O ENSINO DE MATEMÁTICA E A RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS CONTEXTUALIZADOS NOS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL

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Transcrição:

O ENSINO DE MATEMÁTICA E A RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS CONTEXTUALIZADOS NOS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL Flavia Cristine Fernandes Souto Universidade Federal do Paraná - UFPR flavitasouto@yahoo.com.br Ettiène Cordeiro Guérios Universidade Federal do Paraná - UFPR ettiene@ufpr.br Resumo: O objetivo deste trabalho é apresentar uma discussão teórica sobre o ensino de Matemática por meio da Resolução de Problemas Contextualizados. Primeiramente, apresentamos algumas reflexões sobre as reformas educacionais ocorridas nas últimas décadas, visto sua importância para o ensino de Matemática atualmente. Na sequência, delineamos um conceito de problema matemático, diferenciando-o de exercício matemático, e também um conceito de contextualização. O presente trabalho é um estudo bibliográfico que discute sobre a importância do ensino por meio da Resolução de Problemas para a formação do aluno. Tal estudo compõe o aporte teórico de uma pesquisa qualitativa de natureza interpretativa, que tem como problemática identificar contribuições do ensino da matemática por meio da Resolução de Problemas Contextualizados para o desenvolvimento do pensamento matemático de alunos do 4º ano do Ensino Fundamental. Palavras-chave: Resolução de Problemas. Ensino de Matemática. Ensino Fundamental. Introdução No decorrer das últimas décadas ocorreram diversas mudanças tecnológicas, econômicas e sociais. Tais transformações acarretaram em novas relações de trabalho e modos de vida, fazendo emergir diferentes concepções políticas e éticas. Essa nova organização social exigiu, consequentemente, um cidadão crítico e atuante. Diante deste cenário, ampliaram-se as discussões acerca da qualidade de ensino entre profissionais da educação, uma vez que metodologias de ensino com caráter aplicacionista 1 não atendiam mais as novas exigências sociais, ou seja, a necessidade de um cidadão crítico, 1 Consideramos ensino aplicacionista um ensino linear, no qual o professor ensina, o aluno aprende e depois aplica o que aprendeu.

capaz de refletir, criar e problematizar. Desse modo, pesquisas propuseram-se repensar o ensino de Matemática, refletindo acerca de práticas e formas de abordar os conteúdos. Metodologias de ensino pautadas na memorização de regras e conceitos e na repetição mecânica de exercícios começaram a dar espaço a novas tendências, privilegiando a participação ativa do aluno na construção do conhecimento. Nesta direção Onuchic e Allevato (2014, p. 40) afirmam que é preciso... superar práticas ultrapassadas de transmissão de conhecimentos e transferir para o aluno grande parte da responsabilidade por sua própria aprendizagem, colocando-o como protagonista de seu processo de construção de conhecimento.. É interessante lembrar que Polya (1962) já vislumbrava em meados do século XX a importância de um ensino que não se limitasse a transmissão de conteúdos, mas que também desenvolvesse no aluno a capacidade de usar a informação transmitida. Partindo deste princípio, a escola deve propiciar aos alunos uma rotina que possibilite o exercício da Cidadania Ativa, pois, o papel da escola é promover uma educação que não desintegre escola e sociedade e coloque o aluno diante de desafios que lhe permitam desenvolver atitudes de responsabilidade e compromisso, de forma crítica (BRASIL, 1998). Desse modo, o ensino de matemática por meio da Resolução de Problemas apresenta-se como uma proposta metodológica interessante para favorecer o desenvolvimento do pensamento produtivo do aluno, contribuindo para a compreensão, formulação de conjecturas, elaboração de hipóteses e reflexões. Todavia, o trabalho com Resolução de Problemas, requer a consideração de alguns princípios conforme orientação dos Parâmetros Curriculares Nacionais de Matemática (PCN): o problema deve ser o ponto de partida para o ensino de matemática; o problema não tem sua solução a partir da aplicação mecânica de uma determinada fórmula, mas sim por meio de estratégia de resolução construídas após a interpretação do seu enunciado; os conceitos matemáticos são construídos de modo gradativo mediante analogias entre um problema e outro; a resolução de problemas é uma orientação para a aprendizagem. (BRASIL, 1997, p. 32 33). Iniciamos o estudo teórico deste trabalho, buscando compreender as discussões que desencadearam reformas educacionais nas últimas décadas, por entender que esses debates influenciaram nas concepções de ensino atuais. No segundo momento, diante da variedade de tipos de problemas presentes não só na literatura, mas também em livros didáticos, percebemos a necessidade de definir um conceito de problema matemático para a presente

pesquisa. Desse modo, buscamos em Polya (1997; 2006) Butts (1997), Onuchic (1999) e Onuchic e Allevato (2011; 2014) fundamentos para nortear nossas reflexões. Considerando também a importância de uma educação que não desintegre escola e sociedade, conforme revelam os PCN (1997; 1998), buscamos a compreensão dos termos: cotidiano, realidade e contexto, a luz dos estudos de Guerios et al (2009). O ensino de Matemática e a Resolução de Problemas no século XX e suas implicações para o cenário atual em educação As reformas que permearam a Educação Matemática nas últimas décadas e o crescente interesse por este campo de estudo impulsionaram importantes debates no cenário mundial. Ao resgatar os aspectos históricos sobre o ensino da matemática, Onuchic (1999) revela que no início do século XX a matemática foi marcada por um ensino pautado na repetição com grande ênfase a memorização mecânica. A partir da década de 1930 surgiu uma nova orientação, a Aritmética Significativa 2, preocupada com a compreensão dos alunos. Nesse período iniciaram-se debates sobre a Resolução de Problemas como um meio de ensinar matemática, tendo como destaque os estudos do professor e matemático George Polya. Contudo, nas décadas de 1960 e 1970 o ensino da matemática recebeu forte influência do Movimento da Matemática Moderna que apresentava preocupações excessivas com abstrações, voltando-se mais à teoria do que à prática. Em 1980, com a publicação do documento An Agenda for Action o NCTM 3 estabeleceu novas recomendações para o ensino da matemática dando destaque ao trabalho com a Resolução de Problemas. As reflexões apresentadas neste documento serviram como norte para novas pesquisas acerca desse tema. Os debates que aconteceram no cenário mundial ecoaram também no Brasil e influenciaram a construção dos PCN de Matemática (BRASIL, 1997; 1998). Nesses documentos a Resolução de Problemas é considerada como metodologia de ensino e ponto de partida para construção de conhecimentos. Todavia, ainda há distorções sobre a forma de abordar a Resolução de Problemas em sala de aula. Os PCN de Matemática revelam que Os movimentos de reorganização 2 Nesta fase, o foco da Matemática era a compreensão de ideias e habilidades aritméticas, bem como a aplicação da Matemática em problemas do mundo real. (Onuchic, 1999). 3 NCTM - National Council of Teachers of Mathematics.

curricular ocorridos no Brasil a partir dos anos 20 não tiveram força suficiente para mudar a prática docente dos professores para eliminar o caráter elitista desse ensino bem como melhorar a sua qualidade. (BRASIL, 1998, p. 19). Nos dias de hoje, ainda são presentes práticas pedagógicas pautadas em um ensino mecânico e repetitivo com resquícios da metodologia utilizada no início do século XX, com ênfase nos processos de memorização de conceitos e treinos repetitivos. Nesse contexto, os problemas são utilizados como exercícios de aplicação de conhecimentos adquiridos anteriormente pelos alunos. Tal formato de ensino é comentado e repreendido por Cavalcanti (2001) ao constatar em seus estudos que o trabalho com problemas nas séries iniciais do Ensino Fundamental geralmente inicia-se após a apresentação das operações matemáticas, pois se acredita que a criança tem que dominar técnicas operatórias primeiramente para depois resolver problemas. Diante do olhar limitado com o qual a resolução de problemas é abordada no cotidiano escolar, acreditamos ser necessário definir um conceito de Problema Matemático. Problema matemático e exercício matemático Não há na literatura uma definição única para diferenciar os termos exercício e problema matemático. Em decorrência, há diferentes entendimentos acerca desses termos entre professores que ensinam Matemática, influenciando diretamente nas práticas pedagógicas cotidianas. Desse modo, buscamos na literatura contribuições de diferentes estudiosos para nortear nossa reflexão. O professor e matemático George Polya foi um dos primeiros estudiosos a dar destaque ao trabalho com resolução de problemas. Para o autor, um problema caracteriza-se por ser uma situação nova, que estimula o aluno a conjecturar e criar novas estratégias de soluções, que desafia sua curiosidade e desperta o seu interesse. Tarefa essa que os Problemas Rotineiros 4 não atendem, pois, aniquilam o interesse dos alunos e constituem em barreiras para o desenvolvimento do pensamento independente. Butts (1997) ao organizar os tipos de problemas em subgrupos acentua características bem particulares. Os exercícios de reconhecimento, exercícios algoritmos e problemas de 4 Problema Rotineiro é todo o problema que... puder ser solucionado pela substituição de dados específicos no problema genérico resolvido antes, ou pelo seguimento, passo a passo, de algum exemplo muito batido. (POLYA, 2006, p. 142).

aplicação 5 apresentam em seus enunciados estratégias para resolvê-los, assim o único obstáculo para o aluno é... traduzir a palavra escrita para uma forma matemática apropriada, de maneira que algoritmos adequados possam ser aplicados. (Butts, 1997, p. 35). Essas três categorias são consideradas pelo autor artificiais, distantes da realidade dos alunos. Em contrapartida, os problemas de pesquisa aberta e as situações problema 6, incentivam conjecturas e a elaboração e verificação de hipóteses. Em consonância com o entendimento de Polya (2006) e Butts (1997), Onuchic e Allevato (2011; 2014) consideram problema como sendo algo que não se sabe fazer, mas há o interesse em descobrir e aprender. Conforme as autoras, para que uma atividade seja realmente um problema o professor não pode antecipar aos alunos as regras especificas para a resolução. Um problema deve apresentar um desafio intelectual para o aluno. Podemos perceber que apesar de a literatura apresentar nomenclaturas diversas para definir tipos de problema, é possível identificar pontos convergentes que definem problema como sendo uma questão para a qual não se conhece a resposta de imediato, mas que se tem interesse em descobrir e requer do aluno uma reflexão para alcançar o fim que se espera. Em contrapartida, exercício caracteriza-se por ser uma atividade em que o aluno já memorizou a estratégia para alcançar a resposta e a sua prática possui o objetivo de treinar um determinado procedimento ou aplicar um conceito aprendido. Já nos PCN de Matemática (1997), encontramos uma diferença acentuada na definição dos termos problema e exercício quando afirmam que um problema não é um exercício mecânico de aplicação de fórmulas, mas sim uma atividade em que o aluno precisa primeiramente compreender o seu enunciado para então elaborar estratégias de resolução. Tendo como fundamentação os estudos de Polya (1997, 2006), Butts (1997), Onuchic (1999) e Onuchic e Allevato (2011, 2014) elaboramos um comparativo (quadro 1) para elencar as diferenças entre problema e exercício. Optamos por utilizar esses termos por ser a nomenclatura presente nos Parâmetros Curriculares Nacionais de Matemática (BRASIL, 1997), documento de referência para o Ensino Fundamental de todo o país. 5 Exercício de reconhecimento valoriza a memorização de teoremas; exercício algoritmo pode ser resolvido passo a passo, utilizando um algoritmo numérico; problema de aplicação envolve algoritmos aplicativos. (Butts, 1997). 6 Problema de pesquisa aberta tem a função de incentivar conjecturas; situação problema - incluem situações em que uma das etapas é justamente identificar o problema ligado à situação cuja solução irá resolvê -lo. Ambos não apontam em seus enunciados uma estratégia para resolvê-los, (Butts, 1997).

Quadro 1: Diferenças entre Problema matemático e Exercício matemático Exercício matemático Problema matemático Diferenças entre Problema matemático e Exercício matemático Definição Objetivo Encaminhamentos metodológicos Avaliação Situação em que Aplicar o conceito Atividade de Ênfase no o aluno se aprendido e/ou fixação, proposta resultado final, depara e já sabe treinar um após a explanação ou seja, na como resolver, determinado do conteúdo. resposta dada ao pois já conhece procedimento. problema. o modelo de resolução. Situação nova Propiciar ao aluno Ponto de partida Valorização do para o aluno e momentos para para trabalhar processo da para a qual não possui uma resposta imediata. Autor: Guérios e Souto (2017) conjecturar, elaborar estratégias e testar hipóteses na busca da solução de um dado problema. novos conceitos, estabelecendo relações com os conhecimentos anteriores do aluno. resolução problemas. de Portanto, definimos problema matemático como sendo uma situação nova e desafiadora, a qual não se pode resolver mecanicamente. Tal situação requer, então, a construção de caminhos na busca de sua solução, podendo, na maioria dos casos, admitir mais de uma possibilidade de resolução. Deve estimular o aluno a realizar uma leitura atenta, a fazer conjecturas, formular hipóteses, testá-las e buscar sua comprovação. Neste processo, o aluno poderá utilizar os conhecimentos anteriormente aprendidos e adquirir outros novos, constituindo-se como sujeito do processo de aprendizagem. Tendo-se claro a abordagem da Resolução de Problemas como meio para ensinar Matemática e o conceito de problema matemático, buscamos agora o entendimento de contexto. Problemas Matemáticos numa perspectiva de contexto Muitos educadores e pesquisadores compartilham da ideia de que o ensino deve aproximar-se da realidade do aluno. D Ambrosio aponta como uma das justificativas para ensinar matemática nas escolas o seu caráter útil como instrumentador para a vida. Isso

significa desenvolver a capacidade do aluno para manejar situações reais, que se apresentam a cada momento, de maneira distinta (D AMBROSIO, 1998, p. 16). Para Onuchic (1999), a Resolução de Problemas envolve aplicar a matemática ao mundo real. Todavia esta não deve ser ensinada apenas em função da resolução de um determinado problema, mas sim é importante conduzir o aluno a construção de um amplo repertório de conhecimentos, para que este seja capaz de inter-relacionar conceitos atentando aos princípios fundamentais que os unifica. Porém essa não é uma tarefa fácil. É com frequência que nos deparamos com problemas estanques e artificiais, que buscam uma forçosa relação com a realidade para trabalhar determinados conceitos matemáticos. Por outro lado, a elaboração de enunciados longos abordando algum fato real, não garante o despertar do interesse dos alunos, pois não corresponde ao cotidiano dos mesmos, como evidencia a pesquisa de Medeiros Junior (2007). É preciso perceber a sensível diferença entre o cotidiano do professor e o cotidiano do aluno. Segundo os estudos de Guérios et al (2009), os termos do trinômio realidade cotidiano contextualização se confundem nas práticas didáticas, ora sendo entendidos como sinônimos, ora como conceitos distintos. Tal estudo revela a importância de considerar que a realidade é percebida de modo diferenciado por cada individuo e o cotidiano, por sua vez, está associado à vida de cada um e aos significados que cada qual estabelece, acarretando diferentes entendimentos para as mesmas situações. Assim, a luz desse entendimento de realidade cotidiano contextualização propomos trabalhar o ensino de matemática por meio da Resolução de Problemas contextualizados. Partindo de um tema de interesse dos alunos, elaborar uma sequência de problemas matemáticos correlacionados, que apresentem situações que condizem com a realidade, com o intuito de estimular os alunos a interpretar os dados do problema, a conjecturar e construir e verificar estratégias de resolução. A importância de trabalhar o ensino de matemática voltado a problemas que abordem situações reais é também defendida por D Ambrosio (1998), quando relata que uma boa forma de ensinar matemática é inserir o aluno num contexto onde o desafio matemático esteja presente de modo natural, assim a resolução de problema adquire significado e a busca por sua solução faz sentido. Considerações

O destaque dado neste texto a problemas matemáticos contextualizados não é sinônimo de negação ao trabalho com problemas rotineiros no cotidiano escolar, pois estes também possuem objetivos de ensino bem delineados, necessários ao desenvolvimento dos alunos. Todavia, é importante que o professor não se limite a eles e apresente outras propostas de trabalho que contribuam para o desenvolvimento das faculdades inventivas dos alunos. Nessa direção, ressaltamos as palavras de Polya (2006, p. 142) quando afirma que No ensino da Matemática, podem fazer-se necessários problemas rotineiros, até mesmo muitos deles, mas deixar que os alunos nada mais façam é indesculpável.. Considerando que o pensamento criativo, o raciocínio lógico e a literacia são habilidades importantes para todo e qualquer cidadão, faz-se importante que a escola trabalhe para o desenvolvimento de tais capacidades. Portanto, acreditamos ser de grande valia proporcionar aos alunos atividades que envolvam a resolução de problemas contextualizados oportunizando, no decorrer do processo de resolução, a formulação de conjecturas, a criação de estratégias, o levantamento de hipóteses, a interação com o meio e o debate com o outro. Por fim, apresentamos algumas preposições a serem investigadas no caminhar de nossa pesquisa. O trabalho com problemas matemáticos oportuniza que o aluno, ao posicionar-se no centro das atividades, assuma a responsabilidade pela aprendizagem, construindo sentido para os conceitos matemáticos. Ao formular suas próprias estratégias e hipóteses para a resolução de um dado problema, o aluno tem a oportunidade de desenvolver um pensamento independente, dando sentido e significado à Matemática e, consequentemente, fortalecer sua autoconfiança para resolver problemas futuros, dentro e fora do espaço escolar. Ensinar Matemática por meio da Resolução de Problemas Contextualizados pode motivar a participação do aluno no decorrer das aulas, pois dessa forma serão abordados assuntos de seu interesse, favorecendo a construção de sentido para o que é proposto. Referências: BRASIL, Ministério de Educação. Parâmetros Curriculares Nacionais: Matemática, 3º e 4º ciclos. Brasília: MEC/SEF, 1998.. Parâmetros Curriculares Nacionais: Matemática. Brasília: MEC/SEF, 1997.

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