fevereiro 2018 OPINIÃO Rinaldo Caldeira Tamar Roitman Magda Chambriard André Lawson e Guilherme Pereira

Documentos relacionados
UM MERCADO DE TÍTULOS DE EFICIÊNCIA ENERGÉTICA PARA O SETOR ELÉTRICO BRASILEIRO

O SETOR ELÉTRICO E AS NOVAS POLÍTICAS DE EFICIÊNCIA ENERGÉTICA

CONSTRUÇÃO E SEGURANÇA EM BARRAGENS BRASILEIRAS

fevereiro 2018 OPINIÃO Rinaldo Caldeira Tamar Roitman Magda Chambriard André Lawson e Guilherme Pereira

A CRISE DO RIO DE JANEIRO IMPULSIONANDO A MICROGERAÇÃO DISTRIBUÍDA

PROJETOS DE MODERNIZAÇÃO DE ILUMINAÇÃO PÚBLICA POR PPPS: REDUÇÃO DE CUSTOS PARA OS MUNICÍPIOS, EFICIÊNCIA PARA A SOCIEDADE E MOTOR PARA A ECONOMIA

REDES INTELIGENTES PRINCIPAIS DESAFIOS PARA O CASO BRASILEIRO

A TECNOLOGIA DAS NOVAS USINAS NUCLEARES SERÁ A CHAVE PARA O SUCESSO OU O FRACASSO

AGENDA MÍNIMA PARA DESTRAVAR OS INVESTIMENTOS NO SETOR DE PETRÓLEO

TECNOLOGIA FOTOVOLTAICA NO BRASIL: GERANDO ENERGIA, BEM-ESTAR, EMPREGO E RENDA

O BIOGÁS DO AGRONEGÓCIO: TRANSFORMANDO O PASSIVO AMBIENTAL EM ATIVO ENERGÉTICO E AUMENTANDO A COMPETITIVIDADE DO SETOR

AS POLÍTICAS REGULATÓRIAS DA ANP VOLTADAS PARA A REDUÇÃO DAS PERDAS E QUEIMAS DE GÁS NATURAL

TARIFA BRANCA: OPORTUNIDADES EM MEIO A INCERTEZAS

CADERNO OPINIÃO MARÇO 2016 ENERGIA NUCLEAR

O MERCADO BRASILEIRO DE COMBUSTÍVEIS

A INTERDEPENDÊNCIA ENTRE ENERGIA E ÁGUA

A TRANSIÇÃO ENERGÉTICA E A NOVA REALIDADE DO SETOR ELÉTRICO

II Tech Nordeste Programa de Eficiência Energética Regulado pela ANEEL - PEE

ENERGIAS RENOVÁVEIS COMPLEMENTARES: BENEFÍCIOS E DESAFIOS

Política de Eficiência Energética da Agência Reguladora do Brasil

CIDADES INTELIGENTES E HUMANAS

Leilões de Eficiência Energética. Ricardo David ABESCO - Presidente

ESTRATÉGIAS DE ACEITAÇÃO PÚBLICA DA GERAÇÃO ELÉTRICA NUCLEAR

PLANEJAMENTO E SEGURANÇA ENERGÉTICA: CONTEXTUALIZAÇÃO E PANORAMA

A POLÍTICA NACIONAL DE BIOCOMBUSTÍVEIS E OS GANHOS DE EFICIÊNCIA NO SETOR PRODUTIVO

PARA QUEM SERVE O SISTEMA DE BANDEIRAS TARIFÁRIAS? AUTORES

INFRAESTRUTURA: OPORTUNIDADES NO NORDESTE BRASILEIRO

TERMELÉTRICAS E SEU PAPEL NA MATRIZ ENERGÉTICA BRASILEIRA

NOVOS TEMPOS E DESAFIOS PARA O DOWNSTREAM BRASILEIRO

MINISTÉRIO DE MINAS E ENERGIA. 3º Oficina IEI Brasil - Geração Distribuída Renovável, Eficiência Energética e o Consumidor Final

CAMINHOS DA OFERTA E DEMANDA DE ENERGIA AO LONGO DO SÉCULO XXI

A UBERIZAÇÃO DO SETOR DE ENERGIA ELÉTRICA

COBEE Leilão de Eficiência Energética Projeto Piloto em Roraima. AILSON DE SOUZA BARBOSA Superintendente de PeD e Eficiência Energética

EMPRESA DE PESQUISA ENERGÉTICA. Tendências da Produção de Etanol Plano Decenal de Energia

Ministério de Minas e Energia Secretaria de Planejamento e Desenvolvimento Energético

PROGRAMA DE EFICIÊNCIA ENERGÉTICA JOSE ARTHURO TEODORO

DESENVOLVIMENTO DE NANOMATERIAIS PARA APRIMORAMENTO DA REDE ELÉTRICA INTELIGENTE

DEBATENDO A PARTICIPAÇÃO DA ENERGIA NUCLEAR NA MATRIZ ELÉTRICA BRASILEIRA

Caderno de Biocombustíveis e o RenovaBio. 01/02/2018 Tamar Roitman - pesquisadora

UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO USP Programa de Pós-Graduação em Energia PPGE

A INDÚSTRIA DE ENERGIA EÓLICA BRASILEIRA: DA INSERÇÃO A CONSOLIDAÇÃO.

EVITAR, MUDAR E MELHORAR: ESTRATÉGIAS PARA AUMENTAR A EFICIÊNCIA ENERGÉTICA DOS TRANSPORTES

Seminário Biodiesel e Bioquerosene: Sustentabilidade econômica e ambiental

Matriz Elétrica Brasileira e

UM DESAFIO TRAZIDO PELOS VENTOS

PERSPECTIVAS DO SETOR SUCROENERGÉTICO BRASILEIRO

Eficiência Energética e Mercado Livre: Como reduzir Custos sem Investimento

Painel Executivo: O contexto atual e os desafios para a Eficiência Energética frente aos cenários político, regulatório e macroeconômico brasileira

Currículo de Autoridades:

Superando as Barreiras Regulatórias para Comercialização de Eletricidade pelas Usinas do Setor Sucroenergético. Maio de 2017

A bioeletricidade no setor sucroenergético

O Cenário Brasileiro de Expansão na Visão do Empreendedor

Hélvio Neves Guerra. Seminário Agro em Questão Energias Renováveis: tornando a agropecuária mais sustentável e econômica

Contexto Acordo de Paris Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDC) Brasil

Painel 6 Expansão das Energias Renováveis. Amilcar Guerreiro Economia da Energia e do Meio Ambiente Diretor

PAINEL 30 ANOS DE BIOELETRICIDADE: REALIZANDO O POTENCIAL

VIII FÓRUM CAPIXABA DE ENERGIA Planejamento Energético Brasileiro: Perspectivas e Oportunidades

Valor Econômico - SP 30/06/2010 Opinião A13

WORKSHOP 2ª CPP IP 22/02/2019. Coordenação de Planejamento e Gestão de Eficiência Energética

Geração Distribuída de Energia Elétrica

ENSAIO SOBRE EXPANSÃO SOLAR FOTOVOLTAICA NA MATRIZ ELÉTRICA

Mecanismos de suporte para inserção da energia solar fotovoltaica na matriz elétrica brasileira. Modelos e sugestão para uma transição acelerada

ELETROBRAS MELHORIAS NA GOVERNANÇA E GESTÃO DE NEGÓCIOS EM SPE AUTOR

WORKSHOP CPP IP 28/03/2018. Coordenação de Planejamento e Gestão de Eficiência Energética

POLÍTICA ENERGÉTICA PLANO NACIONAL DE EXPANSÃO DE ENERGIA

ENCONTRO BRASILEIRO DE REGULAÇÃO DO SETOR ELÉTRICO. São Paulo, 08 e 09 de abril de 2014

O POTENCIAL DA GERAÇÃO DISTRIBUÍDA COMO ESTRATÉGIA DE INCLUSÃO ENERGÉTICA NO BRASIL

PORQUE FALAR DE GÁS? autora: Ieda Gomes novembro

Início: 2001, com a criação do SGE e automação da RMF

COMO AVALIAR OS SUBSÍDIOS DA CONTA DE DESENVOLVIMENTO ENERGÉTICO E OUTROS FUNDOS DO SETOR ELÉTRICO?

COLÓQUIO : Uma década promissora para o Brasil? MÓDULO 2: ENERGIA E DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL FONTES RENOVÁVEIS DE ENERGIA

A BIOELETRICIDADE E O PLANEJAMENTO ENERGÉTICO

Bioeletricidade - a energia elétrica da cana: Evolução e perspectivas

PROGRAMAS INTERNACIONAIS DE INCENTIVO AOS BIOCOMBUSTÍVEIS E O RENOVABIO

As Perspectivas do Setor Elétrico Brasileiro

FÓRUM DA MATRIZ ENERGÉTICA Tendências Dificuldades Investimentos Política para Energias Alternativas: Biomassa, Solar, Eólica, Nuclear, Gás, PCH

Tiago de Barros Correia Agência Nacional de Energia Elétrica - ANEEL. O SERVIÇO DE DISTRIBUIÇÃO DE ELETRICIDADE: Desafios de curto e médio prazo

07/04/2010. Abril/2008. Apresentação 5 e 6

Economia de Baixo Carbono: acelerando a inovação no. sistema energético. A Energia na Cidade do Futuro CPFL 29/08/2014

14º ENCONTRO INTERNACIONAL DE ENERGIA ASPECTOS NORMATIVOS E LEGAIS DA EFICIÊNCIA ENERGÉTICA

RenovaBio Apresentação CTBE

O Papel do Carvão Mineral Nacional na Matriz Energética: Contribuição e Desafios

PROPEE. Máximo Luiz Pompermayer Superintendente de Pesquisa e Desenvolvimento e Eficiência Energética SPE/ANEEL. Brasília, 30 de setembro de 2013

14º Encontro de Energia - FIESP

CCEE Situação Atual e Evoluções. Workshop Andrade&Canellas de agosto de Paulo Born Conselheiro de Administração - CCEE

O setor industrial destaca-se como o maior consumidor de energia elétrica no país, com 40,7% do total (EPE, 2012).

Suprimento Energético / Elétrico Médio e Curto Prazo / Sistema Interligado Nacional

UMA EMPRESA FORTE EM ENERGIA. Energy Expo Fórum. Estratégias Vencedoras na Compra de Energia no Mercado Livre

Situação atual do setor sucroenergético, com ênfase na geração de energia com bioeletricidade

ESTUDOS EM EFICIÊNCIA ENERGÉTICA NAS RESIDÊNCIAS 1 STUDIES IN ENERGY EFFICIENCY IN RESIDENCIES

DESAFIOS E OPORTUNIDADES PARA A GERAÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA POR FONTES RENOVÁVEIS NO BRASIL

para o setor industrial no Brasil Felipe Sgarbi

TRANSIÇÃO, SEGURANÇA E DIVERSIFICAÇÃO ENERGÉTICAS NO BRASIL E EM OKLAHOMA: PARALELOS E SEMELHANÇAS

Perspectivas da Bioeletricidade Sucroenergética

INTERCONEXÕES E INTERCÂMBIO DE ENERGIA ELÉTRICA NA AMÉRICA DO SUL AUTOR

RenovaBio: o que deve mudar no dia a dia das usinas?

Geração Distribuída de Energia Elétrica e Geração Solar

2 Sistema Elétrico Brasileiro

Ricardo Gorini. Diretor do Estudos Econômico-Energéticos e Ambientais da Empresa de Pesquisa Energética (EPE)

O CONTROLE DE PREÇOS E A IMPORTÂNCIA DO PRÉ-SAL

Transcrição:

fevereiro 2018 BOLETIM de conjuntura do setor ENERGÉTICO OPINIÃO Rinaldo Caldeira Tamar Roitman Um mercado de Títulos de Eficiência Energética para o Setor Elétrico Brasileiro Evitar, Mudar e Melhorar: estratégias para aumentar a eficiência energética dos transportes Magda Chambriard O que o México e o Brasil têm em comum em águas profundas e o que isso significa para o resultado das rodadas de 2018 André Lawson e Guilherme Pereira Termelétricas e seu papel na matriz energética brasileira

DIRETOR Carlos Otavio de Vasconcellos Quintella EQUIPE DE PESQUISA Coordenação Geral Carlos Otavio de Vasconcellos Quintella Superintendente de Pesquisa Felipe Gonçalves Coordenação de Pesquisa Fernanda Delgado Pesquisadores André Lawson Guilherme Armando de Almeida Pereira Julia Febraro F. G. da Silva Larissa de Oliveira Resende Mariana Weiss de Abreu Pedro Henrique Gonçalves Neves Tamar Roitman Tatiana de Fátima Bruce da Silva PRODUÇÃO Coordenação Simone C. Lecques de Magalhães Execução Raquel Dias de Oliveira Diagramação Bruno Masello e Carlos Quintanilha Esta edição está disponível para download no site da FGV Energia fgv.br/energia

SUMÁRIO OPINIÃO Um mercado de Títulos de Eficiência Energética para o Setor Elétrico Brasileiro... 04 O que o México e o Brasil têm em comum em águas profundas e o que isso significa para o resultado das rodadas de 2018... 09 Evitar, Mudar e Melhorar: estratégias para aumentar a eficiência energética dos transportes... 16 Termelétricas e seu papel na matriz energética brasileira... 20 EDITORIAL RenovaBio: próximos passos... 26 PETRÓLEO...32 Produção, Consumo e Saldo Comercial da Balança Petróleo... 32 Derivados do Petróleo... 37 GÁS NATURAL...39 Dados Gerais... 39 Produção e Importação... 40 Consumo... 41 Preços... 43 Prévia Dezembro 2017... 43 Balanço 2017... 44 Futuro... 45 BIOCOMBUSTÍVEIS...47 Produção... 47 Projeções para 2018... 49 Preços... 51 Consumo... 51 Importação e Exportação de etanol... 53 SETOR ELÉTRICO...54 Disponibilidade... 54 Demanda... 56 Oferta... 57 Balanço Energético... 59 Estoque... 60 Custo Marginal de Operação CMO... 61 Micro e Minigeração Distribuída... 61 Expansão... 63 Tarifas de Energia Elétrica... 63 Leilões... 63 Notícias Relevantes do Setor Elétrico... 64 ANEXO...66

OPINIÃO Um mercado de Títulos de Eficiência Energética para o Setor Elétrico Brasileiro Por Rinaldo Caldeira* Desde os anos 1980, o governo brasileiro vem realizando ações no sentido de promover a eficiência energética, seguindo a tendência mundial de preocupação com o tema que surgiu após a crise do petróleo. No segmento de energia elétrica, as ações de conservação de energia levaram à criação do PROCEL em 1985. Para esse mesmo segmento, nos anos 1990 foi criado o Programa de Eficiência Energética da ANEEL (PEE), no qual as concessionárias deveriam investir obrigatoriamente 0,5% da Receita Operacional Líquida (ROL) em projetos de eficiência energética. Desde então, o PEE tem sido a principal fonte de investimento em projetos de eficiência energética dentro do Setor Elétrico Brasileiro. Constata-se, porém, que, nesta segunda década do novo milênio, o Brasil ainda apresenta níveis muito baixos de redução no consumo de energia elétrica face aos potenciais existentes. Observase que os valores de redução de consumo obtidos pelo PEE estão aquém da meta estabelecida, de 0,6% ao ano em relação ao consumo total de energia elétrica do país estabelecida no Plano Nacional de Eficiência Energética (PNEf) aprovado através da Portaria MME no594, de 18 de outubro de 2012 (CALDEIRA, 2017). Segundo levantamento realizado pelo American Council for Energy Efficiency Economy (ACEEE), em 2015, para as dezesseis economias mais relevantes do mundo, o Brasil se encontrava na décima quinta posição no que diz respeito às ações voltadas a eficiência energética nos setores de edificações, indústria, políticas públicas e transportes. A ideia de planejamento energético no Brasil está muito associada à construção de usinas e não em ações voltadas a redução de consumo. Em outros países a eficiência energética é tratada como primeiro combustível (first fuel) e procuram-se explorar todos os potenciais de redução antes da construção de novas usinas. Sendo assim, percebe-se que o país parece estar na contramão das boas práticas de planejamento energético. Observando as práticas utilizadas em outros países no que diz respeito a instrumentos de política de eficiência energética, visando redução de consumo de energia, destaca-se uma sistemática denominada White Certificates, em uso em países 4 4

BOLETIM ENERGÉTICO FEVEREIRO 2018 tais como Itália, Grã-Bretanha e França. Nessa sistemática cria-se a possibilidade de negociação da energia economizada através de projetos e medidas de eficientização energética. Conceitualmente, um White Certificate (WhC) é um título financeiro que representa certa quantidade de energia economizada. Num mercado de White Certificates existem demandantes e ofertantes de energia economizada. Assim, de um lado encontram-se os agentes que demandam projetos de eficiência energética, que são aqueles que têm obrigação de cumprir metas de redução de consumo (ou seja, de eficiência energética) pré-estabelecidas por um órgão governamental, estando sujeitos ao pagamento de multa por não cumprimento dessas metas. De outro lado, encontram-se os agentes que ofertam projetos de eficiência energética a serem implantados. Dentro desse mercado, os agentes que demandam são denominados agentes obrigados e os agentes que ofertam são denominados agentes elegíveis. Os agentes obrigados normalmente são aqueles que distribuem grandes quantidades de energia, como por exemplo, as concessionárias de distribuição de energia elétrica. Já os elegíveis, por sua vez, podem ser: (i) as empresas dos segmentos industrial, comercial, do setor público dentre outras; além de (ii) energy service companies (ESCOS s) que são empresas voltadas especificamente para projetos de eficiência energética; ou ainda (iii) as próprias concessionárias de distribuição de energia elétrica, que são os agentes que tem potencial de realizarem os projetos de eficiência energética. Dessa forma estabelece-se um mercado em que alguns agentes vendem unidades de energia economizada que resultaram da implantação de projetos de eficiência energética, e outros compram unidades de energia economizada pagando um valor financeiro por ela. As energias economizadas são atestadas através de protocolos de Medição e Verificação (M&V). Tais aspectos encontram-se ilustrados, a seguir, na Figura 1. Observa-se que o mercado de White Certificates é composto pelos agentes obrigados, agentes elegíveis, ESCO s, consumidores finais e autoridade reguladora. Figura 1 Funcionamento de um mercado de White Certificates Fonte: Elaborado a partir de OIKONOMOU, 2005. 5

BOLETIM ENERGÉTICO FEVEREIRO 2018 Quanto ao desempenho de tais sistemas, podese citar que nas primeiras rodadas realizadas, quando os sistemas foram implantados na França, Itália e Grã-Bretanha, os ganhos obtidos de redução de consumo ultrapassaram as metas estabelecidas em, 20%, 184% e 40%, respectivamente, ou seja, foram ganhos expressivos de redução de consumo. Análises realizadas posteriormente também evidenciaram a eficiência econômica dos sistemas implantados (GIRAUDET et al.,2011; MUNDACA & NEIJ, 2009). Pode-se citar também que atualmente importantes economias se apropriam dessa sistemática como instrumento de redução de consumo e energia, dentre as quais se podem citar Estados Unidos, China, Dinamarca, Coréia, Polônia, Bélgica, Canadá e Austrália, além dos já citados França Itália e Grã-Bretanha. O atual arcabouço de instituições do Setor Elétrico Brasileiro permitiria implantar tal sistemática no nosso país. Já temos uma meta de redução de consumo a ser atingida (0,6% ao ano). A ANEEL pode ser o gestor do sistema e a CCEE pode medir a energia economizada e disponibilizar plataforma para negociação, por exemplo. As distribuidoras de eletricidade podem continuar sendo as partes obrigadas, mas dessa vez com uma meta de redução de consumo e não meta financeira. A multa pode ser dimensionada de forma a causar uma transição suave entre o sistema atual e o novo. Em 2015 a ANEEL estimou que fossem gastos em torno de 420 milhões pelas concessionárias em projetos de eficiência energética. Supondo que esse montante financeiro teria que comprar 0,6% do consumo, que naquele ano foi de 2.784 GWh, chega-se à conclusão que um valor razoável para a multa seria de R$ 150,00/MWh/ano. Nesse caso a concessionária manteria inalterado o montante financeiro investido em eficiência energética, num instante inicial de funcionamento desse mercado. A multa nesse mercado cria um teto de preços, pois a concessionária, como parte obrigada, optaria por comprar White Certificates com valores inferiores à multa. Estabelecido esse teto de preços podemos simular qual o efeito da venda de White Certificates sobre o retorno de projetos de eficiência energética que estão no âmbito do próprio PEE da ANEEL. Como exemplo, para simulação do impacto sobre os retornos dos projetos, podem-se tomar como base os projetos da Companhia Paranaense de Energia (COPEL), por exemplo, do biênio 2015/2016 (Figura 2). A COPEL está entre as três maiores distribuidoras de energia elétrica do país em consumo de energia. Nos projetos avaliados tinha-se como dados os valores do investimento e do MWh/ano economizado previsto. Supôs-se um retorno de 10% em todos os projetos e estimou-se qual seria o novo retorno com a venda dos White Certificates para três níveis de preços, para um prazo de validade de cinco anos do certificado. Outra suposição é que o MWh por ano economizado, pelo projeto, fosse o mesmo por cinco anos seguidos e que se vendessem os certificados equivalentes à essa economia de energia pelo mesmo preço nesses cinco anos. Não se aplicou nenhuma taxa de desconto nessa simulação. Observou-se que mais da metade dos projetos teriam seus retornos triplicados com a venda das energias economizadas através dos White Certificates. Conclui-se também, dessa forma, que as taxas internas de retorno (TIR) e valores presentes líquidos desses projetos (VPL) também sofreriam incrementos significativos. 6

BOLETIM ENERGÉTICO FEVEREIRO 2018 Figura 2 Incremento nos retornos dos projetos para três níveis de preços de White Certificates Fonte: Elaboração própria a partir de dados da COPEL, 2016. Outro fator importante também, que pode ser extraído dessa análise, é que muitos projetos que seriam classificados como inviáveis se tornam viáveis devido à receita adicional auferida com a venda dos certificados. Este fato gera um incremento no potencial de eficiência energética exibido pelo país. Além disso, pode-se dizer que a receita adicional gera uma correção nos preços da energia que segundo Grubb, 1990, deveriam refletir todos os custos sociais da produção e da utilização da energia, incluindo as externalidades. Essa correção de preços gerada pelos White Certificates vendidos, associada a ações do governo no sentido de aumentar o desempenho do mercado, permitiria se alcançar um ótimo social no que diz respeito à produção e utilização da energia. Dessa breve análise dessa sistemática, pode-se vislumbrar que ela pode ser considerada como uma ferramenta a mais no sentido de reduzir consumo de energia elétrica no país colaborando assim com o atingimento das metas de emissões de gases de efeito estufa com as quais o Brasil se comprometeu, bem como com o aumento da oferta de energia que será mandatório num ambiente de crescimento econômico. O mercado brasileiro de eficiência energética ainda pode ser classificado como um mercado muito incipiente e instrumentos desse tipo podem dinamizar e ajudar a esse mercado a se desenvolver de modo que a eficiência energética tenha o papel que deve ter no planejamento energético nacional. 7

BOLETIM ENERGÉTICO FEVEREIRO 2018 Referências Bibliográficas CALDEIRA, R. White Certificates: um mercado de títulos de eficiência energética para o Brasil. São Paulo, Synergia, 2017. 132p. COPEL, Companhia Paranaense de Energia, AUDI- ÊNCIA PÚBLICA PEE Copel 001/2016. Disponível em: www.copel.com. Acesso em: 24 jan. 2018. GIRAUDET, L. G. BODINEAUD, L. FINON, D. The costs and benefits of white certificate schemes, Working Papers. C.I.R.E.D., 2011. GRUBB, M. Energy Policies and the Greenhouse Eflect. Vol 1: Policy Appraisal, Dartmouth, Royal Institute of International Affairs, 1990. MUNDACA L. e NEIJ, L. A multi-criteria evaluation framework for tradable white certificate schemes. Energy Policy, 2009. OIKONOMOU, V. White Certificates An ex-ante evaluation of the scheme for the Dutch households - 11th International Workshop International Climate Policy University of Cologne, 2005. Rinaldo Caldeira é engenheiro eletricista formado pela Faculdade de Engenharia Industrial de São Bernardo do Campo (FEI). Possui mestrado e doutorado em energia, na área de Finanças e Energia, pelo Programa de Pós Graduação em Energia da Universidade de São Paulo (PPGE/USP), que tem sede no Instituto de Energia e Ambiente desta mesma universidade (IEE/USP). Tem especialização (MBA) em Engenharia Financeira pelo Programa de Educação Continuada em Engenharia da Escola Politécnica da USP (PECE-POLI/USP). Tem publicações nos congressos da Sociedade Brasileira para o Planejamento Energético (SBPE) e na Revista Brasileira de Energia. É autor do livro: White Certificates: Um mercado de títulos de eficiência energética para o Brasil (Editora Synergia, 2017). Atua como engenheiro e como pesquisador no Instituto de Energia e Ambiente da USP (IEE/USP). * Este texto é de inteira responsabilidade do autor e não reflete necessariamente a linha programática e ideológica da FGV. 8