Os nomes dos modos de sofrimentos atuais, ou, Transtornos do Amor. Jorge Sesarino Quais são os modos de sofrimentos da atualidade? O declínio da figura do pai e a conseqüente debilitação da lei simbólica, a degradação dos valores e a desvalorização da palavra estão na origem dos modos como o sofrimento humano se apresenta na atualidade. A crescente banalização da palavra desumaniza, o sujeito cala e o objeto, quando não o divide, faz Um com ele, não em Nome do Pai, mas em nome de um gozo totalizador. Somos todos órfãos e temos de escolher entre a ideologia edipiana do Nome do Pai ou a ideologia do gozo desenfreado. O discurso atual orienta o desejo pela via da unificação dos modos de gozar, através dos modelos de objetos, gadgets, que a tecnologia oferece para consumo: celulares, computadores, televisores, vestimentas, casas, apartamentos, automóveis, produtos light, corpos, cosméticos, medicamentos poderosos, substâncias tóxicas, etc. Tal enlaçando sujeito-objeto resulta em nova modalidade de gozo e sofrimentos chamados de novos sintomas. São as patologias das adições. Tal homogeneização de gozos causa o sentimento de exclusão de quem não tem acesso ao mercado de consumo desses objetos falicizados. A conseqüência parece óbvia: enfraquecimento e ruptura do laço social. A competitividade é a grande valia e aqueles que não podem ou não querem competir ficam sem espaço social, sem visibilidade social. Sem o sentimento de pertencimento, ficam ameaçados física e psiquicamente na sobrevivência e na existência. Resta-lhes, ainda, a possibilidade de inventar outra história de si mesmo, bem ou mal sucedida, afinal, não vivemos numa sociedade de castas. Há mobilidade social e um pobre miserável pode tornar-se um grande um rico milionário, tanto, por exemplo, no mundo do tráfico quanto como artista no mundo da arte, ou como jogador de futebol. A padronização dos sintomas ofertada na esteira dos CIDs e DSMs e as tentativas das neurociências para explicar o psiquismo em bases orgânicas, parecem mais servir ao poder dominante da indústria farmacêutica e seus lucros obscenos, através da
medicalização de toda forma de sofrimento, incluindo, a cada dia mais, a medicalização da infância, os sofrimentos das crianças. Diagnosticadas ou enquadras, as crianças antes chamada de peraltas, atualmente são reconhecidas como hiperativas, as inibidas, de depressivas, etc. e por isso, medicadas. Seus comportamentos considerados inadequados para os padrões atuais esperados (ideais?), passam a receber palavras, signos, como Transtorno de Déficit de Atenção, Hiperatividade, TDA/H 1 e tantos outros novos nomes, que representam um doente para um medicamento ou mais um consumidor para mais um produto de mercado. A medicalização excessiva e irresponsável altera a implicação subjetiva e desresponsabiliza o sujeito, que passa a ser representado por outros significantes: depressivo, bipolar, anoréxico, agorafóbico, panicoso, hiperativo, etc.. Também altera sua subjetividade uma vez que o sujeito é identificado a nomes holofraseantes, alienantes ou anestesiantes da sua condição, num caminho sem volta. A patologização desses sinais-sintomas, rechaça tanto o sintoma psíquico quanto o sujeito do inconsciente. As insistentes ofertas de consumo veiculam promessas de felicidade inatingíveis. O apelo ao consumo abusivo e indiscriminado das substâncias psicotrópicas para se alcançar a felicidade são alternativas falsas e ilusórias. Para que sofrer, se, afinal, há remédio para tudo: para dormir, para acordar, para fazer sexo, para emagrecer, para engordar, para crescer, para defecar, para urinar, para viver e até para morrer. Mas então porque, ainda assim os sofrimentos persistem? Os transtornos alimentares, a pandemia de obesidade que estamos vivendo, estão diretamente ligados a vontade de gozo. Responde-se como que com passagem ao ato, ao imperativo da demanda desse Outro totalizante, que nomeia cada um de consumidor, cliente, expectador, ouvinte, cidadão, trabalhador, eleitor, dependente, e tantos outros nomes. A lógica do mercado é que para satisfazer um desejo, não tem preço; vale qualquer preço. É a ética das finalidades? 1 Convém aqui fazer referência a uma conferência do Dr. Alfredo Jerusalinsky proferida em junho de 2003, na Fundación para el Estúdio de los Problemas de la Infância, Centro Dra. Lydia Coriat em Buenos Aires. Acessível no site: http://www.appoa.com.br/noticia_detalhe.php? noticiaid=35&phpsessid=bbea8b84cbb064f37445c2e5eac26344
A experiência do amor é uma experiência comum dos seres humanos que todos compartilhamos de uma forma ou de outra, a começar pela boca, que é a nossa primeira forma de relação com o mundo. As patologias da alimentação, os ditos transtornos alimentares como a anorexia (amor-exias? 2 ), a bulimia, a obesidade, mas também as toxicomanias, o alcoolismo, podem ser pensadas como transtornos do amor, diretamente relacionados com um luto de um objeto que não pôde ser feito na origem. O amor não causa patologias, mas quando ele não se faz metáfora através do luto primário é rechaçado de alguma forma e então surgem patologias. Podemos dizer que há transtornos do amor quando a função do amor na estrutura não possibilita o amor de transferência. Não é isso o que se denomina fenômeno psicossomático? As neuroses são modos de sofrimentos relativos ao amor, são impasses transferenciais, são interdições no campo do amor. O corpo é o suporte dos afetos e o lugar do sofrimento. Perguntas sobre o sofrimento aparecem no pensamento de quem busca um tratamento psicanalítico, e o seu alívio é o motivo principal que leva alguém a pedir uma análise. O amor do pai ou o amor ao pai é a base do ideal do Eu, que possibilita o ideal do bem e a felicidade como possibilidade de encontro com o bem. A psicanálise busca restituir a figura do pai para recompor a relação do sujeito com a lei e escuta o sintoma como o refúgio de onde o sujeito expressa o seu mal para poder agarrar o seu bem. Mas como agarrar seu bem num tempo em que o bem é o bem comum, representado pelos objetos de consumo? Por se agradar mais do seu sintoma do que de si mesmo não pode amar, ao tentar fazer Um com o objeto, se deixa sofrer e adoecer. Entre a miséria neurótica e a infidelidade comum, hesita e não escolhe, ou escolhe não escolher e aposta no acaso e na sorte. Freud recomenda que se escolha a infelicidade comum e a felicidade possível pela via transferência, um dos nomes do amor que possibilita amar e trabalhar. A transferência é a condição para a invenção de um novo amor, a partir do amor patológico do sintoma, essa invenção subjetiva diante da falta inevitável do Outro. O amor faz sofrer, mas é 2 Termo usado pela psicanalista argentina Mirta Goldstein. Acessível no site: http://www.elsigma.com/site/detalle.asp? IdContenido=3736
também o único recurso com o qual se pode fundar um lugar no mundo. Não há cura sem o amor. Em Inibição, Sintoma e Angustia (1926) o sintoma aparece como uma modalidade de satisfação pulsional. A função do sintomas é a de retirar o eu das situações de perigo, como um amigo que possibilita o laço social para que o sujeito possa emergir na existência e ser reconhecido. Quando o sintoma fracassa, diz Laçam, é quando o sujeito procura um analista. E o que temos para oferecer? Convidamos a falar, a por em jogo a palavra, a falar dos transtornos do amor. Pela via da demanda e sustentado no desejo o amor pede amor. Aí toda forma de sofrimento, inclusive as doenças do corpo, os transtornos do amor, têm uma chance. Conceber o amor como uma forma de suplência à completude do ser aproxima Lacan de Heidegger, para quem o ser só existe na linguagem. O fundamento do amor, mas também do erotismo está na relação especular, não reduzido à dimensão imaginária como aparece nas neuroses que são sofrimentos, transtornos relativos ao amor. O amor é um dom constituído no plano simbólico e sustentado na cadeia significante. No Seminário XX, Lacan afirma que a psicanálise só opera pela via do amor e que é o amor que faz surgir o desejo. A fórmula da transferência, SsS (sujeito suposto saber), não se distingue do amor: àquele a quem suponho o saber, eu o amo 3. Referências bibliográficas: Freud, Sigmund. Três Ensaios Sobre a Teoria da Sexualidade. (1905). ESB. Imago. RJ. Delírios e sonhos na Gradiva de Jensen. (1907). ESB. O Mal estar na Civilização. (1929). Vol. XXI. ESB. Sobre o Narcisismo: uma introdução. (1914). Vol. XIV. ESB. O ego e o id. (1923). Vol. XXIII. ESB. Imago. RJ. 1982. Os instintos e suas vicissitudes. (1915). ESB. Imago. RJ. 1982. 3 Seminário 20. Pág. 91.
Inibição, Sintoma e Angustia. (1926). ESB. Imago. RJ. 1982. Lacan, J. O Seminário. Livro I. Os Escritos Técnicos de Freud. Zahar Editores, RJ. 1979. O Seminário. Livro IV. A Relação de Objeto. Jorge Zahar Editor, RJ. 1994. O Seminário. Livro VIII. A Transferência. Jorge Zahar Editor, RJ. 1992. O Seminário. Livro XX. Mais, ainda. Jorge Zahar Editor, RJ. 1982. Nota Curricular. Jorge Ssesarino Rua Maurício Caillet, 33 Curitiba PR. 80250-110 jsesarino@hotmail.com - Psicanalista - Professor de Nosologia e Sonografia I e supervisor clínico da Faculdade Dom Bosco - Professor de Psicopatologia e supervisor clínico da Universidade Tuiuti do Paraná - Professor dos cursos de pós graduação latu Sensu em Psicologia Clínica e Abordagem Psicanalítica da PUCPR - Professor e supervisor clínico dos cursos de pós graduação latu Sensu em Psicologia Clínica e em Teoria Psicanalítica da UTP, Faculdade Dom Bosco e FURB. - Professor e supervisor do curso de Pós latu Sensu em Psicomotricidade Relacional do CIAR. - Coordenador do grupo de estudo e pesquisa em psicanálise sobre a sexualidade, na Faculdade Dom Bosco. - Graduação em Psicologia pela Universidade Católica do Paraná, 1984. - Mestrado em Antropologia Social pela UFPR, 2000. - Doctorat en Sciences Psichologiques pela Université de Liège, 2005.