DIÁLOGO SOBRE A FORMAÇÃO DE EDUCADORES, CURRÍCULO E MULTICULTURALISMO NA AMAZÔNIA i

Documentos relacionados
Currículo Escolar. Contextualização. Instrumentalização. Teleaula 2. Refletir sobre currículo. Profa. Me. Inge R. F. Suhr

APRENDER A LER E A ESCREVER: UMA PRÁTICA CURRICULAR PAUTADA EM PAULO FREIRE

Pensando a Didática sob a perspectiva humanizadora

A CONCEPÇÃO DE ENSINO ELABORADA PELOS ESTUDANTES DAS LICENCIATURAS

FORMAÇÃO DE EDUCADORES A PARTIR DA METODOLOGIA DA INVESTIGAÇÃO TEMÁTICA FREIREANA: UMA PESQUISA-AÇÃO JUNTO

PALAVRAS-CHAVE: Currículo escolar. Desafios e potencialidades. Formação dos jovens.

ENTRE ESCOLA, FORMAÇÃO DE PROFESSORES E SOCIEDADE, organizados na seguinte sequência: LIVRO 1 DIDÁTICA E PRÁTICA DE ENSINO NA RELAÇÃO COM A ESCOLA

HUMANIZAÇÃO E FORMAÇÃO PARA O MERCADO DE TRABALHO

FORMAÇÃO CONTINUADA EM CURRÍCULO E AVALIAÇÃO: DILEMAS E PERSPECTIVAS.

Professor ou Professor Pesquisador

Resenha EDUCAÇÃO E SOCIEDADE NA PEDAGOGIA DO OPRIMIDO

O Currículo Escolar O mais antigo e persistente significado que se associa «curriculum»

- estabelecer um ambiente de relações interpessoais que possibilitem e potencializem

PRÁTICAS PEDAGÓGICAS EM SALA DE AULA: PERSPECTIVA TRANSFORMADORA EMANCIPATÓRIA E REPETITIVA MONÓTONA: CONSTRUÇÕES INICIAIS

RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS E O ENSINO DE CIÊNCIAS

O PLANEJAMENTO PEDAGÓGICO DOCENTE NA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E TECNOLÓGICA NO CAMPUS AMAJARI - IFRR: PERCEPÇÕES, DESAFIOS E PERSPECTIVAS

O campo de investigação

Introdução. Referencial Teórico

LEGADO E REINVENÇÃO DA PEDAGOGIA FREIREANA PARA UMA EDUCAÇÃO COMO PRÁTICA DA LIBERDADE

ENSINO DE BIOLOGIA E A PERSPECTIVA DE CURRÍCULO NOS DOCUMENTOS ORIENTADORES NACIONAIS E DO ESTADO DE GOIÁS

UMA RETROSPECTIVA DIDÁTICA E LEGAL

RELAÇÃO TEORIA E PRÁTICA: Docência e Prática pedagógica

A ESCUTA E O DIÁLOGO COMO PRINCÍPIOS NORTEADORES DA FORMAÇÃO PERMANENTE DE PROFESSORES/AS

1 o Semestre. PEDAGOGIA Descrições das disciplinas. Práticas Educacionais na 1ª Infância com crianças de 0 a 3 anos. Oficina de Artes Visuais

PROGRAMA DE DISCIPLINA

O Multiculturalismo na Educação Patrimonial: conceitos e métodos

NECESSIDADE TEÓRICA PARA A ORGANIZAÇÃO DA DISCIPLINA DE ESTÁGIO OBRIGATÓRIO NO CURSO DE EDUCAÇÃO FÍSICA

PEDAGOGIA. Currículo (Teoria e Prática) Teorias curriculares Parte 2. Professora: Nathália Bastos

GEOGRAFIA E EDUCAÇÃO AMBIENTAL NAS ESCOLAS PÚBLICAS DE UBERLÂNDIA (MG)

DISCUTINDO CURRÍCULO NA ESCOLA CONTEMPORANEA: OLHARES E PERSPECTIVAS CRÍTICAS

CONSTRIBUIÇÕES DO PIBID NA FORMAÇÃO DOCENTE

INSTITUTO DE PESQUISA ENSINO E ESTUDOS DAS CULTURAS AMAZÔNICAS FACULDADE DE EDUCAÇÃO ACRIANA EUCLIDES DA CUNHA

Educação de Adultos na ótica freiriana

Maria Helena da Silva Virgínio 1 Maria José Moreira da Silva 2 COMO ELABORAR RESENHA. João Pessoa/Pb 2012

LATIM ORIGEM E ABRANGÊNCIA CURSO, PERCURSO, ATO DE CORRER

PLANO DE ENSINO. Disciplina: Fundamentos e Metodologia na Educação de Jovens e Adultos II

FUNDAMENTOS DA SUPERVISÃO ESCOLAR

ITINERÁRIOS DE PESQUISA: POLÍTICAS PÚBLICAS, GESTÃO E PRÁXIS EDUCACIONAIS

DIVISÃO DE ASSUNTOS ACADÊMICOS Secretaria Geral de Cursos PROGRAMA DE DISCIPLINA

EDUCAÇÃO EM/PARA OS DIREITOS HUMANOS: REFLEXÕES SOBRE A FORMAÇÃO DOCENTE NUMA PERSPECTIVA INTERCULTURAL

DIDÁTICA MULTICULTURAL SABERES CONSTRUÍDOS NO PROCESSO ENSINO-APRENDIZAGEM RESUMO

O Lugar da Diversidade no contexto da Inclusão e Flexibilização Curricular: Alguns Apontamentos

Documentos de Identidade

Aula 1 O processo educativo: a Escola, a Educação e a Didática. Profª. M.e Cláudia Benedetti

REFLEXÕES E PERSPECTIVAS PARA UMA FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO: O ATO DE EDUCAR SOB O OLHAR FILOSÓFICO.

A PESQUISA, A FORMAÇÃO DE PROFESSORES E OS FINS DA EDUCAÇÃO Telma Romilda Duarte Vaz Universidade Estadual Paulista Campus de Presidente Prudente

PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO

PEDAGOGIA DA AUTONOMIA Saberes necessários à prática educativa Paulo Freire. Observações Angélica M. Panarelli

A GESTÃO ESOLAR EM UMA PRÁTICA DE ENSINO DEMOGRÁTICA E PATICIPATIVA

ANÁLISE DAS CONTRIBUIÇÕES TEÓRICAS DE MICHAEL WHITMAN APPLE PARA A EDUCAÇÃO LUDOVICENSE

Aula 2 Dimensões Didáticas e Transformação. Profª. M.e Cláudia Benedetti

EMENTAS DAS DISCIPLINAS REFERENTE AO SEMESTRE LINHA DE PESQUISA I

Sociologia Geral e da Educação

A proposta dos institutos federais entende a educação como instrumento de transformação e de enriquecimento

PLANO DE CURSO CURSO: ESPECIALIZAÇÃO EM DOCÊNCIA DO ENSINO SUPERIOR

TESE DE DOUTORADO MEMÓRIAS DE ANGOLA E VIVÊNCIAS NO BRASIL: EDUCAÇÃO E DIVERSIDADES ÉTNICA E RACIAL

Luiz Dourado CNE/UFG Recife,

Palavras-Chave: avaliação formativa; desenvolvimento profissional docente; docência universitária.

ESTÁGIO SUPERVISIONADO EM GESTÃO EDUCACIONAL: REFLEXÕES TEÓRICO PRÁTICAS

AS PRÁTICAS PEDAGÓGICAS NA CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO HETEROGÊNEO

A IMPORTÂNCIA DA TEORIA CRÍTICA DO CURRÍCULO PARA UMA EDUCAÇÃO CIDADÃ 1. Rosilandia de Souza Rodrigues Graduanda de Pedagogia

INCLUINDO A EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS (EJA) NO PROCESSO DE INSERÇÃO DAS TECNOLOGIAS DA INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO (TICs) NO CONTEXTO EDUCACIONAL

A Construção Coletiva do Projeto Político-Pedagógico

PARÂMETRO CURRICULAR E O LIVRO DIDÁTICO NO BRASIL: UM SABER NECESSÁRIO AO PROFESSOR

EMENTAS DOS COMPONENTES CURRICULARES

A constituição de inéditos viáveis na formação contínua do educador matemático da Educação de Jovens e Adultos

10 Ensinar e aprender Sociologia no ensino médio

RELAÇÃO PROFESSOR-ALUNO E AS TEORIAS PEDAGÓGICAS

Grupo de Trabalho: GT03 CULTURAS JUVENIS NA ESCOLA. IFPR - Instituto Federal do Paraná (Rua Rua Antônio Carlos Rodrigues, Porto Seguro, PR)

Tema - EDUCAÇÃO BRASILEIRA: Perspectivas e Desafios à Luz da BNCC

09/2011. Formação de Educadores. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP)

A PEDAGOGIA DO MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS SEM TERRA

INVESTIGAÇÃO PROBLEMATIZADORA DOS CONCEITOS DE CALOR E TEMPERATURA

A ESCOLA PÚBLICA E AS PRÁTICAS INTERDISCIPLINARES NO COMPONENTE CURRICULAR DO ENSINO RELIGIOSO PROMOVENDO A DIVERSIDADE COMO ATITUDE EMANCIPADORA

Anais ISSN online:

A COORDENAÇÃO PEDAGÓGICA E SUA FUNÇÃO NO DESENVOLVIMENTO EDUCACIONAL

DESAFIOS DOS ESTUDOS CURRICULARES CRÍTICOS:

PORTFÓLIO - DO CONCEITO À PRÁTICA UNIVERSITÁRIA: UMA VIVÊNCIA CONSTRUTIVA

PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO: UMA CONSTRUÇÃO COLETIVA RESUMO

Geral: Compreender como se realizam os processos de troca e transmissão de conhecimento na sociedade contemporânea em suas diversas dimensões.

PLANO DE ENSINO Projeto Pedagógico: Disciplina: Legislação e Política Educacional Carga horária: 80

O CURRÍCULO ESCOLAR EM FOCO: UM ESTUDO DE CASO

A Prática Pedagógica do Professor

LEI / 2003: NOVAS PROPOSTAS PEDAGÓGICAS PARA O ENSINO DA CULTURA AFRICANA E AFROBRASILEIRA.

TEMA: EDUCAÇÃO POPULAR E EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS

FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES ALFABETIZADORES EM FOCO

GESTÃO ESCOLAR E HUMANIZAÇÃO

O ENSINO MÉDIO INTEGRADO NO CONTEXTO DA ATUAL LDB. Nilva Schroeder Pedagoga IFB Campus Planaltina Abr. 2018

O currículo na perspectiva da Interdisciplinaridade: implicações para pesquisa e para a sala de aula

Associação Catarinense das Fundações Educacionais ACAFE Concurso Público de Ingresso no Magistério Público Estadual

GESTÃO ESCOLAR E EDUCACIONAL EM EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS: A INOVAÇÃO E A QUALIDADE DOS PROCESSOS GESTORES, DENTRO DAS INSTITUIÇÕES DE ENSINO.

O PAPEL DO PEDAGOGO NO CURSINHO PRÉ-VESTIBULAR DA UNIVERSIDADE ESTADUAL DE LONDRINA

A CONSTRUÇÃO CURRICULAR NO CONTEXTO DO ENSINO FUNDAMENTAL COM BASE EM CRITÉRIOS FUNDAMENTADOS NO PENSAMENTO DE PAULO FREIRE

SÍNTESE PROJETO PEDAGÓGICO

O CURRÍCULO NO PROCESSO DE FORMAÇÃO DOS SUJEITOS

POLÍTICAS DE ENSINO NA

CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS

EMENTA DOS CURSOS DE 2ª LICENCIATURA/COMPLEMENTAÇÃO PEDAGOGICA PEDAGOGIA

EMENTÁRIO DAS DISCIPLINAS DO CURSO DE PEDAGOGIA/IRATI (Currículo iniciado em 2009)

Transcrição:

DIÁLOGO SOBRE A FORMAÇÃO DE EDUCADORES, CURRÍCULO E MULTICULTURALISMO NA AMAZÔNIA i Claudia Justus Torres Pereira ii Inácia Damasceno Lima iii Paula Fernanda Pio Macedo Benarrosh iv RESUMO: O referido trabalho objetiva analisar o texto: Formação de Educadores, Currículo e Educação Multicultural: um diálogo Freireano na Amazônia, tendo sido construído pelas educadoras: Carmem Tereza Velenga, Elza Araújo dos Santos e Tânia Suely Azevedo Brasileiro. A escolha do texto ocorreu pelo fato do tema abordado está relacionado com a complexidade que permeia a temática: Humanidade a Construção do Sujeito Contemporâneo: uma perspectiva para a Amazônia. As reflexões a serem elaboradas estarão basiladas no enfoque da teoria Freireana que preconiza uma educação humanizadora e dialógica; e também consolidar uma sincronia discursiva com as idéias de Sarah LaBreac Wyman, que fortalece a necessidade de se considerar a diversidade cultural dos alunos nos espaços educativos. Tais análises reflexivas apresentam três eixos problematizadores fundamentais: como o currículo pode atender à diversidade e as peculiaridades regionais da Amazônia; quais os desafios atuais enfrentados na formação de educadores, no aspecto político e mais humano; e qual o destaque do papel da escola nas sociedades marginalizadas, onde a inclusão digital e a tecnologização podem gerar benefício para a inclusão social. PALAVRAS-CHAVE: Currículo. Ética. Multiculturalismo. Amazônia. 35 INTRODUÇÃO Discutir as questões da educação é uma necessidade urgente de todos os segmentos da sociedade, especialmente aqueles ligados diretamente ao processo ensino aprendizagem, como professores, alunos pais, Instituições formadoras de professores. Consideramos oportuno numa I Semana de Humanidades, refletir sobre as possibilidades de aperfeiçoar a dinâmica educativa que inclui a escola multicultural na Amazônia. Desta forma, utilizaremos como suporte básico para o debate o texto Formação de Educadores, Currículo e Educação Multicultural: um diálogo Freireano na Amazônia, tendo sido elaborado pelas professoras Carmem Tereza Velenga, Elza Araújo dos Santos e Tânia Suely Azevedo Brasileiro.

Escolheu-se o texto pelo fato do tema abordado estar relacionado com a complexidade que permeia a temática: a Construção do Sujeito Contemporâneo: uma perspectiva para a Amazônia. Os aspectos reflexivos sobre o tema estarão baseados no enfoque da teoria Freireana que preconiza uma educação humanizadora e dialógica. Ampliando este dialogo, utilizaremos as idéias de Sarah LaBreac Wyman, que fortalece a necessidade de se considerar a diversidade cultural dos alunos nos espaços educativos. Tais reflexões básicas apresentadas estão pautadas em três eixos problematizadores que são fundamentais: a) como o currículo pode atender à diversidade e as peculiaridades regionais devendo dar abertura aos desafios que são manifestados pela diversidade cultural da Amazônia dissolvendo preconceitos de racismos e xenofobias; b) quais os desafios atuais enfrentados na formação de educadores, sendo que deve engajar politicamente os educandos-educadores-educandos, objetivando revelar variadas mistificações de opressão e exclusão, direcionando um olhar para as classes populares, estabelecendo um projeto de sociedade multicultural na Amazônia, mais humana; e c) qual o destaque do papel da escola nas sociedades marginalizadas, onde a inclusão digital e a tecnologização podem gerar benefício para a inclusão social, tendo como ponto de partida a formação de educadores críticos. As três abordagens questionadas tendem a explicitar a ética universal do ser humano, que está salientada em toda a obra freireana, tão relevante para o processo formativo do educador com a visão de educação planetária. As abordagens no campo do Currículo são freqüentes no cenário educacional e trazem discussões que permeiam desde a sua evolução histórica até as novas e atuais concepções. O fato é que o currículo está no centro do debate e com uma nova vertente o currículo inclusivo ganha destaque a partir de categorias como: sociedade, cultura e poder. A forma como os currículos são produzidos é um dos temas que se enfatiza nas teorizações curriculares considerando que estes não são desprovidos de ideologia, portanto, não são neutros. São elaborados e definidos para atender determinada sociedade em determinado contexto histórico. 36

O currículo vem recebendo, assim, influências das diferentes reformas educacionais e atualmente responde a um período de transição no qual os regimes autoritários estão sendo superados pela busca de uma democracia. Diante deste quadro, as discussões freireanas convocam a reflexões sobre que tipo de homem e sociedade se pretende construir e a favor de quem estamos, pois não existe prática educativa sem ato político. Para esclarecer tais questionamentos uma revisão histórica sobre a evolução do currículo é apresentada. A concepção moderna fundamentada no discurso taylorista da eficácia traz os princípios da administração com seu modelo racional e de padronização e ganha força na organização da educação. Há uma elitização dos conhecimentos científicos e consequentemente, uma divisão social entre aqueles que tinham acesso a tais conhecimentos e aqueles que não tinham. Críticas surgiram em combate à teorização curricular tecnicista, a partir das concepções crítico-reprodutivistas e podem ser percebidas em obras de renomados autores como Althusser, Bordieu, Passeron, Bowles, Gintis, Apple, Giroux, Saviani e Paulo Freire. Este último desenvolveu uma teorização crítica do currículo, denunciando a opressão da classe dominante sobre a classe dominada, inspirando a reconceitualização do currículo nos EUA e Europa evidenciada nos trabalhos de Michael Apple que destaca-se na corrente norte-americana enfatizando o papel ideológico do currículo; Peter McLaren, canadense, denuncia as desigualdades presentes nas relações de gênero e raça; Saviani questiona as pedagogias progressistas quanto a seu caráter inovador; Ana Maria Saul, numa abordagem emancipadora, traz à reflexão a importância da negociação, respeitando-se o pluralismo de valores e o diálogo como instrumento pedagógico principal de mudança; Homi Bhabha enfatizou a resistência à dominação em vários aspectos como cultural, físico, político. As categorias Sociedade, Cultura e Poder tornam-se pano de fundo para os estudos no campo do currículo e denunciam a pretensa neutralidade do currículo e este é reconhecido como campo de luta onde os diferentes grupos tentam estabelecer a sua hegemonia. Numa perspectiva crítica, propõe-se um novo olhar direcionado ao currículo, contemplando uma educação inclusiva a partir da formação de professores 37

engajados na transformação de valores pessoais e sociais objetivando uma sociedade democrática. Os dois tipos antagônicos de educação analisados por Freire (educação bancária e educação libertadora) devem ser enfatizados nos cursos de formação docente para possibilitar o desenvolvimento de uma consciência a respeito do papel transformador da educação. O ensino inclusivo e democrático é, nesta perspectiva, a via para alcançar tal educação e deve ter o multiculturalismo crítico enquanto alicerce na construção de uma pedagogia crítica que esclareça o papel democrático da escola e combata a reprodução das diferenças sociais. Refletir sobre como o poder molda a consciência é imprescindível na conquista de um projeto de educação idealizado por Paulo Freire, capaz de intervir em contextos de opressão e pertinentes na discussão da formação de educadores na região amazônica brasileira. Frente às mudanças aceleradas no contexto pós-moderno, a criação de um novo paradigma constitui-se numa possibilidade de transformar a prática educativa. O entendimento de que as complexidades e a pluralidade das relações sociais, a integração e superação da exclusão exigem um processo de ensino aprendizagem que capacite a pessoa a aprender a aprender. A tecnologia é vista, portanto como uma ferramenta a ser utilizada no cotidiano docente, oportunizando uma ação didática comunicativa e interativa. É uma forma de inclusão uma vez que desenvolve habilidades em seus usuários permitindo-lhes a apropriação dos saberes sociais e culturais, que circulam por esse meio. A dimensão ética, nesta perspectiva precisa conduzir as relações interpessoais garantindo o respeito à tolerância e a liberdade de expressão. A prática pedagógica, então, assume compromisso coma a transformação social em defesa dos menos favorecidos revelando sua dimensão política tão evidenciada por Paulo Freire. 38 FORMAÇÃO DE PROFESSORES, CURRÍCULO E MULTICULTURALIDADE: POSTURA INCLUSIVA NA ÓTICA FREIREANA

Já se apresentou nesse trabalho o grande destaque do currículo cada vez maior nas discussões educacionais, que gera às reflexões sobre de que forma os currículos são elaborados pelos educadores, e tem alcançado diversos níveis da educação. Numa abordagem histórica do currículo, emerge no século XX um profissional especialista para prescrever conteúdos, baseado na racionalidade científica moderna, onde gerou uma fragmentação do conhecimento originando uma descontextualização da realidade. Ainda nesse contexto destaca-se a influência do taylorismo refletindo princípios da administração científica para o currículo: cientificista e tecnicista. Na metade do século XX o escolanovismo foi conotado de elitista pelos teóricos críticos, pois excluía uma escola de qualidade para as classes populares. Surgiram as críticas de vários educadores, entre eles Paulo Freire, onde questionaram as desigualdades e as injustiças sociais provocadas pela elitização dos currículos. Sendo assim, Sociedade, Cultura e Poder denunciam a neutralidade do currículo, que é concebido como um campo de luta em busca de identidade e significado, compreendendo que conhecimento e currículo são na sua essência culturais. Por isso, numa concepção crítica o currículo precisa contemplar uma educação inclusiva a partir da formação de educadores comprometidos com a educação de qualidade para camadas populares, visando uma sociedade democrática plenamente. Nisso o multiculturalismo crítico faz sua contribuição com análise de como a realidade social e educativa emanam privilégios para a exclusão de preconceito. Diante disso se afirma que é uma grande luta para vencer os desafios da multiculturalidade crítica em Rondônia. Paulo Freire (1992, p. 157) enfatiza: 39 É preciso reenfatizar que a multiculturalidade como fenômeno que implica a convivência num mesmo espaço de diferentes culturas não é algo natural e espontâneo. É uma criação histórica que implica decisão, vontade política, mobilização, organização de cada grupo cultural com vistas a fins comuns. Que demanda, portanto, uma certa prática educativa coerente com esses objetivos. Que demanda uma nova ética fundada no respeito às diferenças. Dentro de uma postura inclusiva, traça-se uma abordagem sobre a formação de educadores numa perspectiva crítica, focando a tecnologização vinculada ao projeto de multiculturalidade, objetivando uma formação atual onde o recurso

primordial é o diálogo intercultural, tendo uma ótica de humanização e da ação/interação conscientizadora. Ademais, as novas tecnologias da informação e da comunicação compreendem um conjunto de veículos para o acesso a informação, gerando novos modelos de participação e recriação cultural. Descreve-se também uma experiência aplicada de um projeto de Estágio Supervisionado, onde se processa com encontros presenciais realizando reflexões sobre: a prática em princípios metodológicos da interação do dialogo e da complexidade das ações, o dialogo como condição histórica e cultural do ser em se saber no mundo e situação didáticas organizadas favorecendo a construção de uma teia interdisciplinar, objetivando uma prática pedagógica crítico-reflexiva. A ética universal encontrada na epistemologia freireana, pensa na perspectiva de transparência das ações educacionais e administrativas, configurada na construção de um Projeto Político Pedagógico que atenda a coletividade e a subjetividade, respeitando a dignidade humana, a tolerância e o viver entre fronteiras geográficas, políticas e sociais. Assim sendo, quando se pensa na construção do projeto político-pedagógico, fica explícito que há necessidade de esclarecimento do pretendido no âmbito educativo. Ilma Veiga (2001, p. 55-6) vem ratificar isso, quando fala: 40 Superar a visão conservadora e extrapolar o centralismo burocrático pressupõe o envolvimento de diferentes instâncias que atuam no campo da educação, além do coletivo da escola, na construção de seu projeto políticopedagógico, exprimindo sua intencionalidade pedagógica, cultural, profissional [...] Para a construção do projeto político-pedagógico, devemos ter claro o que se quer fazer e por que vamos fazê-lo. Assim, o projeto não se constitui na simples produção de um documento, mas na consolidação de um processo de ação-reflexão-ação que exige o esforço conjunto de vontade política do coletivo escolar. Isso reflete a luta da nossa região em perceber como o currículo tem atuado perante a diversidade presente na fronteira multicultural, numa ótica crítica, que se apresenta não só no discurso, mas principalmente na práxis pedagógica autêntica do educador e educando e se espalha no ambiente da escola e da sociedade, pois se torna inerente ao indivíduo, porque não concebe o diferente como inferior. Definese como práxis o que está explicitado na teoria de Paulo Freire (2005, p. 42): A práxis, porém, é reflexão e ação dos homens sobre o mundo para transformá-lo. Portanto, o currículo que se pretende aqui é aquele envolvido com a formação de

docentes conscientes e comprometidos com a mudança para com uma sociedade mais justa e utilize o diálogo com ferramenta pedagógica fundamentada na ética. Não se pode pensar dentro desse contexto amplo sem um desenvolvimento crítico da tomada de consciência para uma práxis, ou seja, uma prática consciente do educador que exige reflexão, intencionalidade, temporalidade e transcendência. Paulo Freire (2001, p. 30) destaca: A conscientização não pode existir fora da práxis, ou melhor, sem o ato ação-reflexão. Esta unidade dialética constitui, de maneira permanente, o modo de ser ou de transformar o mundo que caracteriza os homens. [grifo do autor] Por isso mesmo, a conscientização é um compromisso histórico. É também consciência histórica: é inserção crítica na história, implica que os homens assumam o papel de sujeitos que fazem e refazem o mundo. Paulo Freire foi um homem do mundo e, por esta razão, suas idéias influenciaram outros pensadoras como Sarah LaBreac Wyman, que questiona em seu livro Como responder a diversidade cultural dos alunos. No que diz respeito à escola pública e a cultura, a autora aponta que os neomarxistas acusam as escolas de reproduzirem, meramente, a estrutura de classe e de relações sociais necessárias para manter os lucros e a divisão capitalista do trabalho, prejudicando as minorias que estão desproporcionalmente representadas entre as classes mais baixa. Os trabalhos de Apple (1990) e Giroux (1980) mostram como as escolas são uma réplica da estrutura econômica e do status quo, dados que contribuem para a manutenção da desigualdade existente ao nível de raça, classe e gênero. Neste ponto percebe-se na escola pública a representação do poder e do preconceito. Este dado nega as idéias de Nobles (1990), quando afirma que todos os aspectos da educação são culturais, portanto, as escolas podem, potencialmente, apoiar o desenvolvimento de identidades biculturais dos alunos de cor e a aceitação destes indivíduos pela maioria da população. O currículo escolar é de fundamental importância para orientar a superação do preconceito e a inclusão de atitudes multiculturais. A Primeira Conferência Nacional sobre Introdução de conteúdos Africanos e Afro-americanos no currículo escolar americano identificou algumas finalidades genéricas do currículo: 41

conhecer a história geral do grupo cultural pelos alunos; os professores tem de compreender, de forma competente, as histórias dos grupos... e decidir o modo de melhor utilizar os materiais curriculares; incluir e estimular a comunidade a contribuir com o currículo escolar. No que diz respeito às Práticas de Ensino a autora destaca como de fundamental importância na execução do currículo multicultural: a relação professor aluno; a formação dos professores, a metodologia, a avaliação e a auto-avaliação. Todos estes aspectos devem ser considerados como de fundamental importância para transformar o currículo hierarquizado e dominante em um currículo multicultural que atenda as necessidades de todos os estudantes, mas como começar? Somos de acordo com Sarah LaBrec Wyman, em indicar que seja praticado: um currículo baseado em conhecimentos sólidos, que reflita a diversidade da sua população estudantil da Amazônia; que forme professores conscientes dos vários grupos que irão trabalhar e possam decidir qual a melhor maneira de utilizar os materiais curriculares; a construção de materiais curriculares para todas as disciplinas de forma que permitam aos alunos a aquisição de compreensão interdisciplinar dos diversos grupos; que seja adquirido tecnologias/recursos matérias que facilitem a aprendizagem, como: livros, vídeos, mapas, filmes, revistas, acesso a internet e outros que dêem suporte a um currículo multicultural; a comunidade interna e externa participe ativamente da construção do currículo e de sua execução. 42 Nesse sentido, é indispensável a formação docente pautada na práxis pedagógica implicada no saber dialogar e escutar, consolidando o respeito pelo saber do educando, reconhecendo a identidade cultural do outro. REFERÊNCIAS FREIRE, Paulo. Ação cultural para a liberdade. 12. ed. São Paulo, SP: Paz e Terra, 2007.

. Conscientização: teoria e prática da libertação: uma introdução ao pensamento de Paulo Freire. 3. ed. São Paulo: Centauro, 2001.. Pedagogia da Esperança: um reencontro com a pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005.. Poítica e educação: ensaios. 7. ed. São Paulo: Cortez, 2003. VEIGA, Ilma Passos Alencastro. Projeto Político-Pedagógico: novas trilhas para a escola. In: As Dimensões do Projeto Político-Pedagógico: Novos desafios para a escola. VEIGA, Ilma Passos Alencastro; FONSECA, Marília (orgs.). Campinas, SP: Papirus, 2001. VELANGA, C. T.; SANTOS, E. A.; BRASILEIRO, T. S. A. Formação de Educadores, Currículo e Educação Multicultural: um diálogo Freireano na Amazônia. In: AMARAL, Nair Ferreira Gurgel (org.). Multiculturalismo na Amazônia: o singular e o plural em reflexões e ações. Curitiba: Editora CRV, 2009. WYMAN, Sara Labrec. Como responder à diversidade cultural dos alunos. Tradução Vitor Oliveira. Portugal: ASA Editores II S. A., 2000 NOTAS 43 i Este trabalho foi apresentado na I Semana da Humanidade da Universidade Federal de Rondônia UNIR. ii Especialização em em Coordenação e supervisão Pedagógica pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Brasil(2001), mestranda no Mestrado em Educação (UNIR) e atualmente trabalha na Representação de Ensino de Machadinho do Oeste/Secretaria de Educação de Rondônia como técnica pedagógica. caujustus@hotmail.com. iii Graduada em Pedagogia pela Universidade Federal de Rondônia (1989). Pós graduada em Gestão Escola e Metodologia do Ensino superior. Atualmente é professora nas Faculdades FARO- Faculdade de Ciencias Humanas, Exatas e Letras de Rondonia e na UNIRON - Faculdade Interamericana de Porto Velho, mestranda no Mestrado em Educação (UNIR). inaciahlima@hotmail.com. iv Graduada em Pedagogia pela Universidade Federal de Rondônia (UNIR), Brasil, Especialista em Administração e Gestão Escolar (UNIR), mestranda no Mestrado em Educação (UNIR) e atualmente atua como professora na Faculdade São Lucas nos Cursos de Enfermagem e Ciências Biológicas, paula_fernanda@saolucas.edu.br.