A Pirâmide dos rendimentos em França

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Transcrição:

Raul da Silva Pereira A Pirâmide dos rendimentos em França 1. Já Adam Smith notou que havia em França «maior desigualdade na distribuição da riqueza» do que na América do Norte. Quase dois séculos volvidos sobre esta observação, o interesse pela forma como se distribui o rendimento entre os indivíduos (ou as famílias) em cada país e pelas comparações dessa distribuição em diferentes países encontra-se substancialmente acrescido, não só em virtude de considerações baseadas em critérios de justiça distributiva, mas também por se considerar a influência que as assimetrias da distribuição exercem sobre o ritmo da actividade económica, dadas as suas incidências sobre os níveis de consumo e de investimento. Um tanto paradoxalmente, a França só há pouco tempo apresentou o primeiro trabalho de índole estatística sobre a distribuição do rendimento entre as famílias1 isto é, o primeiro estudo que deveria servir de base objectiva para afirmações do tipo da que acima se enunciou. Não é este, porém, um caso único. Muitos outros países e neles se inclui Portugal aguardam a sua vez de obter informações semelhantes, o que não impede que até hoje se tenham feito e continuem a fazer, em bases mais ou menos empíricas, juízos sobre tal matéria. 2. O interesse por estas apreciações cresce sempre que se mostram viáveis «comparações entre países diferentes ou entre épocas diferentes de um mesmo país. Estas últimas revestem-se de significado particularmente interessante, na medida em que 118 1 Rapport general de la commission d'étude fiscale Paris, 1961.

permitem observar qual a extensão das camadas que beneficiam dos processos de desenvolvimento em curso num determinado período, visto que as cifras globais do crescimento da renda nacional nada nos dizem a esse respeito. Observemos, como exemplo, a citação feita por John K. GALBRAITH (em The Affluent Sodety), acerca da distribuição doe réditos familiares nos Estados Unidos, entre duas épocas ainda recentes: Rendimento médio por família, nos E.U.A. (d!eduadindo os impostos e & paneçfos constiainitieisi de Classes de rendimentos % 1941 ($) I. O quinto das famílias com rendimentos mais baixos...., 750 II. O 2. quinto em nível de rendimento 1730 UE. O 3." quinto em nível de rendimento 2 790 IV. O 4. quinto em nível de rendimento 4 030 V. O quinto com rendimentos mais elevados... 8 190 1950 ($) 1060 2 360 3 440 4 690 8 880 Variação 4-42 -f- 37 +24 +16 + 8 Os 5 % com rendimentos mais elevados 15 0J^0 2 As variações de que esta comparação nos dá conta mostram que, a par de um aumento geral do rendimento nacional dos E.U.A., este período se caracterizou por «um rápido incremento nas classes de rendimentos mais baixos»: nomeadamente, cresceu de 42 % o rendimento médio das famílias que constituem o quinto mais pobre da população e de 37 % o do quinto que imediatamente se lhe segue, enquanto no extremo dos 5 % mais ricos se verificou mesmo uma pequena redução de réditos. Outras vezes, em lugar de se apreciar a distribuição do rendimento por toda a população, distinguem-se apenas as parcelas que contemplam cada uma das espécies de factores da produção. Com efeito, é corrente estabelecer o paralelo entre os rendimentos do trabalho e os rendimentos do capital. Por vezes, destaca-se entre os primeiros, a parte respeitante ao trabalho manual. Assim, de acordo com COLIN CLARK, a parte do rendimento nacional britânico referente ao «trabalho manual» mostrou razoável estabilidade ao longo de um período que vai de 1911 a 1935, com percentagens entre 41 e 43 %; o mesmo se pode dizer para os Estados Unidos, segundo KUZNETS, onde tais percentagens oscilaram entre 35 e 39 % de 1919 a 1934. Note-se, de passagem, que estas percentagens representam apenas uma parte da remuneração do trabalho; a participação total deste factor é mais elevada e tem melhorado a sua posição relativa. 119

3. Estas alusões, a título meramente exemplifieativo, mostram bem o extraordinário interesse que podem assumir comparações do género das apontadas e, em consequência, as perspectivas que se abrem mesmo a prazo relativamente longo perante iniciativas como a que a França tomou, e cujos resultados se podem observar no gráfico que apresentamos. Infelizmente, o simples facto de se tratar do primeiro trabalho deste género incidindo sobre a totalidade das famílias francesas, exclui qualquer tentativa de comparação com períodos anteriores e, portanto, de estudo da dinâmica distributiva do rendimento naquele país. Dissemos que é este o primeiro trabalho abrangendo a totalidade das famílias francesas. Com efeito, já anteriormente se haviam realizado estudos neste sentido, mas além de acusarem em muito maior grau do que o actual a influência das fraudes fiscais, sofriam de uma grave limitação: só respeitavam aos cidadãos sujeitos a taxas progressivas do imposto de rendimento, ignorando portanto uma grande massa de rendimentos suficientemente baixos para não serem abrangidos por essa espécie de imposto. Deste modo, o gráfico refere-se à distribuição escalonada doa níveis de rendimento de 13 977 000 famílias. Os rendimentos considerados são líquidos de impostos, o que lhes confere ainda maior significado. 4. Torna-se claro que para uma análise circunstanciada os elementos que o gráfico revela são insuficientes. É o caso de os extremos do gráfico estarem «cortados», por necessidade de condensação. Assim, entre os 713 milhares de famílias com rendimentos até 125 NF há um número razoável que não dispõe de mais de 60; no extremo oposto, há 14 mil famílias dispondo de mais de 6250 NF, mas a heterogeneidade é igualmente manifesta: cerca de 3 mil famílias com 30 000 NF e mais de 500 com 60 000. Apesar desta disparidade tão acentuada entre os extremos de 1 para 1000 o aspecto mais chocante é ainda a existência de uma percentagem considerável de rendimentos muito baixos por exemplo, abaixo de 375 NF, com mais de 20 % das famílias. É possível que a subestimação dos rendimentos para efeitos fiscais ainda desta vez tenha exercido forte influencia. De resto, a maior parte dos rendimentos que o gráfico evidencia está muito abaixo de uma média familiar que se poderia deduzir da capitação do rendimento nacional francês... Quanto à amplitude da disparidade apontada e não considerando agora o valor absoluto das cifras mas apenas a relação entre elas parece mais significativo acentuar que cerca de 60 % das famílias têm rendimentos desde 250 a 1000 NF, portanto, com 120

PIRÂMIDE 6250 DOS RENDIMENTOS EM FRANÇA (1960) 5000 (por família, em novos francos por mês) 3750 3125 25Ô0 2000 1750 12% 10% 2% 1500 1375 1250 1125 1000 875 750 625 500 375 250 125 0 Proporção de cada grupo em relação ao conjunto das famílias 121

disparidade que não excede a relação de 1 para 4; e perto de 85 % compreendem-se entre 250 e 2500 NF, ou seja, com uma disparidade máxima de 1 para 10. Estes dois aspectos nível absoluto de certas classes de rendimento (especialmente as mais baixas da escala) e amplitude da disparidade associada à frequência verificada nas várias classes apresentam o maior interesse para estudo. Por tudo isto é de desejar que o tema ganhe maior audiência, à semelhança do que já acontece em ailguns países (nos Estados Unidos, por exemplo). Pena é que nos restantes, como alguém escreveu a propósito da França 2, a disparidade dos rendimentos seja ainda «un sujet tabou». 2 G. MATHIEU Artigo publicado em Le Monde (sélection hebdomadaire, n. 670).