II REDUÇÃO POR BIOLIXIVIAÇÃO DO TEOR DE METAIS PESADOS PRESENTES NOS LODOS DE ESGOTOS DIGERIDOS

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RESUMO. PALAVRAS-CHAVE: Disposição controlada no solo, nutrientes, capacidade de adsorção. 1.0 INTRODUÇÃO

Transcrição:

II- 030 - REDUÇÃO POR BIOLIXIVIAÇÃO DO TEOR DE METAIS PESADOS PRESENTES NOS LODOS DE ESGOTOS DIGERIDOS Rosiléa Garcia França (1) Engenheira Civil pela Fundação Universidade do Rio Grande (FURG/RS). Mestre em Engenharia Oceânica pela Fundação Universidade do Rio Grande. Doutoranda em Saneamento e Ambiente na Faculdade de Engenharia Civil (UNICAMP). Roberto Feijó de Figueiredo Engenheiro Civil - UNICAMP (Dez/1973); M.Sc. em Hidráulica e Saneamento - EESC- USP (Jun/1977); M.E. em Engenharia Sanitária - University of California, Berkeley (Set/1979); Ph.D. em Engenharia Ambiental - University of California, Davis (Set/1982); Professor e Diretor da Faculdade de Engenharia Civil - UNICAMP. FOTO NÃO DISPONIVEL Endereço (1) : Rua Benjamin Constant n o 1308 apt o 23 - Centro - Campinas - SP - CEP: 13010-141 - Brasil - Tel: (0xx19) 3236-8964 - e-mail: rosilea@fec.unicamp.br RESUMO Em geral, as Estações de Tratamento de Esgotos (ETE's) recebem os esgotos in natura e os submetem a uma série de processos físicos, químicos e biológicos que têm por objetivo eliminar da água contaminada as diversas substâncias indesejáveis nela contida, possibilitando o seu retorno ao ambiente com características sanitárias mais adequadas. Deve-se ressaltar no entanto, que tais processos não destroem a totalidade das substâncias indesejáveis. No caso dos metais pesados, estes são apenas removidos da água e concentrados no lodo, resíduo final do processo de tratamento. As alternativas para redução de metais pesados no lodo, desta forma, são os métodos químicos ou a solubilização biológica. Neste trabalho, a redução de metais pesados (cobre, chumbo, cromo, níquel e zinco) no lodo digerido foi feita por biolixiviação. Os microrganismos, Thiobacillus ferrooxidans e thiooxidans usados neste estudo foram cedidos pelo Laboratório de Biometalurgia, do Instituto de Química, da Universidade Estadual Paulista. Os experimentos para biolixiviação de metais foram conduzidos em diversos reatores do tipo batelada, totalizando um volume de lodo digerido de aproximadamente 20 L. O ph inicial do lodo foi ajustado para 4 com adição de H 2 SO 4. Esses reatores foram colocados em uma mesa agitadora dentro de uma estufa a uma temperatura de 24 C ± 2 C e com agitação de 125 rpm. Uma bateria controle sem T. thiooxidans e ferrooxidans também foi feita para comparar resultados. O ph foi medido a cada 24 horas durante o experimento. A taxa de remoção foi mínima no lodo bruto (controle) e máxima no lodo tratado (mistura dos dois microrganismos). Isto demonstra que a solubilização de metais com bactérias é eficiente. A maior solubilização para todos os metais ocorreu aproximadamente em 8 dias, logo depois a eficiência começou a diminuir. A eficiência de biolixiviação foi calculada considerando o teor de metal encontrado em 8 dias. Os metais que apresentaram maior eficiência de solubilização foram o níquel e o zinco tanto no controle como no lodo tratado. O cromo, por sua vez, apresentou baixa eficiência de redução. Este experimento demonstrou que a biolixiviação de metais do lodo digerido é um processo eficiente, além disso reduziu o volume de lodo, sendo uma boa alternativa as Companhias de Saneamento, visto que o volume de lodo produzido é grande. PALAVRAS-CHAVE: biolixiviação, lodo digerido, Thiobacillus ferrooxidans e thiooxidans, metais pesados. ABES Trabalhos Técnicos 1

INTRODUÇÃO A carência de sistemas de tratamento de esgotos domésticos e industriais, já equacionados nos países desenvolvidos, constitui-se possivelmente no principal problema de poluição das águas no Brasil. Em geral, as Estações de Tratamento de Esgotos (ETE's) recebem os esgotos in natura e os submetem a uma série de processos físicos, químicos e biológicos que têm por objetivo eliminar da água contaminada as diversas substâncias indesejáveis nela contida, possibilitando o seu retorno ao ambiente com características sanitárias mais adequadas. Deve-se ressaltar no entanto, que tais processos não destroem a totalidade das substâncias indesejáveis. No caso dos metais pesados, estes são apenas removidos da água e concentrados no lodo, resíduo final do processo de tratamento. O lodo disposto inadequadamente, sem qualquer tratamento, também pode poluir o solo e os recursos hídricos, alterando suas características físicas, químicas e biológicas, constituindo-se num problema de ordem estética e, ainda pior, uma séria ameaça à saúde pública e ambiental. Por essas razões, a eliminação imediata dos problemas com o lodo de esgoto doméstico, desde a sua origem, seguida do tratamento e destino final, não é somente desejável, mas, mais do que necessário para sociedade (DE DEUS, 1992). As alternativas que têm sido estudadas para dispor o lodo resultante do tratamento de esgoto, são: incineração, descarga para o oceano, aterro sanitário e aplicação na terra agrícola. A disposição do lodo de esgoto na agricultura pode tornar-se prática comum. Dependendo da origem e composição deste material, seu uso agrícola pode representar fonte de alguns nutrientes para as plantas, além de melhorar as condições físicas do solo devido ao alto teor de matéria orgânica que ele contêm. Porém, a presença de metais pesados no lodo de esgoto pode ser um fator limitante ao seu uso. A redução de metais pesados no lodo de esgoto pode ser alcançado ou pelo controle da fonte de descarga para sistema de esgoto ou pela remoção de metais do lodo. No controle da fonte, a maior dificuldade é a identificação das fontes. Além disso, até com a completa eliminação de metais tóxicos de todas as descargas industriais para o esgoto, o problema permaneceria devido ao conteúdo de metais nos esgotos domésticos, principalmente de cobre e chumbo. As alternativas para redução de metais pesados no lodo, desta forma, são os métodos químicos ou a solubilização biológica. Nos últimos 20 anos, muitos métodos químicos tem sido examinados para extração de metais pesados do lodo, tais como: cloração, troca iônica e acidificação de lodo com diferentes ácidos (TYAGI et al., 1993). O alto custo, problemas operacionais e resultados insatisfatórios da solubilização de metais são os principais problemas para a aplicação prática destes métodos. Para superar estes problemas na utilização de métodos químicos, a remoção de metais por solubilização biológica tem sido explorada (COUILLARD, D. e MERCIER, G. 1994; TYAGI et al., 1993; JAIN, D.K. e TYAGI, R.D. 1992). Segundo COUILLARD et al. (1991), a solubilização biológica em relação a solubilização química é mais econômica, exigindo menor quantidade de ácidos além de ter uma execução mais fácil. Os principais tipos de bactérias usadas no processo biológico são: Thiobacillus ferrooxidans e Thiobacillus thiooxidans. Estas bactérias são aeróbias obrigatórias e fixam o dióxido de carbono atmosférico. T. thiooxidans cresce em valores de ph entre 1,0 e 4,0, sendo o ph ótimo 2,5, e utiliza enxofre elementar ou compostos reduzidos de enxofre como substrato oxidável. T. ferrooxidans é a única espécie do gênero capaz de catalisar a oxidação do íon ferroso, aumentando de 10 5 a 10 6 a velocidade de reação. A espécie também é acidofílica, pois seu ph ótimo de crescimento é aproximadamente 2,0, ocorrendo entretanto, crescimento numa faixa de ph entre 1,2 a 4,0. Basicamente, a T. ferrooxidans necessita de suprimentos de nitrogênio, fósforo e magnésio e um substrato inorgânico oxidável 2 ABES Trabalhos Técnicos

como fonte de energia, que pode ser o íon Fe 2+, enxofre elementar ou ainda um sulfeto metálico, como por exemplo a pirita, FeS 2, principal substrato mineral utilizado pela bactéria. T. ferrooxidans é um dos principais microrganismos responsáveis pela lixiviação bacteriana de metais, ou biolixiviação, processo no qual o metabolismo microbiano causa a solubilização de metais de minérios. Uma característica fisiológica marcante e altamente interessante de T.ferrooxidans é a sua generalizada resistência a altas concentrações de íons metálicos, inclusive metais pesados. Isto pode ser atribuído à presença constante de metais no próprio habitat da bactéria, fator que provavelmente determinou a seleção de tipos mais resistentes ao longo da evolução. Embora os mecanismos que determinam essa resistência não sejam muito conhecidos, sabe-se que T. ferrooxidans apresenta resistência elevada ao alumínio, zinco, manganês, cobre, cromo, entre outros (NOVO, 1998). O efeito de solubilização destas bactérias no metal sulfeto pode ser explicado (COUILLARD, D. e MERCIER, G. 1994) através dos seguintes processos: PROCESSO INDIRETO Fe 2+ + 0.5O 2 + 2 H + Fe 3+ + H 2 O equação (1) 4Fe 3+ + MS + 2H 2 O + O 2 M 2+ + 4Fe 2+ + SO 2-4 + 4H + equação (2) Na reação (2), o íon férrico formado na reação (1), reage quimicamente com metal sulfeto (MS). Esta ação solubiliza o metal por oxidação do sulfeto para sulfato e forma ácido sulfúrico, com menor ph. Ferro férrico é reduzido a ferro ferroso, e mais tarde pode ser reoxidado biologicamente pela T. ferrooxidans, completando o ciclo. PROCESSO DIRETO T. ferrooxidans MS + 2O 2 M 2+ + SO 2-4 equação (3) Neste processo sulfetos metálicos não-ferrosos são diretamente oxidados pelas bactérias para metal sulfato solúvel. O organismo T. thiooxidans não oxida ferro; é melhor conhecido por sua habilidade para crescer em compostos de enxofre elementar. Desta forma, o presente estudo tem por objetivo a redução do teor de metais pesados (Cd, Cr, Cu, Ni, Pb e Zn) do lodo de esgoto digerido gerado na Estação de Tratamento de Esgoto de Barueri - SP por meio do processo de solubilização biológica. MATERIAIS E MÉTODOS FONTE DE AMOSTRAS As amostras de lodo digerido foram provenientes da Estação de Tratamento de Esgotos da SABESP, localizada em Barueri SP, que emprega como processo de tratamento do esgoto a digestão anaeróbia do lodo. Estas amostras foram coletadas em recipiente de plástico, conservadas no gelo e armazenadas a 4 C antes de sua utilização. ABES Trabalhos Técnicos 3

MICRORGANISMOS Os microrganismos, Thiobacillus ferrooxidans e thiooxidans usados neste estudo foram cedidos pelo Laboratório de Biometalurgia, do Instituto de Química, da Universidade Estadual Paulista. MEIOS DE CULTURA O meio de cultivo utilizado para o crescimento da bactéria Thiobacillus ferrooxidans foi o meio líquido T&K (TUOVINEN, O.H. e KELLY, D.P., 1973) preparado da seguinte forma: solução A (NH 4 ) 2 SO 4 (0,5 g); K 2 HPO 4 (0,5 g); MgSO 4.7H 2 O (0,5 g); esses sais foram dissolvidos em água destilada (800 ml) com ph já ajustado para 1,8 com H 2 SO 4 ; solução B FeSO 4.7H 2 O (33,3 g), dissolvido em 200 ml de água destilada com ph 1,8 (H 2 SO 4 ). A solução A foi esterilazada em autoclave (20 min à 120ºC) e a solução B por filtração em membrana (0,45 µm de diâmetro de poro). No momento do uso, misturou-se a solução A e B na proporção de 4:1, respectivamente. Para o crescimento da bactéria Thiobacillus thiooxidans foi utilizado o meio de cultura 9K estritamente mineral (SILVERMAN e LUDGREN, 1959), contendo enxofre elementar como fonte energética. Este meio foi preparado do seguinte modo: solução A - (NH 4 ) 2 SO 4 (3,0 g); KH 2 PO 4 (0,5 g); MgSO 4.7H 2 O (0,5 g); Ca(NO 3 ) 2 (0,01 g); KCl (0,1 g); esses sais foram dissolvidos em água destilada (1.000 ml) já com ph ajustado para 2,8 com H 2 SO 4 ; Fonte Energética Enxofre elementar (10 g), esta quantidade foi separada em papel alumínio de 1 g de enxofre cada. A solução A foi esterilizada por 20 minutos à 120ºC em autoclave e a fonte energética também foi esterilizada em autoclave, por 1 hora à 110ºC, para evitar a fusão do enxofre. No momento do uso, 1 g de enxofre foi adicionado à 100 ml da solução A. Ambos organismos foram crescidos a 30 C em um agitador giratório a 200 rpm. EXPERIMENTO PARA REMOÇÃO DE METAIS Os experimentos para biolixiviação de metais foram conduzidos em diversos reatores do tipo batelada (Figura 1), totalizando um volume de lodo digerido de aproximadamente 20 L. O ph inicial do lodo foi ajustado para 4 com adição de H 2 SO 4. Esses reatores foram colocados em uma mesa agitadora dentro de uma estufa a uma temperatura de 24 C ± 2 C e com agitação de 125 rpm. Uma bateria controle sem T. thiooxidans e T. ferrooxidans também foi feita para comparar resultados. O ph foi medido a cada 24 horas durante o experimento. Figura 1 - Reatores do tipo batelada com lodo digerido 4 ABES Trabalhos Técnicos

PROCESSAMENTO DA PORÇÃO SÓLIDA DE LODO Após o experimento para redução do teor de metais no lodo, as amostras de lodo digerido foram centrifugadas a 10.000 rpm por 20 min a uma temperatura de 5 C/10 C (Centrífuga Sorvall RC 26 PLUS rotor SLA 1500) para separar sólidos e líquidos. A porção líquida (sobrenadante) foi transferida para tubos plásticos, acidificada com HNO 3 concentrado e estocada a 4 C até o momento de sua análise. As amostras da porção sólida foram secas em estufa numa temperatura de 80 C por 24 horas. Depois foram homogeneizadas com um moinho almofariz/pistilo, acondicionadas em recipiente de vidro com tampa de plástico, etiquetadas e guardadas para posterior análise. Para analisar metais, é necessário que esses elementos estejam em solução, mesmo que a amostra original seja sólida. Por isso, a porção sólida do lodo foi digerida com ácidos fortes (HNO 3 p.a., HF p.a. e HClO 4 p.a.), em temperatura elevada, seguindo o método adaptado de WINDOM et al., 1989. Primeiramente, uma subamostra de aproximadamente 0,25 gramas de lodo seco foi colocada num béquer de Teflon ; logo em seguida, foi adicionado 10 ml de HNO 3 (65%) p.a. e 10 ml de HF (48%) p.a., e deixado na capela, em repouso, por uma noite. No dia seguinte, foi adicionado gota a gota 3 ml de HClO 4 (70%) p.a.; o béquer foi colocado sobre a chapa de aquecimento numa temperatura máxima de 120 C, até quase a secura. Depois, foi adicionado 1 ml de HNO 3 na amostra, esperando que chegasse até quase a secura novamente. Este procedimento foi repetido mais uma vez. Ao terminar a digestão, foi adicionado 2 ml de HNO 3 10% e cerca de 10 ml de água deionizada, transferindo esta solução para um balão volumétrico de 25 ml e aferindo-o. O balão foi bem agitado e sua solução foi transferida para um frasco de estocagem (vidro) até o momento da análise. Para uma maior confiabilidade dos resultado, as digestões foram feitas em duplicatas, dosando para cada digestão uma amostra de branco e, ainda, usando um padrão de referencia internacional. A amostra digerida desta forma apresentará concentração de metal igual a: AxB Concentração do metal, mg/kg (base seca) = gdaamostra (4) onde: A = concentração do metal na solução digerida, mg/l; B = volume final de solução digerida, ml. equação A solução resultante, concentrada, foi diluída em água MILLI-Q, para posterior análise. O teor de metais do lodo digerido (porções líquida e sólida) foi determinado pela técnica de espectrofotômetro de absorção atômica modalidade chama. RESULTADOS CRESCIMENTO DOS MICRORGANISMOS Na Figura 2, pode ser visto o aspecto da cor das duas bactérias ao término do crescimento. ABES Trabalhos Técnicos 5

Figura 2 Microrganismos Thiobacillus ferrooxidans e thiooxidans O crescimento da bactéria T.ferrooxidans foi de aproximadamente 48 horas. O crescimento do T. ferrooxidans pode ser visualizado facilmente por uma mudança na cor: inicialmente a cor se apresentou levemente esverdeada passando a um vermelho intenso sem precipitados, indicando a oxidação completa do ion Fe 2+ para Fe 3+. Para a bactéria T.thiooxidans, o crescimento ocorreu em aproximadamente 9 dias, indicado pelo ph menor que 1,0. PROCESSO DE BIOXILIVIAÇÃO Os resultados da variação do ph durante o experimento batelada são mostrados na Figura 3. Observa-se um rápido decréscimo do ph que pode ser atribuído a uma oxidação mais lenta do enxofre elementar produzido durante o período da fase lag. T.thiooxidans é conhecida por ser constituída por enzimas oxidantes; enquanto que a T.ferrooxidans necessita um tempo inicial de adaptação, isto poderia oxidar o enxofre elementar fornecendo íons de hidrogênio (ANDREWS e MACZUGA, 1982). 5 4 ph 3 2 1 0 0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 T.ferrooxidans + T.thiooxidans Dias Figura 3 Variação do ph durante o experimento de biolixiviação 6 ABES Trabalhos Técnicos

TEOR DE METAIS NO SOBRENADANTE DO LODO DIGERIDO O teor de metais no lodo e no sobrenadante antes e depois da biolixiviação é apresentado na Tabela 1. A taxa de remoção foi baixa no lodo bruto (controle) e alta no lodo tratado (mistura dos dois microrganismos). Isto demonstra que a solubilização de metais com bactérias é eficiente. Análises de cádmio e chumbo também foram feitas mas suas concentrações estavam abaixo do limite de detecção do aparelho. Tabela 1 Metais no sobrenadante do lodo após 12 dias de biolixiviação Sobrenadante (mg/l) Cobre Cromo Níquel Zinco Lodo Bruto 2,2 n.d. 0,2 12 Lodo Tratado (6 dias) 16,0 0,81 1,8 47,2 Lodo Tratado (8 dias) 17,5 1,86 1,6 37,0 Lodo Tratado (12 dias) 17,0 1,39 1,6 59,0 Lodo Bruto (12 dias) 8,8 0,04 1,0 6,9 TEOR DE METAIS NA PORÇÃO SÓLIDA DO LODO Os resultados de biolixiviação para os metais cobre, chumbo, cromo e níquel são apresentados na Figura 4 e para o metal zinco apresentado na Figura 5. Observando as figuras, nota-se que a maior solubilização para todos os metais ocorreu em aproximadamente 8 dias, logo depois a eficiência começou a diminuir. Comparando as Figuras 3 e 4, observa-se que a partir do oitavo dia, o ph do lodo digerido começou a subir, isto poderia estar diminuindo a solubilização dos metais, visto que o meio se tornou menos ácido. 600 450 mg/kg 300 150 0 0 2 4 6 8 10 12 cobre chumbo cromo niquel Dias Figura 4 Teor de cobre, chumbo, cromo e níquel durante o experimento de biolixiviação ABES Trabalhos Técnicos 7

3000 2500 mg/kg 2000 1500 1000 500 0 0 2 4 6 8 10 12 14 zinco Dias Figura 5 Teor de zinco durante o experimento de biolixiviação EFICIÊNCIA NA PORÇÃO SÓLIDA DO LODO DEPOIS DA BIOLIXIVIAÇÃO A eficiência de biolixiviação para os metais são mostrados na Tabela 2, tendo sido considerado o teor de metal encontrado em 8 dias. Os metais que apresentaram maior eficiência de solubilização foram o níquel e o zinco tanto no lodo controle (sem bactérias) como no lodo tratado. O cromo, por sua vez, apresentou baixa eficiência de redução. Comparando-se os valores desse trabalho com os resultados encontrados por TYAGI, R.D. et al. (1988) também em lodo digerido (Tabela 3), verificou-se que os valores foram próximos. As variações existentes provavelmente ocorreram devido as características físico-químicas do lodo utilizado serem diferentes do lodo de Québec, Canadá. Tabela 2 Máxima solubilização dos metais durante a biolixiviação no lodo de Barueri Máxima percentagem da solubilização do teor de metais no lodo Cobre Chumbo Cromo Níquel Zinco Controle 35 38 18 44 71 T.ferrooxidans + T.thiooxidans 71 64 33 84 85 Fonte: TYAGI, R.D. et al. (1988) Tabela 3 Máxima solubilização dos metais durante a biolixiviação no lodo de Québec Máxima percentagem da solubilização do teor de metais no lodo Cobre Chumbo Cromo Níquel Zinco Controle 35 15 - - 80 T.ferrooxidans + T.thiooxidans 75 55 - - 97 CONCLUSÕES Com base nos resultados encontrados, concluiu-se que: O crescimento da bactéria T.ferrooxidans foi de aproximadamente 48 horas e da bactéria T.thiooxidans, de aproximadamente 9 dias, indicado pelo ph menor que 1,0; 8 ABES Trabalhos Técnicos

A taxa de remoção de metais foi baixa no lodo bruto (controle) e alta no lodo tratado (mistura dos dois microrganismos); A maior solubilização para todos os metais ocorreu em aproximadamente 8 dias, logo depois a eficiência começou a diminuir, provavelmente pelo aumento do ph; Os metais que apresentaram maior eficiência de solubilização foram o níquel e o zinco, tanto no lodo controle como no lodo tratado. O cromo, por sua vez, apresentou baixa eficiência de redução. A conclusão geral do trabalho é que o processo de biolixiviação para redução de metais em lodo digerido gerado em Estação de Tratamento de Esgoto é um processo eficiente e que pode ser utilizado como alternativa para garantir o uso com segurança do lodo na agricultura. AGRADECIMENTO À FAPESP, pelo bolsa de estudo concedida. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. ANDREWS, G.F., MACZUGA, J. Bacterial coal desulfurization. Biotechnol. Bioeng. Symp., n.12, p.337-48, 1982. 2. COUILLARD, D., CHARTIER, M., MERCIER, G. Bacterial leaching of heavy metals from aerobic sludge. Bioresource Technology, v.36, n.3, p.293, 1991. 3. COUILLARD, D., MERCIER, G. An economic evaluation of biological removal of heavy metals from wastewater sludge. Water Environmental Research, v.66, n.1, p.32, 1994. 4. DE DEUS, A.B.S. Avaliação sanitária e ambiental de lodos de ETE s. Dissertação (Mestrado) Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 1992.p.105. 5. JAIN, D.K., TYAGI, R.D. Leaching of heavy metals from anaerobic sewage sludge by sulfur-oxidizing bacteria. Enzyme Microb. Technol., v.14, n.5, p.376, 1992. 6. NOVO, M.T.M. Variabilidade genética em Thiobacillus spp. E efeitos de metais pesados em Thiobacillus ferrooxidans. Tese (Doutorado) Universidade Estadual de Campinas, 1998. 7. SILVERMAN, M.P., LUNDGREN, D.G. Studies on the chemoautotrophic iron bacteriam Ferrobacillus ferrooxidans. I. Na improved medium and a harvesting procedure for securing high cell yields. J> Bacteriol., n.77, p. 642-647, 1959. 8. TUOVINEN, O.H., KELLY, D.P. Studies on the growth of Thiobacillus ferrooxidans. I. Use of membrane filters and ferrous iron agar to determine viable number and comparison CO 2 fixation and iron oxidation as measures of growth. Arch. Microbiol., n.88, p.285-298, 1973. 9. TYAGI, D., COUILLARD, D., TRAN, F. Heavy metals removal from anaerobically digested sludge by chemical and microbiological methods. Environmental Pollution, v.50, p.295, 1988. 10. TYAGI, D., BLAIS, J.F., AUCLAIR, J.C., MEUNIER, N. Bacterial leaching of toxic metals from municipal sludge: influence of sludge characteristics. Water Environmental Research, v.65, n.3, p.196, 1993. 11. WINDOM, H.L., SCHROPP, S.J., CALDER, F.D., RYAN, J.D., SMITH,R., BURNEY, L.C., LEWIS, F.G., RAWLINSON. Natural trace metal concentrations in estuarine and coastal marine sediments of the Southeastern United States. Environmental Science & Technology, v.23, p.314, 1989. ABES Trabalhos Técnicos 9