HEMATOMA EPIDURAL COM PARAPLEGIA FLÁCIDA

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Transcrição:

94 Revista Portuguesa de Ortopedia e Traumatologia Portuguese Journal of Orthopaedics and Traumatology SOCIEDADE PORTUGUESA DE ORTOPEDIA E TRAUMATOLOGIA Rev Port Ortop Traum 22(1): 94-101, 2014 ORIGINAL HEMATOMA EPIDURAL COM PARAPLEGIA FLÁCIDA COMPLICAÇÃO DE PÓS-OPERATÓRIO IMEDIATO Rui Rocha, André Sarmento, André Costa, Andreia Ferreira, Maia Gonçalves, Rolando Freitas Serviço de Ortopedia. Centro Hospitalar Gaia/Espinho. Portugal. Rui Rocha André Sarmento André Costa Andreia Ferreira Internos do Complementar de Ortopedia Maia Gonçalves Assistente Hospitalar de Ortopedia Rolando Freitas Chefe de Serviço de Ortopedia e Diretor de Serviço de Ortopedia Submetido em 2 julho 2013 Revisto em 26 novembro 2013 Aceite em 26 novembro 201 Publicação eletrónica a Tipo de Estudo: Terapêutico Nível de Evidência: IV Declaração de conflito de interesses Nada a declarar. Correspondência Rui Rocha Rua Particular das Regadas nº28 ap. 3.1 4400-340 Vila Nova de Gaia Portugal ruimiguelreisrocha@gmail.com Sociedade Portuguesa de Ortopedia e Traumatologia

Revista Portuguesa de Ortopedia e Traumatologia Portuguese Journal of Orthopaedics and Traumatology 95 RESUMO Objetivo: os autores pretendem partilhar a experiência desta complicação cirúrgica major, com o cuidado de realizar uma revisão bibliográfica sumária sobre o tema abordando referências na literatura sobre a incidência e os fatores de risco inerentes a esta patologia. Descrição: apresenta-se um caso clínico, com o devido enquadramento bibliográfico, de um doente do sexo masculino com 70 anos de idade e neoplasia prostática submetido a laminectomia de L2 com artrodese L1-L3 postero-lateral instrumentada por claudicação neurogénea devido a metástase de L2. No pós-operatório imediato instalou-se um quadro de défice neurológico progressivo com paraplegia flácida e necessidade de reintervenção para drenagem de hematoma epidural confirmado por Ressonância Magnética. O doente recuperou neurologicamente após a drenagem do hematoma tendo retomado as suas atividades de vida diária. Comentários: a maioria dos hematomas epidurais pós-operatórios em cirurgia da patologia raquidiana são assintomáticos. A necessidade de drenagem cirúrgica resume-se a 0,1 a 3% dos hematomas diagnosticados, sendo emergente após o início dos défices neurológicos. É necessário ter em atenção os fatores de risco para o desenvolvimento de hematoma epidural sintomático no pós-operatório imediato para antever a sua possibilidade. Palavras chave: Espaço epidural, laminectomia, hematoma epidural espinal, paraplegia, descompressão cirúrgica, fusão vertebral http://www.rpot.pt Volume 22 Fascículo I 2014

96 Revista Portuguesa de Ortopedia e Traumatologia Portuguese Journal of Orthopaedics and Traumatology ABSTRACT Objective: The authors want to share the experience of this major surgical complication, and conduct a brief review on the topic addressing references in the literature on the incidence and risk factors associated with this disease. Description: The authors present as clinical case a male patient aged 70 years old with prostate cancer who underwent laminectomy of L2 and postero-lateral instrumented fusion of L1-L3 due to neurogenic claudication from L2 metastasis. In the immediate postoperative settled a progressive neurologic deficit with flaccid paraplegia and need for reoperation for drainage of epidural hematoma confirmed by MRI. The patient recovered neurologically after draining the hematoma having resumed their daily activities. Comments: Most epidural hematomas in postoperative pathology of spinal surgery are asymptomatic. The need for surgical drainage boils down to 0.1 to 3% of the hematomas diagnosed, being emergent after the onset of neurological deficits. Physicians must be aware of the risk factors for the development of symptomatic epidural hematoma in the immediate postoperative period to forecast its possibility. Key words: Epidural space, laminectomy, hematoma, epidural, spinal, paraplegia, decompression, surgical, spinal fusion Sociedade Portuguesa de Ortopedia e Traumatologia

Revista Portuguesa de Ortopedia e Traumatologia Portuguese Journal of Orthopaedics and Traumatology 97 INTRODUÇÃO Os hematomas epidurais da coluna vertebral (HECV) sintomáticos são uma patologia rara. O primeiro diagnóstico clínico documentado desta entidade deve-se a Jackson 1 em 1869 e o primeiro tratamento cirúrgico com sucesso foi efetuado em 1911 2. Embora ocorram frequentemente após uma cirurgia raquidiana 3, a grande maioria dos HECV são clinicamente assintomáticos 4. Em raras ocasiões podem tornar-se sintomáticos por compressão da medula ou de raízes nervosas, sendo necessária a sua evacuação cirúrgica urgente 5, sob pena de provocar consequências neurológicas graves 6. O HECV pós-operatório necessita de alto índice de suspeita para ser diagnosticado e deve ser investigado quando o doente apresenta queixas compatíveis com défice neurológico de novo após cirurgia ou quando desenvolve défices compatíveis com o síndrome da cauda equina 7. O diagnóstico deve ser rápido e eficaz pois os resultados clínicos dependem da celeridade da evacuação cirúrgica 7. A sua incidência é estimada em 0,1% a 3% 8. Os autores apresentam um caso clínico e uma revisão sumária da literatura no que diz respeito a incidência, fatores de risco e tratamento. Figura 1. RM, metástase em L2 (neoplasia maligna da próstata). CASO CLÍNICO Doente do sexo masculino com 70 anos de idade com antecedentes de hipertensão arterial e neoplasia maligna da próstata com metástase em L2 (Figura 1). Apresentava clínica de dor axial e claudicação neurogénea progressiva com envolvimento de ambos os membros inferiores. Ao exame objetivo apresentava diminuição da mobilidade em extensão da coluna lombar, dor à palpação das apófises espinhosas de L2 e L3 e diminuição dos reflexos osteo-tendinosos nos membros inferiores. Em Dezembro de 2011 o doente foi submetido a intervenção cirúrgica com laminectomia de L2 e artrodese postero-lateral instrumentada L1-L3 (Figura 2). Não realizou profilaxia de tromboembolismo pulmonar e foi colocado dreno subfascial no pós-operatório imediato. Doze horas após a cirurgia iniciou dor lombar com irradiação para os membros inferiores tendo o dreno sido acidentalmente exteriorizado. 16 horas após Figura 2. Radiografias após cirurgia (laminectomia de L2 e artrodese postero-lateral instrumentada L1-L3). a cirurgia iniciou um quadro de paraplegia flácida (grau A de Frankel) com abolição dos reflexos osteo-tendinosos. Realizou Ressonância Magnética urgente que diagnosticou um hematoma epidural extenso com compressão medular severa no nível operado (Figura 3). Cinco horas após o início dos sintomas neurológicos foi submetido a nova intervenção http://www.rpot.pt Volume 22 Fascículo I 2014

98 Revista Portuguesa de Ortopedia e Traumatologia Portuguese Journal of Orthopaedics and Traumatology Figura 3. RM, hematoma epidural extenso com compressão medular severa. cirúrgica com drenagem do hematoma (Figura 4). No pós-operatório imediato o doente iniciou recuperação progressiva dos défices. Teve alta para uma unidade de medicina física e reabilitação e na consulta de seguimento aos 2 meses apresentava recuperação total dos défices neurológicos (Frankel E) e não apresentava dor axial. DISCUSSÃO Existem dois grandes estudos retrospetivos com análise dos possíveis fatores de risco para o desenvolvimento de HECV no pós-operatório. O primeiro realizado em 2002 por Kou et al 7 estudou retrospetivamente por um período de 10 anos aproximadamente 12000 doentes todos eles envolvendo laminectomia lombar. Destes, 12 (0,1%) necessitaram de nova intervenção cirúrgica para drenagem de HECV. Foram então identificados como fatores de risco procedimentos a vários níveis (p=0,037) e doentes com coagulopatia no pré Figura 4. Hematoma epidural. operatório (p<0,001). Não foram confirmados como fatores de risco a idade, o índice de massa corporal, a durotomia operatória ou o uso ou não de drenos no pós-operatório. O estudo mais recente foi efetuado em 2005 por Awad Sociedade Portuguesa de Ortopedia e Traumatologia

Revista Portuguesa de Ortopedia e Traumatologia Portuguese Journal of Orthopaedics and Traumatology 99 et al 4 e envolveu 14932 doentes durante um período de 18 anos. Destes, apenas 32 (0,2%) necessitaram de nova intervenção cirúrgica por HECV pósoperatório. A sua distribuição nos segmentos da coluna foi: 7 na cervical; 3 na torácica e 17 na lombar. Como fatores de risco no pré operatório foram encontrados o uso de anti-inflamatórios não esteroides antes da cirurgia (p=0,048), doentes com grupo sanguíneo Rh-positivo (p=0,044) e idade superior a 60 anos (p=0,05). Não foi encontrada relevância estatística para a hipertensão arterial ou para o uso de tabaco. Como fatores de risco intra-operatórios foram encontrados as intervenções cirúrgicas envolvendo mais de cinco níveis (p=0,048), hemoglobina<10g/dl (p=0,050) e perdas sanguíneas superiores a 1L (p=0,38) no ato cirúrgico. Foram assim excluídos a duração da cirurgia, a necessidade de transfusão de plasma ou de plaquetas e outros valores laboratoriais para além da hemoglobina. Como fator de risco pós-operatório apenas foi encontrado um International Normalised Ratio (INR) superior a 2.0 nas primeiras 48 horas após a cirurgia (p=0,043). Sem relevância estatística permaneceram a profilaxia de trombo-embolismo pulmonar e a ausência de dreno no pós-operatório imediato. Embora seja uma complicação rara, o HECV pós-operatório pode provocar consequências neurológicas graves e permanentes. Kou et al 7 considera que procedimentos cirúrgicos a vários níveis podem originar a rotura do complexo venoso de Batson aumentando assim o risco de HECV. Esta hipótese no entanto carece de validação científica 4. Tarlov et al 8-11 no seu estudo em cães considera que a recuperação neurológica após HECV dependerá tanto da magnitude como da duração da compressão. Delamarter et al 12 também num estudo em cães demonstrou que quando a compressão tem uma duração igual ou superior a 6 horas, a recuperação neurológica não se verifica com a agravante de necrose progressiva da medula. Vandermeulen et al 13 demonstrou que os doentes submetidos a descompressão de um HECV pós-operatório num período inferior a 8 horas desde o início dos sintomas recuperam total ou parcialmente dos défices neurológicos. Quanto ao caso clínico por nós apresentado, o doente foi submetido à segunda intervenção cirúrgica 9 horas após o início do quadro de dor lombar e 5 horas após o início da instalação do compromisso neurológico tendo recuperado totalmente dos défices. Em relação aos fatores de risco descritos na literatura nos dois estudos apresentados, o doente do caso clínico apresentado não apresentava coagulopatia diagnosticada nem foi intervencionado em mais de 5 níveis. No entanto o seu grupo sanguíneo é Rhpositivo e tem mais de 60 anos. Não há registos de Hb<10g/dL nem de perdas superiores a 1L. O INR também não sofreu alterações. Estamos, no entanto perante duas situações a ponderar: a exteriorização do dreno e o quadro clínico do doente com neoplasia prostática com atingimento sistémico e local no caso da intervenção em L2 (vértebra metastizada). Não existe nenhum estudo na literatura que valorize estatisticamente o uso ou não de dreno como fator de risco para o HECV pós-operatório. Os autores encontraram, no entanto referências a HECV em doentes oncológicos com metástases vertebrais como sendo uma patologia pouco comum 14. Existe um caso clínico descrito de um hematoma num doente com mieloma e vértebra metastizada 15. A hemorragia terá sido desencadeada por fenómenos inflamatórios peridurais induzidos pelo tumor e por fragilidade intrínseca dos plexos venosos epidurais 14, não podendo ser descartada a hipótese de hemorragia por microfratura. Não se encontra no entanto na literatura referência a HECV pósoperatório em doentes com metástases vertebrais. Apesar da incidência de HECV sintomático no pósoperatório ser baixa, esta é uma complicação que pode provocar grande morbilidade neurológica. O diagnóstico clínico precoce é fundamental para o seu tratamento atempado e é necessário que o cirurgião considere a sua possível ocorrência no doente com défices neurológicos de novo no pós-operatório da cirurgia raquidiana. Os fatores de risco pré operatórios englobam uma grande parte da população, sendo aconselhável reduzir os riscos intra-operatórios dentro do possível. O prognóstico depende do desenvolvimento dos sintomas, da precocidade da reintervenção, do nível envolvido e do grau de défice neurológico instalado. São necessários mais estudos sendo certo que, sendo uma patologia rara, a possibilidade de estudos prospetivos é remota. http://www.rpot.pt Volume 22 Fascículo I 2014

100 Revista Portuguesa de Ortopedia e Traumatologia Portuguese Journal of Orthopaedics and Traumatology Do caso clínico descrito fica em aberto uma nova hipótese de fator de risco local e sistémico: a neoplasia. Sociedade Portuguesa de Ortopedia e Traumatologia

Revista Portuguesa de Ortopedia e Traumatologia Portuguese Journal of Orthopaedics and Traumatology 101 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Jackson R. Case of spinal apoplexy. Lancet 1869; 2:5-6. 2. Arseni C, Chimion D, Georgian M. Spontaneous epidural hematoma in malignant dysimmunoglobulinemia [French]. Rev Roum Neurol. 1968; 35: 145-152. 3. Teplick JG, Haskin ME. Computed tomography of the postoperative lumbar spine. AJR Am J Roentgenol 1983; 141:865-84. 4. Awad JN, Kebaish KM, Donigan J, Cohen DB, Kostuik JP. Analysis of the risk factors for the development of post-operative spinal epidural haematoma. J Bone Joint Surg [Br]. 2005; 87-B: 1248-52. 5. Cabana F, Pointillart V, Vital J, Senegas J. Postoperative compressive spinal epidural hematomas: 15 cases and a review of the literature. Rev Chir Orthop Reparatrice Appar Mot. 2000;86:335-45. 6. Lawton MT, Porter RW, Heiserman JE. Surgical management of spinal epidural hematoma: relationship between surgical timing and neurological outcome. J Neurosurg 1995;83:1-7. 7. Kou J, Fischgrund J, Biddinger A, Herkowitz H. Risk factors for spinal epidural hematoma after spinal surgery. Spine. 2002; 15: 1670-3. 8. Tarlov IM, Klinger H, Vitale S. Spinal cord compression studies: I: experimental techniques to produce acute and gradual compression. AMA Arch Neurol Psychiatry 1953;70:813-19. 9. Tarlov IM, Klinger H. Spinal cord compression studies. II: time limits for recovery after acute compression in dogs. AMA Arch Neurol Psychiatry. 1954;71:271-90. 10. Tarlov IM, Herz E. Spinal cord compression studies. IV: outlook with complete paralysis in man. AMA Arch Neurol Psychiatry. 1954;72:43-59. 11. Tarlov IM. Spinal cord compression studies. III: time limits for recovery after gradual compression in dogs. AMA Arch Neurol Psychiatry. 1954;71:588-97. 12. Delamarter RB, Sherman J, Carr JB. Pathophysiology of spinal cord injury: recovery after immediate and delayed decompression. J Bone Joint Surg Am. 1995;77:1042 9. 13. Vandermeulen EP, Aken HV, Vermylen J. Anticoagulants and spinalepidural anesthesia. Anesth Analg. 1994;79:1165 77. 14. Lin H-S, Chen S-J. Metastatic carcinoma related long segment thoracic spinal epidural hematoma. Spine. 2009; 34(7):266-8. 15. Hayem G, Deutsch E, Roux S. Spontaneous spinal epidural hematoma with spinal cord compression complicating plasma cell myeloma: a case report. Spine 1998;32:2432 5. http://www.rpot.pt Volume 22 Fascículo I 2014