da Circulação Edema. - Patologia Geral

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ

14/04/2013. Biofarmacotécnica. Introdução. Introdução. Planejamento de Estudos de Biodisponibilidade Relativa e Bioequivalência de Medicamentos

AVALIAÇÃO DA TAXA DE FILTRAÇÃO GLOMERULAR EM CÃES OBESOS RESUMO

HIPERADRENOCORTICISMO CANINO ADRENAL- DEPENDENTE ASSOCIADO A DIABETES MELLITUS EM CÃO - RELATO DE CASO

42º Congresso Bras. de Medicina Veterinária e 1º Congresso Sul-Brasileiro da ANCLIVEPA - 31/10 a 02/11 de Curitiba - PR

42º Congresso Bras. de Medicina Veterinária e 1º Congresso Sul-Brasileiro da ANCLIVEPA - 31/10 a 02/11 de Curitiba - PR

23/04/2013. Chibante AMS, Miranda S. UNIRIO Maranhão BHF, Silva Junior CT & cols. J Bras Pneumol. 2010;36(4):

Glomerulonefrite Membranosa Idiopática: um estudo de caso

Autonomia em diagnósticos para clínicas e hospitais veterinários

42º Congresso Bras. de Medicina Veterinária e 1º Congresso Sul-Brasileiro da ANCLIVEPA - 31/10 a 02/11 de Curitiba - PR 1

AVALIAÇÃO DA PRESSÃO ARTERIAL DE CÃES ATENDIDOS NO HOSPITAL VETERINÁRIO DA UFCG

PROTEINOGRAMA DO LÍQÜIDO CEFALORRAQUIDIANO NA LEPRA

Concurso: Clínica Médica de Animais de Produção Edital Nº 08 de 19 de fevereiro de 2018

Universidade Federal do Paraná. Treinamento em Serviço em Medicina Veterinária. Laboratório de Patologia Clínica Veterinária

Universidade Estadual De Maringá Curso De Medicina Veterinária Coordenação Do Colegiado De Curso

e afecções bucais em cães:

INDICADORES BIOQUÍMICOS DA FUNÇÃO RENAL EM IDOSOS

Distúrbios hemodinâmicos

TABELA DE PREÇOS. BIOQUÍMICA SÉRICA VALOR MATERIAL PRAZO Ácidos biliares totais (jejum) 115,00 Soro sanguíneo 5 dias

42º Congresso Bras. de Medicina Veterinária e 1º Congresso Sul-Brasileiro da ANCLIVEPA - 31/10 a 02/11 de Curitiba - PR

Reações enzimáticas. Enzimologia Clínica. Cinética enzimática Saturação dos sítios-ativos. Importância do estudo: 17/03/2018

PRINCIPAIS SINDROMES PARANEOPLÁSICAS HEMATOLÓGICAS DE CÃES COM LINFOMA MAIN PARANEOPLASTIC HEMATOLOGICAL SYNDROMES OF DOGS WITH LYMPHOMA

Tabela 1 Características dos voluntários selecionados para o ensaio de bioequivalência. D.P.I. = desvio do peso ideal; D.

LINFEDEMA EM CÃO - RELATO DE CASO LYMPHEDEMA IN DOG - CASE REPORT

Dosagem de bilirrubina para classificar transudato e exsudato pleural

FIBROADENOCARCINOMA, CARCINOSSARCOMA E LIPOMA EM CADELA RELATO DE CASO FIBROADENOCARCINOMA, CARCINOSARCOMA AND LIPOMA IN BITCH - CASE REPORT

Produtividade CNPq. ANAIS 37ºANCLIVEPA p Acadêmica em Medicina Veterinária, Bolsista em Iniciação Científica, Escola de Veterinária e

AVALIAÇÃO DA RESPOSTA IMUNE EM PACIENTES COM LEISHMANIOSE MUCOSA TRATADOS COM ANTIMONIAL

AVALIAÇÃO CLÍNICA DOS CASOS DE OTITE EXTERNA EM CÃES ATENDIDOS NO HOSPITAL VETERINÁRIO DA UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DE PERNAMBUCO

Departamento de Anatomia Patológica Laboratório de Multiusuário em Pesquisa UNIFESP

Protocolo de abordagem de derrame pleural

Médico Vet...: REINALDO LEITE VIANA NETO. MICROCHIP/RG..: Data de conclusão do laudo..: 17/12/2018

PIOTÓRAX CRÔNICO EM CÃO POR VAGEM DE ACACIA IMPERIAL (Cassia fistula) CHRONIC PYOTHORAX IN DOG DUE POD OF ACACIA IMPERIAL (Cassia

Rara apresentação macroscópica de efusão pleural linfocítica maligna em gato

CORRELAÇÃO ENTRE A CITOLOGIA ASPIRATIVA COM AGULHA FINA E HISTOPATOLOGIA: IMPORTÂNCIA PARA O DIAGNÓSTICO DE NEOPLASIAS MAMÁRIAS EM CADELAS 1

DISTÚRBIOS DO METABOLISMO DOS LIPÍDEOS

AVALIAÇÃO LABORATORIAL DE LÍQUIDO PERITONEAL E ANÁLISE BIOQUÍMICA SÉRICA, RESULTANTE DA ABDOMINOCENTESE EM EQÜINOS

PERFIL GLICÊMICO DE CÃES SEM RAÇA DEFINIDA CLINICAMENTE SADIOS, DE DIFERENTES FAIXAS ETÁRIAS E SEXOS, DOMICILIADOS EM PATOS-PB.

AVALIAÇÃO DOS GRADIENTES DE TEMPERATURA EM GATOS HÍGIDOS

RESISTÊNCIA ANTIMICROBIANA DE BACTÉRIAS ISOLADAS DE AMOSTRAS DE CÃES E GATOS ATENDIDOS EM HOSPITAL VETERINÁRIO

Curso: FARMÁCIA Disciplina: Bioquímica Clínica Título da Aula: Doseamento de Uréia, Creatinina, AST e ALT. Professor: Dr.

PERFIL DA POPULAÇÃO CANINA DOMICILIADA DO LOTEAMENTO JARDIM UNIVERSITÁRIO, MUNICÍPIO DE SÃO CRISTÓVÃO, SERGIPE, BRASIL

INTERVALOS DE CÉLULAS SOMÁTICAS SOBRE OS COMPONENTES DO LEITE: gordura e proteína

INSUFICIÊNCIA HEPÁTICA AGUDA EM GATOS

Resultados 33. IV. Resultados

Imagem da Semana: Radiografia e Cintilografia. Imagem 01. Radiografia simples de tórax na incidência anteroposterior (AP) na primeira avaliação

Docente: Disciplina: Curso: Ano: Regime: Categoria: ECTS Horário Semanal: Enquadramento e Objectivos da Disciplina: Sistema de avaliação:

Transcrição:

Ciência 1582 Rural, Santa Maria, v.41, n.9, p.1582-1586, set, 2011 Rosato et al. ISSN 0103-8478 Correlação da atividade de lactato desidrogenase e concentração de lactato com a classificação de efusões em cães Correlation of lactate dehydrogenase and lactate concentration with dog s effusion classification Paula Nunes Rosato I Letícia Abrahão Anai I Aureo Evangelista Santana I* RESUMO As efusões são problemas clínicos frequentes e que ocorrem em consequência de uma enfermidade que culmine com diminuição da pressão coloidosmótica intravascular, elevação da pressão hidrostática local, aumento da permeabilidade vascular e/ou comprometimento da drenagem realizada pelos vasos linfáticos. Dessa maneira, a avaliação laboratorial desse fluido torna-se relevante para que, em conjunto com os sinais clínicos apresentados pelo paciente, possa ser firmado um possível diagnóstico e instituída ação terapêutica adequada. Assim sendo, a classificação de uma efusão em transudato ou exsudato torna-se um dos pontos críticos para a elucidação do diagnóstico e condução do caso clínico. Em Medicina Veterinária, o método tradicional de classificação de uma efusão é baseado na contagem celular e na concentração de proteínas do fluido. Contudo, diversos estudos evidenciam que tais parâmetros não são suficientes para a correta classificação de todas as efusões. Assim, o presente estudo foi conduzido com o objetivo de verificar a correlação de outros parâmetros bioquímicos com a diferenciação das efusões transudativas e exsudativas e, para tal, foram avaliadas as atividades de lacatato desidrogenase (LDH) das efusões, a relação de sua atividade fluido/soro, concentração de lactato das efusões, o gradiente de concentração de lactato do soro para o fluido e a concentração de proteínas das efusões. Os resultados obtidos permitiram observar que a atividade de LDH, a relação LDH efusão/soro, a concentração de lactato e o gradiente de concentração de lactato soro/efusão apresentam diferença estatisticamente significativa (P<0,05), bem como alta correlação com a classificação de uma efusão exsudativa. Palavras-chave: efusões, análises bioquímicas, lactato, lactato desidrogenase, caninos. ABSTRACT The effusions are frequent clinical problems and can occur in consequence to an illness that culminates with decrease of the intravascular coloidosmotic pressure, increase of local hydrostatic pressure, increase of vascular permeability and/or compromising of the drainage accomplished by lymphatic vases. Therefore, the laboratorial evaluation of this fluid becomes relevant, jointly with clinical signs presented by patient; to become possible the diagnosis definition and institution of appropriate therapeutic. Thus, classification of effusion in exudate and transudate is one of major points to elucidation of diagnosis and conduction of clinical case. In veterinary medicine the traditional method of an effusion classification is based on cellular counting and protein concentration of the fluid, however, several studies evidence that such parameters are not enough for the correct classification of all kinds of effusions. Considering this, the present study aimed to verify the correlation of some biochemical parameters with the differentiation of transudatives and exudatives effusions. To perform this, the activities of lactate dehydrogenase (LDH) were appraised, as well as the relationship of their activities with fluid/serum; lactate and proteins concentration and fluid/ serum gradients of concentration of these same substances. The results allowed to observe that the activity of LDH, relationship LDH and fluid/serum, lactate concentration and lactate fluid/serum gradient of concentration present statistically significant difference (P<0.05), as well as a high correlation with the classification of an exudative effusion. Key words: effusions, biochemical analysis, lactate, lactate dehydrogenase, canine. INTRODUÇÃO Em condições normais, um pequeno volume de fluido intracavitário é formado a partir da filtração do plasma pelo endotélio capilar, que ocorre através da interação da pressão hidrostática desses capilares, I Departamento de Clínica e Cirurgia Veterinária (DCCV), Universidade Estadual Paulista (UNESP), Campus Jaboticabal, 14884-900, Jaboticabal, SP, Brasil. E-mail:santana@fcav.unesp.br. *Autor para correspondência. Recebido para publicação 06.09.10 Aprovado em 27.05.11 Devolvido pelo autor 22.08.11 CR-4105

Correlação da atividade de lactato desidrogenase e concentração de lactato com a classificação de efusões em cães. 1583 pressão oncótica plasmática, reabsorção linfática e permeabilidade capilar (KJELDSBERG & KNIGHT, 1992). O acúmulo de líquido no interior das cavidades peritoneal, pleural e pericárdica é denominado efusão e reflete uma alteração na interação destas forças (MEYER & FRANKS, 1993). Várias são as enfermidades capazes de resultar na formação de uma efusão e, nessa situação, a colheita e avaliação desses fluidos podem ter valor terapêutico, assim como importância diagnóstica nas doenças inflamatórias, hemorrágicas, neoplásicas, linfáticas ou biliosas (SHELLY, 2003). Contudo, os parâmetros bioquímicos utilizados em rotina para a classificação dos diversos tipos de efusões existentes não são capazes de distinguir, em todos os casos, as efusões transudativas e exsudativas (MARANHÃO et al., 2010). Em Medicina Veterinária, a classificação de uma efusão é realizada com base na concentração de proteína do fluido e a contagem de células nucleadas deste (COWELL, et al., 2007). Em contrapartida, em humanos, preconiza-se a utilização de outros parâmetros bioquímicos adicionais para a diferenciação de efusões transudativas e exsudativas, em virtude das diversas alterações que podem influenciar na formação de uma efusão (ROMERO-CANDEIRA et al., 2002). Diversos estudos demonstram que, em alguns casos, ocorre a classificação errada do fluido analisado e, nessa situação, torna-se complicada a elucidação do diagnóstico e, consequentemente, direcionar de forma adequada a terapia do paciente (ROTH, et al., 1990). A concentração de proteínas nas efusões de pacientes com insuficiência cardíaca congestiva pode se elevar em virtude, provavelmente, da produção local de proteínas, comprometendo assim a classificação do fluido, que acaba sendo, erroneamente, considerado exsudato (ROTH, et al., 1990). Em algumas situações, especialmente no tocante às efusões neoplásicas, o diagnóstico conclusivo fica restrito à visibilização dessas células durante a avaliação citológica da efusão. Em neoplasias não esfoliativas, o líquido formado classifica-se, na maioria das circunstâncias, como um transudato modificado e, se houver inflamação, em exsudato (COWELL, et al., 2007). Assim sendo, a elucidação do diagnóstico pode ser comprometida com a utilização apenas dos parâmetros utilizados na rotina. Segundo JOSEPH et al. (2001), a classificação laboratorial utilizada para a separação dos fluidos exsudativos e transudativos em Medicina é uma estratégia fundamental para a abordagem do paciente com efusão torácica, sendo evidente a necessidade da dosagem da atividade total de lactato desidrogenase (LDH) da efusão, bem como a relação entre a atividade dessa enzima na efusão e no soro destes pacientes. A atividade de lactato desidrogenase elevada em uma efusão é um indicativo de extrema importância para classificar um fluido como um exsudato, considerando-se valores superiores a 200U L -1 na efusão ou ainda uma relação da LDH da efusão/ LDH sérica acima de 0,6 (LIGTH, et al., 1972). Segundo HORROCK et al. (1962), valores elevados da atividade de LDH em uma efusão apresentam alta correlação com a presença de uma efusão de etiologia neoplásica em humanos. Em cães, estudos evidenciaram correlação positiva entre a atividade total e a relação LDH da efusão/ldh sérica e a presença de uma efusão de etiologia neoplásica (LIMA-JUNIOR, 2008). Outro parâmetro a ser considerado na investigação de uma efusão é a concentração de lactato (NESTOR et al., 2004). Nas condições em que a obtenção de energia de forma anaeróbica esteja sendo utilizada, é esperada elevação na concentração de lactato, o qual será formado ao final da reação. Assim sendo, estudos correlacionam a elevação da concentração de lactato de uma efusão com a presença de um processo inflamatório de etiologia bacteriana, bem como em efusões neoplásicas (GARCIA-TSAO et al., 1985; LEVIN et al., 2004; NESTOR et al., 2004). Estudos indicam que a correlação positiva com a elevação da atividade de LDH, bem como a concentração de lactato, ocorre em efusões neoplásicas, pois as células neoplásicas utilizam a glicólise anaeróbica para a obtenção de energia (OGILVIE, 2000; NESTOR et al., 2004). O lactato pode se difundir rapidamente através das membranas e, portanto, em pacientes em acidose lática, há a possibilidade de haver a elevação da concentração de lactato no sangue e, consequentemente, na efusão. Em vista desse fato, suspeita-se que o gradiente de lactato sangue/efusão possa apresentar melhor correlação com o diagnóstico em efusões exsudativas. A concentração sanguínea de lactato acima de 2,5mmol L -1 e uma concentração de lactato na efusão superior à sanguínea apresentam acurácia superior a 90% na identificação de exsudatos sépticos em cães (LEVIN et al., 2004). MATERIAL E MÉTODOS Para o desenvolvimento do protocolo experimental, foram utilizados 39 cães atendidos junto à rotina do hospital veterinário no período de março de 2009 a fevereiro de 2010 que apresentaram efusão

1584 Rosato et al. pleural, pericárdica ou abdominal. Dentre os pacientes que participaram do presente estudo, um apresentava efusão pericárdica, 13 apresentavam efusão pleural e 25 tinham efusão abdominal. Foram utilizados apenas pacientes cuja enfermidade e mecanismo de formação da efusão foram identificados por meio da avaliação clínica e laboratorial, permitindo então que as efusões avaliadas pudessem ser classificadas como efusões exsudativas ou transudativas e posteriormente fosse verificada a correlação com cada parâmetro estudado. Para análise da efusão, foi realizada a punção de 10mL do líquido cavitário, que foi transferido para frascos de vidro para posterior centrifugação e análise bioquímica. Por sua vez, para a avaliação bioquímicosérica, foi realizada venopunção jugular para obtenção de 5mL de sangue e, em sequência, o material foi transferido para frascos de vidro para posterior centrifugação e obtenção da amostra de soro, o qual foi submetido à avaliação bioquímica. Tanto no fluido quanto no soro, foi avaliada a atividade da enzima lactato desidrogenase e a concentração de proteínas totais pelo uso de conjuntos de reagentes a e analisador semi-automático b. A concentração de lactato sérica e da efusão foi determinada utilizando tiras reagentes e leitor automatizado c. Depois de realizadas as determinações acima descritas, foram obtidas também a relação da atividade de lactato desidrogenase efusão/soro e o gradiente de concentração de lactato do soro para a efusão. Com os resultados obtidos para cada um dos parâmetros, foi realizada a comparação das médias pelo teste de Tukey e análise de correlação dos pontos de corte indicados na literatura através do teste de Fisher. Em ambas as análises, um valor de P inferior a 0,05 foi considerado significativo, sendo calculado o intervalo de confiança de cada parâmetro avaliado. RESULTADOS E DISCUSSÃO Em relação à etiologia do processo, o que propiciou a classificação entre efusão exsudativa e transudativa, 15 pacientes apresentavam uma efusão exsudativa, sendo um por peritonite bacteriana em virtude de ruptura intestinal e 14 por apresentarem uma neoplasia na cavidade. Os demais pacientes (24 cães) apresentavam efusão transudativa, sendo nove desses pacientes cardiopatas e 15 portadores de hepatopatia. Os valores médios obtidos para a determinação da atividade de LDH, relação da atividade de LDH fluido/soro, concentração de lactato, gradiente de lactato e concentração de proteínas, bem como o intervalo de confiança obtido para cada um dos parâmetros estão descritos na tabela 1. Tais achados corroboram os estudos realizados em humanos, que relatam que a atividade de lactato desidrogenase tende a se elevar em efusões transudativas (HORROCKS, et al., 1962; LIGTH, et al., 1972; JOSEPH et al., 2001; ROMERO-CANDEIRA et al., 2002). Para os parâmetros acima referidos, foi possível verificar correlação com a identificação de uma efusão exsudativa (Tabela 2) nos fluidos que apresentaram a atividade de LDH da efusão superior a 200U L -1 e a relação LDH efusão/soro superior a 0,6, como indicados por LIGTH et al. (1972), além da concentração de lactato da efusão superior a 2,2mmol L -1 e gradiente de lactato menor que zero, como descrito por LEVIN et al. (2004). Contudo, com os valores encontrados para a concentração de proteínas da efusão, não foi possível observar diferença estatisticamente significativa entre as médias dos dois grupos avaliados, havendo sobreposição dos intervalos de confiança obtidos para ambos os parâmetros. Da mesma forma, a concentração Tabela 1 - Valores médios obtidos para a atividade de LDH (U L -1 ) na efusão, relação da atividade de LDH efusão/soro, concentração de lactato (mmol L -1 ) na efusão, gradiente de lactato (mmol L -1 ) do soro para efusão e concentração de proteínas (g dl -1 ) das efusões exsudativas e transudativas em cães. Parâmetro ---------------Média--------------- ----------p---------- ---------------------IC--------------------- Exudatos Transudatos - Exsudatos Transudato LDH efusão 1130,80 a 70,85 b 0,0086* 1130,80 ± 740,48 70,85 ± 48,26 Relação LDH efusão/soro 6,83 a 0,50 b 0,0378* 6,83 ± 5,89 0,50 ± 0,42 Lactato da efusão 5,23 a 1,31 b 0,0024* 5,23 ± 2,20 1,31 ± 0,90 Gradiente de lactato -1,94 a 1,79 b 0,0006* -1,94 ± 1,75 1,79 ± 0,87 Proteínas da efusão 2,97 a 2,09 a 0,0725 2,97 ± 0,61 2,09 ± 0,78 *médias nas linhas seguidas pela mesma letra minúscula não diferem entre si pelo teste de Tukey (P<0,05).

Correlação da atividade de lactato desidrogenase e concentração de lactato com a classificação de efusões em cães. 1585 Tabela 2 - Distribuição e correlação das efusões exsudativas e transudativas de cães segundo a atividade de lactato desidrogenase, relação da atividade de lactato desidrogenase da efusão concentração de lactato, gradiente de concentração de lactato do soro para a efusão e concentração de proteínas. Atividade de LDHna efusão -----------------Classificação----------------- Exudato Transudato >200U L -1 10 2 12 <200U L -1 5 22 27 Total 15 24 39 P=0,0002* Relação da atividade de LDH fluido/sérica Exudato Transudato Total >0,6 12 5 17 <0,6 3 19 22 P=0,0006* Concentração de lactato na efusão Exudato Transudato Total >2,2mmol L -1 11 4 15 <2,2mmol L -1 4 20 24 P=0,0007* Gradiente de lactato Exudato Transudato Total <0 12 2 14 =0 3 22 25 P=0,0001* Concentração de proteínas Exudato Transudato Total >3,0g dl -1 6 9 15 <3,0g dl -1 9 15 24 P=1,0 Total de proteínas superior a 3g dl -1 não demonstrou correlação com a identificação de uma efusão exsudativa. Assim sendo, embora a concentração proteica da efusão seja o parâmetro bioquímico considerado de eleição para a classificação de uma efusão em Medicina Veterinária (COWELL, et al., 2007), alguns fatores podem colaborar para a alteração da concentração dessa substância na efusão e comprometer a sua classificação (ROMERO- CANDEIRA et al., 2002). CONCLUSÃO Os resultados obtidos no presente estudo permitem concluir que a determinação da atividade de lactato desidrogenase e a concentração de lactato das efusões, bem como a relação de lactato desidrogenase do fluido para o soro e o gradiente de concentração de lactato do soro para o fluido, em cães, podem contribuir com a identificação das efusões exsudativas e, dessa forma, diminuir o número de fluidos classificados inadequadamente. FONTES DE AQUISIÇÃO a - Labtest Diagnóstica Lagoa Santa Minas gerais Brasil. b - Labquest Labtest Lagoa Santa Minas gerais Brasil. c - Accutrend PLUS Roche Schweiz. REFERÊNCIAS COWELL, R.L et al. Abdominal and thoracic fluid. In: COWELL, R. L.; TYLER, R. D. Diagnostic cytology and hematology of the dog and cat. 3.ed. St. Louis: Mosby, 2007. p.142-158. GARCIA-TSAO, G. et al. The diagnosis of bacterial peritonits: comparison of ph, lactate concentration and leukocyte count. Hepatology, v.5, p.91-96, 1985. Disponível em: <http:// onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1002/hep.1840050119>. Acesso em: 20 maio, 2011. doi: 10.1002/hep.1840050119. HORROCKS, J.E. et al. Lactate dehydrogenase activity in the diagnosis of malignant effusion. Journal of Clinical Pathology, v.15, p.57-61, 1962. Disponível em: <http:// jcp.bmj.com/content/15/1/57>. Acesso em: 20 maio, 2011. doi: 10.1136/jcp.15.1.57. JOSEPH, J. et al. Is albumin gradient or fluid to serum albumin ratio better than the pleural fluid lactate dehydroginase in the diagnostic of separation on pleural effusion? Biomed Central

1586 Rosato et al. Pulmonary Medicine, v.2, p.1-5, 2002. Disponível em: <http://www.biomedcentral.com/1471-2466/2/1>. Acesso em: 20 maio, 2011. doi: 10.1186/1471-2466-2-1. KJELDSBERG, C.R.; KNIGHT, J.A. Pleural and pericardial fluids. In: ;. Body fluids. 3.ed. Chicago, 1992. p.159-222. LEVIN, G.M. et al. Lactate as a diagnostic test for septic peritoneal effusion in dogs and cats. Journal of the American Animal Hospital Association, v,40, p.364-371, 2004. Disponível em: <http://www.jaaha.org/cgi/content/abstract/40/ 5/364>. Acesso em: 20 maio, 2011. LIGTH, R.W. et al. Pleural effusions: the diagnostic separation of transudates and exudates. Annals of Internal Medicine, v.77, p.507-513, 1972. Disponível em: <http://www.annals.org/ content/77/4/507>. Acesso em: 20 maio, 2011. LIMA-JUNIOR, F.F. Determinação das concentrações de lactatodesidrogenase e fosfatase alcalina no soro e no fluido abdominal de cães (Canis familiaris, Linnaeus, 1758) para classificação das efusões e diferenciação entre fluidos neoplásicos e não neoplásicos. 2008. 71f. Dissertação (Mestrado em Medicina Veterinárial) Universidade Federal Fluminense, Rio de Janeiro, RJ. MARANHÃO, B.H.F. et al. Dosagem de proteínas totais e desidrogenase láticapara o diagnóstico de transudatos e exsudatos pleurais: redefinindo o critério clássico com uma nova abordagem estatística. Jornal Brasileiro de Pneumologia, v.36, p.468-74, 2010. Disponível em: <http://www.scielo.br/ pdf/jbpneu/v36n4/v36n4a12>. Acesso em: 20 maio, 2011. MEYER, D.J.; FRANKS, P.T. Effusions: classification and cytologic examination. In: ;. Veterinary laboratory medicine. New Jersey: In practice - The Compendium Collection, 1993. p.86-91. NESTOR, D.D. et al. Biochemical analysis of neoplastic versus nonneoplastic abdominal effusions in dogs. Journal of American Animal Hospital Association, v.40, p.372-375, 2004. Disponível em: <http://www.jaaha.org/cgi/reprint/40/5/ 372>. Acesso em: 20 maio, 2011. OGILVIE, G.K. Paraneoplastic syndromes. In: ETTINGER, S.J.; FELDMAN, E.C. Textbook of veterinay internal medicine. Philadelphia: Saunders, 2000. p.498-506. ROMERO-CANDEIRA, S. et al. Is it meaningful to beochemical parameters to discriminate between transudative and exudative pleural effusion? Chest, v.122, p.1524-1529, 2002. Disponível em: <http://chestjournal.chestpubs.org/content/122/5/1524>. Acesso em: 20 maio, 2011. doi: 10.1378/chest.122.5.1524. ROMERO, S. et al. Licht s criteria revisited: consistency and comparison with new proposed alternative criteria for separating pleural transudates from exudates. Respiration, v.67, p.18-23, 2000. Disponível em: <http://content.karger.com/produktedb/ produkte.asp?aktion=showabstract&produktnr=224278&ausga be=226558&artikelnr=29457>. Acesso em: 20 maio, 2011. doi: 10.1159/000029457. ROTH, B.J. et al. The serum-effusion albumin gradient in the evaluation of pleural effusions. Chest, v.98, p.546-549, 1990. Disponível em: <http://chestjournal.chestpubs.org/content/98/ 3/546>. Acesso em: 20 maio, 2011. doi: 10.1378/ chest.98.3.546. SHELLY, S.M. Fluidos de cavidades corporais. In:. Atlas de citologia de cães e gatos. São Paulo: Roca, 2003. p.157-171.