Telenovela e identidade regional: considerações sobre o papel da ficção televisiva no incremento turístico no sul da Bahia 1

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Transcrição:

Telenovela e identidade regional: considerações sobre o papel da ficção televisiva no incremento turístico no sul da Bahia 1 Rodrigo Bomfim Oliveira 2 Betânia Maria Vilas Boas Barreto 3 Universidade Estadual de santa Cruz Resumo O presente trabalho argumenta sobre como a televisão, através das peculiaridades da construção narrativa do formato telenovela, cria, re-cria, distorce e impõe aspectos da identidade cultural, muitas vezes estereotipados e folclorizantes. Além disso, pretende-se levantar considerações de como esse processo comunicacional, apoiado na ficção seriada, consegue ser um fator importante para o incremento da indústria do turismo através da construção do imaginário coletivo. Palavras-chave: Telenovela; Identidade Cultural; Imaginário Coletivo. Introdução A região cacaueira faz parte do circuito nacional do turismo brasileiro, tem vários patrimônios tombados, natureza exuberante, longa faixa costeira e um considerável legado cultural. Grande parte deste legado, oriundo principalmente da riqueza da cultura popular nativa, foi inspiração de grandes escritores, poetas, músicos e dramaturgos para o 1 Trabalho apresentado à Sessão de Temas Livre, XXVII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, Porto Alegre/RS, 30de agosto a 03 de setembro de 2004 2 Formado em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo e Publicidade & Propaganda. Professor da área de imagem do curso de Comunicação Social da Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC). 3 Formada em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo. Especialista em Comunicação Educacional (UEPB). Mestranda em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente e professora da área de imagem do curso de Comunicação Social da Universidade Estadual de Santa Cruz.

desenvolvimento de suas obras, sobretudo no que diz respeito à produção literária. A televisão, veículo de comunicação de massa e principal meio de informação e/ou entretenimento do Brasil, apropriou-se dessa riqueza cultural, através da adaptação de romances em telenovelas, sendo, desta forma, um dos grandes difusores e construtores do imaginário coletivo e da identidade cultural do país. A cultura de massa 4 tende a homogeneizar e procura atingir a todos os públicos. Uma das estratégias é romper com as fronteiras de estrato social, sexo ou idade. As telenovelas, por exemplo, têm como característica principal em suas tramas a mescla uniforme e folclorizante das identidades culturais vigentes. Dentre tais produções, destacam-se no cenário da teledramaturgia brasileira, adaptações de romances literários. A discussão da cultura de massa não é algo novo, mas que mantém sua atualidade. O seu tema é algo que tem sido bastante explorado recentemente pelos meios de comunicação. O formato brasileiro de se fazer telenovela é fonte de inúmeras pesquisas, aqui e no exterior. Por outro lado, o estudo de suas vertentes sobre a construção do imaginário coletivo, identidades culturais e sua contribuição ao turismo, ainda está se consolidando. Existe uma estreita relação entre a indústria do turismo e o imaginário coletivo. 5 Neste caso, é preciso entender e refletir sobre como as formas simbólicas de difusão de mensagens midiatizadas são capazes de polarizar e direcionar circuitos de turismo cultural. Para Hall (1999), há várias maneiras de como a narrativa é contada. Existe a narrativa contada em mitos, através da literatura nacional e mídia. A nação é narrada também através de tradições inventadas e rituais formalistas; invocação de mitos fundantes e a idealização de um povo. Telenovela e imaginário 4 Segundo Morin a sociologia americana reconhece a mass culture como a terceira cultura surgida após a II Grande Guerra. A cultura de massa é produzida segundo as normas da fabricação industrial (...). A cultura de é uma cultura: ela constitui símbolos, mitos e imagens concernentes à vida prática e à vida imaginária, um sistema de projeções e identificações específicas. (1997). 5 Marc Augé subdividi o imaginário em: individual, coletivo e ficcional. O individual seria o sonho, o coletivo o mito e a ficção diz respeito ao que acontece com nossa relação com o real em detrimento à sua simbolização.

A televisão, como um gigantesco processador de imagens e sons, inibe e intensifica os desejos e necessidades do público. Uma interpretação do sentido da televisão no contexto da cultura brasileira demonstra a sua legitimidade, na medida em que desvela este processo informativo e comunicacional; isto é, como a mídia eletrônica, pelo viés da ficção seriada, assimila, reconstrói e devolve ao espaço público tudo aquilo que absorveu na própria substância viva da existência social. Este é um desafio que se impõe a todos aqueles predispostos a uma investigação da televisão e da telenovela. As telenovelas, objeto de estudo em questão, recriam uma profusão de mitos antigos e recentes, estruturantes do imaginário coletivo e das maneiras como dialogam com as instâncias reais, históricas, políticas e culturais, em que se inscrevem os indivíduos. A região cacaueira (situada no sul do estado da Bahia) é constante cenário e inspiração para produções audiovisuais, tendo como destaque as telenovelas: Gabriela (1975) e Renascer (1993), exibidas pela Rede Globo de Televisão. No caso de Gabriela, adaptação de Walter Jorge Durst do romance Gabriela, Cravo e Canela de Jorge Amado, percebe-se a forte presença dos elementos ficcionais na construção da narrativa em relação aos afazeres do turista na cidade. Contudo deve salientar que, de acordo com Barbero e Rey (2001), em relação ao diálogo possível entre literatura e televisão, há um predomínio da gramática da fragmentação presente no discurso audiovisual da televisão e colocam O que torna especialmente tenso o diálogo do campo literário com a televisão é a dificuldade de captar que o que faz o sucesso dessa mídia remete mais além da superficialidade dos assuntos, dos esquematismos narrativos e dos estratagemas do mercado às transformações tecnoperspectivas que permitem às massas urbanas se apropriar da modernidade sem deixar sua cultura oral, incorpora-se por fora da escola à alfabetização das novas linguagens e das novas escritas do ecossistema comunicativo e informacional. (pg. 149). Neste sentido, a história versa sobre uma órfã que veio da seca do nordeste tentar a sorte em Ilhéus. Neste contexto, inicia-se um romance entre Gabriela e o turco Nacib, cujo aspecto mais explorado pelo enredo da telenovela foi a sensualidade. Boa parte da atmosfera da produção de Gabriela foi voltada ao erotismo, baseada no tripé: a morena

faceira, curvilínea e sensual; o galã conquistador de mulheres solteiras e casadas; e o marido traído. Apesar de a novela ter sido uma adaptação do romance amadiano, o que permaneceu sedimentado para o público foi a versão televisiva, contribuindo para a exploração da imagem da sensualidade de Gabriela, fortalecendo, desta forma, o chavão: Ilhéus, Terra da Gabriela. De acordo com o dicionário da TV Globo (2003) Além da cena clássica em que Gabriela sobe ao telhado para pegar uma pipa (...) Nacib surpreende Gabriela e Tonico Bastos na cama, ou quando o coronel Guedes Mendonça (Francisco Dantas) mata sua esposa num flagrante de adultério. Também ficou na memória do público a cena em que Juca Viana (Pedro Paulo Rangel) e Chiquinha (Cididnha Milan), uma das raparigas do coronel Coriolano (Rafael de Carvalho), são flagrados na cama e atirados na rua sem roupas, debaixo de chuva, escorraçados pelos jagunços do coronel e humilhados pelo povo. (pg. 54) Numa análise preliminar, constata-se a força, a amplitude e a necessidade da indústria do turismo local em alimentar a idéia da presença mítica de Gabriela. A cidade é repleta de referências a esse universo ficcional, através de nomes de logradouros, casas comerciais, empresas de ônibus, empresas de comunicação (rádio e jornal impresso), entre outros. A própria prefeitura da cidade de Ilhéus divulga essa idéia: Mas como turismo não é só praia e belezas naturais, a imponência dos seus prédios e palácios representa um misto do simbolismo e o poder dos coronéis na construção da civilização do cacau. O governo tem investido também na recuperação de prédios e equipamentos como o Palácio Paranaguá, o Teatro Municipal, Bataclan e na reurbanização do Quarteirão e Casa Jorge Amado, homenagem a um escritor que revelou Ilhéus para o mundo com romances como Gabriela, São Jorge dos Ilhéus, Cacau e Terras do Sem Fim, traduzidos em mais de 50 países. [...] Ilhéus também investe no ecoturismo, explorando os filões abertos pelas novelas globais Gabriela e Renascer, que a tornaram nacionalmente conhecidas, mas não foram exploradas pelos governos passados, que perderam uma excelente oportunidade. (acessado em 07/06/2004) Além desses exemplos, existem pontos turísticos que foram retirados diretamente da ficção, como o Bar Vesúvio. Em relação à gastronomia, o turismo também se apropria do universo ficcional da telenovela, pode-se citar: o quibe do Turco Nacib vendido no Bar

Vesúvio e o chocolate (numa referência à monocultura predominante na região o cacau), intitulados Flor da Gabriela e Pau do Nacib, num formato análogo ao órgão sexual feminino e masculino, respectivamente. Outra telenovela que teve a região cacaueira como cenário, agora as fazendas de cacau de Ilhéus, foi Renascer, escrita por Benedito Ruy Barbosa. Os enfoques principais ao longo da trama foram a política, as lendas locais e aspectos socais. Ainda segundo o Dicionário da TV Globo (idem), um dos personagens principais, o Tião Galinha, interpretado por Osmar Prado, difundia vertentes do misticismo local, bem como uma abordagem crítico-social das condições de trabalho na região. O personagem acreditava na lenda do diabo na garrafa, que trazia prosperidade a quem o possuísse quando urinava em cima dos cacaueiros. Boa parte das cenas externas da novela foi ambientada numa fazenda nas proximidades de Ilhéus. Durante as gravações, o local passou a ser e ainda é um ponto turístico. Desta forma, criou-se um novo filão de exploração turística na região, mais uma vez a partir da exibição de uma ficção seriada. Trata-se do turismo rural, que hoje é amplamente praticado e estimulado, principalmente depois do declínio da monocultura do cacau, devido a uma doença conhecida como vassoura-de-bruxa. 6 Os símbolos, ícones e mitos 7 consolidados pela difusão nesse tipo de produto audiovisual passaram a ser elementos construtores e de fomento da indústria do turismo regional. Várias dessas produções, além dos livros que a elas serviram como bases para adaptação, são consumidas amplamente nos mercados interno e externo, a ponto de serem capazes de criar um imaginário coletivo definido e construído a partir dessa tríade. A televisão na sociedade brasileira se apóia numa estratégia metodológica, que coloca as telenovelas em perspectiva para uma interpretação no plural da cultura brasileira. Vistas de longe, as imagens de ficção parecem janelas para uma contemplação e compreensão das realidades do Brasil; portanto, aposta-se na idéia de que a contemplação 6 Crinipellis Perniciosa, doença fúngica mais importante do cacaueiro e uma das responsáveis pelo declínio econômico da região. 7 Ver Bordenave, Juan Diaz (pág, 39-57). Além dos meios e mensagens: introdução à comunicação como processo, tecnologia, sistema e ciência.

dessas imagens pode despertar um conjunto de percepções, favorecendo um conhecimento aproximado do imaginário coletivo brasileiro. Do ponto de vista dos conteúdos, vemos como muitas das estratégias discursivas apontadas por Hall (1999) como operativas na narração da nação se realizam aqui. Assim é que Jorge Amado salienta Existe uma cultura baiana com características próprias, originais? Creio que sim. Aqui toda cultura nasce do povo, poderoso na Bahia é o povo, dele se alimentam artistas e escritores [...] Essa ligação com o povo e com seus problemas é marca fundamental da cultura baiana que influencia toda cultura brasileira da qual é célula mater. (pg. 23) Os estudos do olhar sobre os homens, seus símbolos e suas tribos nos contextos locais são elementos importantes para a análise da cultura de massa. Neste sentido, observando a ficção na TV e o seu séqüito de seres imaginários, percebe-se que além do lado matemático, performativo e funcional dessa máquina de visão, pulsa a organicidade das relações afetivas, que simbolicamente gera modos de vinculação e de sociabilidade. A apropriação pela indústria do turismo: o exemplo de Ilhéus, Bahia Percebe-se um reforço de certas tradições, que passaram à condição de chamariz turístico e assim também começaram a participar da perspectiva do desenvolvimento local do turismo. Nesse âmbito, os efeitos econômicos do turismo sobre as indústrias de artes e ofícios merecem atenção especial, uma vez que o turismo serve para regenerar indústrias tradicionais ao ampliar o mercado para produtos nativos. Esses produtos, em alguns casos, permanecem inalterados, mas, em geral, são modificados (e outros desenvolvidos) face às expectativas dos próprios turistas em busca de exotismo ou de peças pequenas e de fácil transporte. Os artefatos são fundamentais para a "jornada" turística, na qual, segundo Graburn (1989), souvenirs são, além de "memórias de experiências" (materializadas), evidências tangíveis da viagem que o turista divide com a família e amigos quando retorna ao local de origem. A região cacaueira é repleta de souvenirs como exposta na definição de Graburn

(1989), como por exemplo: produtos derivados do cacau, Flor da Gabriela, Pau de Nacib; miniaturas do berimbau, do cacau, da baiana, de Jorge Amado, entre outros. Para Risério (1993), o mito baiano é um fato. Ele se propõe, inclusive, a definir seus pilares: O mito baiano está assentado num tripé: antigüidade histórica, originalidade cultural, beleza natural e urbana. Foi a partir desses elementos, que são reais, que o mito evoluiu, dos tempos coloniais aos dias de hoje. No tocante à difusão mítica de baianidade, vê-se a utilização de seus mitos, muitas vezes oriundos da ficção seriada, por uma imensa estrutura comercial de show-business associada aos governos estadual, municipal, iniciativa privada, além de órgãos especializados, como Bahiatursa e Ilheustur. Como aponta Pinho (1998) neste trecho O interesse em mobilizar o arsenal de elementos simbólicos estereotípicos associados à idéia de Bahia configura o lastro socioeconômico para o que venho analisando aqui de um ponto de vista preferencialmente simbólico. A consciência de que o exotismo se vende com uma mercadoria, na forma de pacotes de turismo ou de bens de cultura, é pacificamente reconhecida por vários dos principais agentes interessados em promover a Idéia de Bahia. (pg. 10). Essa idéia de trabalhar o aspecto lúdico (eterna festa baiana), as comidas exóticas, o estereótipo do ócio permanente, da sensualidade e submissão da mulher baiana; proporcionam, em termos pragmáticos, a oferta em larga escala de serviços de lazer e de turismo. Considerações Finais Diante do exposto, verifica-se a necessidade de se aprofundar no questionamento sobre as identidades disseminadas pela ficção seriada em consonância coma realidade local, uma vez que há carências de estudos com esse enfoque na região. Essas considerações servem como base para futuras pesquisas. A idéia divulgada pela indústria do turismo, como base nas multivisões estereotípicas e folclorizantes, expõe a realidade local? A questão fundamental a ser

investigada mais detalhadamente é se, por um lado realidade serviu de tema para ficção, ou se a ficção molda a realidade, transformando-a num mosaico sob regras do formato televisivo. Conclui-se, portanto, que existe um estreito laço entre a ficção seriada e o turismo regional, emoldurado por estratagemas mercadológicos para o fomento da indústria na região sul da Bahia, especificamente em Ilhéus. Percebe-se um paradigma homogêneo, do ponto de vista estético e de seleção sobre quais elementos culturais da Bahia mostrar e quais marginalizar. Além disso, verifica-se uma lógica do como mostrar, sendo a preferência por estereótipos já sedimentados no senso comum e, desta forma, fortalecendoos na esfera pública através do imaginário coletivo.

Referências Bibliográficas AMADO, Jorge. (1973), Bahia de todos os santos. 25ª ed. (1ª ed., 1945). Rio de Janeiro, Livraria Martins Editora. AUGE, Marc. La Guerra de los suemos. Barcelona: Gedisa, 1998 BARBERO, Jesús Martin e Rey, German. Os exercícios do ver: hegemonia audiovisual e ficção televisiva. São Paulo: Ed. Senac, 2001 BORDENAVE, Juan E. Diaz. Além dos meios e mensagens. Rio de Janeiro; Vozes, 2001 DICIONÁRIO DA TV GLOBO, v.1: programas de dramaturgia & entretenimento / Projeto Memória das Organizações Globo. RJ: Jorge Zahar Ed., 2003. GRABURN, Nelson H. H. Introduction: the arts of the fourth world. In: Graburn, Nelson H. H. (ed). Ethinic and tourist arts: cultural expressions from the fourth world. Berkeley / London: University of California Press, 1976, pp. 1-32. GRÜNEWALD, Rodrigo de Azeredo. Artes Turísticas e Autenticidade Cultural. Veredas - Revista Científica de Turismo. Ano I - N 1 - Julho de 2002 - pp. 07-21 HALL, Stuart. A identidade Cultural na Pós-Modernidade. 3.ed. Rio de Janeiro: DP&A, 1999. MORIN, Edgar. Cultura de massas no século XX: o espírito do tempo. Rio de Janeiro : Forense Universitária, 1997.(9ª edição) PINHO, Osmundo S. de Araújo. "A BAHIA NO FUNDAMENTAL": Notas para uma Interpretação Do Discurso Ideológico Da Baianidade * Rev. bras. Ci. Soc. vol. 13 n. 36 São Paulo Feb. 1998 RISÉRIO, Antônio. Carnaval Ijexá. Salvador : Corrupio, 1981. HTTP:// www.ilheus.ba.gov.br/turismo.php (acessado em 06/06/2004) HTPP://www.teses.usp.br/teses/disponivel/11/11135/tde-17022003-155824/publico/silvio/pdf (acessado em 11/06/2004)