1 COMPORTAMENTO REOLÓGICO DO CARBETO DE SILÍCIO EM MEIO AQUOSO Lima, E. S. (1); Louro, L. H. L. (1); Costa, C. R. C. (1); Neto, C. A. C. (2) (1) IME - Instituto Militar de Engenharia - Laboratório de Cerâmica Praça Gen Tibúrcio, n o 80 - CEP: 22290-270 Praia Vermelha - Rio de Janeiro - RJ eslima@hotmail.com (2) COPPE/UFRJ - Coordenação dos Programas de Pós-graduação de Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro - PEMM - Programa de Engenharia Metalúrgica e de Materiais RESUMO O objetivo deste trabalho é identificar as condições iniciais de preparação de misturas estáveis para a moagem através de medidas de reologia. Assim, o comportamento reológico do SiC foi estudado na faixa de a 25% em volume de sólidos em água bidestilada em diferentes intervalos de tempo. O comportamento pseudoplástico realçado mesmo para as concentrações de % em volume indicam a presença de aglomerados muito fortes. O modelo reológico encontrado foi o de Lei de Potência com limite de escoamento. O comportamento tixotrópico do SiC pode ser observado pela redução da taxa de cisalhamento e do limite de escoamento com o tempo, assim como pelo aumento índice de fluxo. Palavras-chaves: SiC, reologia, moagem INTRODUÇÃO O carbeto de silício é atualmente utilizado em inúmeras aplicações, tais como válvulas e selos mecânicos, trocadores de calor (1) e componentes de motores (2). Suas excelentes propriedades mecânicas e químicas e sua estabilidade térmica a altas temperaturas são requisitos fundamentais nas aplicações de alto desempenho e têm sido alvo de intensivas pesquisas (3-6). Seu uso em larga escala, porém, é limitado, principalmente, pelo fato dos materiais cerâmicos serem extremamente sensíveis aos defeitos introduzidos durante os diversos estágios de processamento (7). Com isto, é primordial a fabricação de componentes com o mínimo possível de poros, vazios ou
2 aglomerados. A presença destes defeitos, além de prolongar o tempo necessário para a densificação, reduz as propriedades mecânicas do produto final (7, 8). Com o objetivo de minimizar o tamanho de defeitos críticos na microestrutura do material cerâmico, têm sido desenvolvidos novos processos de fabricação (9), assim como otimizadas algumas etapas dos processos tradicionais, como por exemplo a moagem e a mistura de pós (-14). Estas etapas são fundamentais para a obtenção de uma estrutura homogênea e de um bom empacotamento dos pós na consolidação do corpo verde (2). O pó cerâmico é geralmente constituído por grânulos e aglomerados que necessitam ser quebrados para a sua dispersão em solução, o que é realizado por efeito mecânico, normalmente pela moagem (14). As medidas reológicas caracterizam o comportamento dos materiais submetidos a tensões de deformação, como ocorre na moagem. O objetivo deste trabalho é identificar as condições iniciais de preparação de misturas estáveis para a moagem, através de medidas de reologia. MATERIAIS E MÉTODOS Foi utilizado o carbeto de silício verde, fabricado pela Saint-Gobain, com pureza 97,72%. Este material foi moído até que tamanho médio de partícula fosse de 1,20 µm e a área superficial de 9,45 m 2 /g medida por BET. Foram preparadas suspensões de 120 ml com, 20, 25 e 30% em volume de SiC, em água bidestilada. As medidas reológicas foram realizadas com o viscosímetro rotacional cilíndrico da Fann Instrument Company, modelo 35A, na temperatura de 25 o C. Antes de qualquer medição, foi necessário determinar o tempo necessário para estabilizar a tensão de cisalhamento sob cada taxa de cisalhamento. O tempo avaliado foi de aproximadamente 2 s. Os reogramas das diferentes suspensões foram produzidos sob taxas de cisalhamento decrescentes e crescentes de 5,, 170, 340, 511 e 22 s -1, aplicadas 4 s antes de cada nova leitura. As medidas foram realizadas após intervalos regulares de 1,, 20, 30, 50 e 0 min, durante os quais a solução permanecia submetida a uma taxa de cisalhamento constante de 340 s -1. As medidas com 30% em volume foram realizadas somente nas taxas de 5 e s -1, pelo fato das demais taxas resultarem em tensões acima do limite de leitura do aparelho, para este percentual de sólidos.
3 Nesta pesquisa, o modelo reológico, expressão matemática que determina a dependência da tensão de cisalhamento com taxa de cisalhamento (15), foi definido por análise de regressão linear e logarítmica dos gráficos de tensão vs. taxa de cisalhamento para cada intervalo de tempo e concentração de sólidos. RESULTADOS E DISCUSSÃO A Figura 1 apresenta as médias das medidas de viscosidade aparente contra taxa de cisalhamento tomadas entre 1 e 0 min de intervalo, em função do percentual de sólidos. Líquidos Newtonianos são caracterizados por uma viscosidade independente da taxa de cisalhamento. Uma viscosidade que aumenta ou diminui com a taxa indica um fluido dilatante ou pseudoplástico, respectivamente (14). Nesta figura é observado o comportamento pseudoplástico, fenômeno que ocorre pela quebra dos aglomerados e deslizamento das partículas de SiC umas sobre as outras. 0000 000 25 20 Viscosidade (mpa.s) 00 0 1 1 0 00 000 Taxa de cisalhamento (s -1 ) Figura 1: Viscosidade vs. taxa de cisalhamento para diferentes concentrações de sólidos
4 Este comportamento é mais realçado para as maiores concentrações de sólidos, embora mesmo a % já ocorra uma queda de duas ordens de grandeza no valor da viscosidade, da menor para a maior taxa de cisalhamento. As suspensões de SiC normalmente apresentam comportamento pseudoplástico (1, 8, 16), embora o comportamento dilatante (7) e Newtoniano (1,7) já tenha sido observado. Os modelos mais empregados para descrever as propriedades de suspensões são os modelos de Bingham e de Lei de Potência (15). O modelo de Bingham apresenta uma correlação linear entre a tensão e a taxa de cisalhamento, descrita pela Equação A: τ = τ + η γ& (A) Y p onde τ Y é o limite de escoamento, η p é a viscosidade plástica e γ&, a taxa de cisalhamento. O modelo de Lei de Potência, por outro lado, descreve uma correlação logarítmica, como mostrado na Equação B: τ = Kγ& n (B) onde K é uma constante, denominada índice de consistência, e n, o índice de fluxo. O modelo que melhor descreve o comportamento do SiC utilizado neste trabalho é o de Lei de Potência com limite de escoamento, ou de Herschel- Bulkley (15), independentemente do intervalo de tempo ou da concentração de sólidos. Este modelo fornece um comportamento pseudoplástico após a tensão exceder um limite de escoamento, como o modelo de Bingham, e uma dependência não linear da tensão com a taxa de cisalhamento, como descrito pelo modelo de Lei de Potência. A Figura 2 mostra os valores de tensão vs. taxa de cisalhamento para as diferentes concentrações de sólidos utilizadas, na qual é claramente observada a presença de uma tensão de escoamento para cada concentração. A Figura 3 apresenta os ajustes de Bingham e de Lei de Potência para a concentração de 25% de sólidos, que fornecem, respectivamente, índices de correlação de 0,7980 e 0,9996.
5 00 25 20 Tensão de cisalhamento (Pa) 0 1 1 0 00 000 Taxa de cisalhamento (s -1 ) Figura 2: Tensão vs. taxa de cisalhamento para diferentes concentrações de sólidos Tensão de cisalhamento (Pa) 00 0 Lei de Potência y = 35,762x 0,1803 R 2 = 0,996 Bingham y = 0,0717x + 63,704 R 2 = 0,798 1 0 00 000 Taxa de cisalhamento (s -1 ) Figura 3: Ajustes de Bingham e de Lei de Potência para a concentração de 25% em volume de SiC O SiC apresentou um comportamento tixotrópico, ou seja, a diminuição da taxa de cisalhamento (ou viscosidade) com o tempo. Este comportamento é normalmente observado em fluidos peseudopláticos, nos quais a orientação e agregação das partículas mudam com o tempo quando submetidas a um fluxo de cisalhamento (15).
6 A Figura 4 mostra a redução da tensão de cisalhamento com o tempo para cada taxa de cisalhamento aplicada, na concentração de 25%. O comportamento tixotrópico é mais acentuado para as maiores taxas de cisalhamento e maiores concentrações, como pode ser visto na Figura 5. Esta figura apresenta o envelope de comportamento tixotrópico para cada concentração, sendo o limite superior e inferior as taxas de 22 e 5 s -1, respectivamente. O limite inferior da concentração de 25% e o superior de 20% se sobrepõem para os tempos acima de 20 min. 150 22 511 341 170 5 Tensão de cisalhamento (Pa) 120 90 60 30 0 20 40 60 80 0 120 Tempo (min) Figura 4: Redução da tensão de cisalhamento com o tempo para cada taxa de cisalhamento aplicada, na concentração de 25% em volume de SiC A Figura 6 apresenta as medidas decrescentes e crescentes da tensão de cisalhamento na suspensão com 25% em volume de SiC, tomadas após o intervalo de 1 min. Neste intervalo de tempo já é possível observar uma pequena redução da tensão de cisalhamento na medida crescente em relação à decrescente. O comportamento tixotrópico também pode ser observado pelas medidas de limite de escoamento e índice de fluxo, mostradas nas Figuras 7 e 8, respectivamente. A redução do limite de escoamento é mais pronunciada para as soluções mais concentradas, embora o aumento de índice de fluxo seja perceptível para as três soluções.
7 00 Tensão de cisalhamento (Pa) 0 25% 20% % 1 0 20 40 60 80 0 120 Tempo (min) Figura 5: Comportamento tixotrópico do SiC, sendo o limite superior e inferior de cada concentração as taxas de cisalhamento de 22 e 5 s -1, respectivamente 160 140 Tensão de cisalhamento (Pa) 120 0 80 60 Decrescente Crescente 0 200 400 600 800 00 1200 Taxa de cisalhamento (s -1 ) Figura 6: Medidas decrescentes e crescentes da tensão de cisalhamento na suspensão com 25% em volume de SiC, tomadas após o intervalo de 1 min
8 80 25 20 Limite de Escoamento (Pa) 60 40 20 0 0 20 40 60 80 0 120 Tempo (min) Figura 7: Redução do limite de escoamento com o tempo para diferentes concentrações 0,200 Índice de Fluxo (adimensional) 0,175 0,150 0,125 25 20 0,0 0 20 40 60 80 0 120 Tempo (min) Figura 8: Aumento do índice de fluxo com o tempo para as diferentes concentrações A Figura 9 apresenta o intervalo das medidas de viscosidade aparente vs. volume percentual de sólidos deste artigo e os resultados obtidos por Liu (8) e Lee (1). Estes pesquisadores utilizaram pós de SiC com tamanho médio de 2 e 0,48 µm, percentual de sólidos de 30 e 27,5% e os resultados foram extraídos das taxas de cisalhamento de 50 e 0 s -1, respectivamente. Os limites superior e inferior do
9 gráfico correspondem às medidas após intervalo de 1 min na taxa de cisalhamento de 5 s -1 e após 0 min na taxa de 22 s -1. Os valores de viscosidade encontrados por Liu e Lee estão dentro dos limites desta pesquisa. Liu e Lee não especificaram o tempo de tomada das medidas, mas acredita-se que tenha sido de poucos minutos. Neste gráfico, o aumento de viscosidade com a concentração de sólidos é exponencial para ambas as taxas, com índices de correlação acima de 0,99. Em sua pesquisa, Yi (16) também apresentou um aumento exponencial da viscosidade do SiC recristalizado com o percentual de sólidos. 0000 5 s -1 000 50 s -1 Viscosidade (mpa.s) 00 0 22 s -1 0 s -1 Esta pesquisa Lee Liu 1 5 15 20 25 30 35 SiC (Vol %) Figura 9: Intervalo das medidas de viscosidade aparente vs. volume percentual de sólidos deste artigo e os resultados obtidos por Liu e Lee CONCLUSÕES (a) As suspensões de SiC apresentaram um comportamento pseudoplástico descrito pela Lei de Potência, com limite de escoamento. Embora este comportamento seja atenuado para as menores concentrações, mesmo a % já ocorre uma queda de duas ordens de grandeza no valor da viscosidade, da menor para a maior taxa de cisalhamento. Isto indica a presença de aglomerados muito fortes na suspensão. (b) As suspensões apresentaram ainda um comportamento tixotrópico, mais acentuado para as maiores taxas e maiores concentrações. Este comportamento pode ser observado pelas quedas da tensão de cisalhamento e do limite de escoamento e pelo aumento do índice de fluxo com o tempo.
(c) Os valores de viscosidade do SiC utilizado são compatíveis com os obtidos por Liu e Lee. Seus resultados estão localizados entre os limites superior e inferior daqueles encontrados nesta pesquisa, para percentuais de sólidos e taxas de cisalhamento situadas dentro da faixa utilizada neste trabalho. O aumento de viscosidade com a concentração de sólidos é exponencial, resultado similar ao obtido por Yi. AGRADECIMENTOS Ao INT, pelas análises de tamanho de partícula. Ao IEN, pelas análises de área superficial. REFERÊNCIAS 1. LEE, Y. S., FU, C. T., Ceramics International, v. 30, (2004), p. 151-6 2. SUN, J., GAO, L., Journal of the European Ceramic Society, v. 21, (2001), p. 2447-51 3. SUYAMA, S., KAMEDA, T., ITOH, Y., Diamond and Related Materials, v. 12, (2003), p. 1201-4 4. HUANG, Z. H., JIA, D. C., ZHOU, Y., LIU, Y. G., Ceramics International, v. 29, (2003), p. 13-17 5. BAUD, S., THÉVENOT, F., PISCH, A., CHATILLON, C., Journal of the European Ceramic Society, v. 23, (2003), p 1-8 6. LEE, J., PARK, J., LEE, E., SEO, D., HWANG, Y., Materials Letters, v. 57, (2002), p. 203-8 7. RAO, R. R., ROOPA, H. N., KANNAN, T. S., Ceramics International, v. 25, (1999), p. 223-30 8. LIU, D. M., FU, C. T., Ceramics International, v. 22, (1996), p. 1-6 9. WÄSCHE R., NAITO, M., HACKLEY, V. A., Powder Technology, v. 123, (2002), p. 275-81. WU, S. F., YANAGISAWA, K., NISHIZAWA, T., Carbon, v. 39, (2001), p. 1537-41 11. MALGHAN, S. G., PREMACHANDRAN, R. S., PEI, P. T., Powder Technology, v. 79, (1994), p. 43-52 12. ZHANG, J. X., GAO, L. Q., Ceramics International, v. 27, (2001), p. 143-7
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