Estudo anatômico e radiológico do ponto isométrico femoral

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Transcrição:

ESTUDO ANATÔMICO E RADIOLÓGICO DO PONTO ISOMÉTRICO FEMORAL Estudo anatômico e radiológico do ponto isométrico femoral MARCO ANTÔNIO PERCOPE DE ANDRADE 1, JEFFERSON SOARES LEAL 2, GILBERTO FRANCISCO BRANDÃO 2 RESUMO Os autores procuram definir, num estudo em 11 joelhos de cadáveres, o ponto isométrico femoral. Quatro pontos foram testados e comparados. O ponto A localizou-se no centro de inserção do LCA no fêmur; o ponto B, no limite póstero-superior; o ponto C, no limite póstero-inferior; e o ponto D, anterior e centralmente. Na tíbia, um único ponto no centro da inserção do LCA foi considerado. Testes de isometricidade foram realizados para identificar o ponto femoral mais isométrico e este ponto foi definido radiologicamente através de critérios estabelecidos pelos autores, baseados em Melhorn & Henning. SUMMARY Anatomical and radiological study of the femoral isometric point The authors try to define the femoral isometric point by means of a study in 11 cadaver knees. Four subjects were compared: point A was located in the center of the insertion of the ACL; point B in the posterior superior corner; point C in the posterior inferior corner; and point D in the center of the anterior insertion of the ACL. An unique tibial point, in the center of the ACL insertion, was considered. Isometric tests were performed and the most isometric point was identified and this point was defined radiologically by criteria established by the authors, based on Melhorn & Henning. INTRODUÇÃO O bom posicionamento do enxerto para reconstrução do ligamento cruzado anterior (LCA) vem sendo extensivamente estudado e documentado na literatura (15,18,19,22,26,27). A reconstrução isométrica é um dos fatores mais importantes para o 1. Coordenador do Serv. de Ortop. do HC/UFMG; Prof. Aux. da Fac. de Med. da UFMG. 2. Ex-Residente do Serv. de Ortop. do HC/UFMG. sucesso do tratamento cirúrgico (1,13,14,17,19). A isometricidade na reconstrução do LCA é definida como aquele posicionamento intra-articular do enxerto, no qual seu comprimento permanece constante durante todo o arco de movimento do joelho (6). Embora o LCA não apresente fibras tensas e de comprimento constante durante todo o movimento de flexoextensão do joelho (11,24), o conceito de isometricidade é amplamente empregado (6,10-15,19,21,24-26). As variações máximas no comprimento do enxerto, para que este seja considerado isométrico, in vivo, são diferentes segundo os diversos autores. Penner et al. aceitam até 4mm (24) ; Halpern, até 3,5mm (9) ; Dorlot et al., de 4-6mm (3) ; e Hoogland & Hillen, até 3,0mm (15). O posicionamento isométrico do enxerto no fêmur permanece controverso. As posições anterior (26), central (16,17), póstero-superior (2) e posterior (23,27) à inserção anatômica do LCA demonstram ter um comportamento isométrico ou próximo dele (2,11,22,27). Mudanças no comprimento do enxerto se mostram menos sensíveis às variações do sítio de inserção tibial que femoral (16,17). A definição radiológica de uma área femoral isométrica pode ser útil como meio de avaliar o posicionamento do enxerto no fêmur no pós-operatório imediato. Apesar de a isometricidade ser muito discutida do ponto de vista anatômico, não são muitos os trabalhos na literatura que a discutem radiologicamente. Feagin et al. consideram que o primeiro sinal radiológico de falha da reconstrução do LCA ocorre no 6º mês pós-operatório (4). Melhorn & Henning, apesar de discutirem o ponto isométrico radiológico, são pouco claros na sua definição (19). O objetivo do presente trabalho é: 1) determinar qual posicionamento femoral demonstra melhor comportamento isométrico; 2) delimitar esta área radiograficamente. MATERIAL E MÉTODOS Foram estudados 11 joelhos de cadáveres humanos de setembro de 94 a agosto de 95. Dez foram identificados e em Rev Bras Ortop _ Vol. 32, Nº 5 Maio, 1997 331

M.A.P. ANDRADE, J.S. LEAL & G.F. BRANDÃO Fig. 1 Demonstração da dissecção anterior e posterior do LCA, para definição dos pontos a serem testados um não foi possível a identificação. As idades nos joelhos identificados variaram de 15 a 79 anos, com média de 53,6 anos. Sete foram do lado direito e quatro do lado esquerdo. Seis eram de pacientes do sexo feminino e quatro, do sexo masculino; um não foi identificado. Todos os joelhos estudados não apresentaram sinais de patologia ligamentar ou de cirurgias prévias. O joelho nº 6 apresentava fratura extra-articular do terço distal do fêmur e do terço proximal da tíbia consolidada e sem lesão intraarticular, sendo, portanto, incluído no estudo. Dissecção das peças anatômicas Os joelhos foram dissecados através de incisão em forma de U invertido. Os braços verticais foram incisões parapatelares e a curva unindo os dois braços foi uma incisão através do tendão do músculo quadríceps. O flap resultante era refletido ântero-inferiormente, de modo que todas as estruturas intra-articulares pudessem ser inspeccionadas. A pele, tecido subcutâneo, músculos, vasos e nervos em torno do joelho eram removidos. A seguir, cada joelho foi dissecado, testado, radiografado e conservado em solução de formaldeído a 10%. O ligamento mucoso e as estruturas sinoviais em torno do LCA eram removidos para permitir adequada exposição das suas inserções femoral e tibial. O limite anterior da inserção do LCA foi marcado com alfinetes metálicos de cabeça de 1,5mm de diâmetro. Através de capsulectomia posterior, expôs-se a inserção femoral do LCA posteriormente. O limite posterior da inserção do LCA no fêmur foi, também, marcado com os alfinetes metálicos (figura 1). O ligamento cruzado anterior foi mantido íntegro para a realização dos testes de isometricidade. Fig. 2 Esquema dos pontos femorais escolhidos para os testes de isometricidade Testes de isometricidade Foram escolhidos quatro pontos dentro do limite anatômico da inserção femoral do LCA e cada ponto era testado para isometricidade. Na tíbia, a referência era o centro da inserção anatômica do LCA. Os pontos testados estão esquematizados na figura 2: ponto A situado no centro da inserção anatômica do LCA, no fêmur, com margem de erro de 3mm, em qualquer direção; ponto B localizado entre o limite póstero-superior da inserção do LCA e o ponto A; ponto C localizado entre o limite póstero-inferior da inserção do LCA e o ponto A; e ponto D localizado anteriormente ao ponto A, dentro do limite anatômico anterior de inserção do LCA. Um túnel de 2,0mm era feito no ponto de referência tibial, com saída na face ântero-medial da tíbia. Uma cânula metálica de 1,5mm de diâmetro interno foi introduzida no túnel e um fio de Ethibond nº 5 passado no seu interior. O objetivo da cânula era o de impedir que o fio sob tensão cortasse o 332 Rev Bras Ortop _ Vol. 32, Nº 5 Maio, 1997

ESTUDO ANATÔMICO E RADIOLÓGICO DO PONTO ISOMÉTRICO FEMORAL Fig. 3 Limites do LCA no fêmur e sua visão radiológica Fig. 4 Linhas utilizadas para se definir o ponto isométrico femoral no joelho nº 1 Fig. 5 Visibilização radiológica da inclinação do LCA no AP osso. O fio de Ethibond nº 5 foi escolhido por apresentar propriedades mecânicas satisfatórias para o teste, segundo Flandry et al. (5). No fêmur, procedimento semelhante era feito para cada ponto. O fio de Ethibond era introduzido por dentro da cânula, no ponto femoral testado. A extremidade do fio, no lado femoral, era fixada com uma pinça hemostática, ao nível da cortical lateral, e no lado tibial era mantida sob tensão de 0,8kgf, de modo que permitisse que seu comprimento se alterasse para mais ou para menos, de acordo com a variação da distância femorotibial entre os pontos testados. Antes de se registrar as variações do comprimento externo do fio nas amplitudes estudadas do joelho, três movimentos completos de flexo-extensão eram, então, realizados, para verificar o deslizamento do fio dentro do sistema. A tensão de 0,8kgf foi um valor suficiente para a realização dos testes, sem tensionamento excessivo do fio, evitando-se assim a perda de suas propriedades mecânicas ou o seu alongamento indesejável. As variações do comprimento do fio eram registradas nas amplitudes de 0º-30º, 30º-60º, 60º-90º e 90º-120º, partindo da extensão para flexão, utilizando-se de critérios semelhantes aos de Hernandez et al. (14). Por convenção, adotaram-se valores negativos quando, com a flexão, havia diminuição da distância entre os pontos femoral ou tibial, com conseqüente aumento do comprimento externo do fio, e positivos quando havia aumento da distância entre esses pontos, com encurtamento do comprimento externo do fio. Após a anotação da alteração de comprimento em cada amplitude, era calculada a variação máxima do comprimento do fio (VMF). Este valor foi absoluto, não se considerando se a variação foi alongamento ou encurtamento do fio. Assim, se durante um teste de 0-120º o fio alongasse ( ) 1,0mm com a flexão e, a seguir, com a continuidade do movimento, encurtasse o mesmo (+) 1,0mm, a variação máxima do comprimento seria de 1,0mm e não de 0 ou 2,0mm (joelho nº 5, ponto D) da tabela 1. Cada joelho foi submetido ao teste acima, utilizando os pontos femorais A, B, C e D e o ponto único tibial de referência. Delimitação radiográfica do ponto isométrico Após os testes, os pontos A, B, C e D e o ponto tibial eram marcados com um alfinete metálico maior e os joelhos eram radiografados em AP e perfil estrito, para posterior análise radiológica dos pontos testados (figura 3). Para a definição radiográfica do ponto isométrico, baseado nos resultados dos testes, foram consideradas as seguintes linhas e medidas: na radiografia em perfil uma linha foi traçada longitudinalmente no eixo central do fêmur, até to- Rev Bras Ortop _ Vol. 32, Nº 5 Maio, 1997 333

M.A.P. ANDRADE, J.S. LEAL & G.F. BRANDÃO car a linha de Blumensat (linha F). Do cruzamento da linha F com a linha de Blumensat, foi traçada uma 2ª linha em direção ao ponto B (no limite póstero-superior da inserção do LCA, considerado o mais isométrico, como será demonstrado nos resultados), que foi chamado de linha B1. Uma 3ª linha paralela à linha F foi traçada, passando pelo ponto B e denominada linha P. Sua distância da cortical posterior do fêmur foi tomada, sempre a 10,0mm da linha de Blumensat. A seguir foi medido o ângulo entre a linha F e a linha B1 (ÂB1). A figura 4 mostra as linhas traçadas e os valores do ângulo B1, da distância da cortical posterior do fêmur e a linha P (distância dc1) para o joelho nº 1. Na radiografia em AP do joelho, uma linha foi traçada tangenciando a superfície articular da tíbia, chamada de linha T. Uma perpendicular a esta foi traçada passando pelo ponto de referência tibial e chamada de linha D. Uma 3ª linha unindo o ponto de referência tibial ao ponto B foi traçada e denominada de linha T1. A seguir foi medido o ângulo formado entre a linha T1 e a linha D (ÂDT1). A figura 5 mostra as linhas traçadas e o valor do ângulo ÂDT1 para o joelho nº 1. RESULTADOS Para o ponto A, em 45,3% dos testes a VMF foi menor ou igual a 2,5mm. A menor VMF foi de 1,0mm para o joelho nº 8. A maior VMF foi de 5,0mm para o joelho nº 6. A média foi de 2,82mm, com desvio-padrão de 1,25mm e variância de 1,56mm. Para o ponto B, em 100% dos testes a VMF foi menor ou igual a 2,5mm. A menor VMF foi de 0,5mm, para o joelho nº 3. A maior VMF foi de 2,5mm, para os joelhos nº s 1 e 9. A média foi de 1,68mm, com desvio-padrão de 0,64mm e variância de 0,41mm. Para o ponto C, em nenhum caso a VMF foi menor ou igual a 2,5mm. A menor VMF foi de 3,0mm, para os joelhos nº s 4 e 6. A maior VMF foi de 14mm, para o joelho nº 5. A média das VMF foi de 6,45mm, com desvio-padrão de 3,72 e variância de 13,87mm. No ponto D, em 18,2% dos testes, a VMF foi menor ou igual a 2,5mm. A menor VMF foi de 1,0mm para o joelho nº 5. A maior VMF foi de 4,0mm, para os joelhos nº s 6 e 8. A média da VMF foi de 3,04mm, com desvio-padrão de 0,82mm e variância de 0,67mm. Os resultados dos testes de isometricidade para cada joelho, para os pontos A, B, C e D, encontram-se na tabela 1. Com relação à análise radiológica das medidas feitas nas incidências em ântero-posterior (AP) e perfil, obtiveram-se os seguintes resultados: no perfil, o ângulo ÂB1 variou de 41º a 59º, com média de 53,6º e desvio-padrão de 5,4º. A distância entre a cortical posterior do fêmur e a linha P1 (dc1) variou de 9,0mm a 12mm, com média de 10,59mm e desviopadrão de 1,09mm (tabela 2). TABELA 1 Valores da variação da distância, em milímetros, para cada arco de movimento e variação máxima entre 0-120º Joelho 0-30 30-60 60-90 90-120 Var. máx. Nº 1 A 1,0 0,50 0,50 0,50 2,50 B 0,00 0,50 0,00 2,00 2,50 C 2,00 1,00 0,00 1,00 4,00 D 1,00 0,50 1,00 0,50 3,00 Nº 2 A 1,00 1,00 0,50 0,50 3,00 B 1,00 0,50 0,00 0,50 2,00 C 2,00 2,00 0,50 1,50 6,00 D 2,00 0,50 0,00 0,50 3,00 Nº 3 A 2,00 0,50 0,50 0,50 3,50 B 0,50 0,00 0,00 0,00 0,50 C 3,00 3,00 1,00 2,00 9,00 D 2,00 1,50 0,50 0,50 3,50 Nº 4 A 1,0 0,5 +0,5 0,0 1,5 B 1,0 +0,5 0,0 0,0 1,0 C 1,0 1,0 1,0 0,0 3,0 D 1,0 +0,5 +0,5 +1,0 3,0 Nº 5 A 1,5 0,5 1,0 0,0 3,0 B 1,0 0,5 0,0 0,5 2,0 C 3,5 1,5 5,0 4,0 14,0 D 1,0 0,0 0,0 +1,0 1,0 Nº 6 A 4,0 1,0 0,0 0,0 5,0 B 1,0 0,5 0,0 0,0 1,5 C 3,0 0,0 +1,0 +1,0 3,0 D 0,0 +2,0 +1,0 +1,0 4,0 Nº 7 A 1,0 0,5 0,0 0,0 1,5 B 1,0 0,0 0,0 1,0 2,0 C 2,0 1,0 0,5 0,5 4,0 D +0,5 +1,5 +0,5 0,0 2,5 Nº 8 A 1,0 0,0 0,0 0,0 1,0 B 1,0 0,0 0,0 0,0 1,0 C 2,0 0,0 1,0 1,0 4,0 D 1,0 +1,0 +1,0 0,0 4,0 Nº 9 A 3,0 1,0 0,0 0,0 4,0 B 1,0 1,0 0,0 0,5 2,5 C 4,0 2,0 5,0 0,0 11,0 D 2,0 1,0 0,0 +1,0 3,0 Nº 10 A 1,50 0,50 2,00 0,00 4,00 B 0,00 1,00 0,50 0,00 1,50 C 5,00 2,00 0,00 2,00 9,00 D 1,00 1,00 1,00 0,50 3,50 Nº 11 A 1,0 0,5 0,5 0,0 2,0 B 1,0 0,5 0,5 0,0 2,0 C 2,0 1,0 1,0 0,0 4,0 D 1,0 1,0 0,5 0,5 3,0 334 Rev Bras Ortop _ Vol. 32, Nº 5 Maio, 1997

ESTUDO ANATÔMICO E RADIOLÓGICO DO PONTO ISOMÉTRICO FEMORAL Nas radiografias em AP, o ângulo ÂDT1 variou de 8º a 16º, com média de 11,90º e desvio-padrão de 3,59 (tabela 3). TABELA 2 Valores do ângulo ÂB1 e da distância dc1 medidos em graus e milímetros, respectivamente Joelho 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 ÂB1 54º 52º 58º 59º 59º 50º 51º 52º 58º 41º 56º dc1 12 11 6 11 11 12 18 8 16 10 16 DISCUSSÃO TABELA 3 Angulação entre a linha B1 e a linha P traçada do ponto de inserção tibial (ÂPT1) Joelho 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 (ÂPT1) 11º 11º 6º 11º 11º 13º 18º 8º 16º 10º 16º O conceito de isometricidade é controverso, existindo autores que preferem o termo próximo do isométrico a isométrico (6) ; não considerando nenhuma reconstrução verdadeiramente isométrica. É aceito que o LCA normal apresenta variação do seu comprimento, durante o arco de movimento, de até 2,5mm (8,16), ou seja, 5 a 6% do seu comprimento (7,21). O termo próximo do isométrico parece ser, então, o mais adequado. Neste estudo, foi considerado como comportamento isométrico aquele teste cuja variação máxima do fio (VMF) foi menor ou igual a 2,5mm (20). Preferiu-se realizar os testes com o ligamento íntegro, procurando-se produzir, ao máximo, a biomecânica normal do joelho. Comparando-se os resultados entre os pontos A, B, C e D, notamos que o melhor comportamento isométrico ocorreu no ponto B, que apresentou uma VMF menor que 2,5mm em todos os testes. O ponto A, que em 45,3% dos testes apresentou comportamento isométrico, foi o 2º melhor com relação à isometricidade. O ponto C nunca foi isométrico nos testes e foi o que apresentou os piores resultados, com as maiores VMF. O ponto D, apesar de ter apresentado comportamento isométrico em 18,2% dos testes, foi o que mostrou o maior número de resultados com diminuição do comprimento externo do fio (joelhos nº s 4, 5, 6, 7, 8 e 9). A definição de uma área radiológica isométrica no fêmur pode constituir um meio auxiliar útil na avaliação do posi- Fig. 6 Esquema das linhas traçadas para se definir o ponto isométrico radiológico no fêmur cionamento isométrico nos pós-operatórios imediatos. Procurou-se, então, através de estudo em peças anatômicas, determinar esse ponto radiológico, utilizando-se os critérios de Melhorn & Henning (19), porém definindo-se com detalhes o ângulo traçado entre a linha F e a linha B1, a partir da linha de Blumensat (ÂB1) e a distância da linha P, da cortical posterior do fêmur. Definiu-se, então, como ponto isométrico radiológico, aquele localizado na confluência da linha P, traçada a 11mm da cortical posterior do fêmur, com a linha B1, traçada com um ângulo de 54º da linha F (figura 6). No AP este ponto esteve localizado em média a 12º em relação à linha P. CONCLUSÕES A análise dos resultados mostrou que o ponto B foi o que apresentou melhor comportamento isométrico. Não houve, porém, diferença estatisticamente significativa entre os pontos A e B (p < 0,25). Os pontos C e D não se mostraram isométricos e as diferenças dos resultados em relação ao ponto B foram significativos (p < 0,05). Com relação aos critérios de avaliação radiológica, podese definir como ponto isométrico radiológico a intersecção da linha P com a linha B1. Esta é traçada na intersecção da linha F com a linha de Blumensat (ângulo B1). Este estudo mostrou os seguintes valores para estes dados: linha F traçada no centro da diáfise femoral, no perfil; ângulo B1 = 54º; linha P traçada a 11mm da cortical posterior do fêmur. Investigações adicionais são necessárias para se avaliar se esta informação poderá ser usada como valor prognóstico do resultado de uma cirurgia de reconstrução ligamentar. Rev Bras Ortop _ Vol. 32, Nº 5 Maio, 1997 335

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