Monitoramento de Carnes e Derivados Refrigerados Expostos à Venda em Supermercados Sulfluminenses



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Transcrição:

Monitoramento de Carnes e Derivados Refrigerados Expostos à Venda em Supermercados Sulfluminenses Monitoring of Refrigerated Meat and Meat Products sold in Sulfluminense Supermarkets ALEXANDRE PORTE MARILENE DE O. LEITE* PAULO TONG ELTON B. DE SOUZA FERNANDA A. DE F. FARIA FERNANDO A. C. DE SOUSA JUNIOR *Correspondências: Rua Vereador Pinho de Carvalho, 267 27330-550, Barra Mansa/RJ E-mail: curso.nut@ubm.br RESUMO O trabalho aborda a importância da refrigeração e das condições de armazenamento, por meio da verificação das temperaturas de balcões de refrigeração de carnes e derivados, em supermercados dos municípios de Barra Mansa, Pinheiral e Volta Redonda, tendo em vista que condições inadequadas de refrigeração podem permitir a alteração de alimentos com conseqüente risco à saúde, mesmo os produtos estando dentro do prazo de validade. Dos três supermercados estudados, dois estiveram de acordo com as temperaturas recomendadas para carnes e derivados. Palavras-chave: CARNES DERIVADOS SUPERMERCADOS REFRIGERAÇÃO. ABSTRACT The present work approaches the importance of food refrigeration and storage conditions, through the checking of temperatures in counter of meat and meat products in supermarkets from three cities: Barra Mansa, Pinheiral, and Volta Redonda. Improper storage conditions can cause food changes, with consequent risks to health, even if the products are within the expiry date. Of the three supermarkets, two attended to the recommended temperatures for meat and meat products Keywords: MEAT MEAT PRODUCTS SUPERMARKETS CHILLING STO- RAGE. Saúde em Revista 39 MONITORAMENTO DE CARNES E DERIVADOS REFRIGERADOS EXPOSTOS À VENDA EM SUPERMERCADOS SULFLUMINENSES

INTRODUÇÃO Nos países da Europa Ocidental, as intoxicações são raras no inverno, ocorrendo especialmente no verão. Isso advém da influência determinante da temperatura ambiente sobre a velocidade de multiplicação das bactérias (LEDERER, 1991a). Se comparado com a situação encontrada no Brasil, o processo de refrigeração entre nós assume um papel ainda maior na prevenção das intoxicações. No período de 1983 a 1990, em São Paulo, o armazenamento em refrigeração inadequada contribuiu em 19% para surtos de doenças de origem alimentar (SILVA JÚNIOR, 1997). Assim, os alimentos não consumidos frescos devem ser submetidos à refrigeração, de modo a retardar o crescimento bacteriano, sobretudo os de origem animal, os causadores mais freqüentes das intoxicações alimentares, uma vez que constituem ótimos meios de cultura para microrganismos deterioradores e patogênicos (EVANGELISTA, 1994; HA- ZELWOOD & McLEAN, 1998; LEDERER, 1991a e b). A temperatura de armazenamento é um elemento extremamente importante para a conservação do alimento. Sua qualidade se deteriorará tanto mais depressa quanto mais elevada for a temperatura, pois a velocidade de multiplicação de várias bactérias possui temperatura ótima próxima a 37 o C (HAZELWOOD & McLEAN, 1998; LEDERER, 1991b). Todavia, a faixa de temperatura entre 5 o C e 65 o C, conhecida como zona de perigo, também permite a multiplicação de microrganismos a uma velocidade considerável. Por isso, deve-se manter os alimentos frios abaixo de 5 o C e os alimentos quentes acima de 65 o C (HAZELWOOD & McLEAN, 1998). Essa zona de perigo é ainda referida como a faixa de temperatura entre 5 o C e 54 o C (MADEIRA & FERRÃO, 2002). Essa recomendação, apesar de fundamental, é bastante genérica, servindo particularmente como parâmetro de segurança. Na verdade, existem faixas de temperaturas apropriadas a diferentes tipos de alimentos. Embora a pesquisa tenha sido conduzida em três cidades do interior fluminense, é pertinente colocar que o artigo n. 126 do Decreto n. 6.538, de 17 de fevereiro de 1983, do Estado do Rio de Janeiro, citado por MADEIRA & FERRÃO (2002), que permite geladeiras comerciais e/ou câmaras frigoríficas com temperaturas não superiores a 10 o C, equipadas com estrados de madeira e destinadas exclusivamente à conservação de carnes, não pode ser aplicado. Isso, por não se tratar de vila ou povoado de pequeno potencial econômico e na zona rural. Por essa razão, adotou-se como referência para este trabalho a Portaria CVS n. 6, de 10 de março de 1999, que recomenda a instalação de refrigeradores mantendo até 4 o C para carnes refrigeradas. O efeito da refrigeração no retardamento do crescimento de microrganismos ocorre por conta de as reações metabólicas microbianas serem catalisadas por enzimas dependentes da temperatura. Além disso, algumas bactérias, como Sthaphylococcus aureus, Bacillus sp. e Salmonella sp., apresentam temperaturas mínimas de crescimento de 6,7 o C, para o caso da primeira, e 7 o C, para as duas últimas (JAY, 1994). Não obstante, não apenas a temperatura de armazenamento é essencial à conservação por refrigeração. Outros aspectos importantes precisam ser observados. Talvez o excesso de produtos encontrados nos refrigeradores seja a causa mais comum do apodrecimento de produtos perecíveis (HAZELWOOD & McLEAN, 1998). Isso se deve à necessidade de circulação do ar refrigerado entre os alimentos, comprometida pelo abarrotamento deles nos refrigeradores. Os equipamentos devem também encontrar-se em área ventilada e ao abrigo da luz solar direta e de fonte de calor (HAZELWOOD & McLEAN, 1998). Outra recomendação é dispor refrigeradores específicos para laticínios, carnes e produtos cozidos, a fim de evitar a contaminação entre os produtos. Não é preciso o produto ter má aparência, mau cheiro, consistência diferente ou gosto ruim para ser perigoso à saúde (HAZELWOOD & McLEAN, 1998; SILVA JÚNIOR, 1997). Acrescenta-se a esses dados que muitos refrigeradores não apresentam termômetros para a verificação da temperatura (MORANDINI et al., 2001). Nesse sentido, o objetivo deste trabalho foi verificar as condições de armazenamento de carnes e derivados, mantidos sob refrigeração, em supermercados dos municípios fluminenses de Barra Mansa, Pinheiral e Volta Redonda. MATERIAL E MÉTODOS Os supermercados foram selecionados por critério de maior volume de vendas. Durante cinco semanas, entre os meses de julho e agosto de 2000, 40 SAÚDE REV., Piracicaba, 5(9): 39-46, 2003

realizaram-se medições de temperaturas com auxílio de termômetros industriais com escala de - 50 o C a 50 o C, em intervalos regulares de seis horas: às 8h, às 14h e às 20h. As verificações foram efetuadas aos sábados, nas extremidades e no centro dos balcões de refrigeração de cada produto, em cada supermercado. Aguardou-se três minutos, a fim de permitir a estabilização do valor da temperatura encontrado no termômetro e depois anotado. Esse procedimento foi realizado em triplicata, registrando-se a média aritmética. As carnes embaladas estavam acondicionadas em bandejas de polipropileno, revestidas com filme de polietileno, em todos os supermercados estudados. A rotulagem indicava a data do corte, o prazo de validade, o preço por quilograma do produto e de cada corte exposto à venda. As temperaturas foram investigadas em todos os balcões de refrigeração de cada supermercado. No supermercado A eram vendidas carnes embaladas e carnes frescas, em peças expostas, em distintos balcões. As carnes frescas estavam penduradas em guinchos de aço inoxidável, dentro do balcão de refrigeração. Não existiam lâmpadas nem vegetais (adornos) dentro do refrigerador. Nos três supermercados, havia o mesmo tipo de balcão refrigerado horizontal, no qual os produtos embalados são armazenados lado a lado. No supermercado B também havia um balcão de refrigeração vertical com três prateleiras. Os derivados cárneos eram presunto suíno com e sem capa de gordura, presunto de peru e apresuntado, todos pré-fatiados, dispostos em balcão refrigerado horizontal, embalados em bandejas de polipropileno, revestidas com filme de polietileno. RESULTADOS E DISCUSSÃO Todos os rótulos observados nos três supermercados indicavam que os produtos encontravam-se dentro do prazo de validade para consumo. A figura 1 apresenta as temperaturas encontradas no refrigerador de carnes embaladas no supermercado A. Embora tenham sido detectados, em todos os horários e todas as semanas, pontos do refrigerador iguais ou inferiores a 4 o C, a maioria dos pontos apresentou valores superiores a 4 o C, em todas as semanas, horários e diferentes pontos do equipamento, e em uma extremidade, às 20h, na quinta semana, foi detectado 11 o C. Essas carnes estavam, nitidamente, em condições inadequadas, podendo oferecer riscos aos consumidores, particularmente em casos de preparações, como rosbife e outros pratos malpassados, isto é, parcialmente coccionados. No refrigerador contendo carnes não embaladas, as temperaturas diferiram das encontradas em carnes embaladas, como pode ser visto na figura 2. Em virtude do tamanho reduzido, os equipamentos de refrigeração para carnes não embaladas e derivados cárneos não apresentaram temperaturas diferentes entre as medições realizadas nas extremidades e no centro. Por isso, as figuras 2 e 3 apresentam um único valor por hora, nas diferentes semanas de estudo. Figura 1. Carnes embaladas submetidas ao armazenamento refrigerado no supermercado A. Saúde em Revista 41 MONITORAMENTO DE CARNES E DERIVADOS REFRIGERADOS EXPOSTOS À VENDA EM SUPERMERCADOS SULFLUMINENSES

Figura 2. Carnes não embaladas submetidas ao armazenamento sob refrigeração no supermercado A. Com exceção da quinta semana, cuja temperatura apresentada foi de -2 o C, sempre foram detectadas, às 8h da manhã, temperaturas superiores a 4 o C, chegando a atingir 8 o C na primeira semana. Às 14h, as temperaturas variaram de -2 o C até 10 o C e, às 20h, de -1 o C a 7 o C. As grandes variações de temperaturas e valores superiores ao dobro da temperatura máxima permitida levam a inferir funcionamento intermitente ou defeito no equipamento. É possível observar, para cada dia, valores alternados de altas temperaturas pela manhã e baixas à tarde, como na primeira, na segunda, na quarta e na quinta semanas, ou temperaturas baixas às 8h e elevadas às 14h, como na terceira semana. Há uma alternância entre valores elevados e baixos conforme o horário do dia. Por conseguinte, esses produtos podem oferecer risco iminente de contaminação microbiana e de surtos de intoxicações alimentares. A análise microbiológica de cortes de carne bovina embalada e refrigerada, na cidade de Santa Maria, no Rio Grande do Sul, mostrou que 24% das peças estavam impróprias para o consumo antes do fim do prazo de validade e que o crescimento bacteriano era maior na sua parte inferior do que na superior (FACCO et al., 1999). Embora o trabalho não cite as temperaturas em que se encontravam as carnes no supermercado, ele apresenta importante informação sobre o crescimento bacteriano na parte inferior das bandejas, geralmente não visível ao consumidor, e serve de aviso para o risco da conservação imprópria de carnes. O balcão de refrigeração de derivados cárneos do supermercado A possui suas temperaturas apresentadas na figura 3. Como pode ser observado, nenhuma temperatura igual ou inferior a 4 o C foi encontrada neste refrigerador. Ao contrário, se comparadas as temperaturas das 8h e das 20h, houve um aumento em todas as semanas, exceto na primeira, cuja temperatura permaneceu em 8 o C. Nas outras semanas, particularmente na quinta, às 8h, a temperatura era 7 o C, ao passo que, às 20h, era 13 o C. Como resultado, esses alimentos sempre estiveram em condições favoráveis ao crescimento microbiano, durante as medições de temperatura realizadas neste trabalho. No supermercado A, as carnes e seus derivados apresentavam-se constantemente em condições inadequadas de armazenamento, representando riscos à saúde dos consumidores e também prejuízos pela possível deterioração precoce dos produtos. O padrão das carnes não embaladas demonstrado pelas figuras, sobretudo a figura 2, permite suspeitar de funcionamento intermitente do refrigerador, proposital ou não. De uma maneira ou de outra, o perigo iminente existe. Nesse estabelecimento pode estar ocorrendo, de fato, a prática de desligar os refrigeradores, a fim de economizar energia. Verificando-se a qualidade microbiológica de carne moída resfriada, vendida a varejo, na região de Santa Maria, no Rio Grande Sul, foram encontrados balcões frigoríficos cujas temperaturas variavam de 0ºC a 12 o C. Nesses mesmos balcões, 93,5% das amostras apresentaram-se impróprias para o consumo, de acordo com a análise de coliformes fecais (MORANDINI et al., 2001). Trata-se de uma evidência de que o funcionamento de refrigeradores em faixas de temperatura acima das permitidas por lei pode ser uma prática comum em vários locais do País. 42 SAÚDE REV., Piracicaba, 5(9): 39-46, 2003

Figura 3. Derivados cárneos submetidos ao armazenamento sob refrigeração no supermercado A. Figura 4. Carnes embaladas armazenadas em refrigerador com prateleiras, no supermercado B. No supermercado B a refrigeração de carnes embaladas, em refrigeradores com e sem prateleiras, apresentou diferenças, mostradas nas figuras 4 e 5, respectivamente. Nos produtos mantidos no balcão de refrigeração com prateleiras, foram observadas temperaturas iguais ou inferiores ao limite máximo recomendado (4 o C), exceto em uma única extremidade, apenas na medição realizada às 14h, na quinta semana, de 5 o C. Portanto, podese concluir que as carnes embaladas não ultrapassaram o limite máximo de segurança. O limite mínimo recomendado (0 o C) não foi mantido. Em apenas uma medição de temperatura, feita em uma extremidade, às 8h, na primeira semana, detectou-se -3 o C, mas, na maioria das medições, foi encontrado -1 o C. Uma das principais razões dessa ocorrência, à qual pode ser atribuída um valor mínimo para a refrigeração antes da temperatura máxima aceita para congelamento (-18 o C), é a diminuição da faixa de variação de temperatura a que o alimento mantido sob refrigeração esteja submetido. Isso significa reduzir a formação de cristais grandes, que tendem a se formar em extensos períodos de congelamento, como ocorre em temperaturas inferiores a 0 o C, mas próximas desse valor. Esses cristais grandes lesionam a integridade das membranas celulares e, na próxima elevação de temperatura superior a 0 o C, ocorrerá o extravasamento do material intracelular para os tecidos. Esse extravasamento fornece nutrientes e serve como meio de cultivo para microrganismos, acelerando a perda do produto e aumentando o risco de contaminação microbiana. Saúde em Revista 43 MONITORAMENTO DE CARNES E DERIVADOS REFRIGERADOS EXPOSTOS À VENDA EM SUPERMERCADOS SULFLUMINENSES

Figura 5. Carnes embaladas em refrigerador sem prateleiras no supermercado B. Mesmo assim, é melhor 1 o C a menos que o limite inferior de 0 o C do que 1 o C acima do limite superior, já que a manutenção de baixa temperatura é importante para o retardamento do crescimento de microrganismos. No entanto, não se ignora a necessidade de reduzir grandes oscilações na temperatura de armazenamento. No balcão de refrigeração de carnes embaladas sem prateleiras desse mesmo supermercado B observou-se situação bem diferente. Os produtos foram mantidos a temperaturas bastante flutuantes, desde -2 o C até 8 o C. Temperaturas superiores a 4 o C foram verificadas às 8h, 14h e 20h, durante as cinco semanas, em diferentes pontos do refrigerador. Isso permite afirmar que tais condições são indesejáveis ao armazenamento de carnes embaladas. O fato de os produtos serem mantidos de forma aglomerada pode dificultar a circulação do ar refrigerado, provocando um aumento de temperatura do equipamento e dos alimentos nele contidos. A figura 6 apresenta as temperaturas encontradas para os derivados cárneos no supermercado B. No balcão de refrigeração de derivados cárneos do supermercado B também foram observadas temperaturas superiores a 4 o C em diferentes horários, em pontos distintos do refrigerador e em todas as semanas, com picos de 8 o C nas três últimas delas. Especificamente na terceira semana, as extremidades e o centro do equipamento apresentaram temperaturas superiores ao limite máximo 8 o C e 7 o C nas extremidades e 5 o C no centro. Como essa elevação de temperatura, detectada em todo o refrigerador no horário da manhã, só ocorreu naquela semana, pode-se cogitar a possibilidade de falta de energia no período noturno. Ademais, não necessariamente significa uma prática habitual do estabelecimento, de desligar o equipamento durante a noite, já que, nas outras semanas, foram encontradas temperaturas iguais ou inferiores a 3 o C nesse horário, em todos os pontos medidos. Nenhuma temperatura inferior a 0 o C foi detectada. É possível observar, no supermercado B, um padrão de temperatura para todos os refrigeradores, de acordo com os horários. Às 8h verificou-se as temperaturas mais baixas, ao passo que às 20h e, especialmente às 14h, foram registradas as temperaturas mais elevadas. Isso pode ser atribuído à movimentação de fregueses nesses horários. Geralmente, as pessoas não fazem suas compras logo no início da manhã ou próximo ao horário de fechamento do supermercado. Ao contrário, a maioria dos fregueses transita pelo estabelecimento, liberando calor de seus corpos ao ambiente, durante a manhã, possivelmente antes do almoço. Esse fato pode ser responsável por um sensível fornecimento de calor suficiente para elevar a temperatura ambiental e dos refrigeradores, senão por uma ventilação maior por conta da transitação de centenas de pessoas, acarretando perda parcial do microambiente frio criado em torno dos alimentos no período noturno. Seguindo a legislação, a análise microbiológica de frios pré-fatiados e fatiados na hora, em supermercados de Natal, no Rio Grande do Norte, detectou que 43,7% das amostras achavam-se impróprias para o consumo, o mesmo ocorrendo em 20,1% dos produtos cárneos (MORAIS et al., 1999). O referido trabalho não cita as temperaturas de armazenamento dos frios pré-fatiados, mas aponta falhas higiênico-sanitárias pondo em risco a saúde do consumidor. No supermercado C, a refrigeração de carnes embaladas obedece ao exposto na figura 7. 44 SAÚDE REV., Piracicaba, 5(9): 39-46, 2003

Figura 6. Derivados cárneos submetidos ao armazenamento sob refrigeração, no supermercado B. Figura 7. Carnes embaladas submetidas ao armazenamento sob refrigeração, no supermercado C. Apesar da temperatura de 6 o C detectada em uma extremidade do equipamento, às 14h, na quarta semana, nenhuma outra foi superior a 4 o C ou inferior a 0 o C, permitindo afirmar que, nesse estabelecimento, o armazenamento de carnes embaladas estava dentro dos limites desejáveis de temperatura. Por conta do próprio método de conservação de alimentos que é a refrigeração que retarda, mas não elimina a proliferação microbiana, a manutenção de temperaturas entre 0ºC e 4 o C em produtos cárneos refrigerados assume um papel ainda mais importante. É que a exposição de alimentos a temperaturas superiores a essa faixa reduz sobremaneira a eficiência da conservação do produto. A análise de peitos de frango obtidos do comércio varejista de Salvador, na Bahia, detectou a presença de Listeria spp. em 83% das amostras resfriadas, ao passo que esse microrganismo esteve ausente em amostras congeladas e defumadas (GONÇALVES et al., 2001). Infelizmente, nesse trabalho, os autores não citam a temperatura de conservação dos alimentos estudados, mas ele serve para alertar sobre o perigo de toxinfecção alimentar em condições de armazenamento inadequado de alimentos cárneos refrigerados. CONSIDERAÇÕES FINAIS A verificação de temperaturas deste trabalho foi realizada nos meses de julho e agosto. Portanto, os dados e as discussões aqui apresentados são pertinentes a um estudo de corte, refletindo a situação Saúde em Revista 45 MONITORAMENTO DE CARNES E DERIVADOS REFRIGERADOS EXPOSTOS À VENDA EM SUPERMERCADOS SULFLUMINENSES

em um dado momento. Um estudo acompanhando as variações de temperaturas em diferentes períodos do ano, em mais supermercados e outros municípios do sulfluminense, bem como análises microbiológicas dos alimentos são aconselháveis, a fim de se obter informações complementares e traçar um perfil da situação do armazenamento sob refrigeração de carnes e derivados na região sulfluminense. As recomendações que podem ser feitas aos consumidores sulfluminenses dizem respeito à observação das condições higiênicas e do aspecto visual do local e do refrigerador. Além disso, há que sempre averiguar a data de validade dos produtos e a presença de água, ferrugem, sujeira, abarrotamento de produtos e falta de termômetros externos nas partes mais quentes dos refrigeradores, o que impede de se observar as temperaturas recomendadas neste trabalho. Produtos cárneos, cozidos e laticínios misturados, refrigeradores em locais pouco ventilados ou sob luz solar direta são bons indicadores para se decidir pela compra ou não de um produto, e não apenas o seu preço. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CENTRO DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA DA SECRETARIA DO ESTADO DE SAÚDE DO ESTADO DE SÃO PAULO. Portaria n. 6, de 10 de março de 1999. Diário Oficial do Estado de São Paulo, São Paulo, 12/mar./1999, seção I, p. 24. EVANGELISTA, J. Alimentos. Um estudo abrangente. São Paulo: Atheneu, 1994. FACCO, E.M.P.; GUADAGNIM, S.G.; MILANI, I.G.M.; KUBOTA, E.H. & FRIES, L.L.M. Condições microbiológicas de cortes de carne bovina embalada e refrigerada. In: III Simpósio Latino-Americano de Ciência de Alimentos, Campinas, 3, 1999. GONÇALVES, A.C.; ALVES, M.A.O.; ALMEIDA, R.C.C. & ALMEIDA, P.F. Ocorrência de Listeria spp. em peitos de frango e controle da contaminação através de desinfetantes comerciais. In: IV Simpósio Latino-Americano de Ciência de Alimentos, Campinas, 4, 2001. HAZELWOOD, D. & McLEAN, H.C. Manual de Higiene para Manipuladores de Alimentos. São Paulo: Varela, 1998. JAY, J.M. Microbiologia Moderna de los Alimentos. 3.ª ed. Zaragoza: Acribia, 1994. LEDERER, J. Intoxicações alimentares. In: Enciclopédia Moderna de Higiene Alimentar. São Paulo: Manole Dois, 1991a.. Tecnologia e higiene alimentar. In: Enciclopédia Moderna de Higiene Alimentar. São Paulo: Manole Dois, 1991b. MADEIRA, M. & FERRÃO, M.E.M. Alimentos Conforme a Lei. São Paulo: Manole, 2002. MORAIS, C.M.M.; MONTELLO, J.; GONÇALVES, G.F.G.; PINHEIROS, C.V.; ARAÚJO, I.S. & MEDEIROS, M.D. Frios fatiados: perigos ao consumidor? In: III Simpósio Latino-Americano de Ciência de Alimentos, Campinas, 3, 1999. MORANDINI, L.M.B.; FRIES, L.L.M.; DANIEL, A.P.; STAHL, J.A. & TERRA, N.N. Qualidade microbiológica de carne moída resfriada. In: IV Simpósio Latino-Americano de Ciência de Alimentos, Campinas, 4, 2001. SILVA JÚNIOR, E.A. Manual de Controle Higiênico-Sanitário em Alimentos. 2.ª ed. São Paulo: Varela, 1997. Submetido: 13/ago./2002 Aprovado: 11/dez./2002 46 SAÚDE REV., Piracicaba, 5(9): 39-46, 2003