ISSN Ano V.16 N0. 03 A PRÁTICA DO DESENHO GESTUAL NO ENSINO DE DESENHO LIVRE PARA ARQUITETURA. Juliane Figueiredo Fonseca1

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Transcrição:

Ano 2012 - V.16 N0. 03 A PRÁTICA DO DESENHO GESTUAL NO ENSINO DE DESENHO LIVRE PARA ARQUITETURA Juliane Figueiredo Fonseca1 Resumo Este artigo é o relato de uma experiência didática realizada no primeiro módulo da disciplina Desenho Livre, do curso de Arquitetura e Urbanismo, da Universidade Federal de Juiz de Fora (CAU-UFJF). Por meio da técnica do desenho gestual foram criadas condições que possibilitassem a compreensão dos alunos quanto ao significado do desenho à mão livre para o arquiteto e o resgate/desenvolvimento da prática gráfica natural, espontânea e expressiva. Palavras-chave: traço; croqui; desenho gestual. Abstract This article is the result of a learning experience held on the first module of the course Freehand, from the Architecture and Urbanism of the Federal University of Juiz de Fora (CAU-UFJF). Through the technique of gestural drawing were created conditions that enabled the students' understanding about the meaning of freehand drawing for the architect and the rescue / practice development graphical natural, spontaneous and expressive. Keywords: dash; sketch; gestural drawing. 1 Professora Doutora, Departamento de Artes e Design IAD/UFJF, e-mail: julianearq@uol.com.br

1. Introdução O presente trabalho é o relato de uma experiência didática realizada com os alunos do primeiro período do CAU-UFJF, na disciplina Desenho Livre para Arquitetura e Urbanismo, que busca por meio da técnica do desenho gestual estimular e desenvolver o traço natural e espontâneo. A prática gráfica descontraída, ou seja, o desenho à mão livre espontâneo e expressivo, embora constitua uma de nossas primeiras manifestações comunicativas na infância, paulatinamente, perde o vigor com passar dos anos. A maioria das pessoas não possui o hábito de expressar, comunicar, pensar e emocionar através do desenho. No entanto, para aqueles que, em razão da natureza de suas próprias atividades sobretudo os arquitetos, devem conceber construtos inovadores e criativos o desenho se apresenta como suporte para o pensamento projetual. O desenho é uma habilidade que pode ser ensinada e aprendida. Segundo Edwards (1984) para aprender a desenhar é fundamental ver corretamente. O que implica explorar a parte do cérebro que funciona de maneira conducente ao pensamento criativo e intuitivo o hemisfério direito. A modalidade de processamento de informações do hemisfério direito é predominantemente espacial, holística, não-verbal e intuitiva (EDWARDS, 1984, p.52). No âmbito acadêmico, observa-se que para a maioria dos alunos a prática gráfica espontânea e comunicativa, tão fortemente experimentada na infância, com o avanço da idade, acaba sendo encoberta por outras formas de representação simbólica. Muitos trazem consigo o receio de não saber desenhar. Nesse sentido, é relevante que, logo no início do curso de arquitetura e urbanismo, os alunos sejam estimulados a resgatar a habilidade e o prazer do desenhar. 2. Desenho à Mão Livre: Notação de Concepção O desenho à mão livre é para o arquiteto uma linguagem, um meio de expressão e de transmissão do pensamento. Martinez (2000, p.8) ratifica essa noção ao propor que [...] o desenho se liga à arquitetura como a escrita à fala [...]. O desenho à mão, mais do que expressão artística de algo traçado no papel, interessa ao projetista como modalidade de pensar, à medida que este desenha investigando ou investiga desenhando. Laseau (1982) define este modo de pensar como pensamento gráfico, uma forma de reflexão em que as imagens mentais são exteriorizadas por meio de registros ou notações gráficas. O termo notação se remete tanto ao ato ou efeito de notar (perceber e atentar) quanto ao de anotar (registrar) (BARKI, 2003). As notações gráficas podem se diferenciar em notações de concepção e de apresentação. No presente trabalho a ênfase está no primeiro tipo de registro gráfico. A notação de concepção consiste em desenhos pouco precisos, esquemáticos, de rápida execução, com os quais é possível notar e anotar com a mesma rapidez do pensamento (BARKI, 2003). Este tipo de registro combina pequenas ilustrações e esquemas gráficos de natureza variada, palavras e anotações, números e operações de cálculo, além de riscos e marcas pessoais, de maneira livre e com poucas convenções. 6

Esses registros gráficos podem ser denominados: esquemas, diagramas, esboços, croquis, etc. (Figura 1). Figura 1: Ed. Bosque do Mosteiro croqui do arquiteto João Diniz Fonte: Diniz (1997) A indefinição dos croquis é a sua característica mais importante para o processo criativo em arquitetura (FLÓRIO, 2011), em especial, na fase dos estudos preliminares. Uma vez, que o início do processo de concepção arquitetônico é caracterizado pelo emaranhado de dados complexos a serem interpretados e estruturados pelo projetista, da mesma forma os riscos das ideias iniciais devem ser registros intuitivos, exploratórios, pouco precisos, flexíveis e ágeis para acompanhar seu ritmo de pensamento. No processo conceptivo, um diálogo é estabelecido entre o desenho e o projetista, à medida que este visualiza seus registros gráficos sobre o suporte físico e age sobre eles manipula, especula e faz descobertas. De acordo com Flório (2011), Os espaços em branco, os traços fracos e indefinidos, com sobreposições de várias linhas, provocam diferentes interpretações e associações, que estimulam a produção de imagens mentais. Os pequenos traços interrompidos e sombreados, frouxos e espontâneos, resultantes da rapidez com que são executados, sugerem mais do que definem, criam um mistério que gera dúvida e incerteza, essencial para a criatividade. (FLÓRIO, 2011, p.56) Nesse sentido, o croqui constitui uma forma rápida e às vezes expressiva de materialização mediante breves traços a lápis, caneta, pincel, de uma possibilidade de 7

sentido, a partir de uma imagem sensorial. Entendido assim, o croqui se reveste da emoção da manifestação corporal por excelência, reduto e produto da interação significativa entre órgãos sensoriais, motores e o cérebro. A expressão de síntese e liberdade, a rapidez e a intimidade com que a mão trabalha o lápis sobre o papel e o simples prazer do risco natural, são, e provavelmente continuarão sendo, insubstituíveis para um grande número de arquitetos. 3. O Desenho Gestual O desenho gestual consiste num esboço rápido, no qual a velocidade do gesto capta o essencial da forma com linhas contínuas, expressivas, espontâneas e de espessuras variadas (DORFMAN, 2007). O desenho não pretende descrever detalhadamente o modelo, mas emprega traços desenvoltos e amplos para captar sua essência. A espontaneidade surge dos movimentos vivazes do antebraço do autor, enquanto o motivo é traduzido em linhas rítmicas e dinâmicas. Em The natural way to draw, Nicolaides (1969) ressalta que não se deve desenhar o que realmente se vê, mas sim a ação desempenhada. É preciso "sentir" o tema que está sendo desenhado (Figura 2). Figura 2: Desenho gestual Fonte: Nicolaides (1969) A rapidez e a continuidade na execução dos desenhos são características importantes para a técnica do desenho gestual. O tempo curto, fragmentado e pulsado não permite àquele que desenha raciocinar se sabe ou não registrar o que visualiza. É a própria continuidade, de um desenho após o outro, que rompe as amarras do gesto e torna a atividade do desenhar prazerosa (KOPKE, 2010). Para a atividade do desenhar os meios de expressão suporte e materiais para o registro gráfico - podem ser explorados de forma variada. Na arquitetura, os meios de expressão são ferramentas importantes, uma vez que podem influenciar as decisões de projeto tomadas ao longo de sua progressão (BORGES, 2001). O pulsar das informações visuais pode ser feito desde comandos sonoros (pronunciado) até imagens apresentadas 8

por softwares, em forma de slides. Cada informação visual é registrada graficamente sobre o suporte físico utilizado, dentro do tempo estipulado. Dessa forma o desenho gestual consiste numa técnica que estrutura a representação do espaço e o próprio pensamento visual, ao estimular o exercício do traço espontâneo e vivaz e ao aguçar a capacidade de síntese e abstração do modelo observado. 4. A Experiência Didática do Desenho Gestual A disciplina Desenho Livre para Arquitetura e Urbanismo faz parte do conjunto de disciplinas que compõem a área meios de expressão e representação gráfica da grade curricular do CAU-UFJF. Cursada no primeiro período e oferecida pelo Instituto de Artes e Design (IAD-UFJF), a disciplina tem o objetivo de desenvolver, por meio do desenho à mão livre, a criatividade e a capacidade de representar graficamente formas arquitetônicas e urbanísticas. A disciplina possui 6 (seis) créditos e é ministrada as segundas e quartas-feiras das 10h às 13h. Alinhado com o pensamento de Paulo Freire de que [...] ensinar não é transferir conhecimentos, mas criar as possibilidades para a sua construção [...] (FREIRE, 1996, p.22), o primeiro módulo da disciplina, denominado Desenho de Concepção o croqui, explora o desenho gestual como forma de conduzir à construção do traço natural e espontâneo. O Módulo 1 é estruturado em quatro aulas e são utilizados os seguintes procedimentos didáticos: LEITURA DIRIGIDA: Textos de leitura obrigatória, realizada extraclasse, relativos ao conteúdo das aulas teórico-práticas. Para cada leitura dirigida, é entregue ao professor um resumo de, no máximo, 1 (uma) página, feito à mão ou digitado, apresentando a ideia principal e as parciais exploradas pelo autor, bem como uma conclusão. Os fichamentos são discutidos em sala no início da aula. AULA EXPOSITIVA: Aula teórica informativa com o objetivo de apresentar os conteúdos necessários ao desenvolvimento das atividades práticas e/ou ampliação do repertório conceitual dos alunos; AULA PRÁTICA: Desenvolvimento de exercícios práticos para aplicação dos conteúdos teóricos expostos; Ao longo do primeiro módulo, os alunos realizam três leituras dirigidas relacionadas com as temáticas do desenho à mão livre, do pensamento gráfico e do desenho gestual. Por meio deste procedimento didático procura-se estimular o hábito da leitura e da reflexão crítica. As aulas expositivas complementam os conteúdos abordados nos textos das leituras dirigidas. O material apresentado, na forma de slides, explora uma gama de imagens com o intuito de ilustrar o tipo de traço e de desenho que se pretende alcançar ao término do módulo. Nas aulas práticas, a execução dos desenhos se baseia na técnica do desenho gestual. Para uma melhor compreensão da técnica, por parte dos alunos, é sugerida a visualização de vídeos no Youtube relativos ao desenho gestual. 9

4.1. O Desenhar e o Domínio do Traço Para a atividade do desenhar se utiliza o pulsar das informações visuais apresentação de imagens em forma de slides, num tempo ritmado. Os desenhos são registrados graficamente no caderno de croquis folhas A4 encadernadas - por meio do lápis (grafite da gama dos B) e da caneta preta, sendo recomendado o não uso da borracha. Ao término da série, códigos escritos são inseridos nos desenhos para facilitar a apreciação de qualquer leitor interessado na produção genuína das imagens. 4.1.1. A Primeira Atividade do Desenhar Na primeira aula do Módulo 1, após a discussão da leitura dirigida e apresentação do conteúdo teórico, os alunos desenvolvem duas séries de desenho. Cada série é executada duas vezes, na mesma folha de papel, para que os alunos possam comparar os resultados obtidos e apreender a evolução do traço. A primeira série é composta por 24 (vinte e quatro) imagens lúdicas. As imagens exploram formas geométricas simples e o objetivo é o aquecimento da mão. O pulsar das imagens é de 15 (quinze) segundos. Concluído ou não o desenho deve-se partir para a próxima folha de papel. Ao término da primeira bateria de desenhos da série 1, os alunos são incentivados, na segunda bateria, a soltarem mais o traço, a imprimirem mais força [determinação] no lápis. Enfim, a explorarem a expressão de síntese e liberdade, a rapidez e a intimidade com que a mão trabalha o lápis sobre o papel e o simples prazer do risco natural (Figuras 3, 4, 5 e 6). Figura 3: Imagem Lúdica 1 Figura 5: Imagem lúdica 2 Figura 4: Desenho Lúdico 1 Figura 6: Desenho lúdico 2 10

A segunda série de desenhos é composta por 30 (trinta) imagens de objetos de design, que exploram formas geométricas mais complexas. O pulsar das imagens é de 15 (quinze) segundos e, novamente, são produzidas duas baterias de desenhos na mesma folha de papel (Figuras 7, 8, 9 e 10). Figura 7: Imagem Objeto de Design 1 Figura 9: Imagem Objeto de Design 2 Figura 8: Desenho Objeto de Design 1 Figura 10: Desenho Objeto de Design 2 4.1.2. A segunda Atividade do Desenhar Na segunda aula do Módulo 1, após a discussão da leitura dirigida e apresentação do conteúdo teórico, são desenvolvidas quatro séries de desenho com um grau maior de complexidade. Novamente cada série é desenvolvida duas vezes. A primeira série de 10 (dez) imagens de objetos de design objetiva o aquecimento da mão. A segunda série explora 15 (quinze) imagens de figuras humanas (Figuras 11 e 12), a terceira série 12 (doze) imagens de ambientes internos (Figuras 13 e 14) e a quarta série 26 (vinte e seis) imagens de arquitetura (Figuras 15 e 16). O pulsar das três primeiras séries é de 15 (quinze) segundos e o da quarta 20 (vinte) segundos. 11

Figura 11: Imagem Figura Humana Figura 12: Desenho Figura Humana Figura 12: Imagem ambiente interno Figura 15: Imagem de Arquitetura Figura 14: Desenho do ambiente interno Figura 16: Desenho de Arquitetura 4.1.3. A Terceira Atividade do Desenhar Na terceira aula do Módulo 1 é desenvolvida uma única série de 34 (trinta e quatro) imagens de arquitetura. Os meios de expressão utilizados para o registro gráfico são grafite e caneta preta em papel sulfite e craft. O pulsar das imagens é de um minuto e os desenhos podem conter um número maior de detalhes (Figuras 17,18,19 e 20). 12

Figura 17: Imagem de Arquitetura 1 Figura 18: Desenho de Arquitetura 1 Figura 19: Imagem de Arquitetura 2 Figura 20: Desenho de Arquitetura 2 4.1.4. A atividade de Compartilhar os Saberes Construídos Partindo do pressuposto que construir conhecimentos implica em uma ação partilhada, já que é através dos outros que as relações entre o sujeito e o objeto do conhecimento são estabelecidas, a última aula do Módulo 1 é destinada à apresentação e discussão coletiva dos trabalhos desenvolvidos. Num primeiro momento, é sugerido que os alunos revejam os desenhos registrados no caderno de croquis e observem a evolução do traço. Os cadernos de croquis também são trocados entre os alunos para que eles possam tomar ciência da produção dos demais sujeitos. Da terceira atividade do desenhar, os alunos selecionam os desenhos que mais lhes agradam. Posteriormente, o conjunto de desenhos de cada aluno é apresentado à turma e, coletivamente é escolhido o melhor desenho do conjunto. Os trabalhos selecionados são expostos no mural da sala (Figura 21). Com este procedimento pretende-se criar condições para a construção de um saber comum. A partir da exposição e socialização dos trabalhos da turma, os alunos podem identificar dificuldades e facilidades semelhantes e discutir entre si, observar como seus parceiros apreenderam a técnica do desenho gestual e dominaram o traço. De uma forma geral, os alunos se mostram descontraídos e interessados com a atividade de compartilhar os conhecimentos. 13

Figura 21: Mural de Apresentação dos Trabalhos 4.1.5. Os Resultados Iniciais Em relação à técnica do desenho gestual, nas primeiras atividades do desenhar, os alunos se queixam do tempo curto que não permite o término desenho. Mas, à medida que a mão se aquece, é possível observar a execução de um gesto mais espontâneo. Conforme comentado, o tempo curto, fragmentado e pulsado é o elemento fundamental no processo do desenho gestual. O aluno não deve ter tempo para raciocinar se sabe ou não desenhar aquilo que vê. Quanto à carga de desenhos desenvolvidos nas séries, o número é considerado elevado. Ao término da aula, muitos alunos relatam certo cansaço. Os desenhos, realmente, são produzidos num ritmo intenso e acelerado e o intervalo entre as séries é de cinco minutos. O intuito é estimular a máxima produção de desenhos por parte dos alunos e que a técnica seja praticada repetidas vezes. Em relação à percepção dos alunos quanto à construção/desenvolvimento de um traço espontâneo e expressivo, num primeiro momento, a maioria da turma não percebe claramente uma evolução. Os alunos, ao reverem a produção do caderno de croquis, buscam identificar desenhos bem acabados, semelhantes ao modelo e não um esboço rápido, no qual a velocidade do gesto capta o essencial da forma com linhas contínuas e expressivas. No entanto, o reconhecimento da eficácia da técnica ocorre ao longo do semestre, durante o desenvolvimento dos exercícios dos demais módulos da disciplina. Com o intuito de evidenciar a intenção do Módulo 1, na avaliação individual dos cadernos de croquis são feitas várias observações identificando a evolução ou não dos traços e comentários incentivando a busca constante de uma prática gráfica livre e determinada. Quanto aos meios de expressão - materiais para o registro gráfico e os suportes explorados durante a terceira atividade do desenhar, os alunos identificam diferenças entre o risco traçado com grafite e caneta, tanto no papel sulfite, quanto no papel craft. De acordo com o comentário dos alunos, a interação caneta/sulfite permite um gesto 14

mais solto - a caneta desliza sobre o papel. O mesmo ocorre na interação grafite/craft. O resultado final dos desenhos feitos no papel craft agrada a maioria dos alunos. Já a percepção da autora, enquanto mediadora do processo de ensinoaprendizagem, sobre a eficácia da técnica do desenho gestual para a construção do traço natural e expressivo é positiva. De uma forma geral, a maioria dos alunos apresenta uma evolução no traço em termos de continuidade, expressividade e espontaneidade. Os resultados da última atividade do desenhar revelam traços desenvoltos e amplos que captam a essência da imagem projetada. Naturalmente, outras questões ainda não trabalhadas na disciplina evidenciam certa carência de domínio como: proporção, perspectiva e hachuras, aspectos trabalhados nos módulos subsequentes. 5. Conclusões Neste artigo buscou-se apresentar um possível caminho para o ensino da prática gráfica natural, espontânea e expressiva, fundamentado na técnica do desenho gestual. Os resultados iniciais revelam, que de uma forma geral, a metodologia adotada no primeiro módulo da disciplina Desenho Livre para Arquitetura do CAU-UFJF se mostra adequada. Ao término do módulo, a maioria dos desenhos se traduz no papel como a inscrição de gestos físicos realizados com rapidez e espontaneidade. Como também há a percepção de que tal agilidade e desenvoltura estão relacionadas com os meios de expressão explorados. No entanto, a percepção negativa em relação a alguns aspectos sinaliza a necessidade de ajustes e adaptações. A experiência didática encontra-se em construção e dessa forma, em contínua validação. Nesse sentido, deve-se refletir sobre: (i) como a proposta pode ser melhor compreendida e apreendida pelos alunos ao término do módulo e; (ii) como a carga de desenhos pode ser amenizada sem que haja prejuízos para a proposta da técnica. Por fim, considera-se, que a partir desse embasamento teórico-prático e com o exercício constante do desenhar ao longo do curso de arquitetura e urbanismo, o aluno possa aprimorar a qualidade e o domínio do traço espontâneo e expressivo. Referências BARKI, José. O Risco e a Invenção: Um Estudo sobre as Notações Gráficas de Concepção no Projeto. Rio de Janeiro: UFRJ, 2003. 270p. Tese (Doutorado) Programa de PósGraduação em Urbanismo, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2003. BORGES, Marcos Martins. Formas de Representação do Projeto. In: NAVEIRO, Ricardo M.; OLIVEIRA, Vanderlí F. (Orgs). O projeto de engenharia, arquitetura e desenho industrial: conceitos, reflexões aplicações e formação profissional. Juiz de Fora: Ed. UFJF, 2001. p. 65-100. DINIZ, João. Desenho de arquiteto/joão Diniz, Sylvio Emrich de Podestá. Belo Horizonte: AP Cultural, 1997. 15

DORFMAN, Beatriz R. Desenho gestual: pensar sem palavras. 2007. Trabalho apresentado ao Graphica 2007, Curitiba, 2007. EDWARDS, Betty. Desenhando com o lado direito do cérebro. São Paulo: Editora Tecnoprint S.A, 1984. FLÓRIO, Wilson. Cognição em projeto: o papel dos croquis de concepção em arquitetura. Revista Educação Gráfica, v.15, n. 1, p. 46-62, 2011. Disponível em: http://www.educacaografica.inf.br/revistas/vol-15-%e2%80%93-num-01-%e2%80%932011. Acesso em 30 agosto 2012. FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996. KOPKE, Regina C. Desenho gestual para professores (e alunos) de educação matemática. 2010. Trabalho apresentado ao X Encontro Nacional de Educação Matemática, Salvador, 2010. LASEAU, Paul. La expresión gráfica para arquitectos y diseñadores. México: Ediciones G. Gili, 1982. MARTÍNEZ, Alfonso Corona. Ensaio sobre o Projeto. Brasília: Editora da UNB, 2000. NICOLAIDES, Kimon. The Natural Way to Draw. Boston: Houghton Mifflin Company Boston, 1969. 16