Não se possui reservas hídricas suficientes para superar o período seco.



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Transcrição:

Newsletter CBDB - ENTREVISTA Miguel Sória: Engenheiro Civil, Diretor de Comunicações do CBDB ENTREVISTA MIGUEL SÓRIA Por PATRÍCIA COSTA Não se possui reservas hídricas suficientes para superar o período seco. Newsletter CBDB - Um dos temas tratados pelo Seminário de Grandes Barragens, que ocorreu em Pernambuco em abril, foi o aproveitamento do potencial hidrológico brasileiro. Os técnicos afirmam que a discussão em torno desse tema precisa sair do âmbito técnico e passar para o político e social. Como o senhor vê isso? Miguel Sória - A comunidade técnica da engenharia de barragens percebe que, por conta principalmente de questões sociais e ambientais - muitas delas mal compreendidas, nas últimas décadas o Brasil vem gradativamente deixando de formar novos reservatórios de água, desaproveitando assim seu imenso potencial hidráulico, que é da ordem de 12% da água superficial do planeta. São poucos os países no mundo que tem o privilégio de ter água em abundância como o Brasil, visto que estamos na América do Sul, onde chove aproximadamente o dobro das outras partes da Terra. Essa água, quando adequadamente estocada em reservatórios, presta serviços inestimáveis à sociedade, como o abastecimento, a irrigação, o controle de enchentes, a geração de energia, a navegação interior, a pesca, o turismo e a recreação. Depois do Seminário Nacional de Grandes Barragens que ocorreu recentemente em Pernambuco, além, é claro, de muitas outras discussões feitas nos últimos anos, o Comitê Brasileiro de Barragens resolveu emitir um documento

contendo recomendações de interesse público sobre a tendência verificada de não mais construir reservatórios de acumulação no Brasil. Nesse documento é feita uma breve análise situacional e as prováveis consequências da manutenção desse estado de coisas que parece insustentável para o futuro do país. A ideia central dessa iniciativa é a de que representantes de engenharia nacional esclareçam para o público em geral todos os ângulos da questão, valorizando principalmente os aspectos técnicos e práticos envolvidos, de modo isento, sem quaisquer ideologizações políticas. Desse modo, a sociedade, ciente da real situação, poderá, por meio de suas instituições, debater o assunto em sua real dimensão e completude, tomando daí os rumos equilibradores que um hidrelétricas com reservatórios, cuja energia produzida é renovável, mais barata e praticamente limpa, cada vez mais está se utilizando as térmicas que utilizam combustíveis fósseis, mais caras e poluentes. Tal situação, obviamente, carece de qualquer sentido lógico e precisa ser modificada de imediato. É claro que não se desconhece que as demais fontes de energia elétrica utilizadas como biomassa, eólica, nuclear, solar, maremotriz e outras, são importantes e úteis ao sistema, mas elas participam de modo complementar, não podendo, por enquanto, contribuir efetivamente para o fornecimento de energia firme para o sistema interligado. Por outro lado, a construção de hidrelétricas sem reservatórios de acumulação, conhecidas como usinas a fio d água, enfraquece processo democrático de decisões possa dar para a questão, em prol da sustentabilidade socioeconômica e ambiental. sobremaneira a possibilidade dos outros usos potenciais que acima enumerei, em prejuízo da sociedade. CBDB - O país precisa, cada vez mais, de energia. Se não for hidrelétrica, esta energia terá que vir de fontes como as térmicas e as nucleares, certo? O que isso implica na matriz energética nacional e na emissão de poluentes para a geração de energia? Miguel Sória - Esse é um aspecto que preocupa muito, no que se refere à sustentabilidade futura. Como nossa matriz de energia elétrica é hidrotérmica na base, com predominância da parte hidro, complementada pela parte termo, observa-se que, com a não construção de CBDB - O senhor acredita que a sociedade vê a questão através de um viés ideológico contrário às barragens? A que se atribui este viés? Miguel Sória - Essa verdadeira defenestração dos reservatórios que se constata, já um tanto generalizada, parece ter obscurecido um pouco as origens de sua sistemática oposição. Ao indagar o assunto com pessoas que participaram do processo de formação de nossa matriz hidráulica nas décadas de 6O e 7O, alguns atribuem essas reações mais a questão fundiária do que ambiental. Ou seja,

muitas populações tradicionais e ou indígenas desalojadas pela formação dos reservatórios ficaram insatisfeitos não só com as indenizações pagas, como pela obrigação de abandonar valores afetivos que naturalmente mantinham com suas casas, igrejas, aldeias, comunidades, cemitérios etc. Essas insatisfações e ressentimentos acumulados pelos indivíduos se transformaram em insatisfações e ressentimentos coletivos e daí se caminhou para movimentos reivindicatórios organizados, que acabaram por ser acolhidos inclusive pela política partidária, cujo tema tem tido persistente repercussão na mídia. Por outro lado, os construtores desse sistema hidrotérmico, o que inclui os governos e as empresas do setor, se comportaram sempre com certo encolhimento frente a essa oposição organizada às hidrelétricas, talvez por imaginá-la circunstancial ou conjuntural, preferindo talvez acreditar que a paulatina imposição da realidade viesse a refrear o ímpeto e o radicalismo das reivindicações. Porém, os fatos não têm correspondido a essas premissas ao se constatar que o parque térmico, caro e poluente, tem sido acionado com frequência superior à prevista, justamente porque não se possui reservas hídricas suficientes para superar o período seco. E esse é um dado alarmante, um sinal amarelo para os administradores da questão energética nacional. E justamente em razão disso o Comitê Brasileiro de Barragens faz esse alerta à sociedade, no sentido de se abram os debates, a partir de bases equilibradas, sobre qual melhor rumo a tomar. CBDB - A população conhecer mais profundamente as questões envolvidas na geração de energia poderia reverter essa antipatia para com as hidrelétricas? Os custos, por exemplo, são um argumento favorável à energia hidrelétrica, já que a energia equivalente gerada pelas térmicas é bem mais cara. Miguel Sória - Eu suponho que, em um primeiro momento, se opinião pública for devidamente esclarecida sobre a importância dos reservatórios de usos múltiplos, poderá se experimentar o início senão de uma reversão ao menos de uma diminuição desse sentimento de antipatia para com as hidrelétricas. Isso se ocorrer se fará sentir posteriormente não só no bolso do usuário, que pagará mais barato pela energia que consome, mas também para o ambiente natural, considerando que as emissões de gases por reservatórios de hidrelétricas são muito baixas, conforme medições que tem sido feitas em varias partes do mundo, algo, inclusive, que o IPCC (Painel de Mudanças Climáticas da ONU) divulga. CBDB - Os impactos ambientais gerados pela construção das hidrelétricas e, especialmente, pelos reservatórios, são a maior fonte de argumentos contrários a esse tipo de energia? Miguel Sória - Sem dúvida, as atenções se concentram mais nos impactos do que nos benefícios decorrentes da formação dos reservatórios de hidrelétricas. No que se refere aos principais impactos, os reservatórios alagam terras, muitas delas produtivas, às vezes submergem cidades, estradas e infraestruturas e assim desalojam pessoas e afetam a fauna e a flora locais. Mas cabe observar que esses efeitos não são muito diferentes quando se constroem estradas, cidades, indústrias, e outras infraestruturas necessárias à vida moderna.

Dado interessante fornecido pela Agência Nacional de Águas (ANA) refere-se à superfície total ocupada por todos os espelhos d água artificiais do país maiores que 2O hectares, utilizados para diversos fins (portanto, não só hidrelétricos), que resulta em aproximadamente 36 mil km 2, o que equivale a meros O,42% do território nacional. Para comparação, as terras indígenas demarcadas existentes no Brasil (em sua maior parte localizada na região amazônica) totalizam algo em torno de 1,1 milhão km2, o equivale a 12,6% do território nacional. Contudo, em favor das hidrelétricas, se observa que os esforços científicos e tecnológicos voltados para mitigação (e até mesmo reversão) dos impactos ambientais e sociais, têm nos últimos anos apresentado resultados significativamente satisfatórios. Exemplos disso podem ser constatados em diversos projetos hidrelétricos de grande porte, como os da Chesf no rio São Francisco, da Eletronorte em Tucuruí e na Itaipu Binacional. Esta última, a partir principalmente do uso do mecanismo de compensação representado pelo pagamento de royalties pelo uso do potencial hidráulico, a olhos vistos melhorou a situação socioeconômica e ambiental de todos os municípios da região de entorno do reservatório. CBDB Qual o risco que a construção majoritária de hidrelétricas a fio d água pode representar para a geração de energia no país? Miguel Sória - Essencialmente, a função de um reservatório formado por uma barragem é o de acumular água durante o período úmido (quando chove bastante) para depois poder utilizá-la durante o período seco (quando não chove ou chove pouco). Além disso, dependendo dos conhecimentos meteorológicos que se tenha, podemse dimensionar as barragens para que sejam dotadas de espaço suficiente em seus reservatórios para conter uma onda de cheia que virá, o que é decisivo para o controle de enchentes águas abaixo das barragens. Isso é chamado tecnicamente de volume de espera, que consiste em um dos dispositivos mais eficazes para o combate às enchentes que, de maneira contumaz, assolam o país de norte a sul, causando mortes e prejuízos materiais e ambientais de toda a ordem. As usinas a fio d água, a princípio, não utilizam reservatório, pois toda a água que chega é turbinada (transformada em energia pelas máquinas). Se não possuem reservatório, então impactam menos o meio ambiente, pois alagam pouco as terras acima da barragem (em muitos casos os exíguos reservatórios tem seus níveis iguais aos níveis da cheia máxima natural do rio), e isso, segundo os movimentos ambientalistas, é mais aceitável. Seguramente, talvez por desconhecerem aspectos técnicos inerentes a sistema hidráulicos complexos como o que o Brasil possui, não consideraram que a inevitável redução da geração de base hidráulica teria que ser compensada pela inevitável geração de base térmica, mais cara e poluente, pois as fontes alternativas (eólica, biomassa etc.), por intermitentes, ainda não tem a capacidade podem assumir papel protagonista nessa compensação. Um equívoco de avaliação. Cabe também esclarecer que usinas a fio d água podem também possuir reservatório, que é o caso, por exemplo, de Itaipu, que por ser uma usina de base, praticamente pereniza seu nível de operação, pois a vazão afluente é idêntica à vazão defluente, mas que possui uma enorme reserva estratégica da ordem de 29 km3, que já foi utilizada algumas vezes para evitar racionamentos no Brasil. CBDB O processo de licenciamento ambiental de uma obra pode até mesmo desencorajar investimentos, tamanha a dificuldade, demora e resistência dos órgãos fiscalizadores para com empreendimentos relacionados à geração de energia hidrelétrica. Como se pode melhorar esse diálogo entre empresas, governo e órgãos ambientais? Miguel Sória - Realmente os empreendedores se queixam que as obrigações e ou incertezas decorrentes das exigências requeridas pelos licenciamentos tem onerado o custeio dos

aproveitamentos, frente aos preços de mercado (ou seja, o preço que o consumidor está disposto a pagar pela energia), diminui a margem de rendimentos a ponto de tornarem os investimentos até mesmo desinteressantes. Essa é uma das principais razões pelas quais o CBDB defende a abertura de novos debates sobre a questão, pois o Brasil, imerso em uma economia de mercado, não pode prescindir das empresas para levar adiante o seu progresso econômico e social. E a almejada modicidade tarifária não se sustentará à custa de um ou de outra parte envolvida, mas sim à custa de todos os interessados, consumidor, governo, empresas, ambientalistas e populações atingidas, mediante regras bem definidas e que possam ser efetivamente cumpridas, de modo que as obrigações e os benefícios sejam distribuídos com justiça e equidade, a fim de se alcançar um equilíbrio na equação capital x meio ambiente x sociedade. Para tanto, antes de tudo, é necessário incluir no debate bases tecnicamente qualificadas. Não há como dissociar a forte componente técnica quando se trata de energia elétrica, de suas possibilidades e limitações. Essa situação de uso não previsto das térmicas, como exemplo, demonstra claramente que os aspectos técnicos não foram totalmente contemplados quando se procederam as escolhas que aí estão, problemáticas. CBDB O governo está, há alguns anos, investindo em fontes alternativas de energia, como as modalidades eólica e solar. De que forma esses incentivos influenciam a característica da matriz energética nacional? Miguel Sória - Como mencionei, as fontes alternativas são bem-vindas e devem ter seu desenvolvimento tecnológico estimulado, porque se hoje ainda não são energias firmes, poderão o ser no futuro, justamente por causa desse esforço que agora se empreende. Mas as ações tem que ser conduzidas paralelamente, e não de forma excludente. Ou seja, não podemos retardar o processo de aproveitamento prioritário de nosso potencial hidráulico em detrimento do desenvolvimento de outras fontes de energia, por mais promissora que sejam. Simplesmente porque a energia de base hidráulica possui reservas (de água, no caso), e as térmicas também (petróleo, gás, carvão, nuclear e biomassa), enquanto que as fontes eólica e fotovoltaica não as tem. A energia elétrica de base hidráulica é renovável, não poluente, com a enorme vantagem adicional de formar reservatórios de água destinados a múltiplos usos indistintamente para toda a sociedade (abastecimento, irrigação, controle de enchentes, navegação, pesca e turismo). CBDB Energia gerada com vento e com a luz solar poderão, um dia, substituir as hidro e termelétricas? Miguel Sória - Talvez sim. Ainda não se sabe ao certo. A grande vantagem tanto da energia eólica quanto da energia solar é que ambas provém de renováveis de geração. Pelo menos quanto à luz solar (fotovoltaica) se observa um grande esforço da engenharia de materiais no sentido de desenvolver materiais que retenham com mais eficiência as radiações solares em áreas cada vez menores. Existem também as usinas termo-solares, que geram vapor d água a partir do calor solar obtido com o emprego de superfícies espelhadas (próprios para regiões desérticas, pois a presença de nuvens já é um fator limitante para a eficiência do sistema). Quanto à eólica, simplesmente deixa de ter fornecimento de energia se houver ausência de ventos ou os ventos forem fracos. Porém, se observa no Brasil que em algumas regiões (nordeste, por exemplo) os ventos são frequentes durante o período hidrológico seco, o que faz com que parques eólicos gerando energia conectados ao sistema interligado contribuam para uma economia de água dos reservatórios, o que é muito benéfico em termos de gerenciamento global do sistema. Mas o que tem que ficar bem claro para as pessoas é que as fontes eólica e solar são intermitentes e que no momento não possuem a capacidade de fornecer energia elétrica de modo contínuo e nas quantidades demandadas pelo país.