ECLI:PT:TRC:2015:1014.08.8TMCBR.M.C1 http://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ecli:pt:trc:2015:1014.08.8tmcbr.m.c1 Relator Nº do Documento Jorge Arcanjo Apenso Data do Acordão 24/03/2015 Data de decisão sumária Votação unanimidade Tribunal de recurso Processo de recurso Comarca De Coimbra Coimbra 1ª Sec. F. Men. Data Recurso Referência de processo de recurso Nivel de acesso Público Meio Processual Decisão Apelação confirmada Indicações eventuais Área Temática Referencias Internacionais Jurisprudência Nacional Legislação Comunitária Legislação Estrangeira Descritores alimentos devidos a menor; pensão; progenitor desempregado; insolvente.; Página 1 / 6 06:53:55 01-05-2018
Sumário: Deve ser fixada e mantida pensão de alimentos devidos a menor ainda que o progenitor, a ela obrigado, se encontre desempregado e insolvente. Decisão Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra I - RELATÓRIO 1.1.- O requerente P... instaurou na Comarca de Coimbra acção de alteração das responsabilidades parentais da menor M..., com forma de processo especial, contra a requerida G... Alegou, em resumo: O requerente e a requerida são pais da menor M..., cuja responsabilidade parental foi regulada por sentença de 14/7/2009, na qual a menor ficou entregue à mãe, impondo-se ao requerente a pensão de alimentos no valor de 200,00 por mês. Contudo, porque o requerente se encontra desempregado e não aufere sequer qualquer subsídio, tendo sido declarado insolvente, por sentença de 6/2/2013 ( proc. nº...), está impossibilitado de cumprir a obrigação alimentícia. Pediu que se declare o requerente exonerado de pagar qualquer quantia a título de alimentos. Contestou a requerida, dizendo, em síntese, que o requerente está em condições de pagar a pensão de alimentos à menor, que não é afectada pela declaração de insolvência e inexistem circunstâncias supervenientes que fundamentem a alteração pretendida. 1.2.- Realizada audiência de julgamento, foi proferida sentença a julgar improcedente a acção. 1.3.- Inconformado, o requerente recorreu de apelação, com as seguintes conclusões: Resulta da prova documental (relatórios sociais e sentença de insolvência) que o requerente não dispõe actualmente de quaisquer rendimentos. Está provada a sua impossibilidade em cumprir a obrigação de alimentos. A sentença deve ser revogada e substituída por outra a exonerar ou reduzir a obrigação de alimentos, face ao disposto nos arts. 182 OTM, 2012, 2013 nº1 b), 2014 CC. Contra-alegou a requerida no sentido da improcedência do recurso. II FUNDAMENTAÇÃO 2.1. O objecto do recurso A questão submetida a recurso, delimitado pelas respectivas conclusões, consiste em saber se existe fundamento para a alteração da pensão de alimentos, atribuída à menor M..., fixada por sentença de 14/7/2009 (acção de regulação do exercício das responsabilidades parentais). 2.2.- Os factos provados (descritos na sentença): 1. M... nasceu em 16 de Setembro de 2003, sendo filha do requerente e da requerida. 2. Por sentença de 14/7/2009 foi regulado o exercício das responsabilidades parentais relativamente à menor, que ficou entregue à guarda da mãe, e ficando o pai obrigado ao pagamento, a título de alimentos, da quantia de 200 euros mensais, quantia esta actualizada todos os anos de acordo com a taxa de inflação publicado pelo INE referente ao ano civil anterior, a pagar até ao dia 20 de cada mês; bem como ao pagamento de metade das despesas escolares, extraordinárias de saúde e as relacionadas com as actividades extracurriculares que a menor Página 2 / 6 06:53:55 01-05-2018
frequente ou venha a frequentar. 3. O ora requerente, no apenso K, solicitou a diminuição da pensão de alimentos para 50 euros mensais, pedido este que foi julgado improcedente por sentença proferida em 21/12/2012, considerando, além do mais, os seguintes factos: - o pai da menor encontra-se inscrito no Centro de Emprego de Coimbra desde 11/11/2009 como «desempregado-novo emprego»; - o pai da menor não recebe subsídio de desemprego e registou as últimas remunerações na Segurança Social em Setembro de 2009; - o pai da menor continua a ser membro de órgão estatutário da empresa «M..., Lda» e é membro de órgão estatutário da empresa «M...» com data de início a 2/10/2009; - o pai da menor continua a guiar vários automóveis e a vender carros, nomeadamente através da internet; - desconhece-se onde e com quem vive o pai da menor, sendo que o seu filho B... vive num apartamento na Rua do... e o requerente tem uma namorada residente noutro local; - o filho do requerente frequenta um curso universitário; - no dia 17/8/2009, na 1ª Conservatória do Registo Predial de Coimbra, o requerente declarou vender ao seu pai, que declarou comprar pelo valor de 212.210 euros, o andar referido no ponto 3 e uma garagem sita no mesmo prédio. 4. Por sentença de 6/2/2013, proferida no processo nº..., instaurado pelo pai da M..., foi o requerente declarado insolvente. 2.4.- O mérito do recurso As responsabilidades parentais apresentam-se como um efeito da filiação (art.1877 e segs. do CC), sendo concebidas como um conjunto de direitos e deveres (poderes funcionais) que competem aos pais relativamente à pessoa e bens dos filhos. Na verdade, as crianças têm o direito fundamental à protecção da sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral (art.69 nº1 da CRP e Convenção Sobre os Direitos da Criança, adoptada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 20/11/89, assinada por Portugal em 26/1/90, aprovada pela Resolução da Assembleia da República nº20/90 de 12/9 e ratificada pelo Decreto do Presidente da República nº49/90, ambos publicados publicada no DR I Série nº211/90, de 12/10/90 ). Como é sabido, a regulação do exercício das responsabilidades parentais comporta três aspectos: a guarda, o regime de visitas e os alimentos. O critério legal de atribuição ou repartição das responsabilidades parentais é o superior interesse da criança (arts.1905 CC, 180 da OTM, 3 nº1 da Convenção Sobre os Direitos da Criança). E o interesse superior da criança, enquanto conceito jurídico indeterminado carece de preenchimento valorativo, cuja concretização deve ter por referência os princípios constitucionais, como o direito da criança à protecção da sociedade e do Estado com vista ao seu desenvolvimento integral (art.69 nº1 da CRP), reclamando uma análise sistémica e interdisciplinar da situação concreta de cada criança, na sua individualidade própria e envolvência (cf. Ac RC de 3/5/2006, proc. nº681/06, do mesmo relator, disponível em www dgsi.pt). O exercício das responsabilidades parentais deve ter presente ainda o princípio da dignidade da pessoa humana, legitimador do menor enquanto sujeito de direitos e não como mero objecto, o princípio da continuidade das relações familiares e da convivência familiar e o princípio da igualdade dos pais. A Lei nº61/2008 de 31/10 (com entrada em vigor em 31 de Novembro de 2008), ao regular o novo Página 3 / 6
regime jurídico do divórcio, procedeu também à alteração dos arts.1901 a 1912 do CC, atinentes ao exercício das responsabilidades parentais. É fundamento da alteração da regulação do poder paternal, em nova acção autónoma, quando circunstâncias supervenientes tornem necessário alterar o que estiver estabelecido art.182 nº1 da OTM. O que deve entender-se por circunstâncias supervenientes? Tratando-se de um processo de jurisdição voluntária, tem aqui aplicação o critério estabelecido no art. 988 nº1 do CPC - dizem-se supervenientes tanto as circunstâncias ocorridas posteriormente à decisão, como as anteriores que não tenham sido alegadas por ignorância ou outro motivo ponderoso. Consagra-se tanto a superveniência objectiva (factos ocorridos posteriormente à decisão), como a subjectiva (factos anteriores não alegados por ignorância ou outro motivo ponderoso). A alteração reclamada reporta-se apenas à pensão de alimentos devidos à menor M..., fixada por sentença de 14/7/2009. A sentença recorrida desatendeu a pretensão, argumentando que, apesar da declaração de insolvência, por sentença transitada em julgado, o requerente não provou a impossibilidade de pagamento, ou seja, que não dispõe de quaisquer rendimentos. Em contrapartida, objecta o recorrente com a impossibilidade da prestação, por comprovada insuficiência económica, designadamente, em face da declaração de insolvência. O direito de alimentos dos filhos menores decorre do vínculo jurídico da filiação (arts.1878, 1879 CC), e em caso de ruptura do casamento a obrigação de alimentos devidos a menores autonomizase do dever conjugal de assistência (art.1795-a CC). O dever de alimentos impende por igual sobre ambos os progenitores (art.36 nº1 da CRP e 1878 nº1 do CC), mas o princípio da igualdade não significa que cada cônjuge seja obrigado a contribuir com metade dos alimentos. Os alimentos devidos aos filhos menores compreendem as despesas com o sustento, segurança, saúde e educação ( art.1879 CC ). O conceito de sustento é mais vasto que a simples necessidade de alimentação, visto abarcar todas as necessidades vitais, designadamente as relacionadas com a saúde, os transportes, a segurança, a educação e instrução (art. 2003 CC), sendo maior que a exigida nos restantes casos previstos na lei (art.2009 CC).Com efeito, a obrigação de sustento não se afere aqui pelo estritamente necessário à satisfação das necessidades básicas, mas ao indispensável ao desenvolvimento físico, intelectual, moral do menor. A criança tem direito a um nível de vida suficiente e incumbe aos pais assegurar a condição de vida necessária ao seu desenvolvimento (art.27 nº1 da Convenção). Como não há, nem seria concebível, um sistema tarifado, a lei estabelece ao juiz apenas critérios gerais de orientação, como os princípios da proporcionalidade e da dignidade da pessoa humana, dentro dos quais terá de ser fixada a prestação ajustada às circunstâncias peculiares de cada caso. Impõe-se a ponderação cumulativa do binómio - possibilidade do requerido / necessidade do requerente (art.2004 do CC), embora com as especificidades próprias relativas aos filhos menores. A este propósito, no caso de separação ou divórcio, a lei postula o critério da identidade de condições que vigoravam na constância do matrimónio (art.1906 nº1 do CC ), ou seja, a manutenção da mesma qualidade de vida, critério este que terá, no entanto, de ser conjugado com o princípio da proporcionalidade, pois deve ser assim desde que a separação ou divórcio não impliquem uma diminuição real das capacidades contributivas dos pais. Página 4 / 6
Quanto ao primeiro factor, diz a lei que os alimentos serão proporcionados aos meios daquele que houver de prestá-los, significando que não podem ser fixados em montante desproporcionado aos meios de quem se obriga, mesmo que desse modo não seja possível eliminar completamente a situação de carência do alimentado. O segundo factor, contende com a real necessidade do menor sempre variável de caso para caso. A sentença de 14/7/2009, transitada em julgado, fixou a pensão de alimentos devidos à menor M... no valor de 200,00 por mês, com actualização anual segundo a taxa da inflação, e no pagamento de metade das despesas escolares, despesas extraordinárias de saúde e as relacionadas com as actividades extracurriculares. Para tanto, socorreu-se da equidade, tendo em conta, designadamente, que o pai (aqui recorrente) auferia uma quantia mensal superior a 750,00, vivendo a menor com a mãe, desempregada. Ignora-se actualmente o montante exacto das despesas com o sustento e educação da menor M..., mas isso não significa que não existam, até por serem factos notórios, não carecidos de alegação e prova. De resto, a alteração pretendida baseia-se na alegada impossibilidade por parte do recorrente. A declaração de insolvência do recorrente, por sentença de 6/2/2013, transitada em julgado (proc. nº...) constitui claramente um facto superveniente, mas tal não implica a extinção da obrigação alimentar. Coloca-se a questão de saber se, nestas circunstâncias, em que ocorre impossibilidade económica, deve fixar-se ou manter-se a pensão de alimentos, e para a qual existem duas respostas: Uma no sentido de que a pensão de alimentos não pode ser fixada porque os factores da medida da obrigação alimentar são também requisitos da própria existência; Outra a sustentar que a atribuição dos alimentos se impõe, independentemente do apuro da situação económica. Pela maior consistência argumentativa, deve acolher-se a tese (prevalecente na jurisprudência desta Relação) da obrigatoriedade da fixação e manutenção dos alimentos, porque, em síntese, se trata de um direito fundamental e irrenunciável dos menores e a intervenção do FGADM (Lei nº 75/98 de 19/11) pressupõe a prévia condenação do obrigado a alimentos ( cf., desta Relação, por ex., Ac RC de 17/6/2008, proc. nº 230/07; de 28/4/2010, proc. nº 1810/05; de 4/5/2010, proc. nº 1014/08; de 12/11/2013, proc. nº 876/1, disponíveis em www dgsi.pt/jtrc). Também REMÉDIO MARQUES (Algumas Notas Sobre Alimentos - Devidos a Menores, 2ª ed., pág. 72), para quem os direitos-deveres dos progenitores para com os menores são sempre devidos, independentemente dos seus recursos económicos e dos estado de carência económica dos filhos, posto que se trata de direitos cujo exercício é obrigatório e prioritário em atenção à pessoa e aos interesses do menor. Na nossa opinião, não tem aplicação, nestas eventualidades, o disposto no art. 2004/1 do CC, de harmonia com o qual, e ao derredor do princípio da proporcionalidade se deve atender às possibilidades e económicas do devedor, para o efeito de fixar a obrigação de alimentos. Donde, faz mister fixar-se sempre uma prestação de alimentos a cargo de um ou de ambos os progenitores, mesmo que estejam desempregados e não tenham meios de subsistência. O princípio da proporcionalidade (art.2004 nº1 CC) contende com a medida da obrigação e não com a obrigação propriamente dita, devendo intervir depois de salvaguardado o limite mínimo da obrigação de alimentos que incumbe ao progenitor, independentemente das suas condições sócioeconómicas, indispensável à sobrevivência e desenvolvimento do menor ( superior interesse ). O dever especial de alimentos que recai sobre os pais, por efeito da filiação, é inerente a essa Página 5 / 6
Powered by TCPDF (www.tcpdf.org) qualidade, e por isso não cessa com o divórcio, separação judicial ou de facto ou com a ausência (arts.1905 e 1912 CC), tratando-se de uma obrigação indisponível, imprescritível e impenhorável (art.2008 nº1 e 2, 853 nº1 b) e 298 nº1cc). Acresce que estando o acesso ao FGADM dependente da prévia fixação de alimentos a favor do menor (art.1º e 3º nº1 da Lei nº 75/98 de 19/11), a exoneração impediria a menor M... de beneficiar do Fundo. Por isso, deve ser fixada e mantida a pensão de alimentos devidos a menor ainda que o progenitor, a ela obrigado, se encontre desempregado e insolvente. 2.5. - Síntese conclusiva Deve ser fixada e mantida pensão de alimentos devidos a menor ainda que o progenitor, a ela obrigado, se encontre desempregado e insolvente. III DECISÃO Pelo exposto, decidem: 1) Julgar improcedente a apelação e confirmar a sentença recorrida. 2) Condenar o Apelante nas custas, sem prejuízo do apoio judiciário. Coimbra, 24 de Março de 2015. ( Jorge Arcanjo - Relator) ( Teles Pereira ) ( Manuel Capelo ) Página 6 / 6