CARTOGRAFIA TÁTIL: UMA PROPOSTA METODOLÓGICA Resumo Mariane Félix da Rocha 1 - UFPR Eixo Formação de professores Agência Financiadora: CAPES A Cartografia Tátil é um ramo específico da Cartografia que produz documentos cartográficos que possam ser utilizados no ensino de pessoas com deficiência visual, para que elas desenvolvam habilidades de representação espacial. Em função de, comumente, durante a formação dos licenciados em Geografia, esse tópico ser negligenciado, foi elaborada a oficina intitulada Braille e Cartografia Tátil, realizada no dia 18 de outubro de 2016, com duração de 3 horas, na XII Semana Acadêmica de Geografia da Universidade Federal do Paraná, para os alunos de graduação (licenciatura e bacharelado), com vistas a auxiliá-los na adaptação de materiais para a prática docente, sobretudo na educação básica. Este relato de experiência, inspirado nessa oficina, tem três objetivos principais. O primeiro deles é o de apresentar o passo-a-passo para a confecção de um mapa tátil com materiais acessíveis, encontrados facilmente e com baixo custo em papelarias, armarinhos e lojas de materiais de construção. Também o de divulgar o formato da oficina, para que possa ser aplicada em outros locais e auxiliar na formação de outros professores de Geografia e de disciplinas correlatas. O terceiro objetivo deste relato de experiência é disseminar algumas práticas relativas à Cartografia Tátil que tem sido realizadas, bem como apresentar algumas instituições e materiais que podem auxiliar na prática docente com alunos deficientes visuais em sala de aula. Por fim, o relato de experiência traz também um questionamento acerca da adaptação de materiais e das especificidades do uso da cartografia com deficientes visuais, a fim de fomentar novas pesquisas sobre a temática. Palavras-chave: Cartografia tátil. Braille. Oficina. Introdução Segundo Joly (1990) a Cartografia é a arte de conceber, levantar, redigir e de divulgar os mapas. Estes, por sua vez, são uma representação (simplificação) da realidade, sobre uma superfície plana (papel ou monitor de um computador) do todo ou parte da superfície terrestre. 1 Mestre e graduada em Geografia pela Universidade Federal do Paraná. ISSN 2176-1396
20260 A Cartografia Tátil, de acordo com Freitas e Ventorini (2011), é uma área específica da Cartografia, que pesquisa procedimentos metodológicos de confecção e utilização de documentos cartográficos táteis para o ensino de pessoas com deficiência visual, a fim de desenvolver habilidades de representação espacial. Os mapas táteis são representações cartográficas em relevo elaboradas a partir de informações visuais, adaptando-se os símbolos da linguagem visual à linguagem tátil. Essa adaptação deve considerar o usuário desse material, o deficiente visual, que possui uma percepção diferenciada em função de sua deficiência (CARMO, 2009). Isso se deve ao fato de que a cartografia tátil, diferentemente da cartografia visual, é uma forma de comunicação sequencial, como um texto escrito. Ao ler um texto é necessário ler palavra por palavra, para compreender as informações contidas em uma página, com a representação tátil ocorre o mesmo. Enquanto uma pessoa que enxerga tem uma visão global e imediata de um mapa, para depois prestar atenção nos detalhes, os usuários com deficiência visual descobrem a informação através de uma varredura sequencial para, ao final, obter uma visão global da informação (CARMO, 2009, p. 47). Freitas e Ventorini (2011) atestam que há indícios de que os primeiros mapas em relevo foram elaborados no século XIX, na Alemanha. Desde então, os documentos táteis, anteriormente construídos com materiais de baixo custo, atualmente dispõem de recursos tecnológicos variados, tais como softwares e equipamentos eletrônicos capazes de disponibilizar informações sonoras em documentos cartográficos. Um exemplo disso é o software Mapavox, desenvolvido pela UNESP Rio Claro, que visa auxiliar alunos com deficiência visual por meio da emissão de sons associados a objetos que compõem algum material tátil, seja maquete, mapa ou jogo tátil (UNESP, 2017). Na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) há o Laboratório de Cartografia Tátil e Escolar (LABTATE), que disponibiliza para download modelos de mapas táteis para serem impressos em acetato e microcapsulado. Esse processo, no entanto, demanda um certo maquinário que pode não ser acessível a todos, principalmente no ensino básico público. Em função disso, ainda são muito utilizados os materiais de baixo custo na confecção de materiais táteis. Zucherato, Juliasz e Freitas (2017), por exemplo, na confecção de gráficos táteis, utilizaram uma prancha de papelão tamanho A4 revestida de feltro para fixar as peças do gráfico, feitas de peças de E.V.A., papel cartão, camurça, papel microndulado, etc., com tamanhos mínimos de 2,5 cm por 2,5 cm, com velcro no verso. Os autores também trazem
20261 uma ideia de mapa tátil utilizando papel alumínio, através do decalque de um desenho no papel vegetal. Seguindo-se essa linha de utilizar materiais acessíveis na confecção de mapas táteis e com o intuito de dar suporte aos futuros professores de Geografia nessa etapa do seu trabalho, praticamente negligenciada durante a formação acadêmica, foi realizada em 18 de outubro de 2016 a oficina Braille e Cartografia Tátil, na XII Semana Acadêmica de Geografia da UFPR. Esse relato de experiência surgiu dessa atividade, com o objetivo de disseminar algumas ações relativas à Cartografia Tátil, apresentar uma metodologia de construção de mapa tátil e, por fim, apontar uma forma de contribuir na formação dos professores, de modo que essa oficina possa ser reproduzida em outros lugares e atingindo mais pessoas. Materiais e métodos Para organizar a oficina, primeiramente foi construído um mapa piloto, a fim de testar os materiais e a metodologia do mapa tátil. O mapa de Unidades de Conservação brasileiras, disponibilizado no site do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2016) serviu de base para a confecção do mapa por apresentar feições de pontos, linhas e polígonos (Figura 1). Figura 1 Mapa utilizado como base Fonte: IBGE (2016).
20262 A partir do mapa de Unidades de Conservação Estações, áreas e florestas nacionais - de 2008, foi elaborado um mapa tátil que trazia as Unidades de Conservação, representadas na feição de ponto, separadas em três classes de tamanho: até 300 mil hectares; de 300 mil a 500 mil hectares e acima de 500 mil hectares. Para representar esses pontos no mapa foram utilizadas miçangas de três tamanhos diferentes, adquiridas em um armarinho. As feições de polígonos representadas foram as regiões brasileiras, diferenciadas em papeis de texturas diversas: papel camurça, representando a região norte; papel ondulado na região nordeste; papel crepom na região centro-oeste; E.V.A. na região sul e lixa de parede, adquirida em uma loja de materiais de construção, representando a região sudeste. As feições de linha representaram a linha de costa (litoral) e o limite internacional, através de fios de lã de diferentes espessuras, também adquiridos em um armarinho (Quadro 1). Quadro 1 Confecção do mapa tátil Contorno do limite das regiões no papel vegetal Recorte do contorno das regiões no papel vegetal Desenho e recorte das regiões nos respectivos papeis Colagem das feições de pontos (miçangas) nas regiões Montagem do mapa do Brasil e colagem das feições de linhas (lãs) Elaboração de legenda, título, escala e orientação Fonte: A autora. A confecção do mapa consistiu nas seguintes etapas, representadas no Quadro 1:
20263 Contorno do limite das regiões do Brasil, do mapa para o papel vegetal; Recorte do contorno das regiões no papel vegetal; Desenho e recorte das regiões nos papeis de diferentes texturas, adquiridos para representar as regiões brasileiras, a partir do molde dos recortes em papel vegetal; Colagem das miçangas (feições de pontos Unidades de Conservação) sobre cada uma das regiões brasileiras; Colagem das regiões de forma a montar o mapa do Brasil; Colagem dos fios de lã para representar a linha de costa (litoral) e os limites internacionais terrestres brasileiros; Elaboração da legenda, com amostras dos materiais utilizados, escala e orientação de norte, bem como escrita das informações e do título do mapa em Braille. O título e a legenda do mapa foram escritos em Braille com uma reglete de mesa. A orientação e a escala foram feitos conforme indicados no artigo de LOCH (2008), apenas adaptando-se os materiais: a autora utiliza o acetato, no mapa tátil foi usado um pedaço do fio de lã, o mesmo utilizado para fazer o limite internacional do mapa, e o E.V.A. utilizado para fazer a região sul do mapa recortado em formato circular com o auxílio de um furador de papel (Figura 2). Figura 2 Orientação e escala táteis conforme LOCH (2008) Fonte: LOCH (2008). Resultados O mapa pronto foi apresentado ao servidor da seção Braille da Biblioteca Pública do Paraná e deficiente visual, Anastácio Braga, com o objetivo de testar a eficácia do mapa. Ao analisar o mapa, o servidor disse que as feições de linha e polígono eram facilmente
20264 identificáveis no mapa e na legenda. Quanto às feições de pontos, porém, duas delas tinham tamanhos muito próximos, o que dificultava a diferenciação entre uma e outra apenas com o tato. Por isso, na oficina de Braille e Cartografia Tátil realizada na XII Semana Acadêmica de Geografia da UPPR, o mapa confeccionado em conjunto com os alunos teve uma modificação nas feições de pontos: ao invés de representar as Unidades de Conservação classificadas em três ordens de tamanho, optou-se por representar as cinco maiores e as cinco menores capitais brasileiras, pelo tamanho de suas populações. As feições de polígonos e linhas mantiveram-se as mesmas do mapa piloto. Dessa forma, os alunos que participaram da oficina tiveram a oportunidade de adaptar para um mapa tátil as três feições utilizadas em mapas. Participaram dessa oficina, no dia 18 de outubro de 2016, 10 alunos da graduação em Geografia da Universidade Federal do Paraná. Antes da confecção do mapa propriamente dito, a oficina apresentou locais na capital paranaense que oferecem algum auxílio na adaptação de materiais, outros recursos disponíveis para o ensino de pessoas com deficiência visual e uma introdução à escrita Braille. Em Curitiba, a Biblioteca Pública do Paraná possui livros em Braille para empréstimo, além de contribuir com a transcrição de pequenos textos para o Braille e cursos gratuitos de leitura e escrita em Braille e Soroban (tipo de calculadora utilizada pelos deficientes visuais), oferecidos periodicamente e com carga horária de 30 horas. Ainda na cidade há o Instituto Paranaense de Cegos (IPC), que possui uma escola de Ensino Fundamental I para deficientes visuais e onde há a oportunidade de se fazer visitas guiadas para conhecer a estrutura. Dentre os recursos disponíveis para o ensino de deficientes visuais, há o Soroban, que é utilizado para fazer cálculos, e o Girabraille, que tem como função ensinar a escrita Braille. Especificamente para a Geografia, os mais úteis são o desenhador, que permite fazer desenhos em relevo, as maquetes, os gráficos e mapas táteis (Quadro 2).
20265 Quadro 2 Recursos utilizados no ensino de deficientes visuais Girabraille Soroban Desenhador Fonte: Adapta Fácil (2017) Fonte: ASAC (2017) Fonte: Blog Partes Mirim (2017) Maquete Gráfico tátil Mapa tátil Fonte: LABTATE (2017) Fonte: Zucherato, Juliasz e Freitas (2017) Fonte: A autora. Fonte: Arco Sinalização (2017) Após essa etapa, foi introduzida a escrita Braille, método criado em 1825 por Louis Braille, na França, como um sistema de escrita e leitura tátil para cegos, que utiliza seis pontos em relevo dispostos em uma célula de duas colunas e três linhas (APADEV, 2017). O objetivo de ensinar a escrita Braille para os participantes da oficina foi para que eles pudessem transcrever as informações da legenda para o Braille. Como só havia uma reglete de mesa disponível para os 10 estudantes e apenas 3 horas de oficina, foi feita uma adaptação para que os alunos pudessem ter contato com a escrita em Braille em uma reglete de mesa negativa, isto é, na qual se escreve espelhado para que se possa ler na posição correta. Essa adaptação consistiu em utilizar o papel vegetal, um papel A4 como base com o desenho das células Braille e canetinhas coloridas: os estudantes escreviam as informações em Braille da direita para a esquerda, para treinar a escrita em Braille e, ao virar a folha, as informações em Braille estavam na posição de leitura (Figura 3).
20266 Figura 3 Adaptação da escrita em Braille no papel vegetal (note que a escrita se dá da direita para a esquerda). Fonte: A autora. Terminada a parte da oficina referente à escrita em Braille, os participantes iniciaram a construção do mapa tátil, conforme explicado na metodologia do artigo, porém substituindo as Unidades de Conservação pelas cinco maiores e menores capitais brasileiras. Ao finalizar o mapa, foi feita a legenda com amostras dos papeis, lãs e miçangas utilizadas e colado o papel vegetal com as informações escritas em Braille (somente a representação dos pontos no papel vegetal, sem estar em relevo) em suas respectivas posições. Considerações finais Com a realização da oficina Braille e Cartografia Tátil na XII Semana Acadêmica de Geografia da UFPR foi possível apresentar aos participantes uma forma de se adaptar um material cartográfico para o ensino de deficientes visuais, além de possibilitá-los um contato com a escrita em Braille e muni-los de informações sobre locais e materiais que podem auxiliá-los na prática docente no caso de virem a ter um deficiente visual em suas aulas. Esse relato de experiência, por sua vez, pode se transformar numa ferramenta de divulgação desse formato de oficina para que possa ser aplicado em outros lugares, oportunizando a outros licenciandos/licenciados um contato com esse tipo de material, de forma a ajudá-los em suas vidas profissionais.
20267 Como forma de contribuir para o aprimoramento das pesquisas nessa área, ao longo da montagem da oficina e da escrita do relato de experiência surgiu uma dúvida e, então, notouse uma lacuna no que tange à forma como os deficientes visuais leem os mapas. A cartografia tem a função de apresentar de forma rápida as informações referentes ao espaço, e, visualmente, pode-se ter a ideia de todo o conjunto do mapa com apenas uma olhada. O deficiente visual, porém, ao tatear o mapa, percebe um pedaço de cada vez, para só então formar a ideia do todo. De que forma isso muda a relação do aluno com o mapa? E, principalmente, considerando esse detalhe será que se deve mudar a maneira como são confeccionados os mapas táteis, deixando-se de apenas adaptar os mapas feitos originalmente para serem vistos e criando-se uma cartografia efetivamente tátil? REFERÊNCIAS ADAPTA FÁCIL. Disponível em: <http://adaptafacil.com.br/>. Acesso em: 31 maio 2017. APADEV Associação dos pais e amigos dos deficientes visuais. O sistema Braille. Disponível em: <http://www.apadev.org.br/pages/workshop/osistemabraile.pdf>. Acesso em: 30 maio 2017. ARCO Sinalização Universal. Disponível em: <http://www.arcomodular.com.br/portugues/produtos/sinalizacao-tatil/mapas-tateis>. Acesso em: 31 maio 2017. ASAC Associação Sorocabana de Atividades para Deficientes Visuais. Braille e Soroban. Disponível em: <http://www.asac.org.br/braille>. Acesso em: 31 maio 2017. BLOG Partes Mirim. Disponível em: <http://partesmirim.blogspot.com.br/2012/04/>. Acesso em: 31 maio 2017. CARMO, W. R. Cartografia tátil escolar: experiências com a construção de materiais didáticos e com a formação continuada de professores. 2009. 195 f. Dissertação (Mestrado) Universidade de São Paulo, São Paulo, 2009. Disponível em: <http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8135/tde-08032010-124510/pt-br.php>. Acesso em: 02 jun. 2017. FREITAS, M. I. C.; VENTORINI, S. E. Cartografia tátil: orientação e mobilidade às pessoas com deficiência visual. Jundiaí/SP: Paco Editorial, 2011. IBGE. Território Unidades de Conservação. Disponível em: <http://brasilemsintese.ibge.gov.br/territorio/unidades-de-conservacao.html>. Acesso em: 07 out. 2016. JOLY, F. A Cartografia. Campinas: Papirus, 1990.
20268 LABTATE. Disponível em: <http://www.labtate.ufsc.br/index.html>. Acesso em: 28 maio 2017. LOCH, R. E. N. Cartografia Tátil: mapas para deficientes visuais. Portal da Cartografia. Londrina, v.1, n.1, p. 35-58, maio/ago. 2008. Disponível em: <http://www.uel.br/revistas/uel/index.php/portalcartografia>. Acesso em: 28 maio 2017. UNESP. O Mapavox no ensino da Geografia para deficientes visuais. Disponível em: <https://edutec.unesp.br/index.php?option=com_content&view=article&id=969:o-mapavoxno-ensino-da-geografia-para-deficientes-visuais&catid=26&itemid=107&lang=pt-br>. Acesso em: 29 maio 2017. ZUCHERATO, B.; JULIASZ, P. C. S.; FREITAS, M. I. C. Cartografia tátil: mapas e gráficos táteis em aulas inclusivas. Disponível em: <https://acervodigital.unesp.br/bitstream/123456789/47182/1/u1_d22_v9_tb.pdf>. Acesso em: 29 maio 2017.