Ponencia Apresentada al VIII Congreso Latino Americano de Sociología Rural, Porto de Galinhas 2010



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Transcrição:

Ponencia Apresentada al VIII Congreso Latino Americano de Sociología Rural, Porto de Galinhas 2010 Água Limpa, Saúde e Terra Fértil: implantação da tecnologia Fossa Verde como alternativa de saneamento básico em áreas de reforma agrária Liana B. de C. Araújo (UECE), Mário Cesar Wiegand (UFC), Ana Ecilda L. Ellery (INCRA) e José Carlos de Araújo (UFC) Resumo: Os assentamentos rurais de reforma agrária, a partir dos anos 1980 no Brasil, se configuraram como alternativa da luta dos trabalhadores rurais por terra e trabalho. O Plano Nacional de Reforma Agrária no Brasil prevê para os assentamentos a construção de moradia, escola, posto de saúde, igreja, área de lazer e reservatórios de recursos hídricos como fundamentais para a garantia do homem na terra. O trabalho que apresentamos é parte do projeto de Biorremediação Vegetal do Esgoto Domiciliar em Comunidades Rurais do Semi-Árido, cujo objetivo é o enfrentamento da problemática do esgoto familiar e das suas conseqüências para a saúde coletiva da comunidade rural e a implantação da tecnologia Fossa Verde como alternativa de reutilização do esgoto doméstico para o cultivo de plantas, prevenindo a contaminação do solo e diminuindo os riscos de doenças. A técnica evita a prática de despejo de resíduos domésticos, a céu aberto, nas proximidades dos domicílios. Os dados do Dossiê do Saneamento no Brasil (BNDES, 1998) revelam que os problemas de saúde da maioria das crianças menores de 10 anos internadas nos hospitais no Brasil estão associados à falta de saneamento básico. O documento denuncia que, em 1998, morreram em média no Brasil 29 pessoas por dia por problemas relacionados à falta de água encanada, esgoto e coleta de lixo. A população rural também enfrenta no seu cotidiano estes problemas, pois é comum encontrarmos neste espaço a ausência de água encanada, de esgoto coletado e/ou tratado e de destino adequado do lixo, gerando problemas de saúde. O projeto apresentado está desenvolvendo e implantando uma tecnologia ecológica, de convivência com o semi-árido. Desenvolve, ainda, processos educativos para o desenvolvimento sustentável dos assentamentos de reforma agrária. No âmbito do projeto, está sendo elaborado um diagnóstico das condições de saúde em que se encontram as famílias do Assentamento Rural 25 de Maio, considerando a precariedade ou inexistência de saneamento básico e a problemática da produção e destinação do lixo ali produzido. Com estas informações, construídas de forma participativa, apresentamos e implantamos a tecnologia Fossa Verde como alternativa para a melhoria da qualidade de vida e de convívio com o ambiente para a população assentada. Além de investigar os impactos dessa tecnologia sobre a saúde humana, o projeto, através de sua metodologia de trabalho, favorece o engajamento da população rural no enfrentamento desses problemas e na sua 1

relação com a natureza. O projeto é fruto de uma articulação entre universidades, INCRA e movimentos sociais, buscando, coletivamente, conhecer o real para transformá-lo, numa perspectiva de contribuir para a ampliação do acesso desse saber e do uso dessa tecnologia para outros assentamentos rurais, com a possibilidade de sua incorporação na política pública de reforma agrária no Brasil. Palavras Chaves: Saúde; saneamento; assentamento rural; tecnologia alternativa; Introdução Os assentamentos rurais de reforma agrária, a partir dos anos 1980 no Brasil, se configuraram como alternativa da luta dos trabalhadores rurais por terra e trabalho. O Plano Nacional de Reforma Agrária no Brasil prevê para os assentamentos a construção de moradia, escola, posto de saúde, igreja, área de lazer e reservatórios de recursos hídricos como fundamentais para a garantia do homem na terra. O trabalho que apresentamos é parte do projeto de pesquisa Biorremediação Vegetal do Esgoto Domiciliar em Comunidades Rurais do Semi-Árido: Água Limpa, Saúde e Terra Fértil, financiado pelo CNPq, que conta com a participação da UFC, INCRA, UECE e MST, uma experiência interinstitucional com a participação dos movimentos sociais. O objetivo central é o enfrentamento da problemática do esgoto familiar e das suas conseqüências para a saúde coletiva da comunidade rural e para o meio ambiente, através da implantação da tecnologia Fossa Verde como alternativa de reutilização do esgoto doméstico para o cultivo de plantas. Além disso, tratase de uma tecnologia que previne a contaminação do solo, pois evita a prática de despejo de resíduos domésticos, a céu aberto, nas proximidades dos domicílios. A metodologia da pesquisa tem como princípio o diálogo com a comunidade numa perspectiva de construção coletiva do saber. Daí a fecunda interlocução entre os pesquisadores da Universidade Federal do Ceará (departamentos de Engenharia Agrícola e de Saúde Comunitária); do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, da Universidade Estadual do Ceará (curso de Serviço Social), do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, dos trabalhadores do assentamento 25 de Maio e dos profissionais da saúde coletiva do Assentamento (agentes de saúde, médicos e enfermeiros). Trata-se, portanto, de uma pesquisa interinstitucional que busca a interdisciplinaridade como princípio básico da construção do conhecimento científico engajado na materialidade da vida dos trabalhadores rurais. Nesta busca de leitura do real complexo e dialético, a investigação busca alternativas para o enfrentamento das demandas sociais. A pesquisa está sendo construída, nesse contexto, com a construção de um diagnóstico das condições de saúde da comunidade relacionado às condições sócioambientais; com estudo das condições de saneamento e da qualidade da água; com a implantação da tecnologia Fossa Verde a partir das necessidades postas pela própria comunidade; e com o acompanhamento participativo dessa tecnologia, como uma nova forma de relação comunitária com o ambiente. 2

Nesse percurso, a partir de uma abordagem participativa e dialogal, construímos um trabalho de educação ambiental e de busca de alternativas de convívio com o ambiente. Assentamento Rural 25 de Maio: direito a água limpa, saúde e terra fértil A pesquisa se realiza no Assentamento Rural 25 de Maio, município de Madalena, Ceará, no semi-árido nordestino. Um assentamento rural marcado pela história de luta pela terra, pelo direito ao trabalho e a vida, num contexto de organização nacional da luta do MST. Em 1989 conquistaram a terra e, nessas duas décadas, não cessaram de lutar por melhores condições de vida, trabalho, saúde, educação e lazer. O assentamento possui uma área de 22.992 ha, com 431 famílias assentadas e uma população de aproximadamente 2.100 habitantes (ACACE/INCRA, 2005), distribuída em 12 agrovilas, e organizada em associações comunitárias, uma cooperativa de produção e um conselho comunitário representando todas as associações. A infra-estrutura do assentamento pode ser caracterizada (de acordo com ACACE/INCRA, 2005, e com dados preliminares dessa pesquisa) da seguinte forma: a população reside nas agrovilas, na sua maioria, em casas de alvenarias; o assentamento possui um sistema de estradas de piçarra que interliga as comunidades entre si e com a sede do município. Em épocas chuvosas alguns trechos ficam interditados. Do ponto de vista de saneamento, observa-se que nem todas as comunidades possuem água encanada, duas contam com água filtrada e clorada; uma parcela do esgoto doméstico (do vaso sanitário) vai para sumidouros, sendo o restante lançado a céu aberto no quintal; os resíduos sólidos são jogados no entorno das casas ou disperso na comunidade; praticamente todas as famílias possuem cisterna. Temos, portanto, uma realidade marcada pela ausência de saneamento básico: faltam tratamento de água e destinação adequada do esgoto e do lixo. O estudo da situação dos reservatórios de água (açude) ainda está em andamento, mas os resultados preliminares já apontam para a presença de poluentes em todos os 11 açudes do assentamento. A água das cisternas, utilizada, exclusivamente para uso pessoal, também está em fase de estudo, mas já há indícios de elementos poluentes (Pinheiro e Schramm, 2010). Outros elementos são relacionados à saúde da família. Segundo avaliação preliminar (em conformidade com relatos dos agentes de saúde) há, na comunidade, a presença de doenças como verminoses, diarréia e problemas dermatológicos. Esses dados ainda em fase de investigação serão fundamentais para a análise de sua relação com a questão da água e do esgoto doméstico, na situação em que se encontra antes da implantação da tecnologia Fossa verde. Fossa Verde: uma alternativa viável para áreas de reforma agrária? Diante da realidade acima apresentada, temos como hipótese que a implantação da tecnologia alternativa denominada de Biorremediação Vegetal - Fossa Verde resultará em uma melhoria das condições de vida, de saúde das 3

famílias assentadas. Por um lado, esta tecnologia irá reduzir drasticamente com o esgoto a céu aberto e, por outro, reduzirá a contaminação das águas dos reservatórios. Além disso, esta tecnologia se propõe, inclusive, a utilizar racionalmente a água e o esgoto do espaço doméstico para o cultivo de plantas. Nesse sentido, a pesquisa pretende verificar os impactos da Fossa Verde na qualidade de vida e de saúde dos trabalhadores rurais. Trata-se, portanto, de um trabalho de pesquisa e extensão uma vez que, no processo de conhecimento das condições de vida e saúde relacionadas ao saneamento, a pesquisa estará, também, contribuindo com o processo de participação comunitária e com a educação ambiental voltada para os problemas específicos do assentamento. Observamos e identificamos, através das visitas de campo, conversas espontâneas, reuniões, seminários realizados no assentamento e dos dados preliminares, que a comunidade apresenta alguns problemas que deverão ser enfrentados nesse trabalho, dos quais destacamos: tratamento da água de beber; destino do lixo e do esgoto doméstico; ausência de sanitários em algumas famílias; e problemas com animais domésticos, destacando a criação solta de porcos. Diante dessa realidade, os assentados têm historicamente, se organizado e lutado pela transformação dessas condições objetivas de forma a alterar as possibilidades de vida e de trabalho no meio rural. Nesse sentido, houve a ampliação de alguns serviços no assentamento como: a presença de cinco postos de saúde (em 2005, de acordo com ACACE/INCRA havia apenas um posto); e de escolas de ensino fundamental e médio (destacando a construção recente da Escola do Campo, com uma perspectiva profissionalizante voltada para as necessidades do campo, fruto da luta do MST). São elementos importantes para caracterizar o processo de ampliação dos direitos dos trabalhadores rurais após a conquista da terra (ARAÚJO, 2006), uma luta que parte da conquista da terra e se estende a diversas áreas, inclusive na luta por saneamento básico, um serviço essencial para a qualidade de vida e de saúde de qualquer população, seja do campo ou da cidade. Relação saneamento e saúde: a luta pelo direito a vida Os dados do Dossiê do Saneamento no Brasil (BNDES, 1998) revelam que os problemas de saúde da maioria das crianças menores de 10 anos internadas nos hospitais no Brasil estão associados à falta de saneamento básico. O documento denuncia que em 1998, morreram em média no Brasil 29 pessoas por dia por problemas relacionados à falta de água encanada, esgoto e coleta de lixo. A população rural também enfrenta no seu cotidiano estes problemas, pois é comum neste espaço a ausência de água encanada, de sistema de esgotamento sanitário e de lixo, gerando problemas de saúde para a população rural. O projeto apresentado está desenvolvendo e implantando a tecnologia ecológica Fossa Verde, numa perspectiva de verificar sua adequabilidade no semi-árido. Estamos em fase de elaboração do diagnóstico das condições de saúde em que se encontram as famílias considerando a precariedade ou inexistência de saneamento básico e a problemática da produção e destinação do lixo ali produzido. Com estas informações, construídas de forma participativa, apresentamos a tecnologia Fossa Verde como alternativa para a 4

melhoria da qualidade de vida e de convívio com o meio ambiente para a população assentada. Observamos uma abertura a essa tecnologia, nesse sentido, já construímos 13 unidades de Fossa Verde e outras 19 estão em construção nas diversas agrovilas. Uma observação importante é que definimos, a partir do diálogo com os assentados, que todas as vilas agrícolas serão contempladas com a construção de algumas fossas, construídas coletivamente, priorizando aquelas áreas que apresentem maior risco de poluição, quer do ambiente no entorno das casas, quer dos reservatórios. Com os resultados obtidos, pretendemos contribuir na política de saneamento em áreas rurais, propondo uma tecnologia ecológica e de baixo custo, além de se propor a utilizar racionalmente a água e o esgoto do espaço doméstico para o cultivo de plantas. A questão do convívio humano com os recursos hídricos tem sido uma preocupação mundial, gerando reflexões acerca do (re)uso racional da água e da sua relação com a saúde da população, o que tem sido objeto de muitos estudos centrados na diversidade das relações humanas com os recursos naturais. A preocupação mundial em relação aos recursos naturais torna-se cada vez mais crescente, requerendo de todos nós uma maior atenção e adequação, especialmente em relação ao uso eficiente desses recursos. Segundo a Universidade da Água 1, do total de água existente no planeta, cerca de 97,5% é salgada. Dos 2,5% restantes, 70% é gelo e apenas 0,007% está à disposição do homem. Deste reduzido valor de 0,007% acessível, 70% é utilizado pela agricultura, 20% pelas indústrias e o restante para o abastecimento humano. O Brasil detém 11,6% da água doce superficial do mundo, com 70% na Região Amazônica e 30% distribuídos desigualmente pelo país para atender a 93% da população. Cerca de 1,2 bilhões de pessoas, aproximadamente 20% da humanidade, não possuem água para uma vida normal, 3,4 milhões de pessoas (na maior parte crianças) morrem de doenças contraídas pela água e 2,2 milhões morrem de diarréia associada à falta de água ou devido à água poluída. Dados da OMS mostram que, no Brasil, a contaminação da água e a falta de saneamento respondem por 63% das internações pediátricas e 30% da morte de crianças com menos de um ano de vida. Em relação ao saneamento, segundo dados do IBGE (IBGE / PNAD 2000 e IBGE IDS, 2002), 78% dos domicílios brasileiros possuem abastecimento com água tratada, 62% possuem coleta de esgoto, mas somente 11% dos domicílios rurais possuem coleta de esgoto. Segundo CEPAL (2005), no Brasil, há somente 35% de saneamento rural, situação que coloca nosso país numa das últimas colocações na América Latina e no Caribe, à frente somente de Bolívia e Haiti. Uma parcela significativa da população do Estado do Ceará é essencialmente rural e não conta com o saneamento adequado que garanta a qualidade de vida necessária a esta população. Juntamente com isso, observamos que existe uma carência de alternativas tecnológicas adequadas às condições socioeconômicas dos agricultores familiares, contribuindo para uma enorme desigualdade entre o acesso a bens e serviços públicos pela população rural. Tal situação decorre do fato de que as pesquisas desenvolvidas geralmente não têm levado em consideração a realidade da população rural. O desenvolvimento de tecnologias adequadas ao meio rural deve começar com o conhecimento das necessidades das populações do 5

campo, da forma como eles as percebem e das diversas possibilidades de enfrentamento numa abordagem ecológica de respeito ao meio ambiente, como vem defendendo o MST. Trata-se, portanto, de uma alternativa que se contrapõe a ordem destrutiva e precarizada do sistema de capital (MÉSZÁROS, 2002). Em relação ao saneamento rural, observamos a importância do uso racional de água e o seu re-uso na agricultura. Dessa forma devemos pensar em implantar e avaliar tecnologias que permitam a captação, armazenamento e preservação da água e de seus mananciais, além da preservação dos recursos naturais priorizando tecnologias ambientalmente corretas. Medidas adequadas que viabilizem seu uso racional podem ser propostas e implantadas, tais como as que promovam captação das águas de chuva, além do aproveitamento, tratamento e re-uso da água e de efluentes sanitários. Além da importância de desenvolver tecnologias de saneamento que preservem o ambiente, há que se considerar a saúde humana. Números do IBGE indicam que há no Brasil 17 milhões de domicílios atendidos por redes de abastecimento de água, mas desprovidos de sistemas de coleta do esgoto sanitário produzido pela utilização dessa água. Portanto, o Brasil conta com quase 20 milhões de mini-fábricas de esgoto sanitário mais potentes e prejudiciais à qualidade de vida da população do que os quase 9 milhões de domicílios que não são atendidos por redes de abastecimento d água. Dados constantes no Dossiê do Saneamento indicam que: todos os 49 milhões de domicílios brasileiros produzem esgoto sanitário, dos quais quase 41 milhões produzem esgoto sanitário de forma mais intensiva e são "minifábricas" de esgoto sanitário, porque utilizam a água pelas redes de abastecimento. Dessas "mini-fábricas", 17 milhões despejam diariamente o esgoto sanitário a céu aberto. Essa situação do setor de saneamento no Brasil tem conseqüências muito graves para a qualidade de vida da população, principalmente aquela mais pobre, residente na periferia das grandes cidades ou nas pequenas e, médias cidades do interior e no meio rural..da população diretamente afetada, as crianças são as que mais sofrem. Abaixo apresentamos alguns números citados no Dossiê do Saneamento no Brasil: 65% das internações hospitalares de crianças menores de 10 anos estão associadas à falta de saneamento básico (BNDES, 1998); a falta de saneamento básico é a principal responsável pela morte por diarréia de menores de 5 anos no Brasil (Jornal Folha de São Paulo, 17/dez/99); em 1998, morreram, em média, 29 pessoas por dia no Brasil de doenças decorrentes de falta de água encanada, esgoto e coleta de lixo, segundo cálculos da FUNASA realizados a pedido do Jornal Folha de São Paulo (Jornal Folha de São Paulo, 16/jul/00); a eficácia dos programas federais de combate à mortalidade infantil esbarra na falta de saneamento básico (Jornal Folha de São Paulo, 17/dez/99); 6

os índices de mortalidade infantil em geral caem 21% quando são feitos investimentos em saneamento básico (Jornal Folha de São Paulo, 17/dez/99); as doenças decorrentes da falta de saneamento básico mataram, em 1998, mais gente do que a AIDS (Jornal Folha de São Paulo, 16/jul/00); a utilização do soro caseiro, uma das principais armas para evitar a diarréia, só faz o efeito desejado se a água utilizada no preparo for limpa (Jornal Folha de São Paulo, 17/dez/99). Resumindo, 15 crianças de 0 a 4 anos de idade morrem por dia no Brasil em decorrência da falta de saneamento básico, principalmente de esgoto sanitário (FUNASA-FSP, 16/jul/00). Isto significa que: uma criança de 0 a 4 anos morre a cada 96 minutos em nosso país por falta de saneamento básico, mais precisamente, por falta de esgoto sanitário (FUNASA-FSP, 16/jul/00). Considerando a gravidade da ausência de saneamento básico para o ambiente e para a saúde humana, o Governo Federal, através da Fundação Nacional de Saúde, definiu como uma das prioridades do Plano de Aceleração do Crescimento da FUNASA (PAC-FUNASA), o saneamento rural, pela quase total inexistência desta política pública nas áreas rurais do Brasil, sobretudo, no Nordeste. Os assentamentos de reforma agrária são áreas prioritárias para o saneamento rural pelo PAC FUNASA. Nos países em desenvolvimento nem sempre é possível a utilização de sistema de esgotos convencionais, particularmente em áreas rurais, por uma série de fatores como a distância entre as edificações, falta de água encanada, escassez de água e custo. Além disso, o imperativo da preservação dos recursos hídricos impõe-se e requer o desenvolvimento de alternativas tecnológicas adaptadas à realidade das populações rurais, em especial do semi-árido brasileiro. O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) considera assentamento rural como sendo o retrato físico da Reforma Agrária. No Brasil, os dados revelam que até o ano de 2007 foram implantados cerca de 8 mil projetos de assentamentos e que até o ano de 2006 já foram assentadas aproximadamente 723 mil famílias. No Ceará, existem 360 projetos federais de assentamentos de reforma agrária, beneficiando cerca de 20 mil famílias. A quase totalidade dos assentamentos neste estado não tem acesso ao saneamento rural e sofre com a escassez de água, considerando que grande parte dos assentamentos está localizada no semi-árido cearense. Diante do exposto, consideramos fundamental a implantação de alternativas para o saneamento rural que contemple a particularidade do campo acima apresentada e que estabeleça a ética como valor fundamental na definição da relação homem/natureza preservando o meio ambiente e a vida; e que seja de baixo custo possibilitando o acesso de todos a este benefício. É importante enfatizar que a questão do campo no Brasil e a necessidade da política de reforma agrária é um imperativo ético, de forma a reduzir a imensa dívida social existente no Brasil com as populações rurais. Revisão da Literatura 7

De acordo com alguns estudos (HELLER, 1997; OLIVEIRA, FERNANDES, 2008), a fossa seca consiste basicamente numa escavação no solo com forma cilíndrica (diâmetro 0,80 m) ou de seção quadrada (lado 0,80 m) na qual as fezes e o material de asseio (papel, etc) são depositados. Uma característica fundamental da fossa seca (e daí vem o seu nome) é que ela não deve receber água de descargas, de banhos, de lavagem, de enxurrada ou mesmo água do solo quando o nível da água subterrânea for muito alto. Seus principais problemas durante o seu uso são a geração de odor e a proliferação de insetos, particularmente a mosca. Em ambos os casos a não admissão de água na fossa contribui para a diminuição, mas não para a extinção do problema. A fossa seca revestida caracteriza-se, por sua vez, pela modificação do modelo básico da fossa seca concebida para terrenos com risco de desmoronamento. É revestida com materiais diversos capazes de conter o solo lateralmente, como madeira, alvenaria de tijolos ou pedras, anéis pré-fabricados e tonéis. A fossa seca estanque é uma variante da fossa seca, concebida para áreas com risco de entrada de água na fossa, ou quando a escavação não é possível. Um dos principais inconvenientes de privadas com fossas secas é que, com seu uso continuado, o material nela contido deve ser eventualmente removido. Além do problema de trabalho e de custo excessivo, há também a limitação de terreno. Se a fossa for revestida ou estanque os custos são maiores. Outra alternativa para o saneamento doméstico são soluções por via hídrica, portanto com o uso da água, como a fossa séptica, que é uma unidade de tratamento destinada a receber esgotos, particularmente aqueles de origem doméstica, e, tratá-los através de uma combinação de mecanismos físicos e biológicos. No Brasil, a fossa séptica é uma solução bastante disseminada, servindo tanto a residências com poucos moradores como a prédios mais complexos, como escolas. O consumo d água neste tipo de fossa é elevado, o que representa um problema ambiental. Há que se considerar também que no semi-árido nordestino o acesso é água é restrito, sendo um imperativo o desenvolvimento de alternativas que possibilitem a redução do volume de água utilizado, bem como permita o reaproveitamento de água no saneamento rural. Dentro dessas preocupações é que apresentamos o processo chamado de Biorremediação Vegetal ou fossa verde. A biorremediação vegetal é uma técnica desenvolvida pelo Instituto de Permacultura e Ecovilas do Cerrado (IPEC - ECOCENTRO IPEC) 1 Este instituto mantém um centro de referência em que desenvolve soluções práticas para os problemas atuais das populações brasileiras, incluindo estratégias de habitação ecológica, saneamento responsável, energia renovável, segurança alimentar, cuidado com a água e processos de educação de forma vivenciada Desde sua formação, em julho de 1998, o Instituto tem capacitado pessoas e prestado serviços comunitários para populações rurais do Cerrado Brasileiro, bem como cooperado internacionalmente com organizações da África, Ásia e das Américas. Utilizar esta experiência na região semi-árida é uma alternativa que possibilita a redução de problemas de saúde, saneamento e de abastecimento de água. A biorremediação vegetal vem sendo desenvolvida no Ceará, no município de Icapuí, na faixa litorânea do estado, através do Projeto 1 O IPEC é uma organização estabelecida em Pirenópolis, Goiás, para desenvolver oportunidades de educação e referências em sustentabilidade para o Brasil, també conhecido como ECOCENTRO IPEC. 8

"De Olho na Água, da Fundação Brasil Cidadão, patrocinado pela Petrobras, através do Programa Petrobras Ambiental, que desenvolve ações na busca do uso sustentável dos recursos hídricos. O ECOCENTRO IPEC oferece várias tecnologias de saneamento rural, de baixo custo e adaptadas à realidade do semi-árido brasileiro. Dentre elas, a biorremediação e o infiltrador séptico. Na permacultura a água servida é classificada em dois tipos, água cinza e água negra. A água cinza é a água que vem da cozinha, dos chuveiros, de lavagens em geral. Água que contenha somente restos de comida, gordura e sabão e que não esteja contaminada com fezes. A água negra é aquela que vem das privadas, ou seja, água que contenha fezes e urina humanas. Uma das formas mais simples e eficientes de tratamento da água cinza são as camas de tratamento biológico; nelas é tratada toda a água que vem dos chuveiros, da cozinha e da lavanderia do ECOCENTRO IPEC. As camas podem tratar tanto grandes volumes de água em comunidades, bairros, conjuntos residenciais, escolas, etc., como também quantias bem pequenas em fundos de quintal, pequenas residências e até mesmo em apartamentos. Uma das vantagens da biorremedição vegetal é a possibilidade do tratamento da água cinza da residência solucionando o problema do esgoto doméstico em áreas rurais, que muitas vezes são jogados nos quintais, proliferando ali mosquitos e bactérias prejudiciais à vida e ao meio ambiente. A biorremediação pode ser dimensionada para várias edificações podendo absorver uma maior quantidade de resíduos. Outras vantagens é que não exala odores, atrai fauna diversificada, além do aproveitamento do seu espaço para implantação de pomares ou plantas ornamentais nas proximidades das edificações onde foi implantado. É interessante observar que, no espaço da fossa verde, serão cultivadas plantas frutíferas ou ornamentais que terão a função de, além da produção de frutas, ser um infiltrador séptico, pois irão filtrar toda a matéria orgânica digerida por elas em conjunto com microrganismos anaeróbios que ao absorverem a matéria orgânica proveniente das fezes filtram a água que depois é infiltrada no solo já limpa. As vantagens deste sistema são: uma tecnologia barata e segura; a sua utilização em locais com solos drenados; a não adição de químicos; a possibilidade ser tratado a nível industrial e residencial, e de ser utilizado em locais onde já exista o sistema convencional. Os dados demonstram que a fossa verde configura-se como uma alternativa de baixo custo, de re-uso d água no cultivo de plantas resta-nos verificar se será do interesse da agricultura familiar. Além disso, nossa preocupação também é verificar se ela se configure como uma alternativa viável, nos aspectos hídrico, epidemiológico, social e econômico para o semiárido. Estima-se que ela poderá ser viabilizada como uma política pública para os assentamentos de reforma agrária, podendo ser operacionalizada pelo INCRA, através do pagamento de créditos. Esta forma já é adotada na construção e recuperação das habitações das famílias assentadas e na construção de cisternas de placas. O INCRA desenvolve o maior programa de habitação rural no Brasil, beneficiando todas as famílias assentadas. O crédito habitação atualmente é de R$ 9.000,00; o crédito de recuperação das casas é de R$ 7.000,00. Para a construção da cisterna são disponibilizados atualmente R$ 1.500,00 (hum mil e quinhentos reais). A estimativa de custo da fossa verde é de R$ 700,00 (setecentos reais) por módulo, portanto, poderá ser uma 9

excelente alternativa para áreas de reforma agrária, pois além de seu baixo custo ela evita que a água doméstica da cozinha e lavanderia seja derramada a céu aberto no quintal, como tem sido observado na maioria dos domicílios rurais. 3.OBJETIVOS Objetivo geral: Avaliar a viabilidade da tecnologia fossa verde em assentamento rural no semi-árido enfatizando os aspectos hídricos, epidemiológicos, sociais e econômicos com a perspectiva de formulação de política pública de saneamento rural. Objetivos específicos: a) Avaliar a viabilidade da tecnologia biorremediação vegetal, enquanto tecnologia de tratamento de águas/esgotos em assentamentos rurais. b) Definir os parâmetros técnicos de implementação da fossa verde, em relação a: culturas adequadas, consumo de água e capacidade de absorção de matéria orgânica; c) Oferecer uma alternativa de saneamento para populações assentadas em meio rural; d) Caracterizar a situação de saúde das famílias do Projeto de Assentamento (PA) São Joaquim antes e depois da implantação da fossa verde para verificar; e) Verificar os impactos dessa tecnologia para a saúde das famílias assentadas em área rural e na qualidade da água f) Envolver a comunidade na implantação de uma nova tecnologia de tratamento de esgotos, trabalhando as resistências culturais existentes; 4. METODOLOGIA Este projeto foi construído com fecunda interlocução entre os pesquisadores da Universidade Federal do Ceará, do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, da Universidade Estadual do Ceará, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, e dos trabalhadores do assentamento 25 de Maio. Dada a amplitude e a complexidade do objeto de estudo, o mesmo se apoiará em métodos de natureza quantitativa e qualitativa, fazendo uso de diversos instrumentos de coleta de informação e de análise. O envolvimento da comunidade nos diversos momentos da pesquisa será fundamental. Discutimos a proposta com parte de sua liderança, com a equipe do Programa Saúde da Família que atua na área que estão irão colaborar com a pesquisa. Realizamos uma visita ao assentamento para apresentar a nossa proposta quando encontramos demonstração de apoio e receptividade. 10

Contatos foram feitos com a administração municipal de Madalena através da Secretaria de Saúde, que demonstrou interesse, reconhecendo a importância do projeto para a melhoria das condições de vida e de saúde dos trabalhadores rurais. A pesquisa teve aprovação junto ao Comitê de Ética da Universidade Federal do Ceará (Decreto 196/96). Todos os participantes da pesquisa terão sua identidade preservada, tendo sido informados sobre seus objetivos e assinado o termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE). A pesquisa empírica está organizada em três etapas, detalhadas a seguir, e de uma quarta etapa voltada para a disponibilização potencializada dos resultados. Todas as etapas serão acompanhadas pela equipe de pesquisadores com a participação de estudantes de graduação e pósgraduação e bolsistas do assentamento. Um trabalho interdisciplinar e que exige reuniões permanentes e discussões para um melhor desenvolvimento dos trabalhos. O cuidado com a comunidade pesquisada exige uma postura ética de forma a garantir o respeito à liberdade de participação ou não das famílias. Etapa 1 Caracterização socioambiental da população do Assentamento 25 de Maio (A25M), antes e depois da implantação do projeto Objetiva-se conhecer o perfil de morbi-mortalidade e social da comunidade beneficiada. A avaliação da situação de saúde da população será feita em dois momentos de execução do projeto, ou seja, no início e na fase final da sua implantação. Para a identificação destas informações, utilizam-se dados secundários do assentamento, obtidos na Secretaria Municipal de Saúde e com os profissionais da Estratégia Saúde da Família que atuam no assentamento. Também será feita uma entrevista, utilizando roteiro semiestruturado com as famílias do assentamento, com os agentes de saúde e com os demais profissionais integrantes do Programa de Saúde da Família (PSF) do Assentamento. Trabalhamos de forma participativa com as famílias assentadas, observando e acompanhando o envolvimento das famílias na implantação da fossa verde. Etapa 2 Diagnóstico do saneamento e da qualidade da água do assentamento, antes e depois da implantação do projeto Caracterização dos recursos hídricos, realizando balanço hídrico da bacia na qual se encontra o A25M. Com base no balanço será avaliada a disponibilidade de água associada a diferentes garantias, assim como os impactos das ações antrópicas sobre a água (Van Oel et al., 2008; Figueiredo et al., 2007; Araújo et al., 2006; Araújo et al., 2005). Será também realizado diagnóstico do sistema de saneamento da comunidade e sua interrelação com a qualidade de água. Nesta etapa será pesquisada, também, a ocorrência das espécies vegetais adaptadas ao ambiente, de interesse da comunidade e com potencial de uso na fossa verde. Para verificar os impactos da tecnologia na saúde humana, em decorrência da qualidade d água, amostras dos recursos hídricos do assentamento serão avaliadas, no início e ao final do projeto. A água é avaliada em seus aspectos físico-químicos e bacteriológicos. 11

Etapa 3 Implantação e avaliação da tecnologia fossa verde A sistematização e a análise dos dados produzidos nas Etapas 1 e 2 deverá permitir o diagnóstico da saúde da população do assentamento e dos recursos hídricos. A sistematização e análise dos dados produzidos nestas etapas, em contexto interdisciplinar, deverá permitir a identificação do perfil da comunidade bem com a elaboração de um plano de otimização dos aspectos hídricos, epidemiológico, social e econômico. Nesta etapa serão construídas as unidades de Fossas Verdes, em número variando de 50 a 80, conforme os custos efetivos de construção. Cada uma das agrovilas receberá, pelo menos, duas fossas, a serem instaladas prioritariamente em equipamentos coletivos (escolas, postos de saúde etc.). As demais fossas serão construídas no entorno de açudes selecionados conforme importância para o abastecimento humano. Após vários meses de investigação, foram selecionados os açudes Paus Brancos, Mel, Paus Ferro e Quieto. Cada açude será saneado com as Fossas Verdes, de modo que os esgotos produzidos pelas residências e/ou instituições não sejam mais lançados nem na água nem no solo em questão. Cada residência / instituição beneficiada deverá colaborar na construção da fossa. Além de baratear a unidade (o que permite a construção de mais unidades), essa colaboração tem sido usada como sinal claro do engajamento dos beneficiários. Etapa 4 Disponibilização dos resultados da pesquisa para os órgãos públicos responsáveis e para as organizações da sociedade Os resultados alcançados serão socializados e difundidos através de diferentes meios: fóruns e movimentos da sociedade civil; seminários nos Territórios de Cidadania e estadual; seminários com profissionais que prestam assessoria técnica, social e ambiental aos assentamentos de reforma agrária no Ceará; divulgação dos resultados e socialização da tecnologia na internet, através do site das instituições parceiras. Além disso, os resultados serão tornados públicos através de artigos em eventos técnico-científicos e em periódicos. 5. DESCRIÇÃO DOS RESULTADOS ESPERADOS São os seguintes os resultados esperados da pesquisa: (1) Construção de módulos de saneamento básico Fossa Verde, em número variando de 50 a 80, nas diversas agrovilas do A25M; (2) publicação de cunho técnico-cientifico, com os indicadores de custos e benefícios para subsidiar a elaboração de uma política pública especifica direcionada para os assentamentos rurais do semiarido; (3) publicação, em linguagem adequada aos beneficiários da reforma agrária e agricultores familiares de modo geral, da tecnologia validada pela pesquisa; (4) dois mestres formados na temática de saneamento rural; (3) artigos publicados em eventos técnicos-científicos e em revista especializada; e (5) proposta de política pública elaborada e encaminhada aos legislativos e aos órgãos atuantes na área rural. 12

10. PRINCIPAIS REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: ARAÚJO, JC; GUENTNER, A; BRONSTERT, A. Loss of reservoir volume by sediment deposition and its impact on water availability in semiarid Brazil. Hydrological Sciences Journal-Journal des Sciences Hydrologiques, Wallingford, 51(1), 157-170, 2006 ARAÚJO, JC ; MOLINAS, PA; JOCA, ELL; BEMFEITO, CJS; BELO, PSC. Custo de Disponibilização e Distribuição da Água por Diversas Fontes no Ceará. Revista Econômica do Nordeste, Fortaleza, 36(2), 281-307, 2005 ABNT - Projeto, construção e operação de sistemas de tanques sépticos - NBR 7229, Rio de Janeiro, 1993 ATLAS DE PARASITOLOGIA, (Instituto de Pesquisas de Doenças Endêmicas) JOHNSON & JOHNSON S.A - Indústria e Comércio, São Paulo, 1975. BARROS, T. de V. et al. - Manual de Saneamento Proteção Ambiental para os Municípios, VOL. 2 - Saneamento, Escola de Engenharia da UFMG, Belo Horizonte, 1995. BOTTO, M.P.; MOURA, N.C.B. de; SENA, Ana Valéria; PEQUENO, L.R.B. Estudo quanti-qualitativo da precariedade das condições de saneamento ambiental em comunidades do estado do ceará. Disponível em http://www.bvsde.paho.org/bvsacd/abes23/vii-040.pdf. Acesso em 29/10/2008. BRASIL. Fundação Nacional de Saúde. Programa de Aceleração do Crescimento (PAC FUNASA). disponível no site http://www.funasa.gov.br/internet/proacecresiv.asp. Acesso em 28/10/2008 CEARÁ. Prefeitura Municipal de Madalena. http://www.madalena.ce.gov.br/portal1/demografia/mu_demografia.asp?iidmun =100123104. Acesso em 28/10/2008. DACACH, N. G. - Saneamento Básico, 3 a ed, Ed. Didática e Científica, 1990 DOSSIÊ do Saneamento. Disponível em http://www.esgotoevida.org.br/saude_saneamento.php Acesso em 30/10/2008. FERNANDES, C. - Esgotos Sanitários, Ed Universitária/UFPB, João Pessoa, Paraíba, 1997. FERNANDES, Carlos. Esgotos Sanitários. Disponível em http://www.dec.ufcg.edu.br/saneamento/es00_00.html. Acesso em 28/10/2008. FIGUEIREDO, M. C. B. ; TEIXEIRA, A. S. ; ARAÚJO, L. F. P. ; ROSA, M. F. ; PAULINO, W. D. ; MOTA, S. ; ARAÚJO, J. C.. Avaliação da vulnerabilidade ambiental de reservatórios à eutrofização. Engenharia Sanitária e Ambiental, v. 12, p. 399-409, 2007. FSESP. - Manual de Saneamento: http://www.funasa.gov.br/pub/manusane/manusan00.htm, FUNASA, Rio de Janeiro - 1999/2000. FUNASA - Fundação Nacional de Saúde. Manual de Saneamento. Brasília. 2004 13

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