Curso de Direito do Consumidor 4ª Série - UNIARA. Períodos Diurno e Noturno: Prof. Marco Aurélio Bortolin

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Transcrição:

Curso de Direito do Consumidor 4ª Série - UNIARA. Períodos Diurno e Noturno: Prof. Marco Aurélio Bortolin Aulas 3 e 4: A relação jurídica de consumo e suas linhas gerais; elementos subjetivos (fornecedor e consumidor) e seus elementos objetivos (produto e serviço). Interpretação do alcance dos artigos 2º e 3º, ambos do Código de Defesa do Consumidor. I) Relação jurídica de consumo Linhas gerais. 1. Enfoque inicial. Logo após o Código de Defesa do Consumidor se proclamar como norma de ordem pública e de interesse social para a proteção e defesa do consumidor em seu artigo 1º 1, preocupa-se o CDC em fixar as bases conceituais da relação jurídica de consumo, posto que a esta se restringirá a aplicação das aludidas regras protetivas e de defesa, em contraposição às demais relações jurídicas de Direito Privado que não receberão a mesma proteção. Por certo, tais regras de proteção e defesa visam diminuir um desequilíbrio presumido da relação jurídica de consumo, e sob tal prisma diferem-se das outras regras legais próprias do Direito das Obrigações e do Direito dos Contratos que se notabilizam por estabelecer tratamento igualitário aos integrantes da relação jurídica; nesta, de Direito Privado, os contratantes, movidos por suas vontades, ajustam negócio jurídico que nasce presumivelmente equilibrado justamente pela existência de seus interesses antagônicos que se harmonizam em um ponto comum e desejado da negociação; naquela, dita de consumo, a relação jurídica é entendida como naturalmente desequilibrada pela vulnerabilidade e necessidade de uma das partes (o consumidor), a exigir um sistema de proteção e defesa que reposicione as partes. Identificam-se na relação jurídica de consumo seus elementos subjetivos (ou seja, partes da aludida relação, tendo de um lado, obrigatoriamente, o consumidor e de outro, também obrigatoriamente, o fornecedor), sem os quais, juntos, a relação jurídica não se forma como sendo de consumo, subsistindo apenas como relação de direito privado. 2. Elemento subjetivo Consumidor. Iniciemos a identificação da relação jurídica de consumo pela parte consumidora, que é, sem dúvida, a que desperta maior interesse e 1 Art. 1, CDC. O presente código estabelece normas de proteção e defesa do consumidor, de ordem pública e interesse social, nos termos dos arts. 5, inciso XXXII, 170, inciso V, da Constituição Federal e art. 48 de suas Disposições Transitórias. 1

dificuldade, dada a opção eleita pelo legislador brasileiro de reconhecer como consumidor a pessoa física e a jurídica, e em relação a essas, sem fazer qualquer distinção entre a profissional e a não profissional, tal como expressamente estabelece o artigo 2º, caput, do CDC: Artigo 2º, CDC. Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final. Destaca José Geraldo Brito Filomeno em sua renomada obra Manual de Direitos do Consumidor - 5 a. ed. - São Paulo: Editora Atlas, 2.001, que a posição do Código de Defesa do Consumidor de igualar as pessoas físicas às jurídicas no conceito legal de consumidor não deixa de representar um equívoco, pois seria evidente que a pessoa jurídica é um ente insubordinado economicamente ao fornecedor, e que para tal figura, por certo haveria regulamentação no próprio direito comum. De qualquer forma, afora a respeitável crítica que encontramos em diversos autores, a norma consumerista brasileira optou por um conceito mais amplo, a abranger pessoas físicas e jurídicas sem qualquer distinção entre a profissional e a não profissional, mas desde que presente cumulativamente um fator finalístico, devendo ser essa pessoa física ou jurídica consumidora um autêntico destinatário final de produtos ou serviços adquiridos em uma relação jurídica efetiva e concreta. 2.1. Elemento Finalístico A DESTINAÇÃO FINAL NO ATO DE CONSUMO. Aparentemente, parece simples partirmos de um conceito de exclusão de qualquer operação comercial da cadeia de transformação, montagem, beneficiamento ou revenda para encontrarmos nas operações contratuais restantes o nicho das relações de consumo. No entanto, a identificação desse elemento finalístico exigido para a caracterização do consumidor em sentido estrito segundo a dicção do artigo 2º, caput, do CDC, não se revela tão simples em todos os casos. Para a interpretação do real alcance e significado desse aludido fator finalístico, ou seja, o consumidor como um destinatário final do produto ou serviço, três correntes doutrinárias surgiram, com reflexos na Jurisprudência brasileira. De acordo com a chamada corrente finalista, a lei de consumo visou precipuamente a proteção de contratantes que almejam, com o ato negocial, suprir uma necessidade individual exclusiva, sem qualquer retroalimentação da cadeia produtiva com aquele produto ou serviço, retirando-o definitivamente da atividade econômica civil ou empresária, o que inevitavelmente se tornaria mais difícil de se configurar para as pessoas jurídicas com fins lucrativos, dando azo a uma interpretação menos extensiva do artigo 2º, caput, do CDC, afinal, a proteção do consumidor exigiria a identificação desse fator finalístico, em especial, para justificar a maior vulnerabilidade do contratante a ser protegido. 2

Assim, para a chamada corrente finalista, as pessoas jurídicas constituídas sem fins lucrativos (associações, fundações, partidos, etc) seriam sempre consumidoras, tais como as pessoas físicas, e com isso a mens legis, a finalidade da lei, estaria totalmente reconhecida sem conflitar com a redação do dispositivo legal, permitindo apenas essa interpretação menos extensiva para o artigo 2º, caput, do CDC, sendo de se exigir na aplicação da lei de consumo, uma destinação final fática, mas também, econômica. Já as pessoas jurídicas constituídas com fins lucrativos, tais como as sociedades empresárias, para serem identificadas como consumidoras, necessitariam adquirir um produto ou serviço desde que este viesse a estar totalmente dissociado de sua atividade econômica e produtiva. E, se tomarmos como simples exemplo o de uma concessionária de veículos que adquire máquina de café para seus clientes no show room, visando agregar conforto à experiência visual dos clientes com os carros expostos, não teríamos propriamente entre a concessionária de veículos e a empresa que lhe vendeu a cafeteira, uma relação de consumo, pois na visão finalista, a máquina de cafés não estaria propriamente exercendo uma destinação final econômica, mas sim, integrando e otimizando a cadeia de fornecimento da própria concessionária de veículos. Em contraposição a essa corrente finalista desenvolveu-se a chamada corrente maximalista. Trata-se de interpretação mais abrangente do conceito legal estabelecido pelo artigo 2º, caput, do CDC, já que o citado dispositivo não faz objetiva distinção entre pessoas físicas ou jurídicas, pouco importando o uso pessoal ou profissional do produto ou serviço, excluindo-se apenas os produtos ou serviços na cadeia de transformação (produção, montagem, transformação ou revenda). À luz da corrente maximalista, o elemento finalístico de destinação final seria na verdade o próprio fato da retirada do produto ou serviço do mercado, pouco importado seu uso, excluída, repito, a atividade de transformação. Portanto, no mesmo exemplo acima no qual citamos a aquisição de um bem móvel (máquina de café expresso) por uma concessionária de veículos (pessoa jurídica), adquirido junto a uma loja de máquinas de café (outra pessoa jurídica), e ambas com intenção comercial para o bem, seria a concessionária uma destinatária final de fato do bem, pois foi a máquina comprada independentemente do seu uso comercial, hipótese que estaria regulada pelo Código de Defesa do Consumidor, pois o uso da máquina de cafés não estaria na cadeia de transformação, montagem, beneficiamento ou revenda do produto. A corrente maximalista se basta com a retirada de fato do produto ou serviço da cadeia de fornecimento, descartando o aspecto da destinação final econômica que importava aos finalistas. 3

Terceira corrente é a finalista temperada ou mista, também chamada de aprofundada, que nega a incidência pura e simples a qualquer pessoa física e jurídica em uso profissional ou econômico do produto ou serviço, mas que admite flexibilizar a aplicação do pensamento finalista primeiramente exposto, se identificada a concreta vulnerabilidade do consumidor daquele produto ou serviço ainda que destinado ao uso profissional ou econômico. A interpretação em torno do sentido e alcance do conceito um tanto vago do artigo 2º, caput, do CDC, realmente desperta reflexão. Com efeito, o Código de Defesa do Consumidor tem como foco primordial a defesa e a proteção de uma parte contratual que se presume vulnerável na relação jurídica, e essa é a razão da norma, raiz de sua existência. Pois bem. Pensemos em dois hotéis vizinhos, com infraestrutura bem parecida. Um deles faz um investimento e adquire aparelhos de ar condicionado para equipar seus quartos, ao passo que o outro não dispõe desse recurso em seus quartos. É evidente que o uso das máquinas de ar-condicionado incrementará o lucro do hotel que investiu nesses equipamentos, e sob o prisma da vulnerabilidade, não parece tão evidente que o hotel esteja em total vulnerabilidade frente ao lojista vendedor das dezenas de aparelhos. Talvez tenham até o mesmo porte econômico, e inegavelmente o hotel que adquiriu os aparelhos lucrará com seu uso diretamente, se impondo frente ao concorrente e locando mais quartos do que locava antes do incremento. Surgem alguns questionamentos. Seria cabível considerar que a pessoa jurídica que adquire esses aparelhos precisa de uma especial proteção da lei de consumo? Seria mesmo cabível considerar o hotel um consumidor na relação comercial de compra e venda dos aparelhos de ar-condicionado? Qual o verdadeiro alcance do elemento finalístico de destinação final dos aparelhos nesse caso? Não estariam esses aparelhos a integrar a atividade produtiva e a cadeia de fornecimento do hotel? E não é incomum encontrarmos em outros ordenamentos jurídicos uma especificação do conceito de consumidor para a proteção apenas de não profissionais, justamente por relacionarem o ideal de defesa com uma real vulnerabilidade que concretamente encontramos na pessoa física e somente excepcionalmente na pessoa jurídica, e no caso desta última, somente as não profissionais, ou seja, aquelas que não incrementam sua atividade comercial com produtos ou serviços adquiridos. São os casos dos ordenamentos da Espanha, Portugal, França e Itália. A Doutrina não raramente questiona essa opção conceitual um tanto ampla 4

da norma brasileira, idealizando uma interpretação puramente finalista ao conceito legal como único a justificar especial proteção jurídica: O traço marcante da conceituação de consumidor, no nosso entender, esta na perspectiva que se deve adotar, ou seja, no sentido de se o considerar como vulnerável, não sendo, aliás, por acaso, que o mencionado movimento consumerista apareceu ao mesmo tempo em que o sindicalista, principalmente a partir da segunda metade do século XIX, em que se reivindicaram melhores condições de trabalho e melhoria da qualidade de vida, e, pois, em plena sintonia com o binômio poder aquisitivo/aquisição de mais e melhores bens e serviços. Em razão de tais considerações e que discordamos da definição de consumidor concebida por Othon Sidou, quando também considera as pessoas jurídicas como tal para fins de proteção efetiva nos moldes atrás preconizados, ao menos no que tange a sua literal proteção ou defesa jurídica. E isto pela simples constatação de que dispõem as pessoas jurídicas de força suficiente para sua defesa, enquanto o consumidor, ou, ainda, a coletividade de consumidores ficam inteiramente desprotegidos e imobilizados pelos altos custos e morosidade crônica da justiça comum. Prevaleceu, entretanto, como de resto em algumas legislações alieníginas inspiradas na nossa, a inclusão das pessoas jurídicas igualmente como consumidores de produtos e serviços, embora com a ressalva de que assim são entendidas aquelas como destinatárias finais dos produtos e serviços que adquirem, e não como insumos necessários ao desempenho de sua atividade lucrativa. Entendemos, contudo, mais racional que sejam consideradas aqui as pessoas jurídicas equiparadas aos consumidores vulneráveis, ou seja, as que não tenham fins lucrativos, mesmo porque, insista-se, a conceituação é indissociável do aspecto da mencionada fragilidade. E, por outro lado, complementando essa pedra de toque do consumerismo, diríamos que a destinação final de produtos e serviços, ou seja, sem fim negocial, ou uso não profissional, encerra esse conceito fundamental (GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor Vol. I, 10ª edição. Forense, 04/2011, pg. 26/27. VitalBook file). Mas independentemente das críticas ao modelo brasileiro, certo que a norma de consumo elege um conceito amplo, sendo realmente árduo impor uma interpretação restritiva aos mais variados casos concretos da vida cotidiana. Preferimos nos conformar com o que chamamos de pontas ou extremos de um sistema que recebem proteção da norma de consumo, ainda que não fossem práticas comerciais de massa, que seguramente eram o alvo principal do CDC. O conceito legal que temos em nosso Código de Defesa do Consumidor é realmente amplo e pouco restritivo (diferentemente de outros sistemas de proteção ao consumo, como os já citados na Espanha e Portugal), a alcançar o não profissional e o profissional, pouco importando a destinação do produto ou serviço, desde que a mesma seja realmente final no plano fático, o que significa dizer que não se exige destinação final econômica, e mesmo quando houver uma aproximação da destinação final com o emprego do produto na atividade produtiva, ainda será possível aplicar o CDC em razão da presença de vulnerabilidade e subordinação do adquirente ao mecanismo de fornecimento e é nesse aspecto que a teoria finalista aprofundada parece ganhar real importância. E um ótimo exemplo para bem ilustrar a opção adotada pelo legislador brasileiro para a definição de consumidor é o contrato bancário a envolver a utilização de crédito 5

(empréstimo ou utilização de cheque especial) por pessoa jurídica profissional, como uma loja que comercialize calçados e que aproveitando uma tendência de mercado por uma preferência momentânea do público alvo, capta dinheiro em um banco para ampliar seu estoque de produtos daquela linha almejada por muitas pessoas, literalmente para sua incrementar sua atividade de revenda, para elevar seu volume de vendas. Podemos considerar que entre a loja comercial e seu fornecedor (fábrica de sapatos) há uma relação jurídica que é direito privado regulada pelo Código Civil; mas seguramente podemos considerar que entre a loja comercial que captou o empréstimo e a instituição bancária que fez o empréstimo a relação é de consumo, ainda que o banco comumente se valha do empréstimo de dinheiro mediante remuneração como atividade fim, e ainda que o dinheiro captado tenha sido empregado pelo lojista para ampliar seu estoque de produtos, pois ao mesmo tempo a loja comercial pessoa física é destinatária do empréstimo e tão vulnerável na subordinação que se estabelece frente ao contrato como qualquer pessoa física seria para contratação parecida, visando apenas sanar seu débito de cheque especial perante a instituição financeira. No mesmo sentido, cito interessante lição de Roberta Densa, ao comentar a aplicação da corrente finalista temperada ou aprofundada pelos Tribunais brasileiros: A corrente em estudo e um desdobramento da corrente finalista, pois considera consumidor somente quem adquire produto ou serviço para uso próprio. No entanto, dependendo do caso concreto, é possível considerar destinatário final de um produto se, mesmo utilizado para fins profissionais ou econômicos, houver vulnerabilidade do adquirente naquela relação. [...] De fato, quando o Código de Defesa do Consumidor foi publicado, em 11 de setembro de 1990, o Código Civil em vigor tinha regras mais rígidas quanto aos contratos e paradigmas que estavam em consonância com o Estado Liberal. A tendência da Doutrina e da Jurisprudência era aplicar a lei consumerista para a grande parte das relações jurídicas (doutrina maximalista) com o objetivo de garantir equidade e justiça social no caso concreto. No entanto, o Código Civil vigente, publicado em 2002, traz regras e princípios que se aproximam dos princípios e regras estabelecidos na legislação consumerista. De fato, a eticidade, a sociabilidade e a operabilidade, paradigmas do novo Código Civil estão em plena consonância com a boa-fé e o interesse social do Código de Defesa do Consumidor. Assim, parece-nos que a Jurisprudência caminha bem ao aplicar a doutrina finalista aprofundada para identificar uma relação de consumo. O Código de Defesa do Consumidor deve ser aplicado para o vulnerável, aquele que necessita de proteção do Estado por estar em situação de desigualdade com o fornecedor (Direito do Consumidor, 7ª ed. São Paulo: Atlas, 2011 - série: Leituras Jurídicas, V. 21, p. 12 e 14). Portanto, em resumo, do conceito legal é possível vislumbrar que para a correta identificação de consumidor, está a norma a exigir uma relação de cunho jurídico, de um lado ocupado pelo adquirente de um produto ou serviço, e do outro lado, pelo fornecedor (vendedor ou prestador) desse produto ou serviço, e que esse produto ou serviço é adquirido para a satisfação final do adquirente ou terceiro. Mais ainda, que o consumidor, desprovido da condição de influir na cadeia produtiva daquele produto é obrigado a submeter-se ao poder econômico de sua produção, o que ainda mais aumenta a sua vulnerabilidade na relação jurídica. 6

2.2. Alcance e aplicação do Código de Defesa do Consumidor, além da típica hipótese de consumidor individualmente considerado. Além da pessoa física ou jurídica que efetua a compra de um produto, ou que utiliza um serviço representando a clássica figura do consumidor em sentido estrito, encontramos no Código de Defesa do Consumidor três outras situações para as quais o texto legal expressamente estendeu o mesmo alcance de proteção dada ao consumidor em sentido estrito. Em outras palavras, além do conceito legal de consumidor em sentido estrito (artigo 2º, caput, CDC), nossa lei consumerista ainda estende a proteção e defesa à coletividade de consumidores que é matéria própria da tutela coletiva 2 (artigo 2º, único, CDC), bem como, às pessoas determináveis ou não, expostas às práticas comerciais 3 (artigo 29, CDC), que são protegidas como se estivessem em uma relação jurídica presumida de consumo no campo das práticas comerciais. Evidentemente, a noção exigida pela norma consiste em reconhecer que o Direito do Consumidor não tutela apenas o consumidor stricto sensu, mas também, toda a classe de consumidores que possa ser atingida pelo mercado de consumo caracterizado pelo sistema de fornecimento de massa, e que no primeiro caso faz reconhecer a presença de direitos ou interesses difusos ou coletivos para a tutela dos mesmos direitos individualizados, e no segundo caso, para especial proteção em relação às práticas comerciais de oferta e publicidade. O terceiro mecanismo de extensão se presta a alcançar as chamadas vítimas do evento que comumente entendemos como atingidas por um acidente de consumo sem ter sido a parte consumidora propriamente dita (artigo 17, CDC), ou seja, a pessoa que não é contratante do ato de consumo, mas que vem a ser atingida por problemas do produto ou serviço adquirido em relação contratual estabelecida por outro consumidor, e que por equiparação pode invocar em sua defesa, em sua reparação, a mesma norma de proteção. Citamos aqui a lição de Rizzatto Nunes, para aclarar, respectivamente, os conceitos de coletividade de consumidores (artigo 2ª, único, CDC), de vítimas do evento danoso de consumo (artigo 17, CDC), e de pessoas determináveis ou não, expostas às práticas comerciais, tal como a publicidade e a oferta de produtos ou serviços (artigo 29, CDC): 2 Art. 2 Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final. Parágrafo único. Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo. 3 Art. 29. Para os fins deste Capítulo e do seguinte, equiparam-se aos consumidores todas as pessoas determináveis ou não, expostas às práticas nele previstas. 7

[...] O parágrafo único do art. 2º amplia a definição, dada no caput, de consumidor que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final, nos moldes já apresentados, equiparando a ele a coletividade de pessoas, mesmo que não possam ser identificadas e desde que tenham, de alguma maneira, participado da relação de consumo. A norma do parágrafo único do art. 2º pretende garantir a coletividade de pessoas que possam ser, de alguma maneira, afetadas pela relação de consumo. Na realidade, a hipótese dessa norma diz respeito apenas ao atingimento da coletividade, indeterminável ou não, mas sem sofrer danos, já que neste caso o art. 17 examinado na sequência enquadra a questão. Dessa maneira, a regra do parágrafo único permite o enquadramento de universalidade ou conjunto de pessoas, mesmo que não se constituam em pessoa jurídica. Por exemplo, a massa falida pode figurar na relação de consumo como consumidora ao adquirir produtos, ou, então, o condomínio, quando contrata serviços. É essa regra que dá legitimidade para a propositura de ações coletivas para a defesa dos direitos coletivos e difusos, previstas no Título III da lei consumerista (arts. 81 a 107), e particularmente pela definição de direitos coletivos (inciso II do art. 81) e na apresentação das pessoas legitimadas para proporem as ações (art. 82). Com isso, pode-se dizer que a completa designação do amplo sentido da definição de consumidor começa no caput do art. 2º, passa por seu parágrafo único, segue até o 17 e termina no 29. [...] Com efeito, a dicção do art. 17 deixa patente a equiparação do consumidor às vítimas do acidente de consumo que, mesmo não tendo sido ainda consumidoras diretas, foram atingidas pelo evento danoso. Exatamente a seção na qual o art. 17 está inserido é a que cuida da responsabilidade civil objetiva, pelo fato do produto ou do serviço causador do acidente de consumo. [...] No Capítulo V do CDC, que trata das práticas comerciais, o legislador inseriu o art. 29, para equiparar ao consumidor todas as pessoas, mesmo as que não puderem ser identificadas, que estão expostas às práticas comerciais. A leitura adequada do art. 29 permite, inclusive, uma afirmação muito simples e clara: não se trata de equiparação eventual a consumidor das pessoas que foram expostas às práticas. É mais do que isso. O que a lei diz é que, uma vez existindo qualquer prática comercial, toda a coletividade de pessoas já está exposta a ela, ainda que em nenhum momento se possa identificar um único consumidor real que pretenda insurgir-se contra tal prática. Dessa forma, por exemplo, se um fornecedor faz publicidade enganosa e se ninguém jamais reclama concretamente contra ela, ainda assim isso não significa que o anúncio não é enganoso, nem que não se possa por exemplo, o Ministério Público ir contra ele. O órgão de defesa do consumidor, agindo com base na legitimidade conferida pelos arts. 81 e s. do CDC, pode tomar toda e qualquer medida judicial que entender necessária para impedir a continuidade da transmissão do anúncio enganoso, para punir o anunciante etc., independentemente do aparecimento real de um consumidor contrariado. Trata-se, portanto, praticamente de uma espécie de conceito difuso de consumidor, tendo em vista que desde já e desde sempre todas as pessoas são consumidoras por estarem potencialmente expostas a toda e qualquer prática comercial. É, como dissemos de início, o aspecto mais abstrato da definição, que, partindo do elemento mais concreto daquele que adquire ou utiliza o produto ou o serviço como destinatário final, acaba fixando de forma objetiva que se respeite o consumidor potencial. Daí ter-se de dizer que o consumidor protegido pela norma do art. 29 é uma potencialidade. Nem sequer precisa existir (Nunes, Rizzatto - Curso de direito do consumidor / Rizzatto Nunes. 10. ed. rev. e atual. São Paulo : Saraiva, 2015. P. 199/202). 3. Elemento subjetivo Fornecedor. A relação jurídica de consumo ostenta dois polos, e além de termos um consumidor que adquire produto ou serviço como destinatário final, devemos ter, no outro polo contratual, um fornecedor, e sob tal aspecto conceitual, elegeu a norma o termo 8

fornecedor para definir todo aquele (pessoa física ou jurídica) que propicie a oferta de produtos e serviços no mercado de consumo, mediante desempenho de atividade da cadeia produtiva mediante remuneração direta ou indireta: Artigo 3º. Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviço. No mesmo sentido posiciona-se a doutrina: O crite rio, portanto, para caracterização de fornecedor e desenvolver atividades tipicamente profissionais, como a comercialização, a produção, a importação, indicando também a necessidade de uma certa habitualidade, como a transformação, a distribuição de produtos. De tal sorte que são excluídos da aplicação do Código todos os contratos firmados entre dois consumidores não profissionais. (Jr., THEODORO, Humberto. Direitos do Consumidor, 9ª edição. Forense, 07/2017. VitalBook file, p 16). Devemos notar que a norma posiciona o Poder Público também como eventual fornecedor, seja por via de empresas públicas, seja por concessionárias de serviço público, e em ambos os casos, que assim operem mediante contraprestação aos serviços oferecidos e efetivamente utilizados mediante cobrança de preço público ou tarifas (e não através do recolhimento de tributos tais como impostos, taxas ou contribuições de melhoria que são prestações pecuniárias compulsórias). Note-se que ao contrário dos segmentos mantidos pelo conjunto de impostos pagos pelos contribuintes (os chamados serviços prestados ut universi pelo Poder Público, tais como estabelecimentos de ensino, atendimento hospitalar e segurança pública), nos serviços remunerados por preço público (diretamente pagos para empresas públicas) ou tarifa (diretamente pagos para empresas privadas concessionárias do serviço público) há uma clara vontade do consumidor na aquisição específica do produto ou serviço, e no pagamento como autêntica contraprestação em caráter extremamente próximo da atividade privada de fornecimento, valendo citar os serviços postais remunerados por preços públicos e as tarifas de energia e pedágios como bons exemplos de um e outro. São os chamados serviços públicos prestados ut singuli, compreendidos no conceito de relação de consumo (energia elétrica, água e esgoto, gás encanado, telefonia, pedágios em rodovias administradas sob concessão, transporte público, dentre outros). Para a hipótese do fornecedor estrangeiro de produtos que são importados para o Brasil, importa considerar que o primeiro responsável, como regra, é o importador, com evidente direito de regresso contra o ente estrangeiro. Por fim, como bons exemplos de entes despersonalizados podemos citar a massa falida, o espólio de comerciante ou a pessoa jurídica irregular, que desenvolvem ou 9

continuam a desenvolver atos de comércio no mercado de consumo. 4. Elementos objetivos da relação de consumo. A conceituação dada pelo Código de Defesa do Consumidor para produtos e serviços não costuma ser fonte de grandes controvérsias, sobretudo, após a Jurisprudência superar completamente a questão que envolvia a aplicação do Código de Defesa do Consumidor às relações bancárias, sendo que tal questão inclusive já foi pacificada pelo Colendo Superior Tribunal de Justiça, ao editar sua Súmula 297 4. Do mesmo modo, as entidades de previdência privada conservam relação de consumo com seus participantes aderentes, conforme já se posicionou pacificamente o STJ ao publicar a Súmula 321. Apenas é importante ressaltar que na definição de consumidor acima analisada, a lei menciona a aquisição ou utilização de produtos e serviços de forma puramente objetiva, mas não faz qualquer ressalva para a destinação produtiva ou de consumo. Isso significa que o produto ou serviço destinado ao consumo final do adquirente ou mesmo para a atividade produtiva do consumidor, desde que adquirida como comprador final, estará compreendida na relação de consumo, como, por exemplo, podemos citar um jogador profissional de futebol que compra um par de chuteiras para utilizá-las em seus jogos, ou um empresário que compra um notebook para suas viagens de negócios. Em ambos os casos exemplificados, temos um produto adquirido por pessoa profissional, que o utilizará para sua atividade profissional, mas na clara condição de destinatário final, e se adotada a corrente finalista aprofundada, desde que ainda presente sua vulnerabilidade. 4.1. Produtos. Para a doutrina em geral, o artigo 3º, 1º, do CDC 5 incorreu em certa impropriedade ao empregar produto ao invés de bem, já que tecnicamente este último seria melhor ajustado para alcançar objetos de interesse do consumidor, não necessariamente resultados de uma atividade de produção. Todavia, também parece livre de qualquer dúvida que a utilização da palavra produto no citado dispositivo se deu como sinônimo de bem, e sob tal prisma deve ser compreendido. 4.2. Serviços. Ainda em análise aos elementos objetivos dessa relação jurídica, há no campo do fornecimento não apenas bens materiais ou imateriais, mas também atividades produtivas, definidas como serviços, cuja ideia devida em torno dos mesmos se esgota na própria definição 4 Súmula 297: O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras (STJ 2ª Seção - 12/05/2004. Fonte: DJ 09/09/2004, pg 149). 5 Art. 3º. [...] 1º Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial. 10

dada pela norma, pouco restando a acrescentar, senão no que concerne ao dever de excluir de sua abrangência as relações trabalhistas, as tributárias e as de mercado de capitais (não confundir com bancárias). Assim, estabelece o 2º, do artigo 3º, do CDC: Art. 3º. [...] 2º. Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes de caráter trabalhista. Outro fator que merece breve reflexão é o serviço disponibilizado por empresas do setor imobiliário. Para a atuação no segmento de compra e venda de imóveis, o serviço das imobiliárias é claramente abrangido pelo CDC. No campo da locação, não há incidência da lei de consumo entre o locatário e a imobiliária, sendo incidente a Lei de Locações a dirimir conflitos entre os contratantes (locador e locatário), mas novamente devemos considerar a incidência do CDC na relação existente entre locador e imobiliária, tendo como pano de fundo o contrato de mandato existente entre os mesmos, e o bom exercício dos deveres carreados à imobiliária no que concerne ao aludido mandato. 4.3. Remuneração. Também não podemos esquecer que a referência da norma aos produtos e serviços remunerados não comporta interpretação restritiva, ou seja, de remuneração apenas direta, alcançando ainda produtos não remunerados como as amostras grátis e os serviços não remunerados cujos preços já se encontrem diluídos no oferecimento ao público em geral, podendo exemplificar o transporte gratuito aos idosos em ônibus (que são remunerados indiretamente pelo conjunto de outros passageiros na elaboração da tarifa), ou ainda, o serviço de ducha grátis em posto de combustíveis para veículos depois de um determinado número de abastecimentos (cuja remuneração está embutida nos abastecimentos anteriores), daí porque a menção de remuneração no texto do artigo sob comentário comporta abrandamento. Novamente, citamos: [...] E, tratando-se de prestação de serviços, o Código exige, além da habitualidade da atividade, ser ela desenvolvida mediante remuneração ( 2º, art. 3º, do CDC). A remuneração de que trata a lei abrange não apenas as atividades que são pagas pelo próprio consumidor, mas, tambe m, os serviços de consumo remunerados indiretamente, isto é, quando não é o consumidor individual que paga, mas a coletividade (facilidade diluída no preço de todos) ou quando ele paga indiretamente o benefício gratuito que esta recebendo. Em outras palavras, ainda que não haja remuneração direta pelo consumidor, se o custo estiver incluído no preço do serviço, haverá remuneração para os fins da lei. Destarte, para estar diante de um serviço prestado sem remuneração, sera necessário que, de fato, o prestador do serviço não tenha, de maneira alguma, se ressarcido de seus custos, ou que, em função da natureza da prestação do serviço, não tenha cobrado o preço. (Jr., THEODORO, Humberto. Direitos do Consumidor, 9ª edição. Forense, 07/2017. VitalBook file, p 16). 11

III. Dispositivos legais referidos nesta aula. Art. 1, CDC. O presente código estabelece normas de proteção e defesa do consumidor, de ordem pública e interesse social, nos termos dos arts. 5, inciso XXXII, 170, inciso V, da Constituição Federal e art. 48 de suas Disposições Transitórias. Art. 2, CDC. Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final. Parágrafo único. Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo. Art. 3, CDC. Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços. 1 Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial. 2 Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista. Art. 17, CDC. Para os efeitos desta Seção, equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento. Art. 29, CDC. Para os fins deste Capítulo e do seguinte, equiparam-se aos consumidores todas as pessoas determináveis ou não, expostas às práticas nele previstas. IV. Julgados relacionados aos temas da aula (Fonte:www.tjsp.jus.br). Ementa: APELAÇÃO AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL C.C. INDENIZATÓRIA Compra e venda de bem móvel mediante financiamento Relação de consumo Vício de qualidade de veículo adquirido junto à corré Aquitaine Rescisão da avença Apelo da instituição financeira LEGITIMIDADE DA FINANCEIRA Requerida que por integrar a cadeia de fornecimento do produto é responsável, em tese, por vícios verificados no bem RESCISÃO DO CONTRATO DE FINANCIAMENTO Desfazimento da compra e venda que implica no cancelamento do contrato de financiamento Contratos coligados, firmados no mesmo contexto negocial, o que implica responsabilidade solidária dos agentes integrantes da cadeia de consumo TERMO INICIAL DA INCIDÊNCIA DE CORREÇÃO MONETÁRIA Data do desembolso Negado provimento. (TJSP Apelação 0041099-12.2012.8.26.0007 Rel. Des Hugo Crepaldi Comarca: São Paulo 25ª Câmara de Direito Privado data do julgamento: 01/02/2018). Ementa: DECLARATÓRIA CUMULADA COM INDENIZAÇÃO - Parcial procedência CDC - Incidência - Presença de todos os requisitos da relação de consumo Atraso na conclusão da obra, já computado o prazo de tolerância - Obrigação das rés de indenizar o comprador pela privação do uso do imóvel, no período da mora na entrega da unidade Fixação mensal em 1% sobre o valor atualizado do contrato Redução Cabimento Fixação em 0,5% sobre o valor atualizado do contrato, acrescido de juros moratórios de 1% ao mês, desde a citação Sentença reformada Recurso parcialmente provido (TJSP Apelação 1000195-89.2015.8.26.0309 Rel. Des. Salles Rossi Comarca: Jundiaí 31ª Câmara Extraordinária de Direito Privado data do julgamento: 19/12/2017). 12